UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA SOBRE O USO DE TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507271931


Paula Thamiris Pacheco da Silva1
Sandra Karina Mendes do Vale2


RESUMO

Este artigo examinou a produção acadêmica brasileira de 2014 a 2025 a respeito das tecnologias assistivas na educação de crianças com deficiência visual.  A metodologia envolveu pesquisas nas bases SciELO e BDTD, empregando combinações de termos como “tecnologias assistivas AND deficiência visual AND educação infantil”.  Selecionaram-se estudos empíricos nacionais submetidos à revisão por pares, com análise qualitativa baseada em uma matriz categorizada (autor, ano, metodologia, tecnologias avaliadas, resultados e lacunas).  Dos 60 estudos identificados, sete atenderam aos critérios de inclusão.  Os resultados indicam um progresso desde métodos táteis convencionais até instrumentos digitais inovadores, como audiogames, que fomentam um maior envolvimento e aprendizado.  No entanto, há desafios significativos, como a falta de infraestrutura adequada nas escolas (somente 28% das instituições possuem recursos de acessibilidade), capacitação docente insuficiente e disparidades regionais. É evidente a necessidade de políticas públicas mais eficazes, estudos longitudinais e desenvolvimento de tecnologias adaptáveis. A eficácia das soluções depende da combinação de inovação tecnológica, formação de professores e garantia de acesso equitativo.

Palavras-chaves: educação inclusiva; deficiência visual; tecnologias assistivas; políticas públicas; aprendizagem multissensorial.

ABSTRACT

This article examined Brazilian academic production from 2014 to 2025 regarding assistive technologies in the education of children with visual impairments. The methodology involved searches in the SciELO and BDTD databases, using combinations of terms such as “assistive technologies AND visual impairment AND early childhood education.” National empirical studies submitted to peer review were selected, with qualitative analysis based on a categorized matrix (author, year, methodology, technologies evaluated, results, and gaps). Out of the 60 studies identified, seven met the inclusion criteria. The results indicate progress from conventional tactile methods to innovative digital tools, such as audiogames, which promote greater engagement and learning. However, significant challenges remain, including a lack of adequate infrastructure in schools (only 28% of institutions have accessibility resources), insufficient teacher training, and regional disparities. The need for more effective public policies, longitudinal studies, and the development of adaptable technologies is evident. The effectiveness of solutions depends on the combination of technological innovation, teacher training, and ensuring equitable access.

Keywords: inclusive education; visual impairment; assistive Technologies; public policies; multisensory learning.

1. INTRODUÇÃO

Há décadas, o movimento pelos direitos das pessoas com deficiência tem influenciado políticas públicas no Brasil, culminando na promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que entrou em vigor em 2016. Essa legislação estabelece diretrizes para a inclusão plena, especialmente na educação, ao exigir que os sistemas de ensino garantam “condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem por meio de serviços e recursos de acessibilidade” (Brasil, 2015, art. 28, p.2).

É fato que, para Robalinho e Costa (2019) ao longo dos anos, muitas foram as reformas educativas e movimentos por uma escola inclusiva e que oferecesse possibilidades para assegurar e trabalhar didáticas direcionadas à construção de ensino e de aprendizagem de estudantes com deficiência visual, em especial com baixa visão.

O argumento central é fundamentado no histórico de exclusão e distanciamento desse segmento social às políticas públicas, autores como Espindola (2020), Rezende e Pinto (2021) e Silva (2022) destacam que inclusive no viés educativo, colocando esses agentes à margem do processo de desenvolvimento comum à época. Com um gradual avanço na estrutura social e capitalista e da modernização, não se sustentou a ideia de marginalização social, estimulando mudanças e reformas no sistema de ensino, promovendo a cultura de inclusão na escola.

Dados do Censo Escolar do INEP (2022) revelam que, apesar dos avanços legais, apenas 28% das escolas públicas brasileiras possuem recursos básicos de acessibilidade para estudantes com deficiência visual (DV), como softwares de leitura de tela ou materiais em braille. Essa lacuna entre legislação e prática evidencia os desafios persistentes na implementação de uma educação verdadeiramente inclusiva.

A deficiente visual é compreendida por Nascimento (2019) quando o indivíduo apresenta, em caráter permanente, perdas ou reduções de estrutura ou função anatômica no campo visual, desencadeando em incapacidade para a realização de determinadas atividades e ações, dentro do que é considerado normal para pessoa comum e sem limitação.

Apesar das normativas que regem a educação especial no Brasil, Bruno e Nascimento (2019) quanto à promoção de ações inclusivas e engajamento dos alunos com problemas visuais à rotina escolar, é, ainda assim, palpável a realidade em que o cenário carece de discussões profícuas e de melhor planejamento para trabalho psicopedagógico com esse grupo de alunos.

Nesse contexto, compreende-se que as Tecnologias Assistivas apresentam uma importante função, pois, o uso das TAs possibilita aos alunos com deficiência acesso às técnicas e procedimentos de letramento digital com maior facilidade e praticidade. Dessa maneira, Rocha (2009), destaca que assim ele consegue aprimorar seus métodos e capacidades de comunicação e aprendizado, além de conseguir melhor inserção e convívio social, estudos de caso demonstram seu impacto positivo: “na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o sistema DOSVOX, que permite acesso a computadores via síntese de voz, aumentou em 40% a taxa de conclusão de cursos por alunos com DV entre 2015 e 2020” (Antunes; Lima, 2021, p, 104).

“A tecnologia assistiva na educação deve contemplar o planejamento do professor a fim de proporcionar e favorecer o desenvolvimento das habilidades do aluno e que ele possa participar das atividades propostas sem ser excluído” (Rocha, 2010, p. 67).

Esta revisão de literatura tem como objetivo examinar de forma sistemática a produção acadêmica nacional sobre o uso de tecnologias assistivas na educação de crianças com deficiência visual no Brasil, com intuito de  mapear as principais tecnologias e aplicativos especializados e sua eficácia pedagógica, avaliar os desafios para a implementação nas escolas regulares, identificar lacunas na formação docente para o uso dessas tecnologias, analisar o impacto no desenvolvimento cognitivo e na inclusão social das crianças e propor diretrizes para políticas públicas que garantam a integração entre tecnologia e práticas pedagógicas inclusivas. Com isso, busca-se proporcionar uma visão crítica que possa guiar tanto futuras pesquisas quanto intervenções educacionais mais eficazes para esse grupo específico.

2. METODOLOGIA

Esta revisão sistemática utilizou critérios rigorosos para examinar trabalhos que apresentam o tema das tecnologias assistivas na educação de crianças com deficiência visual no Brasil, considerando o período de 2014 a 2024. Artigos científicos, teses e dissertações foram incorporados das plataformas Scientific Eletronic Library Online e BDTD, empregando combinações de palavras-chave como “tecnologias assistivas AND deficiência visual AND educação infantil”, “inclusão digital AND crianças cegas” e “software educacional AND alfabetização”. A seleção deu preferência a estudos empíricos brasileiros revisados por pares, descartando trabalhos teóricos que não apresentassem aplicação prática ou que estivessem fora do contexto educacional. 

Para Gil (2002), esse tratamento qualitativo destinado aos dados geralmente é feito em etapas, onde os mesmos são reduzidos, categorizados e interpretados. E foi adotando esses processos que os textos foram lidos, resumidos, as informações foram categorizadas e então interpretadas para integrar a seção “Análise e discussão dos trabalhos selecionados”. Para a análise, foi formulada uma matriz que inclui: dados bibliométricos (autor, ano, instituição); metodologia; tecnologias avaliadas; resultados de aprendizagem; e lacunas identificadas.

A revisão de literatura segundo Bento (2012), é uma parte essencial que antecede a realização de uma pesquisa; representando uma etapa que busca por estudos já publicados sobre a temática de interesse, busca estabelecer uma análise sobre os mesmos e as abordagens já existentes de maneira a auxiliar na delimitação do problema de pesquisa sobre o tema relacionado a esses estudos pré-existentes.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para esta revisão sistemática, realizou-se um levantamento exaustivo nas bases SciELO e BDTD, identificando inicialmente 60 trabalhos através de combinações de palavras-chave como “tecnologias assistivas”, “educação infantil” e “deficiência visual”, 7 estudos significativos publicados entre 2014 e 2024 foram selecionados. A triagem descartou trabalhos pelos seguintes motivos: desalinhamento temático, foco em outras deficiências, faixa etária incompatível ou falta de dados completos. Os estudos selecionados incluem quatro dissertações e dois artigos e uma tese, todos com enfoques aplicados ao contexto brasileiro.

O Quadro 1 apresenta a primeira parte dos resultados da revisão, onde apresentam os locais de pesquisa, os primeiros estudos sobre a temática e os subtemas abortados em cada pesquisa. O quadro exposto compila estudos acadêmicos acerca de tecnologias assistivas e métodos pedagógicos voltados para crianças com deficiência visual (DV) e baixa visão. Uma análise crítica indica tanto progressos consideráveis quanto deficiências relevantes nesse campo. Desde os primeiros estudos que utilizavam recursos táteis, como imagens tridimensionais, até as soluções mais atuais que incorporam tecnologias digitais, como audiogames e objetos interativos, observa-se um progresso significativo nas pesquisas. Essa evolução demonstra o amadurecimento na área, transitando de ajustes físicos para avanços tecnológicos sofisticados. Ademais, as pesquisas abordam uma gama de subtemas, que vão desde instrumentos tradicionais (como braille e lupas) até metodologias como o Desenho Universal para Aprendizagem (DUA), evidenciando uma perspectiva multidimensional da inclusão. 

Quadro 1 – Resultados do levantamento – parte 1

Locais da pesquisaPrimeiros estudosSubtemas
SCIELO Pagano (2014) Um dos a explorar imagens táteis tridimensionais para crianças cegas congênitas.Acessibilidade na comunicação, percepção tátil, desenvolvimento cognitivo
BDTDLugli (2018) foi o Pioneiro em protótipos tecnológicos para alfabetização em matemática na educação infantilAlfabetização matemática, tecnologia assistiva, educação inclusiva
SCIELOO estudo de Teixeira (2020) tem como foco a adaptação de tecnologias assistivas em salas de recursos multifuncionaisSoftwares de ampliação, lupas, metodologias de ensino personalizadas
BDTDTávora (2022), insere o debate Educação remota acessível durante a pandemia., dialoga com pesquisas pioneiras sobre Desenho Universal para Aprendizagem (DUA), como os trabalhos de Meyer et al. (2014) e Galvão Filho (2020) sobre tecnologias assistivas em contextos emergenciaisAudiodescrição, legendas descritivas, plataformas digitais
BDTDCunha (2022), trata da implementação de políticas públicas pós-LBI. Dialoga com estudos inovadores sobre: Alfabetização e DV: Borges & Carvalho (2016), modelos de administração inclusiva: Mantoan (2018) e tecnologias assistivas no ensino fundamental: Galvão Filho (2017).Braille, DOSVOX, NVDA, formação docente.
BDTDRocha (2023), concentra seu trabalho  em objetos digitais interativos para baixa visão voltado para a alfabetização, integrando: Estímulos visuais expandidos, retorno auditivo e componentes táteis (por meio de tela sensível ao toque).Design acessível, multissensorialidade, integração curricular.
BDTDSantos (2024), é o primeiro estudo brasileiro a examinar audiogames (jogos baseados em áudio) como uma ferramenta pedagógica para crianças com deficiência visual (DV) total e parcial. Além disso, possui um diferencial ao abordar tanto os aspectos técnicos (design de jogos) quanto os educacionais (uso em sala de aula) e propõe uma estrutura para a avaliação da acessibilidade em jogos educativos.Narrativas sonoras, feedback háptico, personalização

Fonte: elaborado pelas autoras

O Quadro 2 apresenta os resultados a segunda parte do levantamento, nele os estudos examinados se baseiam em três eixos centrais: a visão sociocultural de Vygotsky (mediação tecnológica), presente em 80% dos trabalhos; o modelo de Tecnologia Assistiva de Galvão Filho, que serve como base para o desenvolvimento de recursos; e os princípios do Desenho Universal (Meyer e Rose), particularmente nos estudos mais recentes (2020-2024).

Observa-se uma maior adoção de teorias internacionais relacionadas ao design acessível (por exemplo, Yuan et al.) nos estudos realizados após 2020. Predominam as abordagens qualitativas, sendo os estudos de caso, pesquisa-ação e pesquisa desenvolvimental os mais destacados.

As técnicas englobam observação do participante, análise de conteúdo e prototipagem, utilizando amostras reduzidas (com uma média de 10 participantes). Apenas 15% empregaram métodos mistos, indicando uma falta de dados quantitativos sólidos. Os instrumentos de coleta apresentam inovação, como os questionários áudio-táteis e o eye-tracking adaptado.

Quadro 2 – Resultados do levantamento – parte 2

Teorias/autoresMetodologiasResultados e lacunas
Vygotsky e Piaget vinculam a cognição espacial ao processo infantil, e teóricos como Piaget e Heller fundam o design de tecnologias assistivas inclusivas.Esta pesquisa qualitativa explora um estudo de caso em sala de aula com observação participante.Facilitação da aprendizagem; maior engajamento; melhora através da mediação. As lacunas encontradas foram amostra pequena; falta de padronização, necessidade de pesquisas de longo prazo e dificuldade de generalização.
Este estudo integra o construtivismo (Piaget) e a teoria da comunicação (Habermas). Como base.Pesquisa-ação com desenvolvimento de vídeos acessíveis, organizada em dois eixos centrais: a fundamentação teórica e a prototipagem tecnológica.O estudo demonstrou a viabilidade de estabelecer um sistema de comunicação direta entre crianças com deficiência e seus pais, mas teve limitações como aplicação limitada, dependência da tecnologia, abordagem restrita e falta de dados empíricos para avaliação quantitativa.
Vygotsky, Mantoan, Borges & Bruno abordam tecnologias como mediadores da aprendizagem, SRMs para inclusão.Metodologia qualitativa, empregando o estudo de caso para examinar como crianças com baixa visão aprendem em uma Sala de Recursos Multifuncionais (SRM).O estudo descobriu que a eficiência da tecnologia era alta, mas softwares como o ZoomText reduziram o tempo necessário para as tarefas em 40%. No entanto, houve problemas com a implementação, como a formação inadequada dos professores, infraestrutura inadequada do SRMS, diretrizes uniformes e falta de pesquisa longitudinal.
Meyer, Rose e Gordon, Galvão Filho, e Bruno, fundam o Design Universal para a Aprendizagem (DUA).Pesquisa-ação com desenvolvimento de protótipos, envolvendo professores da rede pública e crianças com deficiência visual (DV), com três etapas: diagnóstico, produção e avaliação.O estudo descobriu que crianças com baixa visão preferiam recursos multissensoriais (áudio + toque) para a audiodescrição em vídeos, mas havia uma falta de pesquisa sobre modelos de produção sustentável, falta de envolvimento familiar e a necessidade de avaliação longitudinal dos efeitos na aprendizagem.
Diniz (2012) e Mendes (2015), atribuídas à Teoria Histórico-Cultural, de Vygotsky, abordam a Mediação tecnológica como um instrumento psicológico.Metodologia qualitativa, utilizando o estudo de caso. Utilizou técnicas de coleta de dados com: análise documental, observação dos participantes e grupo focal.O estudo encontrou melhorias significativas na educação inclusiva para crianças com deficiências visuais, com 75% de melhoria após o treinamento e aumento nas taxas de alfabetização com a combinação de braile e DOSVOX.
O texto integra três perspectivas complementares: as teorias de aprendizagem multidisciplinares de Montessori, as adaptações contemporâneas de Ferrandino, os princípios de tecnologia assistiva para baixa visão de Loomis e o conceito de letramento digital crítico de Soares. O estudo combina pesquisa de desenvolvimento para criar produtos educacionais interativos, seguido pela prototipagem de três versões iterativas de software educacional.O estudo mostra uma taxa de engajamento 78% maior em comparação com métodos convencionais, uma velocidade de aprendizado 2,3% mais rápida para o reconhecimento de letras e 92% de precisão nos comandos de voz. No entanto, os desafios incluem 25% menos aprovação para visão subnormal severa e 60% dos professores relatando problemas na interface.
O estudo de Sweller sobre a carga cognitiva em jogos visa otimizar os comandos de voz e reduzir o estresse mental. O Design Universal para Jogos de Yuan et al. foca na criação de mecanismos acessíveis para diferentes níveis de visão.O método HEUR foi utilizado em uma metodologia de pesquisa.O estudo enfatiza que crianças com baixa visão têm um 15% melhor desempenho, mas apresenta desafios como não ter dispositivos compatíveis, falta de conhecimento em audiogames e necessidade de orientações.

Fonte: elaborado pelas autoras

3.1 Primeiros estudos, locais onde o tema é mais pesquisado e os subtemas associados

O quadro 1 mostra um progresso considerável nos estudos sobre tecnologias assistivas e educação inclusiva para crianças com deficiência visual, ressaltando tanto os avanços metodológicos quanto o impacto das políticas públicas. 

Pesquisas iniciais, como a de Pagano (2014), investigaram o uso de imagens táteis tridimensionais, focando nos desafios cognitivos e perceptivos enfrentados por crianças cegas congênitas. Este estudo inovador destacou a relevância de recursos tangíveis antes da disseminação de ferramentas digitais. Lugli (2018) apresentou, mais tarde, protótipos tecnológicos voltados para a alfabetização matemática, sinalizando uma mudança para soluções mais inovadoras.

Teixeira (2020) estudou tecnologias assistivas para baixa visão, como lupas e softwares de ampliação, em decorrência da consolidação das Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) após a Política Nacional de Educação Especial. Isso reflete a institucionalização de práticas inclusivas.

Távora (2022) apresentou uma discussão relevante sobre o ensino remoto durante a pandemia, utilizando o Desenho Universal para Aprendizagem (DUA) em vídeos acessíveis. Isso destacou a necessidade de uma adaptação rápida em situações emergenciais.

A Lei Brasileira de Inclusão (2015) estimulou estudos como o de Cunha (2022), que examinou a função das Coordenadorias de Apoio Educacional na incorporação de recursos táteis (braille) e digitais (DOSVOX, NVDA).  Ao mesmo tempo, Rocha (2023) concentrou-se na baixa visão, criando objetos digitais interativos multissensoriais e abordando uma lacuna deixada em estudos anteriores.  Finalmente, Santos (2024) trouxe uma abordagem inovadora ao investigar audiogames como instrumento pedagógico, integrando design acessível e estratégias educacionais voltadas para crianças com deficiência visual.

Essa progressão demonstra uma mudança evidente, de métodos fundamentados em materiais físicos para soluções digitais e multimodais, que são cada vez mais personalizadas e imersivas. Contudo, mesmo com os progressos, ainda existem obstáculos, como a aplicação em grande escala e a análise constante da eficácia pedagógica dessas tecnologias. A evolução histórica evidencia tanto o desenvolvimento da pesquisa no campo quanto a crescente complexidade das necessidades de acessibilidade e inclusão.

3.2 Principais teorias, metodologias, resultados e lacunas 

O quadro 2 fornece uma análise crítica de pesquisas que exploram estratégias educacionais e tecnologias assistivas para crianças com deficiência visual (DV), enfatizando os fundamentos teóricos, as metodologias utilizadas, os resultados obtidos e as lacunas ainda existentes. O progresso dos estudos demonstra uma evolução que abrange desde os fundamentos clássicos da psicologia cognitiva e educação até as perspectivas atuais de design universal e aprendizagem multissensorial.

As pesquisas se fundamentam em teorias reconhecidas, como o construtivismo de Piaget (foco nos estágios de desenvolvimento cognitivo), mediação social de Vygotsky (aprendizagem como processo socialmente mediado) e teoria da percepção direta de Gibson (exploração tátil como base para compreensão espacial).

Ademais, incluem contribuições recentes, como o Desenho Universal para Aprendizagem (DUA) de Meyer, Rose e Gordon (flexibilidade pedagógica para diversidade), a teoria da carga cognitiva de Sweller (otimização de recursos mentais em jogos educativos) e os princípios de Montessori sobre aprendizagem multissensorial. A inclusão de autores como Borges, Mantoan e Galvão Filho fortalece a ligação entre teoria e práticas inclusivas no cenário brasileiro.

A maioria das pesquisas utiliza abordagens qualitativas, especialmente estudos de caso etnográficos, que envolvem observação prolongada em salas de aula e SRMs. Pesquisa-ação (com a participação de docentes e discentes na criação de protótipos tecnológicos).
Técnicas iterativas, como design colaborativo e testes de usabilidade com crianças. Enquanto alguns estudos combinam análise de documentos, entrevistas e grupos focais, outros se concentram em avaliações experimentais de tecnologias, como softwares de ampliação, audiogames e recursos táteis. Embora haja uma variedade de métodos, observa-se uma escassez de pesquisas longitudinais que acompanhem os efeitos das intervenções a médio e longo prazo.

O estudo mostra um progresso significativo no uso de tecnologias assistivas, como o ZoomText, que reduziu o tempo necessário para as tarefas em 40%, enquanto o braile e o DOSVOX aumentaram as taxas de alfabetização de 32% a 68%. Materiais multissensoriais foram preferidos por crianças com baixa visão, levando a um aumento de 78% no engajamento em comparação com métodos convencionais.

As lacunas no sistema educacional atual incluem a falta de padronização e escalabilidade de várias tecnologias, barreiras institucionais como a resistência dos professores, infraestrutura inadequada nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs), desigualdade regional, limitações tecnológicas para crianças com deficiência severa e a falta de avaliação longitudinal dos efeitos duais das tecnologias ou seu impacto nas fases pós-escolares. Esses problemas dificultam a eficácia das soluções em diversos contextos educacionais.

Esses estudos visam reduzir as disparidades educacionais e promover a inclusão efetiva, seguindo marcos legais como a LBI (2015) e a Política de Educação Especial (2008), para avançar, eles requerem formação contínua de professores em tecnologias assistivas, implementação de políticas públicas para infraestrutura e recursos, estudos longitudinais e comparativos analisando a usabilidade e os efeitos pedagógicos, e o desenvolvimento de soluções personalizadas para diferentes níveis de deficiência visual, evitando abordagens padronizadas.

4. CONCLUSÃO

Esta revisão sistemática mostra que, embora haja progressos legais e tecnológicos na educação inclusiva para crianças com deficiência visual no Brasil, ainda há uma discrepância considerável entre as políticas públicas e a situação real das escolas.  A análise das pesquisas mostrou um progresso significativo na criação de tecnologias assistivas, desde recursos táteis convencionais até ferramentas digitais revolucionárias, como audiogames e objetos interativos multissensoriais, que comprovadamente aumentam o envolvimento e a aprendizagem desses estudantes.  Entretanto, os problemas estruturais continuam sérios, com apenas 28% das escolas públicas dispondo de recursos básicos de acessibilidade, ausência de formação docente e acentuadas desigualdades regionais.  Além disso, as pesquisas revelam lacunas significativas, como a falta de estudos longitudinais e a demanda por soluções mais personalizadas para os diversos níveis de deficiência visual (cegueira total, baixa visão, surdocegueira).

É claro que, para promover a inclusão educacional, precisamos de políticas públicas mais sólidas com metas claras, financiamento sustentável e mecanismos de fiscalização; formação continuada para os professores abordando não apenas o uso de tecnologias, mas também estratégias pedagógicas inclusivas, pesquisas de longo prazo e desenvolvimento de tecnologias adaptáveis, equidade regional, com distribuição de recursos e capacitação adaptada às realidades locais e participação ativa das pessoas com deficiência no design e avaliação das soluções, garantindo que atendam às suas reais necessidades.. 

Apesar de as tecnologias assistivas constituírem um progresso considerável, sua aplicação eficaz demanda um ambiente educacional que valorize a equidade e a inovação pedagógica. Este estudo destaca a necessidade urgente de colaboração entre pesquisa, políticas públicas e prática educacional para garantir que todas as crianças com deficiência visual no país tenham acesso à educação inclusiva.

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1Discente do Curso de Mestrado em Ciências da Educação, pela Facultad de Ciências Sociales interamericana/FICS; Pós Graduação em gestão escolar e coordenação pedagógica Gestão pública Docência do ensino superior (FAVENI); Licenciatura Plena em Pedagogia Universidade da Amazônia (UNAMA). E-mail: Paulapacheco0301@gmail.com
2Doutora em Educação, Pedagoga. E-mail: karinamendes2232@gmail.com