A INIMPUTABILIDADE PENAL: ANÁLISE ACERCA DA RELAÇÃO DOS DEFICIENTES MENTAIS E A PRÁTICA DE CRIMES HEDIONDOS

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11117124


Talita Gabriele da Rocha Sicsú1


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar o impacto gerado pelo diagnóstico precoce e o quanto pode contribuir de maneira significativa no controle de diminuição de atos hediondos. O tema aborda a doença mental no contexto criminal, destacando seu histórico, influências no comportamento criminoso e a abordagem psiquiátrica na prevenção do crime. Examina a aplicação de diagnósticos no processo penal, os procedimentos relacionados ao incidente de insanidade mental e os elementos essenciais dos laudos psiquiátricos. Além disso, discute as doenças mentais mais comuns, a situação do sistema prisional e as consequências da falta de tratamento adequado e da detenção inadequada de indivíduos com distúrbios mentais. A metodologia adotada envolveu uma revisão bibliográfica, com consulta a livros, revistas, periódicos e fontes online especializadas no assunto.

PALAVRAS-CHAVE: Doença Mental. Medidas de segurança. Crimes hediondos.

ABSTRACT

This article aims to analyze the impact generated by early diagnosis and how much it can significantly contribute to controlling the reduction of heinous acts. The theme addresses mental illness in the criminal context, highlighting its history, influences on criminal behavior and the psychiatric approach to crime prevention. Examines the application of diagnoses in the criminal process, the procedures related to the incident of mental insanity and the essential elements of psychiatric reports. Furthermore, it discusses the most common mental illnesses, the situation of the prison system and the consequences of the lack of adequate treatment and inadequate detention of individuals with mental disorders. The methodology adopted involved a bibliographical review, consulting books, magazines, periodicals and online sources specialized in the subject.

KEYWORDS: Mental Illness. Security measures. Heinous crimes.

1   INTRODUÇÃO

O presente estudo trata sobre a relação dos deficientes mentais e a prática de crimes hediondos.

No Direito Penal, a doença mental é considerada um fator de inimputabilidade, sendo avaliada conforme a sanidade do agente. O Código Penal Brasileiro prevê a isenção de pena para os indivíduos com doença mental, os quais são submetidos a medidas de segurança com propósitos específicos.

Ao analisar a interação entre o Direito Penal e a Psiquiatria, surgem considerações cruciais para os diagnósticos comportamentais de cada indivíduo, visando classificá-los como imputáveis, inimputáveis ou semi-imputáveis. Essas classificações são fundamentais para determinar as medidas apropriadas para cada caso.

Os imputáveis são aqueles que possuem sanidade mental e são passíveis de pena conforme sua conduta. Por outro lado, os inimputáveis são os que não possuem sanidade mental e são tratados por meio de medidas de segurança. Os semi- imputáveis estão em uma posição intermediária entre essas categorias, e o resultado da avaliação pericial tende a favorecer o lado que mais influenciar na análise do perito. Quanto à punição dos agentes classificados como doentes mentais, é aplicada a medida de segurança, regulamentada pelos artigos 96 a 99 do Código Penal. Esses artigos estabelecem as diferentes espécies de medidas de segurança, a imposição da medida para os inimputáveis, seu prazo de duração, as condições para realização da perícia médica, as possibilidades de desinternação ou liberação condicional, a substituição da pena por medida de segurança nos casos dos semi-imputáveis, e os direitos do indivíduo internado.

A metodologia empregada neste estudo é predominantemente bibliográfica, fundamentada na análise das principais obras que abordam o tema. Foram consultados livros atualizados, jurisprudências recentes, novidades legislativas e artigos disponíveis na internet. A fim de facilitar a compreensão, o trabalho foi organizado de maneira didática, dividido em três partes distintas.

O objetivo geral desta pesquisa consiste em analisar o impacto gerado pelo diagnóstico precoce e o quanto pode contribuir de maneira significativa no controle de diminuição de atos hediondos. E os objetivos específicos: demonstrar por meio de estudos, jurisprudências, leis, a importância da temática, principalmente para os dias atuais, pois só tem aumentado a criminalidade; analisar como as leis podem ser interpretadas e até mesmo reavaliadas, de forma a garantir a prevenção da criminalidade hedionda; desenvolver a conscientização das pessoas para a implementação de políticas públicas e eventos de prevenção e suporte.

2   ANÁLISE ACERCA DA RELAÇÃO DOS DEFICIENTES MENTAIS E A PRÁTICA DE CRIMES HEDIONDOS

Será apresentada uma abordagem dos inimputáveis na pratica de crimes hediondos.

2.1. O inimputável

Quando se trata do inimputável e o ato hediondo praticado pelo mesmo, se entende ser um tema que gera bastante polêmica, de fato. Portanto, a necessidade de abordar tal assunto é de extrema importância.

Como Rogério Grecco (2008) menciona (…) o inimputável, por não possuir discernimento e vontade livres, não pode ser responsabilizado criminalmente pelos seus atos”.

Entretanto, ao longo da trajetória relacionada a temática, foi aprovado um projeto de lei (PLS 74/2014), na Comissão de Direitos Humanos, onde o projeto visa criminalizar o preconceito com o deficiente mental, e mais importante ainda ressaltar que, tais discriminações podem ser denominadas de condutas psicofóbicas, até mesmo podendo ser enquadra no Código Penal Brasileiro, como crime contra a honra.

Contudo, a ação que for considerada psicofóbica, poderá ser elencada como crime e possuir a mesma punição que é prevista contra a pessoa deficiente. Um dos pontos principais para a devida compreensão do deficiente mental é entender que na infância já se podem encontrar resquícios de preconceito, como por exemplo: as pessoas ao redor, ao notar um suposto comportamento estranho da criança, optam por julgá-la ao invés de alertar os pais a procurar um profissional especializado ou os pais serem de origem humilde e terem menos acesso a informação.

Contudo, se compreende que o futuro dessa criança poderá ser comprometido, pois se de fato possuir uma patologia, uma vez não tratada, crescerá oferecendo perigo a sociedade, e cometerá atos hediondos, massacres, e outros.

Atualmente se encontram diversos cenários como esse. Por isso a importância de se iniciar a terapia na infância, para a criança no futuro saber lidar melhor e identificar os desafios comportamentais, emocionais e também cognitivos.

De acordo com Melanie Klein (2023) foi uma psicanalista que formulou trabalhos com crianças e citou em “O sentimento de solidão, nosso mundo adulto e outros ensaios” (…) Ao considerar do ponto de vista psicanalítico o comportamento das pessoas no seu ambiente social, é necessário investigar como o indivíduo se desenvolve desde a infância até a maturidade”.

Portanto, se compreende através do trecho mencionado que, no que diz respeito ao inconsciente infantil: é aprofundado na psicanálise da criança, onde será investigado para a melhoria e bem estar.

2.2.1 Tipificação

No Código Penal Brasileiro, em seu Artigo 97, vem dizendo que:

Art 97: “se o agente for inimputável, o juiz determinará a sua internação (art. 26). Se todavia o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”. A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

De fato, é necessário uma reavaliação em alguns artigos do Código Penal, onde os inimputáveis, em sua grade maioria, só são diagnosticados depois de já cometerem tais atos, e muitos deles necessitam de um tempo maior de internação, para não oferecerem maior risco ainda para a sociedade no cometimento de atos hediondos, e crimes hediondos são definidos como crimes que causam um certo tipo de repulsa social, crimes mais brutais, podendo-se assim dizer.

Todavia, não se pode negligenciar menção do princípio da presunção de inocência, que quer dizer que toda pessoa é considerada inocente até que se prove o contrário. Por isso, é de suma importância averiguar cada caso de maneira individual e única, obtendo avaliação psiquiátrica forense, pois, a análise é extensa e compete aos profissionais.

No contexto do presente projeto, não se trata somente do inimputável, mas vai além, pois, com o aumento das tragédias praticadas pelos mesmos, as pessoas ficam apavoradas, e existe um senso de urgência em se obter modificações no Código Penal Brasileiro e em se ter cada vez mais políticas públicas sobre tal assunto, a respeito de se obter mais hospitais de custódia, mais projetos de lei, mais acessos as informações as famílias. Aqui envolve não somente o crime hediondo, mas envolve a saúde mental, e a responsabilidade que o Estado precisa assegurar cada vez mais.

De acordo com Cesare Beccaria diz:

(…) “É preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar e possível livrá-los de todos os pesares que lhe possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência (Beccaria, 2001, p.100).

Neste trecho específico se pode ter a compreensão de que, em relação a criminalidade, para que não ocorra a progressão e o aumento, é totalmente necessários modificações e investimentos no âmbito da legislação e até mesmo políticas públicas. Uma vez comprovada tal insanidade do sujeito, compreende-se, a incapacidade de viver livre na sociedade. Partindo do pressuposto de que o sistema público acaba sendo limitado em diversos momentos.

No que concerne a medida de segurança, visa focar não na reprovabilidade da conduta, mas sim na periculosidade da conduta, pois no decorrer do processo, o juiz irá deflagrar o chamado: incidente de insanidade mental, onde tem como intuito observar se o sujeito que cometeu tal ato, se enquadra no termo inimputável ( seja no tempo da ação ou até mesmo da omissão).

O crime tem uma estrutura que é expressada em : fato típico, ilicitude e culpabilidade, logo, se comprovado o diagnóstico se entende que : sem culpabilidade não há crime, onde vem evidenciando no Artigo 26 do Código Penal, porém, é sentenciado pelo magistrado a absolvição imprópria, e com isso, aplicada a medida de segurança (Artigo 96 ao 99 do CPB), onde consiste em: Tratamento ambulatorial, Internação no hospital de custódia, e Tratamento psiquiátrico.

Ressaltando que a medida de segurança é direcionada para o inimputável (doente mental), e no que diz respeito ao tratamento ambulatorial, é considerado um tratamento mais brando, pode se dizer. Quando analisado o Artigo 97 do Código Penal, pode interpretá-lo de maneira que a internação mencionada no artigo seja a regra, porém importante ressaltar que nesse caso o magistrado também pode aplicar o tratamento ambulatorial. Neste contexto se entende que a medida de segurança possui prazos, tanto um prazo mínimo como também um prazo máximo: 1 (um) a 3 ( três) anos.

Ressaltando algo de extrema importância sobre o entendimento do STF: “o tempo máximo da medida de segurança deve submeter-se ao limite máximo de pena”. Atualmente se nota um cenário urgente no que diz respeito aos inimputáveis, sendo necessárias novas estratégias, novos suportes de prevenção, novas maneiras de melhorias para que tais atos hediondos sejam reduzidos.

Políticas Públicas, tem o conceito de normas que estão ligadas de um ou vários atores públicos, sendo eles: formas de intervenção, regulamentação, prestação de serviços, entre outros. Portanto, a necessidade de se ter políticas públicas nesse contexto relacionado ao inimputável precisa ocorrer como formas de prevenção, como por exemplo: ter mais instituições especializadas, ou seja, mais hospitais psiquiátricos, onde nestes locais os inimputáveis receberão o devido cuidado no que diz respeito às suas condições mentais, assim como, o acompanhamento necessário de profissionais da área de psicologia e psiquiatria, para que assim recebam o suporte devido, para que seja reduzido o risco na sociedade. É de se observar que o País enfrenta vários desafios quando se trata de saúde mental, logo, a falta de estrutura para se obter mais unidades de hospitais de custódia, e isso causa um certo tipo de alerta, pois, é de fato preocupante tal falta de estrutura, uma vez não tendo várias unidades, o inimputável acaba sendo deslocado para internação inadequada nos estabelecimentos prisionais.

Essa escassez tem um reflexo de urgência, a falta de investimentos e políticas públicas mais centradas no âmbito da Justiça Criminal, se observando assim, tal necessidade de mais hospitais de custódia com o devido funcionamento, onde o principal objetivo será o atendimento específico dos inimputáveis que cometeram atos criminosos hediondos. Importante mencionar a criação de ações que visem a prevenção de crimes que estão relacionados ao transtorno mental, como por exemplo, possibilitar a conscientização em saúde mental, para que assim seja minimizado a incidência de casos que são alvos de internação. No entanto, é importante destacar que em estudos realizados sobre a relação que se tem em doença mental x a criminalidade hedionda, é algo extenso onde envolve muitos fatores, onde incluem: acesso ao devido tratamento de maneira adequada, vida pessoal, etc. Contudo, a necessidade das políticas públicas visarem em tal suporte, oferecendo programas de reintegração e muita concentração aos fatores que oferecem risco, no que diz respeito a criminalidade, logo, existem casos em que o doente mental pode apresentar risco para a sociedade e ter envolvimento com atos hediondos.

O estigma que acaba sendo refletido nos doentes mentais pode acarretar diversos atos, como a exclusão dessas pessoas, e tal ato poderá ser suficiente para o aumento do risco do comportamento do doente mental, e neste sentido, é mais do que necessário oportunizar a redução do estigma. Entretanto, a doença mental não é um fator de risco predominantemente dito, porém, uma série de fatores podem ocasionar o aumento do comportamento para ter uma tendência criminosa, entre os principais fatores está a falta de acesso ao tratamento, e essas questões são muito complexas, pois, não envolve somente a área da saúde mas também envolve a justiça, e, se solicita o comprometimento e responsabilidade do Governo, assim como, sistema de justiça criminal, onde existe uma citação interessante do autor Fernando Capez (2023) aborda que: “A falta de imputabilidade penal não exime o Estado de tomar medidas de segurança para proteger a sociedade e garantir o tratamento adequado aos inimputáveis”.

Analisando que esta citação é uma forma de exemplo sobre a situação em que os inimputáveis se encontram, e a importância de um tratamento correto, pois, os hospitais de custódia é uma instituição que possui especialização no tratamento dessas pessoas que foram consideradas incapazes de entender os seus atos praticados, logo pois, esse hospitais possuem um destaque essencial no sistema de justiça criminal, além do mais, é um cuidado essencial não somente para os doentes mentais, mas também tem o objetivo de proteção a sociedade, que está tão insegura, levando em consideração as atrocidades que vem acontecendo atualmente no Brasil. Com a falta de recursos adequados, se as leis não forem reavaliadas, poderá ser considerado como uma abordagem insuficiente, pois o inimputável precisará ser recolhido do convívio social, onde irá cumprir a medida de segurança (umas únicas formas possíveis de Prisão Perpétua, podendo-se dizer assim).

2.2.   Histórico sobre doença mental no direito penal

Na antiguidade, a doença mental era frequentemente interpretada de maneira mística. O primeiro diagnóstico reconhecido de uma doença mental foi rotulado como epilepsia, cuja tradução sugere “o mal que está acima deve se abater”. Quando os sintomas se limitavam à confusão de pensamentos, eram considerados casos de possíveis possessões parciais. Por outro lado, quando as crises se intensificavam e o indivíduo atingia o ápice de sua crise, eram rotuladas como possessões totais (Palomba, 2017).

O cuidado com as doenças mentais começou a ganhar destaque na Grécia Antiga. Hipócrates elaborou uma classificação para essas doenças, introduzindo termos como histeria, melancolia e mania. Hipócrates defendia a ideia de que essas enfermidades não tinham origem mística, buscando estabelecer bases orgânicas para sua compreensão e tratamento (Matos, 2015).

2.2.1. Conceito de doença mental para fins penais

A tentativa da psiquiatria de classificar doenças mentais frequentemente não é precisa, pois as manifestações mentais de caráter patológico não seguem um padrão exato. Apesar das limitações, as classificações existentes são necessárias para melhor compreensão das doenças mentais, sendo divididas em três grupos: psicoses, perturbações da saúde mental e oligofrênicas (Costa; Cruz, 2020).

De acordo com Torquato (2020) as psicoses são as mais graves e visíveis, afetando a personalidade e a consciência de forma agressiva, resultando em distorções na percepção da realidade, como alucinações e ideias delirantes. Podem surgir devido a disfunções cerebrais, psicológicas ou comportamentais. Os surtos associados à esquizofrenia são inconstantes e, se ocorrerem com frequência, podem indicar uma progressão para a demência completa. Durante os surtos, o controle sobre o comportamento é delicado e pode ser precedido por um período de calmaria chamado de “efeito esquizofrênico”, caracterizado por distúrbios do pensamento.

Sendo assim, pacientes esquizofrênicos muitas vezes acreditam nas vozes que ouvem, mantendo diálogos com elas e atribuindo-lhes total controle sobre seus pensamentos. Em casos extremos, essas vozes podem influenciá-los a cometer crimes, levando a uma inconsciência dos atos cometidos (Castiglioni, 2019).

Por outro lado, os pacientes com retardo mental apresentam um comportamento semelhante ao de crianças, com laços afetivos fortes com figuras parentais. Eles enfrentam desafios com agressividade e teimosia, especialmente quando provenientes de uma estrutura familiar sólida, o que pode ajudar na construção de um vínculo com a realidade. No entanto, são facilmente influenciados por outras pessoas e têm dificuldade em discernir a verdade da mentira, o que os torna vulneráveis a serem envolvidos em crimes.

O ambiente em que vivem desempenha um papel crucial na vida desses indivíduos, com uma influência significativa em seu comportamento e desenvolvimento. Portanto, a compreensão desses distúrbios mentais e de seus efeitos é essencial para lidar adequadamente com essas condições na sociedade.

2.2.2. Diagnósticos da doença mental no processo penal

A avaliação médica para diagnóstico é um processo crucial tanto no campo médico quanto no jurídico. No contexto penal, os diagnósticos de doenças mentais,

conforme delineados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) da American Psychiatric Association, desempenham um papel fundamental na determinação da condição mental dos indivíduos envolvidos em processos judiciais (APA. 2014).

De acordo com o Código de Processo Penal brasileiro, em casos de dúvidas sobre a capacidade mental do réu, é necessário submetê-lo a exames médico-legais para garantir a adequada condução do processo. A interpretação desses casos pelo autor Aury Lopes Junior (2016) destaca a necessidade de considerar diferentes cenários: seja a inimputabilidade no momento da ação, seja a superveniência de doença mental após o crime.

A identificação da saúde mental do acusado geralmente é conduzida por meio de um incidente de insanidade mental, que envolve uma perícia médica para avaliar a condição do réu. Dependendo do diagnóstico resultante, o curso do processo pode ser significativamente afetado. A legislação exige que, se for constatada a incapacidade mental, o réu seja encaminhado para tratamento adequado, seja em um manicômio judiciário ou em estabelecimento equivalente (Nascimento, 2018).

É essencial observar que o procedimento do incidente de insanidade mental é separado da ação penal principal e que os processos são reunidos somente após a apresentação do laudo pericial, conforme disposto no Código de Processo Penal. Os artigos 151 e 152 delineiam os diferentes desdobramentos do diagnóstico e seu impacto no curso do processo.

A análise pericial busca estabelecer se a doença mental existia antes ou após a infração, considerando a história médica e familiar do réu. Um laudo médico que ateste a relação entre o estado mental do acusado e o crime não determina automaticamente a sentença final; cabe ao juiz ponderar as evidências apresentadas e decidir se o réu será sujeito a pena ou medida de segurança (Pires, 2017).

2.3.   Etapas do incidente de insanidade mental

O incidente de insanidade mental representa o procedimento essencial para a avaliação da saúde mental do acusado. Quando surgem dúvidas sobre sua integridade mental, é crucial resolver essa questão para garantir a continuidade adequada do processo judicial. Se uma doença mental for identificada, será aplicada a medida de segurança correspondente. Esse procedimento envolve várias etapas para sua realização eficaz, desde questões processuais até a duração do exame, conforme estabelecido pelo Código de Processo Penal Brasileiro (BRASIL, 1941).

Entre as etapas necessárias, os parágrafos 1º e 2º do artigo 149 do Código de Processo Penal abordam aspectos cruciais relacionados às preliminares do exame. Esses pontos incluem:

Art. 149. […] § 1º O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.

§ 2º O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento (Brasil, 1941).

Para a realização do exame, se o acusado estiver detido, ele será internado em um manicômio judiciário. Se estiver em liberdade, o exame ocorrerá em um estabelecimento apropriado designado pelo juiz. É importante destacar que esse período de internação não excederá 45 dias, a menos que os peritos justifiquem a necessidade de prorrogá-lo (Brasil, 1941).

O exame será conduzido por um perito forense, responsável por analisar diversos aspectos relacionados ao comportamento e ao histórico do acusado. Durante essa análise, o perito destacará pontos cruciais, como a periculosidade do agente, a possibilidade de reincidência, e a avaliação da capacidade e integridade mental, cognitiva e afetiva do indivíduo. Além disso, o perito determinará se a doença mental do acusado surgiu antes ou depois do ocorrido, e se ele tinha capacidade de autodeterminação antes do crime (Prado, 2017).

É fundamental ressaltar que o perito atua como um auxiliar do juiz no processo, possuindo conhecimentos tanto psiquiátricos quanto jurídicos. Ele deve ser imparcial, isento e livre de quaisquer impedimentos para garantir uma avaliação justa e precisa (Moraes; Nardi, 2011).

Nesse contexto, as análises médicas da personalidade criminal do agente podem ser classificadas em duas linhas de abordagem distintas: a linha de abordagem geral e a abordagem construtiva e fenomenológica. A linha de abordagem geral concentra-se na investigação de características específicas do agente, buscando identificar traços psicológicos, comportamentais e sociais que possam influenciar seu envolvimento em atividades criminosas (Valença, 2019).

Por outro lado, a abordagem construtiva e fenomenológica está mais preocupada com o sentido da ação transgressiva e com as experiências que o agente vivenciou ao longo de sua trajetória criminal. Essa linha busca compreender as motivações subjacentes aos comportamentos criminosos, explorando aspectos como o contexto socioeconômico, histórico pessoal e eventos traumáticos que possam ter contribuído para o desenvolvimento de sua personalidade criminal (Prado, 2017).

Ao conduzir o exame, o perito forense, com seu conhecimento médico e jurídico, também se concentra na avaliação da relação de causalidade. É fundamental estabelecer o nexo causal entre o transtorno mental apresentado pelo indivíduo e o delito cometido. Nesse sentido, o perito analisará questões que não excluem a imputabilidade penal, conforme estabelecido pelo artigo 28 do Código Penal (Carvalho, 2015).

Essa avaliação minuciosa busca determinar se o transtorno mental do acusado influenciou diretamente sua conduta criminosa, o que é essencial para obter uma compreensão abrangente do caso. Essas considerações desempenham um papel crucial na avaliação médico-legal e na tomada de decisões judiciais que sejam justas e apropriadas.

Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal:

I – a emoção ou a paixão;

II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.

§1º. É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

§ 2º. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (Brasil, 1940).

    Após todas as avaliações cruciais, o laudo será elaborado com o objetivo de esclarecer todos os fatos para os devidos fins legais. O perito indicará se o agente é imputável, semi-imputável ou inimputável perante a lei, bem como se a insanidade mental existia no momento da infração, nos termos do art. 22 do Código Penal, ou se sobreveio posteriormente à infração. Essas informações são fundamentais para que o juiz possa analisar e proferir uma sentença justa no caso concreto (BRASIL, 1940).

    Caso o agente seja considerado inimputável, ele será isento de pena e poderá estar sujeito a medidas de segurança, conforme estabelece o art. 97 do Código Penal. Se a doença mental surgir após a infração, o processo será suspenso até que o acusado se reestabeleça, e o juiz poderá ordenar sua internação, se necessário. É importante destacar que o processo será retomado assim que o acusado se recuperar completamente (Brasil, 1941).

    2.3. Analise de casos

    Este tópico abordar casos reais nos quais o réus foram considerados inimputáveis segundo os tribunais.

    2.3.1. Caso 1 (Guilherme Augusto Rodrigues Martins).

    Para uma compreensão mais aprofundada da argumentação, é crucial apresentar um exemplo concreto que ilustre claramente a natureza criminosa dos psicopatas. Guilherme Augusto Rodrigues Martins foi absolvido pelo Tribunal do Júri de Taguatinga do crime de homicídio qualificado contra Alessandro Veloso Pires devido à sua inimputabilidade, sendo-lhe aplicada a medida de segurança de internação hospitalar (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 2016).

    A denúncia narra que Guilherme agrediu brutalmente Alessandro com uma espada enquanto este cochilava em um ônibus, acreditando que estava protegendo uma criança de abuso sexual. Guilherme foi diagnosticado com esquizofrenia e alienação mental, sendo considerado inteiramente incapaz de entender a natureza criminosa de suas ações (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 2016). O juiz aplicou-lhe a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico por um período mínimo de 3 anos, limitada ao máximo da pena privativa de liberdade aplicada ao crime cometido, que era de 30 anos (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 2016).

    2.3.2. Caso 2 (Champinha)

    O caso de Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido como “Champinha”, envolve o assassinato de dois jovens em 2003, além de estupro e crueldade. Com apenas 16 anos na época, Champinha demonstrava comportamento impulsivo e agressivo, liderando os crimes (Dobri, 2021).

    Diagnosticado com Transtorno de Personalidade Antissocial e leve retardo mental, foi internado na Fundação Casa até completar 21 anos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. Após atingir a maioridade, houve debate sobre sua transferência para tratamento psiquiátrico sem prazo determinado (Dobri, 2021).

    O caso destaca a complexidade das sanções para indivíduos com psicopatia, refletindo a falta de diretrizes claras no sistema penal.

    2.3.3. Caso 3 (Maníaco Do Parque)

    Um dos casos de crimes cometidos por um psicopata que ganhou grande notoriedade, especialmente na mídia da época, foi o perpetrado por Francisco Pereira da Silva, conhecido como “o maníaco do parque”. Ele ficou famoso por seus nove homicídios de mulheres, todos ocorridos no Parque do Estado, na região Sul da cidade de São Paulo, em 1998 (VEJA, 2014). Em uma entrevista à revista Veja, Francisco mostrou uma completa falta de emoção ao relatar seus crimes, revelando uma frieza assustadora ao descrever como matou suas vítimas. Ele declarou: “Nunca contei isso para ninguém, nem para minha mãe. Eu tenho um lado ruim dentro de mim. Uma coisa feia, perversa, que eu não consigo controlar. Tenho pesadelos, sonho com coisas terríveis. Acordo todo suado. Tinha noite que não saía de casa porque sabia que na rua ia querer fazer de novo, não ia me segurar. Deito-me e rezo, para tentar me controlar” (Veja, 2014, p.05).

    A defesa de Francisco argumentou que ele não tinha consciência de seus atos devido ao diagnóstico ativo de psicopatia. No entanto, a psicopatia não é uma doença mental que exclui a consciência dos atos ilícitos. A Promotoria Pública, com base em exames periciais e laudos médicos que atestaram a plena capacidade mental e discernimento de Francisco no momento dos crimes, requereu a pena máxima. Ao final do julgamento, ele foi condenado a 143 anos de prisão, tendo seu crime tipificado como homicídio qualificado, com 11 mulheres como vítimas, das quais apenas 9 corpos foram encontrados (Folha de São Paulo, 2014).

    Apesar de diagnosticado com Transtorno de Personalidade Antissocial, Francisco não recebeu tratamento correspondente. Ele cumpriu sua pena na penitenciária de Taubaté, em São Paulo. Sua morte foi declarada em dezembro de

    2000, após uma rebelião na casa de custódia onde estava detido, juntamente com outros detentos não identificados (Folha de São Paulo, 2014).

    Esse caso evidencia as deficiências do sistema jurídico e penal brasileiro, pois, apesar de ser diagnosticado como psicopata, Francisco não foi tratado como semi-imputável e não lhe foi atribuída medida de segurança adequada, sendo tratado como um condenado comum.

    2.3.4. Caso 4 (Tiago Henrique Gomes da Rocha)

    Tiago Henrique confessou ter assassinado 39 pessoas em Goiânia, sendo condenado por mais de 30 homicídios e acumulando mais de 600 anos de prisão. Ele demonstrava comportamento cruel, escolhendo aleatoriamente suas vítimas com base na aparência e executando os crimes com extrema frieza. Diagnosticado com transtorno de personalidade antissocial (psicopatia) e retardo mental leve, Tiago afirmou ter sofrido abuso sexual na infância. Suas condenações, em sua maioria, ultrapassam 20 anos de prisão. Além dos homicídios, foi condenado por assaltos e porte ilegal de arma (Ribeiro e Silva, 2021).

    O caso destaca a complexidade do tratamento penal de indivíduos com transtornos psiquiátricos, evidenciando a falta de diretrizes claras no sistema judicial para casos de psicopatia.

    2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Portanto, este estudo evidenciou que a psicopatia é um assunto que suscita consideráveis debates devido à falta de clareza, tanto no entendimento do seu conceito e origens do transtorno, quanto na maneira como indivíduos psicopatas devem ser tratados caso cometam algum crime, algo para o qual são propensos.

    Ao longo deste trabalho, exploramos a complexa interseção entre saúde mental e criminalidade hedionda, bem como o papel das políticas públicas na prevenção e combate a esses crimes. Nossa análise revelou várias questões fundamentais que merecem atenção contínua e ação concertada por parte dos formuladores de políticas, profissionais de saúde mental e autoridades de segurança pública.

    Primeiramente, identificamos a necessidade premente de uma abordagem integrada e holística para lidar com a questão da criminalidade hedionda cometida por indivíduos com doenças mentais. Isso requer uma colaboração estreita entre diferentes setores, incluindo saúde, justiça, assistência social e educação. As políticas públicas devem promover essa cooperação interdisciplinar, garantindo que os recursos e as intervenções sejam direcionados de maneira eficaz e eficiente.

    Além disso, destacamos a importância da prevenção primária, que envolve a identificação precoce de transtornos mentais e a prestação de serviços de saúde mental acessíveis e de qualidade. Investimentos significativos devem ser feitos na promoção da saúde mental e na expansão do acesso a tratamentos e serviços de apoio, visando mitigar os fatores de risco que podem levar à criminalidade.

    Por outro lado, a intervenção precoce e o tratamento adequado de indivíduos com doenças mentais que cometem crimes são igualmente cruciais. As políticas públicas devem garantir que esses indivíduos recebam o apoio de que necessitam, incluindo avaliação psiquiátrica adequada, acesso a tratamento e serviços de reabilitação, e acompanhamento contínuo após a sua reintegração na sociedade.

    No entanto, reconhecemos que a implementação efetiva dessas políticas enfrenta desafios significativos, incluindo estigmas associados à doença mental, limitações de recursos e lacunas na coordenação entre os diferentes sistemas. Portanto, é essencial que as políticas sejam baseadas em evidências sólidas e sejam continuamente avaliadas e ajustadas com base em resultados empíricos.

    Sendo assim, o desenvolvimento de políticas públicas eficazes no combate e prevenção da criminalidade hedionda cometida por doentes mentais requer um compromisso conjunto de todas as partes interessadas. Somente por meio de uma abordagem abrangente e colaborativa podemos esperar alcançar progressos significativos na promoção da segurança pública e na proteção dos direitos e bem- estar dos indivíduos afetados pela interseção entre saúde mental e crime.

    4 REFERÊNCIAS

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    1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: talitagabii2019@hotmail.com. ORCID: 0009-0002-3616-8609