REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8223167
Cintia Bernadeth de Oliveira
RESUMO
O presente estudo aborda a Homeschooling, um processo educacional polêmico baseado na educação domiciliar. Em 2018 foi reconhecida sua constitucionalidade, mas a falta de regulamentação específica torna sua prática ilegal. Como vantagens deste tipo de educação, destacam-se a flexibilização de horários, o maior contato da criança com a família, a economia na relação custo/benefício, a personificação dos conteúdos e a proteção da criança contra o bullying e como desvantagens a falta de socialização com outras crianças, a limitação de conteúdo e conhecimento e o retrocesso no desenvolvimento da sociedade. A pesquisa tem a seguinte questão problema: quais os aspectos mais relevantes para a implantação da Homeschooling no contexto educacional? Para responder esta questão foi realizada uma pesquisa bibliográfica, cujos achados literários mais relevantes foram selecionados para compor a discussão em torno do tema. Com base no estudo realizado foi possível perceber que a Homeschooling é adotada em mais de sessenta países e que sua implantação teria um impacto positivo na educação brasileira. Todavia, ressalta-se que por ser um tema polêmico e que altera o modelo educacional brasileiro, que atualmente é baseado obrigatoriamente no ensino escolar, é necessário que a discussão em torno da sua regulamentação aconteça de forma criteriosa, evitando-se a elaboração de uma política fardada ao fracasso. Nos países que já adotam tal sistema, o número de alunos assistidos por meio da educação domiciliar é minoria, não afetando o universo escolar tradicional. Por esta razão, é necessário perceber que a Homeschooling não pretende substituir o ensino escolar atual, mas sim se tornar uma alternativa de ensino que pode ser utilizado em casos pontuais. Cabe lembrar que a participação dos pais é fundamental no processo ensino aprendizagem e fica mais evidenciado na educação domiciliar. Na prática, haveria uma inversão de valores do que ocorre atualmente, sendo os pais protagonistas da educação de seus filhos e a escola, como coadjuvante neste processo.
Palavras-chave: Homeschooling. Educação. Ensino aprendizagem. Formação educacional.
1 INTRODUÇÃO
A educação sempre esteve associada à evolução do ser humano, cujas mudanças na maneira de educar refletem o momento em que vive a sociedade. Estas mudanças, no entanto, jamais alteraram o papel da família, responsável pela primeira educação e consolidação dos valores sociais, elementos fundamentais no processo educativo.
Em tempos de globalização, cujo desenvolvimento tecnológico e o surgimento da internet modificaram significativamente a forma como as pessoas interagem entre si, o processo educacional passa por grandes desafios na constante busca por novas ferramentas para acompanhar este novo cenário em que se encontra a sociedade contemporânea.
Atualmente, a pluralidade de informações disponíveis, com fácil acesso e rapidez, modificou as concepções que se tinha até então de leitura, aprendizagem e entretenimento, o que resulta na maneira de perceber a organização da própria sociedade. Logo, as diretrizes que norteiam o processo educacional precisaram se modificar, envolvendo diretamente as instituições de ensino, cujo objetivo maior é fortalecer o processo ensino aprendizagem dentro da realidade atual vivenciada pelos seus alunos.
Entre as propostas discutidas na literatura que buscam alternativas para otimizar o processo educacional, a Homeschooling, conhecida no Brasil como educação domiciliar, ganhou significativa importância durante o período da pandemia da COVID-19, embora sua discussão já aconteça a décadas.
A Homeschooling divide opiniões de forma acentuada, envolvendo até mesmo sua legalidade, na medida em que a atual legislação brasileira não reconhece sua prática como forma de educação. Os autores que defendem sua implantação apontam como vantagens, entre outras, a flexibilização de horários, o maior contato da criança com a família, a economia na relação custo/benefício, a personificação dos conteúdos e a proteção da criança contra o bullying. Já os autores que criticam a Homeschooling apresentam como desvantagens a falta de socialização com outras crianças, a limitação de conteúdo e conhecimento e o retrocesso no desenvolvimento da sociedade.
Desta forma, o presente estudo tem como tema a Homeschooling, cujo objetivo principal é analisar os aspectos mais relevantes de sua prática no atual momento em que vive a sociedade contemporânea, por meio da discussão dos pontos positivos e negativos encontrados na literatura.
O artigo tem a seguinte questão problema: quais os aspectos mais relevantes para a implantação da Homeschooling no contexto educacional? Para responder a esta pergunta, foi realizada uma pesquisa bibliográfica nas plataformas on-line com respaldo científico, como Scielo, Bireme e Google Acadêmico, além de revistas e sites institucionais que abordam o tema. Também foi realizada uma pesquisa na revista eletrônica CONJUR, por ser atualmente o maior veículo independente de informações sobre Direito e Justiça, na língua portuguesa, cujos artigos publicados possuem respaldo jurídico. Foram utilizados como descritores as palavras chaves “homeschooling” e “educação domiciliar” e como critérios de inclusão, foram selecionadas as obras publicadas nos últimos cinco anos, na língua portuguesa e que estavam disponíveis na sua totalidade.
Em tempos de globalização, cuja principal característica é o acesso facilitado à informação, a discussão em torno da Homeschooling assume significativa importância no processo de educação, na medida em que as reclamações sobre o atual sistema de sistema aumentam a cada dia.
Este estudo foi desenvolvido com a hipótese de que a escola é a instituição de ensino principal para a formação educacional. No entanto, a Homeschooling pode ser alternativa viável para o aprimoramento desta educação, considerando o atual momento em que vive a sociedade contemporânea.
2 A HOMESCHOOLING E A EDUCAÇÃO: ASPECTOS RELEVANTES
A prática de educar os filhos em casa não é um fenômeno recente. Vasconcelos (2007) comenta que a educação domiciliar no Brasil, assim como no restante do mundo, ocorreu antes do início da escolarização, cujas famílias mais abastadas contratavam tutores para educar seus filhos no próprio domicílio, ficando a grande maioria da população sem assistência educacional.
Tal cenário é comprovado no primeiro censo realizado no Brasil, em 1872, ainda no período de Monarquia, cujos resultados mostraram que mais de 82% da população era analfabeta (BRÁULIO, 2021).
Embora as primeiras escolas tenham surgido no país em meados do século XIX, foi somente na década de 1930 que começaram a ser percebidas como a principal instituição de ensino de crianças e adolescentes, em função do acesso gratuito para toda a população. Esta nova política pública, no entanto, não foi bem recebida pela sociedade, na medida em que a tradição de educar os filhos em casa fazia parte da cultura brasileira (SILVA; AMORIM, 2017).
Percebe-se que a maior parte da população desconhecia a importância da educação escolar, incluindo até mesmo a alfabetização básica, o que levou a gestão pública a adotar a obrigatoriedade do ensino fundamental, prática esta que se mantém até os dias atuais na legislação brasileira.
Como a população não tinha consciência da importância do ensino, adotou-se a ideia de obrigatoriedade, a fim de garantir que toda criança fosse matriculada em colégios e escolas. A educação em casa foi sendo substituída pela educação escolarizada sob a falsa perspectiva de que as instituições públicas escolares garantiriam amplo acesso à instrução em razão da obrigatoriedade da matrícula e frequência escolares, já que havia resistência e despreocupação da população com a escolarização (VASCONCELOS,2007, p.37).
Em vários países, esta obrigatoriedade não foi bem recebida pela sociedade, surgindo diversos movimentos contra a política da obrigatoriedade escolar. Neste cenário, destaca-se o movimento de desescolarização ocorrida nos Estados Unidos entre 1960 e 1970 que defendia a volta do ensino domiciliar, destacando-se duas vertentes distintas: a primeira, denominada “unschooling”, possui maior grau de radicalismo contra as escolas públicas, defendendo a educação livre, sem nenhuma interferência das escolas ou do estado e baseado totalmente nas regras estabelecidas pelos pais, seguindo os moldes da educação domiciliar que havia até então. A segunda vertente, tema principal deste estudo, é denominada Homeschooling, cujo sistema educacional se baseia em regras mais brandas, mantendo um contato com o sistema escolar que organizaria todo o processo para a educação doméstica (VIEIRA, 2012).
Segundo Tancredi (2023), mais de sessenta países atualmente adotam a Homeschooling de forma regulamentada, entre os quais Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, Itália, Suíça, África do Sul, Japão e Austrália.
A legislação brasileira, especificamente, não traz nenhuma referência em relação ao ensino domiciliar, pois claramente se percebe que as normas que regem a educação foram construídas a partir da premissa básica que a escola é, predominantemente, a instituição criada para a formação educacional das crianças e com a efetiva participação dos pais e da própria sociedade.
Neste cenário, a Emenda Constitucional 59 da Carta Magma destaca que a educação básica é gratuita e obrigatória e que todos devem frequentar a escola dos quatro aos 17 anos. Já o artigo 205, que traz a seguinte redação:
Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1998, p.14).
Ainda, vale destacar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), artigos primeiro e sexto:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
(…)
Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade (BRASIL, 1996, p.3).
Percebe-se pelos textos das citações acima que a legislação brasileira não deixa claro se a Homeschooling é ou não uma prática constitucional, que poderia ser agregada ao sistema educacional brasileiro. Nesse sentido, é importante destacar o mandado de segurança impetrado por uma família do interior do Rio Grande do Sul, em 2018, pedindo o reconhecimento do seu direito à prática da educação domiciliar, conforme mostra a citação a seguir.
A educação domiciliar chegou à jurisdição do STF em junho de 2016, quando uma família de Canela (RS) entrou com recurso contra a Secretaria de Educação do município a fim de manter a filha, na época com 11 anos, estudando em casa. Até então, ela nunca tinha frequentado uma escola. Antes disso, os pais perderam processos em que pediam autorização para o ensino familiar em duas instâncias: no juizado da comarca de Canela e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (COELHO, 2018, p.14).
O caso descrito na citação acima teve seu desfecho somente em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a educação domiciliar é constitucional. No entanto, é necessária a devida regulamentação para sua efetiva legalização. Na prática, a Homeschooling ainda não possui validade, mas o fato de o STF determinar sua constitucionalidade foi um enorme avanço para sua implantação. Importante destacar que o julgamento que tornou a Homeschooling constitucional não foi fácil, havendo diversas divergências e debates sobre temas como a prática ilegal, o prejuízo na formação do estudante e mesmo a diferença entre o que é direito ou dever em relação a escola (MANFRIM, 2022).
Neste ponto do trabalho, torna-se interessante perceber a inversão de valores criados pela própria sociedade, pois na década de 1930, o início da obrigatoriedade do ensino escolar não foi bem recebido pela sociedade e, quase um século depois, a possibilidade de retomar a prática do ensino domiciliar gera uma discussão tão acirrada que ultrapassa os limites da educação, chegando ao ponto de se discutir judicialmente a sua constitucionalidade.
Além desta decisão favorável do STF, a pandemia do COVID-19, a partir de 2020, permitiu o fortalecimento dos apoiadores da Homeschooling, na medida em que o afastamento social, o fechamento das escolas e a reclusão domiciliar foram utilizados como estratégias para diminuir o impacto da doença na sociedade. As escolas adotaram o chamado “ensino remoto”, utilizando as ferramentas on-line como forma de se manter o contato entre escola e alunos (BARBOSA, VIEGAS; BATISTA, 2020).
Sobre este tema, Behar (2020) comenta que as Secretarias de educação utilizaram diversos recursos como, aplicativos, mensagens de texto, redes sociais, vídeos e teleconferências, durante a pandemia do coronavírus (COVID-19), para continuar o processo ensino aprendizagem nos moldes do ensino a distância (EAD), mas claramente a falta de preparo dos atores do sistema de educação público prejudicou sua execução.
Atualmente, existem ao menos quatro projetos de Lei que visam a regulamentação da educação domiciliar na Câmara dos Deputados. Mas tanto os apoiadores como os críticos da Homeschooling concordam que o tema é polêmico, haja visto que tanto as vantagens e desvantagens apontadas pelas partes acabam se tornando temas de longas discussões (TANCREDI, 2023).
Entre as principais vantagens apontadas pelos apoiadores da Homeschooling estão:
a) Maior liberdade de instrução e aprendizado: os críticos da proposta discordam, alegando que a escola possui apenas diretrizes básicas de educação, cujo percurso educacional é livre em cada ambiente de uma escola. Logo, este ponto seria igual em ambos os ambientes.
b) Flexibilidade de horário: enquanto os apoiadores da proposta defendem a
tese de que a flexibilidade de horários facilita o ajuste do cotidiano de cada família dentro da realidade atual em que vive a sociedade, os críticos da proposta não aceitam a falta de uma rotina de estudos, sob a alegação de que o processo educativo acaba sendo colocado em segundo plano no cotidiano familiar.
c) Uso de tecnologia mais avançadas: este é um dos pontos mais polêmicos, pois enquanto os apoiadores sustentam a hipótese de que o ensino público é defasado tecnologicamente no país, os críticos rebatem afirmando que a maior parte da população não dispõe de capital para investir em recursos tecnológicos avançados, como ocorre nas escolas brasileiras.
d) Amadurecimento e disciplina das crianças: este é outro ponto polêmico, pois
não existem parâmetros de comparação para determinar qual ambiente é mais propício para a formação educacional dos alunos. Contudo, há uma unanimidade que, independentemente do processo educativo utilizado, a efetiva participação da família é fundamental neste percurso, influenciando diretamente a formação do caráter da criança. Além disso, vale destacar que os críticos da proposta consideram este como um ponto negativo da Homeschooling, pois a falta de experiência e socialização com outras crianças, professores e funcionários em geral de uma escola, limitam a sua oportunidade de experimentar a convivência em sociedade, prejudicando seu amadurecimento.
e) Personalização de conteúdos: este é um dos pontos de maior força dos
apoiadores da Homeschooling, na medida em que há um relativo entendimento, mesmo entre os críticos da proposta, de que é mais fácil desenvolver todo um planejamento educacional familiar voltado geralmente para um ou dois filhos do que para uma turma geralmente acima de trinta alunos. No caso de alunos com deficiência, o planejamento é ainda mais direto e objetivo, pois o conhecimento da própria família facilita o processo educacional. Nas escolas, os conteúdos já são pré definidos de forma a atender a população como um todo e apenas depois de um certo tempo, em que a classe docente vai interagindo com a turma, é que se busca caminhos para tentar adaptar o conteúdo ministrado para a realidade de cada aluno.
f) Participação efetiva da família e proteção da criança contra a prática de
bullying: este ponto também é destacado pelos apoiadores da proposta da Homeschooling, alegando que embora a escola procure constantemente criar caminhos para a efetiva participação dos pais na vida educacional de seus filhos, muitas vezes se observa o oposto, cujas famílias repassam a obrigação de educar totalmente para as instituições de ensino. Além disso, a prática do bullying é cada vez mais corriqueira nas escolas, tornando-se muitas vezes o motivo do aumento da evasão escolar.
Em relação às desvantagens da Homeschooling e que são apontadas pelos críticos, segundo Tancredi (2023) estão:
a) Falta de socialização com outras crianças: os críticos defendem a tese de
que o contato com outras crianças é fundamental para a formação educacional. Já os defensores da proposta alegam que na sociedade contemporânea atual, com acesso fácil às redes sociais, tal situação não seria um fator agravante, havendo inclusive meios para contornar o problema.
b) Ausência de dinâmicas e interações que são realizadas nas escolas: sem dúvida, este é um aspecto importante, pois o número de atividades realizadas de forma comunitária em uma escola durante o ano letivo é muito grande, principalmente considerando as principais datas festivas e comemorativas. Para as famílias, de forma individual, se tornaria inviável acompanhar o mesmo ritmo das escolas, o que acaba se tornando um forte argumento para os críticos da proposta. Neste ponto, os apoiadores lembram que o fato da família optar pelo sistema de ensino baseado na Homeschooling não significa que a criança não possa participar de atividades pontuais fora do ambiente domiciliar. Ao contrário, a possibilidade de realizar atividades externas, fora do ambiente domiciliar junto com seus pais ou responsáveis, é muito maior do que um grupo de dezenas de alunos sair com professores e outros profissionais docentes sair de dentro da escola durante o ano. Além disso, a flexibilização de horários, já citado anteriormente, permite que tais atividades aconteçam inclusive fora do horário padrão escolar.
c) Falta de convívio com a diversidade e retrocesso social: os críticos afirmam que a falta de convivência com outras crianças alimenta o preconceito de gênero, raça ou crédulo, pois as crianças acabam limitadas pelos ensinamentos básicos adquiridos dentro do núcleo familiar, tornando-se, portanto, um retrocesso na evolução social da humanidade. Este é um dos pontos fortes da crítica feita a Homeschooling, pois reconhecidamente, a busca pela inclusão social é uma luta construída a décadas nas escolas, a partir do entendimento da importância de conhecer e respeitar as diversidades étnicas, culturais, religiosas, entre outras.
d) A Homeschooling vai aprimorar a qualidade da educação apenas de uma minoria de uma população: segundo os críticos, apenas uma parcela da população teria condições de custear este tipo de processo educacional. De fato, há um entendimento de que famílias de maior posse podem montar uma estrutura domiciliar para contemplar os estudos de seus filhos, ao passo que a grande parte da população, teriam grandes dificuldades para colocar em prática tal iniciativa.
Além destas vantagens e desvantagens apontadas acima, outros pontos de grande discussão envolvem a relação custo/benefício, a formação educacional dos pais e a necessidade de crianças e adolescentes educados em casa precisarem passar por uma série de avaliações para comprovar seu rendimento (TANCREDI, 2023).
Os países que já possuem a Homeschooling de forma regulamentada, apresentam diferentes tipos de normas e exigências para a formação educacional das crianças, o que torna difícil obter parâmetros para efeito de comparação. Os Estados dos Estados Unidos, por exemplo, possuem diferentes legislações, com enormes variações de controle por parte do governo (LIMA, 2019).
Lima (2019) explica que no Texas, por exemplo, não há nenhum tipo de exames periódicos, cuja única obrigação da família é fazer os devidos registros anuais no sistema de ensino do estado. Por outro lado, estados como New York possuem legislações rigorosas, exigindo que rotinas escolas sejam aplicadas na educação domiciliar, apresentação de projeto pedagógico anual, desenvolvimento de currículo específico e atividades e documentos que comprovem, no mínimo, 180 dias ao ano dedicado à educação domiciliar, além do exame anual aplicado pelo estado.
No Brasil, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Oliveira, 2022), há cerca de 35 mil famílias e 70 mil estudantes de 4 a 17 anos que praticam a Homeschooling, mesmo sabendo que correm o risco de serem denunciadas por abandono intelectual, crime previsto no Código Penal com punição de até um mês de detenção, além de multa.
Segundo uma pesquisa feita em 2022 pela Aned, a maioria dessas denúncias (56%) são feitas pela própria escola onde a criança estudava antes de iniciar a educação domiciliar. Quase um quarto são feitas por parentes (13%) ou vizinhos (10%) da família. Alguns estados aprovaram leis próprias regulamentando a Homeschooling, como o Distrito Federal, o Paraná e Santa Catarina. Os defensores da educação domiciliar entendem que, por enquanto, elas servem como instrumentos de conscientização da sociedade quanto à prática. No entanto, sem a regulamentação federal, essas legislações não têm força (OLIVEIRA, 2002, p.5).
Vale destacar que o processo educacional por meio da Homeschooling é minoria nos países que já possuem normas legais, não afetando o universo educacional das escolas. Além disso, não existe discussão para substituir o sistema de ensino atual, baseado no ensino escola, o que torna a Homeschooling uma alternativa de ensino que pode ser adotada para casos pontuais, principalmente em países de dimensões continentais como o Brasil, sétimo país mais populoso do mundo. No entanto, é preciso perceber que haveria uma inversão de valores nos moldes atuais, na medida em que o protagonismo atual da escola passaria a ser dos pais, que deixariam o papel de coadjuvantes para a escola. De qualquer modo, a Homeschooling e a escola continuariam interligadas trabalhando em prol da educação de seus filhos e alunos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O atual sistema educacional brasileiro funciona por meio de um processo sistematizado, cujas diretrizes regulamentares, mesmo buscando atender os casos específicos, possuem uma base comum, voltada para a população em geral por meio das disciplinas obrigatórias.
Não há dúvidas que a educação é um direito fundamental garantido não apenas na Constituição Brasileira, mas em razão do próprio anseio da sociedade, cujo processo educacional é percebido como uma necessidade para qualquer indivíduo durante sua formação.
Embora se reconheça a importância da escola na vida educacional das crianças, nada impede que tal educação aconteça no ambiente domiciliar, respeitadas as devidas regulamentações e adaptações necessárias para a efetiva eficácia e eficiência do processo ensino aprendizagem.
O presente estudo mostrou que a Homeschooling é uma releitura da educação domiciliar existente no Brasil até o início do século XX. Contudo há de se considerar que eram outros tempos. Não havia o grau de modernização dos tempos atuais em um país cuja economia era baseada na agricultura, principalmente na produção cafeeira, o que fazia com que o sistema de educação domiciliar beneficiava apenas as classes sociais mais abastadas, renegando a maior parte da população ao analfabetismo.
Em tempos de globalização, com acesso fácil à informação, a Homeschooling se mostra uma alternativa viável para a atual sociedade contemporânea. Todavia, há que se considerar que fatores socioeconômicos e familiares podem interferir no processo educacional por meio da educação familiar, mas possivelmente esta interferência não seria muito diferente do que já acontece atualmente nas escolas de todo o país.
Além disso, percebe-se que muitas vezes a escola passa a exercer um papel que deveria ser família, repassando inclusive problemas que deveriam ser tratados no próprio núcleo familiar. Nesse sentido, alternativas como a unschooling, abordado anteriormente neste estudo, se tornam inviável, pois não há como pensar em uma educação isolada, sem laços sociais e sem integração com o mundo globalizado, incluindo-se neste ponto, também, o ensino escolar.
Família e escola precisam atuar em sintonia em prol de seus filhos e alunos e pouco importa quem assumirá o protagonismo desta função. No entanto, considerando a organização da atual sociedade contemporânea e os exemplos de outros países que já possuem a Homeschooling regulamentada, é provável que o universo atual do ensino escolar continue inalterado, sendo o responsável principal pela educação de seus alunos. Logo, a educação domiciliar assumiria seu protagonismo em casos específicos, garantindo a melhor educação para seus filhos, mas sem perder os laços escolares.
Observou-se também que as vantagens encontradas por meio de sua efetiva implantação superam as desvantagens numa possível relação custo benefício, cujos pontos negativos apontados na pesquisa podem ser facilmente remediados.
Por fim, vale destacar que a Homeschooling já possui jurisdição própria que garante sua constitucionalidade, bastando a sua efetiva regulamentação. Atualmente, existem pelo menos quatro projetos de lei que se encontram em discussão na Câmara e no Senado Federal que visam regulamentar a educação domiciliar no país. Espera-se que tais discussões resultem em normas claras, eficazes e eficientes, que atendam a necessidade da população, servindo de inspiração para o aprimoramento constante das políticas públicas voltadas para a educação.
4 REFERÊNCIAS
BARBOSA, A. M.; VIEGAS, M. A. S.; BATISTA, R. L. N. F. F. Aulas Presenciais em Tempos De Pandemia: relatos de experiências de professores do nível superior sobre as aulas remotas. Revista Augustus, v. 25, n. 51, p. 255-280, 2020. Disponível em: file:///C:/Users/GGE%20-%20AULA/Downloads/565- Texto%20do%20artigo-1791-310- 20200629%20(1).pdf. Acesso em: 06 ago. 2023.
BEHAR, Alejandra. O ensino remoto emergencial e a educação à distância. UFRGS, 06/06/2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-o-ensinoremoto-emergencial-e-a-educacao-a-distancia/. Acesso em: 06 ago. 2023.
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