SUPERLOTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA: IMPLICAÇÕES PARA A SEGURANÇA DO PACIENTE E PARA O TRABALHO DA EQUIPE DE SAÚDE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202411152325


Flávia de Oliveira Freitas1; Iany Neres Ramalho1; Maíra Amaral Silveira Gomes Ferreira1; Karla Andrievne Alves Silvano1; Patrícia Gislene Dias1; Marilza Alves de Souza1; Renata Castro Mendes2; Maria Fernanda Silveira Scarcella3; Andrea Molina Lima Avelino4; Roberta Kelly; Mandu Rocha Rodrigues5; Deisy Rejane Barbosa Bezerra5; Maria Auxiliadora Sena Conceição6; Dylmadson Iago Brito de Queiroz7; Daniele Santiago Siqueira8; Eliseu da Costa Campos9


RESUMO

Introdução: A superlotação nos serviços de emergência é uma realidade com tendência a piora, logo, torna-se necessário instituir medidas para garantir a segurança dos pacientes na assistência prestada. Objetivo: Descrever as implicações da superlotação para a segurança dos pacientes e para o trabalho/cotidiano da equipe de saúde. Metodologia: Trata-se de um artigo de revisão bibliográfica em que foi realizada uma pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa. A pesquisa de artigos, teses, monografias, capítulos de livros se deu nas bases de dados Lilacs BDNF, Medline, Scielo e nos repositórios universitários, em que se encontram as revistas científicas. Buscaram-se publicações que versassem a respeito do tema, no idioma português e no período de 2015 a 2024. Os resultados converteram-se em 34 artigos relacionados ao tema, dos quais foram selecionados 12 para este estudo, além do livro da Joint Commission Intern  ational (JCI) “Gerenciando o fluxo de pacientes: estratégias e soluções para lidar com a superlotação”. Resultados e Discussão: Sabe-se que a segurança do paciente é assunto mundialmente discutido e é tema recorrente e exigência para as instituições passarem por processo de acreditação. Nesse cenário encontram-se os profissionais de saúde, os quais estão sujeitos, pela natureza do trabalho que executa, a cometer/sofrer eventos adversos no âmbito do seu trabalho. Considerações finais: As consequências da superlotação trazem inúmeras implicações para o trabalho dos profissionais de saúde e para a segurança dos pacientes, como a diminuição da qualidade do atendimento, exaustão dos profissionais de saúde, aumento do risco de infecções, desigualdade no acesso ao atendimento, impacto na eficiência do sistema de saúde e aumento dos custos, tornando-se um desafio crítico para os sistemas de saúde públicos e privados.

Palavras-chave: Saúde Pública. Atendimento de Emergência. Gerenciamento da segurança. Segurança do paciente.

ABSTRACT

Introduction: Overcrowding in emergency services is a reality that is likely to worsen, making it necessary to implement measures to ensure patient safety in the care provided. Objective: To describe the implications of overcrowding for patient safety and the work/daily routine of the healthcare team. Methodology: This is a bibliographic review article in which an exploratory, qualitative approach was used. The search for articles, theses, dissertations, book chapters was conducted in databases such as Lilacs BDNF, Medline, Scielo, and university repositories containing scientific journals. Publications were sought that addressed the topic in Portuguese, within the period of 2015 to 2024. The results yielded 34 articles related to the topic, of which 12 were selected for this study, in addition to the book by the Joint Commission International (JCI), “Managing Patient Flow: Strategies and Solutions for Overcoming Overcrowding.” Results and Discussion: It is well known that patient safety is a globally discussed topic and a recurring requirement for institutions undergoing accreditation processes. In this context are healthcare professionals, who, due to the nature of their work, are subject to committing/experiencing adverse events within their professional environment. Final Considerations: The consequences of overcrowding bring numerous implications for the work of healthcare professionals and for patient safety, such as reduced quality of care, exhaustion of healthcare professionals, increased risk of infections, inequality in access to care, impact on the efficiency of the healthcare system, and increased costs, making it a critical challenge for both public and private healthcare systems.

Keywords: Public Health. Emergency Care. Safety Management. Patient Safety.

INTRODUÇÃO

A superlotação nas portas de entrada dos prontos atendimentos brasileiros é uma triste realidade cada vez mais evidente em nosso cotidiano. Medeiros e Santos (2010) e Bittencourt e Hortale (2009) citados por Heisler (2012), caracterizam a superlotação nos serviços de urgência e emergência como um “fenômeno” contemporâneo global, que impacta fortemente na gestão clínica e a qualidade assistencial (MEDEIROS; SANTOS, 2010, BITTENCOURT; HORTALE, 2009 apud HEISLER, 2012).

A Joint Commission International (JCI) (2009) descreve as causas da superlotação, suas consequências e os impactos para os pacientes. Destaca que o lado mais preocupante da superlotação em hospitais é o prejuízo na segurança dos pacientes (JCI, 2009).

Um dos desafios do gerenciamento da superlotação é a manutenção da qualidade da assistência prestada no serviço de emergência. A permanência prolongada dos pacientes no pronto atendimento após a estabilização do quadro clínico gera atenção e cuidados que podem levar à sobrecarga da equipe de saúde. As peculiaridades das unidades de emergência tais como a superlotação e os ambientes inadequados para prestar assistência, como corredores, dificultam a prestação de cuidados como de higiene e de conforto ao paciente. Essas características são apontadas como preocupações dos profissionais quanto à qualidade assistencial (SANTOS et al., 2013).

Diante da triste realidade, cada vez mais evidente e corriqueira de superlotação nas portas de entrada dos prontos atendimentos brasileiros, e a necessidade de prestar uma assistência segura à saúde, emergiu a seguinte questão de pesquisa: quais as implicações da superlotação dos serviços de emergência para a segurança do paciente e para o trabalho da equipe de saúde? O objetivo deste estudo é descrever as implicações da superlotação para a segurança dos pacientes e para o trabalho/cotidiano da equipe de saúde.

Este estudo justifica-se pelo fato de a segurança do paciente ser destaque na prática e na literatura em saúde há muito tempo, mostrando a necessidade de se criar mecanismos para a melhoria da assistência à saúde (BARRETO et al., 2012).

Nas últimas décadas, a preocupação com a segurança no cuidado prestado ao paciente tem se tornado um dos assuntos prioritários na área da saúde, refletindo na busca e no desenvolvimento de pesquisas científicas (ROSA et al., 2015). Para Bellucci Junior e Matsuda (2011), existe um fenômeno mundial envolvendo a questão da qualidade nos serviços de saúde, demonstrado pelo grandioso volume de investigações e discussões sobre o tema.

Ainda sobre a importância do presente estudo, infere-se que um ambiente superlotado, desorganizado, aumenta substancialmente a ocorrência de eventos adversos por parte da equipe assistencial. Além de comprometer a assistência e causar aumento da morbimortalidade, podendo levar também ao aumento do tempo de internação e, consequentemente, ao aumento dos custos com a internação.

Ofertar uma assistência de qualidade nos serviços de pronto atendimento tem se tornado um desafio para as organizações, para os gestores e para os trabalhadores. São serviços que diferem dos demais devido a características específicas como superlotação, tempo longo de espera para avaliação, sobrecarga da equipe de saúde e demanda aumentada que supera a capacidade do serviço. É necessário que se conheça os aspectos que devem ser mudados, com o intuito de melhorar a qualidade da assistência. Um bom indicador para a avaliação dos serviços prestados é a satisfação dos usuários (ACOSTA et al., 2016).

METODOLOGIA

O presente estudo é uma revisão de literatura que, segundo Lakatos e Marconi (2017), tem o intuito de deixar o pesquisador familiarizado com tudo o que foi produzido em relação ao tema, seja escrito, falado ou filmado, ou seja, pesquisar todos os meios de se obter material a respeito do assunto ao qual se quer discorrer. Segundo Gil (2010), a revisão de literatura é formulada tendo por referência materiais já publicados, que incluem desde livros e revistas até materiais acadêmicos como dissertações, teses e publicações de eventos científicos.

De acordo com Lakatos e Marconi (2017), com a pesquisa bibliográfica é possível que se obtenha a resolução de um problema e a compreensão de que ela é a base para as outras pesquisas, a de laboratório e a de campo, pois é a partir da pesquisa bibliográfica que se faz o levantamento de estudos sobre a questão abordada. Ela pode, dessa forma, ser definida como o passo inicial de qualquer pesquisa científica.

Dessa forma, para essa pesquisa, foi realizada a pesquisa bibliográfica de artigos, teses, monografias, capítulos de livros, nas bases de dados Lilacs BDNF, Medline, Scielo e nos repositórios universitários, em que se encontram as revistas científicas. Os descritores utilizados foram: saúde pública, atendimento de emergência, gerenciamento da segurança e segurança do paciente.

Os critérios adotados na pesquisa foram artigos escritos no idioma português, no período compreendido entre os anos de 2015 e 2024, que tenham sido publicados em revistas científicas nacionais, internacionais ou de universidades brasileiras. Para a escolha do material utilizado foram analisados os que versavam sobre superlotação nos pronto-socorros, sobre a segurança dos pacientes e o trabalho da equipe assistencial.

Optou-se por utilizar o livro da Joint Commission International (JCI) “Gerenciando o fluxo de pacientes: estratégias e soluções para lidar com a superlotação”, do ano de 2008, pelo fato de a JCI ser o principal órgão de certificação sobre a segurança e a qualidade dos serviços de saúde, internacionalmente aceita, com mais de cem anos de existência. O livro é muito relevante para a pesquisa, pois indica as causas e as consequências da superlotação nos serviços de urgência e emergência, bem como demonstra estratégias para gerenciá-las. Além disso, foram utilizados os sítios eletrônicos de alguns órgãos, como o do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o da Joint Commission International (JCI).

Procurou-se avaliar, nos materiais encontrados a partir dos descritores estabelecidos, se os títulos já abordavam o tema e se estavam dentro do período delimitado. Após a seleção pelos títulos, foram separados 34 artigos, dos quais foi realizada a leitura dos resumos e escolhidos 12 artigos que mais se relacionavam com o objetivo do trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A qualidade na assistência e a segurança do paciente

De acordo com Vicente (2009), citado por Silva (2012), o Institute of Medicine (IOM), entidade norte americana, divulgou o relatório “Errar é humano”, datado de 1999, no qual relacionava as pesquisas sobre as lesões causadas em pacientes submetidos a tratamento médico-hospitalar. O relatório foi a base do governo dos Estados Unidos para que uma das faces da questão sobre qualidade fosse discutida, que é ponto sobre segurança dos pacientes.

Sampaio, Costa e Rocha (2014) informam que, em 2001, o IOM lançou o relatório intitulado “Cruzando o abismo da qualidade”. Esse relatório teve como intuito definir novos rumos para o sistema de saúde, com seis domínios bem característicos que levam em consideração a segurança do paciente, a saber: “segurança, efetividade, foco no paciente, otimização, eficiência e equidade”. Esses seis pontos são os domínios que devem ser tratados por meios de protocolos clínicos, observados dentro das estratégias de gestão, a fim de proporcionar “assistência integral e humanizada” aos pacientes (SAMPAIO; COSTA; ROCHA, 2014).

Nesse mesmo sentido, em 2002, no mês de maio, em sua 55ª edição, a Assembléia Mundial da Saúde lançou a Resolução WHA 5518, que versa sobre a “Qualidade de Atenção: segurança do paciente”. Essa resolução teve como intuito difundir a existência de problemas nessa área, para que a comunidade científica estivesse atenta aos “principais pontos críticos na assistência e na atenção à saúde”, podendo, dessa forma, concentrar esforços que promovam a diminuição de falhas e o aumento da qualidade da segurança e dos serviços prestados aos pacientes (SAMPAIO; COSTA; ROCHA, 2014).

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em defesa da segurança do paciente, já em 2004, reconheceu que o problema era mundial e, por isso, criou a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, em que procurou definir e identificar prioridades na área da segurança nos diversos países onde atua, contribuindo, assim, para a construção de uma agenda mundial para a pesquisa no setor (ANVISA, 2017)

Segundo Bueno e Fassarela (2012) citados por Sampaio, Costa e Rocha (2012) A Joint Commission Internacional1 (JCI) lançou seis metas importantes para a observância da segurança dos pacientes, no texto de 2011, intitulado International Patient Safety Goals (IPSG), traduzido: Objetivos Internacionais para a Segurança do Paciente.

De acordo com a JCI, as metas são as seguintes: 1) identificar os pacientes corretamente; 2) melhorar a comunicação eficaz; 3) melhorar a segurança dos medicamentos de alto risco; 4) certificar-se de uma cirurgia segura; 5) reduzir o risco de infecções associadas aos cuidados de saúde e 6) reduzir o risco de danos ao paciente resultantes de quedas (JCI, 2018).

Essas iniciativas, que começaram no final da década de 1990 e foram se aperfeiçoando ao longo da primeira metade dos anos 2000 repercutiram melhorias na qualidade e segurança do paciente, refletindo no Brasil, por meio da Portaria n.º 529, de 1º de abril de 2013, que instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) e que foi o marco definitivo para a introdução de programas e estratégias indispensáveis para a melhoria das questões relativas à segurança do paciente (SAMPAIO; COSTA; ROCHA, 2014). Em seu artigo 3º, a Portaria estabeleceu que é necessário a promoção e o apoio à implementação das iniciativas voltadas à segurança do paciente, a organização e a gestão dos serviços de saúde por meio da implantação da gestão de risco e de Núcleos de Segurança do Paciente nos estabelecimentos de saúde; que se envolva familiares e pacientes nas ações de segurança ao paciente; que se amplie o acesso à comunidade a informações pertinentes; que se produzam e sejam difundidas informações sobre segurança do paciente; que se fomente a inclusão do tema nos cursos da área de saúde (BRASIL, 2013).

A portaria ainda conceitua o que é Segurança do Paciente, dano, incidente, evento adverso e cultura de segurança e gestão de riscos e propõe a criação de sistemas de notificação de incidentes em vários níveis e competências e também a criação de manuais, guias e protocolos para o auxílio na implementação do PNSP, esses últimos, no âmbito do Ministério da Saúde e, principalmente do Comitê de Implementação do Programa Nacional de Segurança do Paciente (CIPNSP) (BRASIL, 2013).

Bernardes (2013) citado por Sampaio, Costa e Rocha (2014) adverte que é de competência de todos os hospitais, tanto públicos quanto privados, a implementação dos Núcleos de Segurança do Paciente, uma vez que é por meio destes que serão criadas as estratégias e ações necessárias para a implantação da Gestão de Riscos. Essas etapas, previstas na Portaria nº 529, são necessárias para o gerenciamento correto dos riscos, das equipes de profissionais de saúde envolvidas, bem como do conhecimento, implantação e uso correto dos protocolos de segurança emitidos pela CIPNSP (BERNARDES, 2013 apud SAMPAIO; COSTA; ROCHA, 2014).

Vincent (2010) citado na publicação “Assistência segura: uma reflexão teórica aplicada à prática” da Anvisa (2013), enfatiza que a segurança é a área mais grave crucial para os pacientes, daí a importância do PNSP no âmbito nacional. Assim, faz-se necessário analisar como a superlotação dos hospitais está ligada a esse contexto.

É por meio dos serviços de emergências que, frequentemente, se dá a grande maioria das internações hospitalares. Isso faz com que surja uma gama de dificuldades em relação à gestão clínica e à assistência ao paciente, uma vez que é preciso atender a toda essa demanda sem perder o foco na qualidade. Existe um aumento pela procura dos serviços de urgência que está relacionada à crescente violência urbana, ao grande aumento dos acidentes de trânsito, às questões socioeconômicas, além da falta de leitos para internações após a estabilização no atendimento de urgência e também pelo aumento da expectativa de vida (GARLERT et al., 2009; HEISNER, 2012 apud SOUZA et al., 2017).

A superlotação em serviços de emergência

São indicados seis pontos que permitem medir a superlotação de um serviço de emergência. A saber: 1- ocupação total dos leitos disponíveis (100%); 2- sala de espera para consulta cheia; 3- pacientes acomodados em corredores por falta de leitos disponíveis; 4- tempo de espera para atendimento médico superior a uma hora; 5- ambulâncias não serem recebidas por saturação operacional; 6- indícios de exaustão apresentados pela equipe do serviço de emergência. O sexto item requer atenção e acompanhamento especial do gestor, pois é de caráter subjetivo (WEISS et al apud SOUZA et al., 2017).

Um ponto a se observar em relação à superlotação dos serviços de emergência é a forma de como a questão é abordada. Existe uma falta de agilidade na resolução dos problemas relativos à atenção básica de saúde e isso leva a uma crescente procura pelos serviços de emergência não apenas pelos pacientes que de fato deles necessitam, e dos que não se encontram em estado grave de saúde. Essa situação gera sobrecarga no trabalho da equipe assistencial, dificulta a identificação de casos prioritários e, consequentemente, desumaniza o atendimento, gerando práticas e ações automáticas e mecanizadas (SOUZA; BASTOS, 2008; BURGESS; RANDOR, 2013 apud SOUZA et al., 2017).

A permanência prolongada dos pacientes nas unidades de emergência descaracteriza a missão desses serviços, que deveriam ter caráter transitório, para estabilização e direcionamento/encaminhamento, e passam a funcionar como setor de internação devido à falta de leitos de retaguarda em outras unidades. Essa permanência prolongada dos pacientes na emergência, que não dispõe de infraestrutura adequada, compromete a qualidade da assistência, principalmente em relação às necessidades básicas como sono, repouso, alimentação e higiene (SANTOS et al., 2013).

Uma realidade nos hospitais públicos no Brasil é o erro no fluxo dos pacientes. Os pacientes quando necessitam de internação permanecem no setor de emergência do hospital, o que pode atrapalhar novos atendimentos. Isso descaracteriza a função desse serviço e sobrecarrega a equipe de saúde. A entrada de pacientes supera a saída, gerando uma superlotação acima da capacidade nos serviços (BUGS et al., 2017).

A Joint Commission International (2008) destaca que o lado mais preocupante da superlotação em hospitais é o prejuízo na segurança dos pacientes. Segundo a JCI, a superlotação acarreta diversas situações que podem colocar em risco a assistência prestada; e suas consequências são: a sobrecarga da equipe de trabalho; o estresse; a ansiedade dos pacientes; o atraso para atendimento e para exames; a desumanização da assistência que é evidenciada por atendimento em locais impróprios, como corredores, expondo a privacidade e a intimidade das pessoas assistidas, entre outros.

Santos et al. (2013) apontam que a superlotação nos serviços de emergência e a carência de leitos hospitalares levam a dificuldades de atendimento aos pacientes pelos profissionais de saúde. Segundo os autores, o trabalho da equipe assistencial na gerência de cuidados em serviços de pronto-socorro deve ser direcionado à criação de estratégias para enfrentamento dos desafios oriundos de um ambiente cuja demanda por atendimento é constante.

A segurança do paciente é parte essencial na prestação de cuidados e tratamento de saúde e constitui um tema que vem adquirindo cada vez mais importância nas instituições que prestam assistência à saúde com o intuito de oferecer uma assistência de qualidade, segura e sem riscos. As instituições estão se aperfeiçoando e criando mecanismos para evitar os eventos adversos que podem representar causas de aumento de morbimortalidade.

 A problemática da permanência de pacientes nas emergências, dentre outros fatores, está na ausência de processos de gerenciamento dos leitos. Isso acarreta uma carga de trabalho aumentada para os profissionais, para os equipamentos utilizados e, com a maior permanência, os materiais utilizados ficam insuficientes (SANTOS et al., 2013). Segundo os autores, agrega-se a isso o fato de os profissionais trabalharem em estruturas físicas inadequadas e tudo isso gera o comprometimento da qualidade da assistência, a sobrecarga da equipe, sendo causa de sofrimento, de conflitos e de insatisfação.

Um grande desafio imposto pela superlotação é a manutenção da qualidade da assistência dentro do serviço de emergência. Prolongar a estada do paciente depois de sua estabilização clínica sobrecarrega a equipe assistencial quando cuida de um paciente que já não deveria estar mais naquele setor (SANTOS et al., 2013). Segundo os autores, a superlotação traz ainda os desafios de cuidar de pacientes em locais inadequados, como os corredores das instalações e são características que causam preocupação entre os profissionais no que diz respeito à qualidade da assistência prestada ao paciente.

Gerenciar a superlotação constitui um desafio para os profissionais, uma vez que é preciso planejamento para a realização do cuidado, organização do trabalho de forma que tudo seja adequado às condições de atendimento que estão à disposição em relação à gravidade do quadro clínico dos pacientes atendidos. Desafio este, de realizar uma assistência de qualidade dentro de um ambiente em que a procura por atendimento é incessante (SIMAN; BRITO, 2016).

Rosa (2015) afirma que existem alguns fatores que constituem obstáculos para os profissionais assistenciais, como a falta de segurança, a questão da limpeza precária, conforto inadequado, a escassez de profissionais em atendimento, o excessivo número de pacientes, a falta de equipamentos e o pouco tempo para treinamento de equipe.

Entende-se que a resolução desses fatores ajuda na manutenção da atenção ao cuidado com o paciente, como afirma Rosa et al. (2015), ao sustentarem que a redução do risco de danos ao paciente concomitante com a qualidade da assistência prestada é primordial no tocante à segurança do paciente. Segundo os autores, além disso, os eventos adversos podem ocorrer no cotidiano do serviço de saúde “seja por imperícias, negligências, imprudências, omissões e que esses erros, muitas vezes, independem da excelência da qualificação do profissional da saúde”, e que a segurança do paciente deve ser plenamente observada, uma vez que se trata de uma responsabilidade legal da profissão (ROSA et al., 2015, p.39).

Por outro lado, a Joint Commission International (2008) aponta que atrasos no tratamento, maiores índices de erros, piores resultados, desistências de atendimentos e maiores taxas de readmissão são algumas das consequências que comprometem a segurança dos pacientes.  Os profissionais trabalham num ritmo acelerado para dar conta da demanda aumentada colocando, assim, a segurança em risco.

A JCI reporta ainda o pronto-socorro como um ambiente repleto de riscos e aponta fatores que os aumentam, como: grande número de pacientes; necessidades complexas, escassez de funcionários, desvios de tarefas, limitação de recursos; expectativas dos pacientes e dos familiares, carência de registros dos atendimentos, entre outros (JCI, 2008).

Corroborando com o que foi dito, Siman e Brito (2016), observam que outros fatores que geram eventos adversos e colocam a segurança do paciente em risco são a sobrecarga de trabalho e o número reduzido de pessoal, e isso implica dizer que a segurança do paciente está relacionada com “recursos humanos e tomadas de decisão em todos os níveis da organização”. Assim, tem-se que um local altamente confiável gera uma “consciência coletiva com relação à segurança do paciente”. Essa consciência coletiva envolve todo o grupo atuante, incluindo a administração, que se torna fundamental para a implantação de mudanças de comportamento e de cultura.

A ocorrência de eventos adversos é atribuída ao fator humano, mas as causas podem ser as condições de trabalho, a complexidade das atividades e questões estruturais. Os eventos adversos podem ocorrer em decorrência do avanço tecnológico associado ao despreparo dos recursos humanos, desmotivação, falha na organização do processo de trabalho, sobrecarga de serviços e delegação equivocada de cuidados (BECCARIA et al., 2009 apud OLIVEIRA et al., 2014).  

Roque e Melo (2010), citados por Oliveira et al. (2014), alertam que os eventos adversos mais recorrentes entre a equipe de enfermagem estão relacionados às seguintes ocorrências: a) administração de medicamentos; b) troca de informações e transferência de pacientes; c) ocorrência de quedas e úlcera por pressão; d) falha na identificação do paciente; e) presença de infecções relacionadas aos cuidados e f) falhas de comunicação.

A articulação das equipes de sqaúde é fundamental no cuidado ao paciente e há um fator que prejudica muito essa articulação, que é a falta de interação multiprofissional. É importante que as relações sejam sempre no sentido de oferecer assistência sem risco e integral (FORMIGA et al., 2014). Segundo os autores, deve haver um sentido de “complementaridade”, em que exista a troca dos saberes e respeito mútuo entre os membros das equipes. Complementam dizendo que a equipe não articulada contribui para a superlotação, bem como os fatores interdisciplinares, tais como a falta de capacitação profissional para o setor de emergência, o espaço organizacional inadequado e inespecífico para atendimento de emergência, falta de insumos para os procedimentos a serem realizados e, como fator humano, a jornada excessiva de trabalho.

Com relação à capacitação, os profissionais que atuam nas unidades de emergência devem atualizar seus conhecimentos constantemente, buscando formas de enfrentar os desafios encontrados nesses ambientes.

A capacitação dos profissionais de saúde em unidades de emergência é um processo contínuo e multifacetado que deve integrar habilidades técnicas, interpessoais e conhecimento baseado em evidências. O investimento em educação e treinamento eficazes é fundamental para melhorar a assistência, aumentar a segurança do paciente e reduzir os erros. Com a evolução constante da medicina de emergência, é imperativo que os profissionais se mantenham atualizados e bem treinados, utilizando as mais recentes práticas e tecnologias, para lidar com os desafios desse campo altamente exigente.

Estratégias de Gestão e Soluções para a Superlotação

Para enfrentar o problema da superlotação nas unidades de emergência, é fundamental adotar uma abordagem integrada que envolva a melhoria da gestão do fluxo de pacientes, a ampliação de recursos e a promoção de cuidados primários.

Melhoria da triagem e classificação de risco: a triagem eficiente é um componente crucial para a gestão de unidades de emergência superlotadas. Sistemas de classificação, como o Sistema de Triagem de Manchester ou o Protocolo de Triagem de Emergência (ETC), ajudam a priorizar pacientes com base na gravidade do seu quadro, garantindo que os casos mais urgentes sejam atendidos primeiro (Zúñiga; Carrillo, 2023).

Expansão da rede de atenção primária: investir em cuidados primários de saúde é um excelente exemplo de como reduzir a sobrecarga nas unidades de emergência. Aumentar o acesso a clínicas de saúde, promover programas de prevenção e promover a educação da população sobre quando buscar atendimento de emergência pode ajudar a diminuir a demanda (Zúñiga; Carrillo, 2023).

Aumento da capacidade e eficiência dos serviços de saúde: investir na expansão da infraestrutura hospitalar e no uso de tecnologias para melhorar a gestão são importantes estratégias a serem implementadas.

Integração com serviços de saúde secundários e terciários: não menos importante é o fortalecimento da rede de cuidados, de forma a encaminhar os pacientes rapidamente para unidades de cuidados intensivos, hospitais especializados ou outras unidades, conforme necessário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A superlotação é uma realidade na maioria dos serviços de emergência e traz vários desafios para as equipe de saúde tanto para gerenciamento da equipe e dos processos de trabalho quanto para a prestação da assistência. Requer de toda a equipe envolvida, o desenvolvimento de competências diferenciadas como atenção, zelo, concentração, habilidade para lidar com estresse e situação de urgência, improvisos, entre outras competências.

Um ambiente superlotado, desorganizado, implica em aumento da ocorrência de eventos adversos por parte da equipe assistencial. A superlotação causa estresse à equipe, atrasos no atendimento aos usuários, prestação de cuidados em locais inapropriados, desumanização da assistência por perda da privacidade e da intimidade dos usuários, além de comprometer a assistência e causar aumento da morbimortalidade. Pode levar também ao aumento do tempo de internação e, consequentemente, ao aumento dos custos com a internação.

A partir dessas reflexões, percebe-se que, para alcançar a qualidade da assistência e garantir maior segurança ao paciente e à equipe de saúde, é fundamental que ocorram mudanças na cultura do cuidado em saúde. Os eventos adversos não podem ser percebidos como resultado de incompetência da ação humana ou medidas punitivas e, sim, como uma oportunidade para que o profissional ou o sistema seja melhorado. É preciso que os profissionais possam ter preparo e comprometimento para lidar com a realidade de superlotação dos serviços de urgência e emergência.

A superlotação nas unidades de emergência é um desafio crescente que exige uma resposta coordenada entre políticas de saúde pública, inovação na gestão hospitalar e a melhoria do acesso aos cuidados primários. A implementação de estratégias eficazes, como a melhoria da triagem, a expansão da infraestrutura e a redução da demanda desnecessária nos serviços de emergência, é crucial para garantir um atendimento de qualidade e para aliviar a pressão sobre os profissionais de saúde.


1 A Joint Commission International é uma entidade internacional que promove certificação e acreditação de hospitais e clínicas em mais de cem países ao redor do mundo, focada na segurança dos pacientes e na qualidade dos serviços de saúde prestados. Disponível em: www.jointcommissioninternational.org/.

REFERÊNCIAS

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1Enfermeira do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais / Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (HC-UFMG/EBSERH);
2Fisioterapeuta do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais / Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (HC-UFMG/EBSERH);
3Doutora em Ciências da Saúde – Universidade Estadual de Montes Claros;
4Enfermeira do Maternidade Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará / / Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (MEAC-UFC/EBSERH) e Hospital Instituto Doutor José Frota (IJF);
5Enfermeira do Maternidade Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará / / Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (MEAC-UFC/EBSERH);
6Enfermeira do Hospital Universitário Professor Edgar Santos da Universidade Federal da Bahia / Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (HUPES-BA/EBSERH);
7Discente de Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM);
8Bacharel em Enfermagem pela Universidade Salgado de Oliveira Filho – Belo Horizonte (UNIVERSO);
9Enfermeiro Oncologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia / Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (HC-UFU/EBSERH).