REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202408072227
Ana Paula Cândido de Sousa1
Luciana Cavalcanti de Azevedo2
RESUMO
A Libras, língua brasileira de sinais, é reconhecida pela Lei nº 10.436 de 2002 como meio legal de expressão e comunicação da comunidade surda e está em toda sociedade, pois podemos encontrar essa língua visual nas escolas, academias, lazer, tecnologia e turismo, por exemplo. Sabemos, no entanto, que existe uma grande lacuna em relação a muitas expressões que ainda não existem na Libras, em diversos segmentos da sociedade. Logo, o presente trabalho teve como foco o desenvolvimento de um glossário em Libras da cidade de Santa Maria da Boa Vista, no Sertão Pernambucano, com os principais espaços públicos e turísticos. Para o desenvolvimento do trabalho foram adotadas algumas etapas como: mapeamento dos sinais existentes e inexistentes, estudo e criação de novos sinais, reuniões com a comunidade surda local, levantamento de dados, criação dos novos sinais, produção de sinais e elaboração de QR CODE com vídeos sinalizados. Considera-se este trabalho pioneiro na região, uma vez que os resultados, além de promoverem acessibilidade linguística em espaços públicos turísticos para pessoas surdas, amplia o acesso para pessoas ouvintes que buscam ampliar o vocabulário. O trabalho é relevante, pois contribui para disseminar a cultura, história da cidade e a língua de sinais, possibilitando a aceitação e pertencimento local do sujeito surdo visitante e residente da cidade.
Palavras-chave: Toponímia na língua de sinais; Glossário em Libras; Libras; Pessoa surda; Santa Maria da Boa Vista -PE.
1. INTRODUÇÃO
A nomeação de lugares é indispensável em todas as línguas, pois designar nomes de espaços faz parte de um processo natural de comunicação, sejam em linguagens sinalizadas ou orais. Nomear lugares nos revela aspectos da cultura e história local, levando informações e conhecimento de mundo para a comunidade em geral.
É sabido que a língua brasileira de sinais (Libras), língua oficial da comunidade surda brasileira, é reconhecida através da Lei nº 10.436 de 2002 como meio legal de expressão e comunicação, e regulamentada pelo Decreto 5.626/2005. Se caracteriza como uma língua natural que tem ganhado espaço na sociedade por conta dos movimentos surdos em prol de seus direitos, sendo uma luta de muitos anos que caracteriza o povo surdo como um povo com cultura e língua própria. Tal língua se materializa a partir de alguns parâmetros como configuração de mão, movimento, locação, orientação, expressão facial e/ou corporal de modalidade espaço visual.
Como qualquer outro cidadão, o surdo tem direito às informações e acessibilidade. No entanto, sabemos que ainda existe uma grande lacuna em relação a muitas expressões que ainda não existem na Libras, em diversos segmentos da sociedade. Por este motivo, é preciso assegurar o uso dos sinais como, por exemplo, para expressar e difundir o nome de espaços existentes nas cidades onde moram, bem como disseminar a cultura local conhecendo a geografia, história e realidade de onde vivem. Sendo assim, a presente pesquisa visou investigar, coletar e registrar os sinais de povoados, lugares públicos e pontos turísticos da cidade de Santa Maria da Boa Vista no sertão Pernambucano.
No Brasil ainda são incipientes as pesquisas sobre essa questão, mas já encontramos vários dicionários impressos, digitais ou em vídeos, bem como glossários com termos específicos referentes a área de conhecimento, disciplinas e cidades. Para Correia (2009), o glossário deve ser restrito a um determinado domínio do conhecimento, sendo este constituído por regionalismos, arcaísmos, neologismos e etc.
Em alguns momentos de encontros com a comunidade surda local, observei o desconhecimento deles com relação aos nomes dos lugares da cidade e, ao investigar mais a fundo essa problemática, foi possível perceber que muitos locais da cidade de Santa Maria da Boa Vista realmente não possuem sinais em Libras associados a ruas, avenidas, bairros e povoados.
Além disso, os Surdos tinham desconhecimento da palavra em língua portuguesa, o que não adiantava recorrer a datilologia – palavra feita a partir do alfabeto manual. Assim, espera-se que este trabalho possa contribuir para a garantia e valorização dos sinais principalmente pelos usuários surdos da cidade boa-vistense.
BREVE PASSEIO PELA CIDADE DE SANTA MARIA DA BOA VISTA
A cidade de Santa Maria da Boa Vista está localizada a 605Km da capital pernambucana. As margens do Rio São Francisco, a cidade boa-vistense oferece paisagens e belezas, inserida na região do Vale de São Francisco, região conhecida mundialmente como um Oasis em meio à caatinga, levando seus produtos para o mundo e recebendo reconhecimento e investimentos. O município está situado na mesorregião do São Francisco Pernambucano e na região metropolitana da Rede Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina e Juazeiro (Figura 1)
Figura 1. Localização da cidade Santa Maria da Boa Vista
Fonte: Google Earth
História e natureza estão em diversos pontos de Santa Maria da Boa Vista, no Sertão de Pernambuco, com cerca de 100 km de extensão. Prova disso são os mirantes com vista privilegiada para o rio São Francisco, capazes de tirar o fôlego do visitante que busca turismo de aventura ou calmaria o ano inteiro (JORNAL FOLHA DE PERNAMBUCO, 2021).
De acordo com o site do IBGE, a cidade de Santa Maria da Boa Vista foi inicialmente uma fazenda de gado do domínio de GarciaD`Ávila. No processo sucessório, apareceu a família Brandão, com uma propriedade denominada “Fazenda Volta”, certamente fazendo alusão à curva que o São Francisco apresenta no local. Sabe-se também que em 1672 haviam várias aldeias indígenas na região, destacando-se os Coripós na ilha de Santa Maria e dos Cariris na ilha do Aracapá.
A cidade possui vários projetos irrigados que contribuem como fonte de renda da região, sobretudo sustento para os cidadãos boa-vistenses. Apesar de oferecer paisagens e belezas naturais, a cidade possui um desenvolvimento lento, pois a região é assolada com a falta de chuvas tendo como consequência a limitação na oferta de emprego, fazendo com que muitos cidadãos boa-vistenses deixem a cidade natal para procurar trabalho em outras cidades ou estados.
Com uma população de 42.266 habitantes, a cidade conta com os projetos agrícolas ligados à fruticultura como o conhecido e populoso projeto Fulgêncio, que é produtor de banana, sendo o carro chefe de rentabilidade para os produtores rurais. O projeto possui 47 agrovilas e 14.000 habitantes, cujas famílias moradoras cultivam também uva, manga e goiaba.
Encontramos na cidade alguns atrativos ligados à cultura como a centenária roda de São Gonçalo, embalada pelo som da viola, e o festejo da Serenata da Recordação, evento que acontece anualmente e que mistura poesia e boemia, atraindo muitos turistas para a cidade. Como espaços atrativos, temos a orla fluvial e charmosos casarios preservados do século 18, com acesso ao local de ilhas com aves e vegetação nativa, local privilegiado com suas belezas e cores que orgulham os moradores e quem passa pela região.
SOBRE A PESSOA SURDA E A LÍNGUA DE SINAIS
As pessoas Surdas têm direito ao uso da língua de sinais como meio de comunicação e expressão, bem como de acessibilidade comunicacional nos espaços educacionais, jurídicos, clínicos e culturais em todas as esferas. O termo “surdo”, é como se identifica a pessoa com limitações auditivas, identificação considerada a mais apropriada. Os surdos são usuários da Língua Brasileira de Sinais (Libras), patrimônio linguístico brasileiro reconhecido pela Lei 10.436 de abril de 2002 e regulamentada pelo Decreto nº 5.626 de dezembro de 2005.
A Libras é um sistema de signos composto por regras e elementos gramaticais que permitem a seus usuários serem capazes de se comunicar de forma efetiva (LACERDA, 2019). Assim como as línguas orais, possui gramática e estrutura complexas, é uma língua natural, pois surge da necessidade de comunicação dos membros da comunidade surda brasileira.
Libras é reconhecida como uma língua, um sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, oriundo de comunidade de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002). Muitas pessoas têm a compreensão equivocada de que as línguas de sinais são universais, por usarem o corpo e as mãos, e se confundem achando que são gestos fáceis de serem compreendidos por qualquer pessoa em todo lugar (QUADROS, 2019).
Machado (2022) descreve a Libras como língua específica da comunidade surda brasileira e esse é o código linguístico-visual utilizado como primeira língua, embora nem todos os surdos tenham o mesmo acesso e adaptação, porém é considerada uma língua natural da pessoa surda. Os sinalizantes em Língua Brasileira de Sinais estão em todos os espaços sociais (QUADROS, 2019). Nesse sentido, é importante valorizar a língua da comunidade surda e propor materialidades significantes em uma língua visual que proporcione ao público surdo o conhecimento de língua e sobre a língua.
Sendo o Brasil um país enorme em extensão geográfica e multicultural devido à origem do povo brasileiro, as línguas faladas aqui trazem de seu povo marcas culturais próprias e diversos jeitos de falar e sinalizar. Com a Libras, não poderia ser diferente, ela é uma língua rica em regionalismo e esse aspecto mostra os traços culturais da comunidade surda brasileira em relação ao uso da língua (KLIMSA e KLIMSA, 2022). A Língua Brasileira de Sinais é formada por sinais que correspondem, na língua portuguesa, às palavras. Mas é interessante saber que as palavras não substituem os sinais, pois a Libras possui estrutura própria. Sendo de modalidade espaço visual, a Libras expressa conceitos abstratos e complexos e seus usuários podem discutir desde a moda até a filosofia.
As primeiras pesquisas sobre a Libras surgiram na década de noventa, com o pioneiro estudo sobre estudos linguísticos da língua de sinais brasileira, pela professora de linguística Lucinda Ferreira (QUADROS, 2004; FELIPE, 2006).
Os sinais da Libras podem variar no que diz respeito às origens regionais e sinais nacionais comparados aos itens lexicais em português. Temos os conceitos: sinal, sinal termo é sinal-nome. Para isso os autores Seiffert e Souza (2022) nos esclarecem que a saber “sinal” e “sinal-termo”, com base nas proposições de Enilde Faulstich (2012), citadas em Santos (2017), a palavra sinal significa um sistema de relações que constitui as línguas de sinais organizadamente.
Analogamente sinal-termo pode ser entendido como um termo da Libras que representa signos com características de linguagem especializada, próprias de classe de objetos, de relações ou de entidades. E ainda, o autor Supalla (1990) nos diz que os sinais-nome são sinais especiais que identificam singularmente uma pessoa específica dentro do contexto da comunidade dessa pessoa, em seu nome escrito, ou, em alguns casos raros, em ambos.
Os sinais podem ser representados por imagens, desenhos, fotografias e vídeos/filmes e ainda pode ser utilizado o recurso tecnológico como o QR Code que facilita a leitura de um determinado sinal, ficando mais claro a sinalização no que diz respeito à formação de sinais. Nessa direção, Andrade (2019) enfatiza sobre o uso dessa tecnologia, uma novidade, QR significa ‘resposta rápida, um novo modelo de código de barras, bidimensional, que pode ser lido rapidamente por muitos programas. Da mesma forma que codificam informações como textos, links da internet, números de telefone e a leitura de vídeos, como a Língua de Sinais, de modalidade visual-espacial (CASTRO JUNIOR et. al., 2022). Nesse sentido, os sinais podem ser divulgados amplamente através de produção/publicação impressa ou sites na internet.
TOPONÍMIA, DICIONÁRIOS E GLOSSÁRIOS EM LIBRAS
O ato de nomear é inerente à espécie humana e tem relação com o modo como ela se organiza em agrupamentos sociais. Ao dar nome às coisas, o homem se apropria dessas coisas e, consequentemente, se torna parte delas, categorizando-as como forma de organizar o universo por meio das palavras (BIDERMAN, 20001 a, apud SOUSA,2022, pág. 20).
Os estudos sobre a toponímia na língua de sinais no Brasil são recentes, começaram a surgir no início do século XX com os autores: Sampaio (1901), Oliveira (1957), Cardoso (1961), Drumond (1965) e Mello (1967), cujos estudos pioneiros tinham em comum o fato de abordar a toponímia exclusivamente quanto aos aspectos histórico-etimológicos, de modo especial, quanto às origens indígenas dos nomes de lugares (SOUSA, 2022). Souza e Novodvorski (2020, p. 5) enfatizam que o léxico toponímico se configura como uma forma de representação da cultura de um povo.
Nesse contexto, destacamos a importância de alguns estudos relacionados a este tema como: Souza-Júnior (2012) com a pesquisa de mestrado intitulada “Nomeação de Lugares na Língua de Sinais Brasileira”; Pinho (2019) com a pesquisa referente a “Glossário de Países e Capitais do Continente Americano”; Ferreira (2020) com a pesquisa “Glossário em Libras dos Municípios do Estado do Amazonas”; e Souza e Novodvorski (2020) realizaram um estudo sobre “Sinais toponímicos do Estado de Goiás; e ainda a mais recente por Urbanski, Ferreira e Xavier (2021) com a pesquisa “Contribuições aos estudos toponímicos da Libras através da análise de sinais que designam cidades brasileiras”.
De acordo com Fedatto (2013), quando tomamos a nomeação de construções urbanas como lugar de reflexão, podemos dizer que a produção de uma referência no espaço tem a ver com a simbolização desse espaço.
Com base nesses estudos, entende-se que é cada vez maior a necessidade de construção de glossários que traduzem as expressões das diferentes áreas de conhecimento.
Muitas pessoas acreditam que as línguas de sinais são formadas por gestos que interpretam as línguas orais e, ainda, sem conhecimento e formação na área, bem como a falta de contato com a comunidade surda, acabam criando sinal-termo sem nexos e sem conhecimento dos próprios surdos, usuários nativos da língua, que consequentemente inventam sinais aleatórios não seguindo as regras de formação de sinais da língua de sinais.
Os dicionários e glossários em Libras são ferramentas auxiliares na inclusão de surdos, pois ajudam a difundir a língua de sinais, além de registrarem e validarem novos sinais. Daí a importância de registrar sinais- temo para que possam ter materiais que representam a língua, sendo necessária a criação e registro de sinais da região, uma vez que esses itens lexicais não estão indexados em nenhum dos dicionários de Libras disponibilizados (CASTRO JÚNIOR et al., 2022, p. 23).
O primeiro dicionário em Libras surgiu em 1857, sendo intitulado “Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos” pelo Surdo Flausino da Gama. Esse material foi considerado por muitos como um importante glossário da Libras. Em 1969, surgiu uma publicação elaborada pelo padre Eugênio Oates, como registro da língua de sinais que circulava no Brasil, obra intitulada “Linguagem das Mãos”.
A pesquisadora professora Tanya Felipe (2002), por sua vez, desenvolveu um projeto em parceria entre MEC e INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), o Dicionário Libras/Português em CD-ROM. Material este de grande relevância para difusão da língua, bem como auxílio na construção identitária dos cidadãos surdos brasileiros.
O primeiro dicionário da Libras a ser publicado foi O Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue de Libras, fruto de um projeto desenvolvido pelo professor Fernado Capovilla, do Instituto de Psicologia da USP (RAMOS, 2003). Em 2009, uma nova versão foi publicada, apresentando o dobro de sinais em relação à versão anterior: 14 mil verbetes em português que correspondem a 10.800 sinais em Libras (CAPOVILLA; RAQUEL; MAURÍCIO, 2013).
O dicionário Língua de Sinais do Brasil também é um material relevante com resultado da coleta de sinais com surdos e usuários de Libras, como primeira língua, de quase todo o território brasileiro. Interessante dizer que essa última publicação contempla os sinais da região Nordeste (CAPOVILLA; MARTINS; RAPHAEL;TEMOTEO,2017).
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA (METODOLOGIA)
A criação de um glossário em Libras valida os sinais da região e viabiliza o acesso em língua de sinais às expressões já popularizadas pela comunidade surda local.
Para o desenvolvimento do Glossário em Libras da cidade de Santa Maria da Boa Vista foram adotadas as seguintes etapas: a) Pesquisa bibliográfica; b) Mapeamento dos sinais existentes e inexistentes dos principais locais turísticos; c) Encontros com a comunidade surda local para estudos e criação de sinais; d) Discussão e validação dos sinais específicos e) Produção de vídeos com sinalização de cada local.
Inicialmente foram acessadas em plataformas digitais e sites as dissertações e teses com as produções, bem como livros impressos e digitais que contemplavam artigos e capítulos sobre o tema. Devido ao período de tempo para produção do trabalho e a grande quantidade de espaços públicos e locais visitados, decidiu-se escolher dez principais espaços atrativos da cidade para serem identificados neste estudo, sendo eles: Casarões Antigos; Centro da cidade; Espaço do evento artístico-cultural Serenata da Recordação; Igreja Católica Nossa Senhora da Conceição; Monte Carmelo; Monumento Terra da Recordação; Museu do Coripós; Orla Fluvial; Pedra do Mansazal; Praça do vaqueiro.
A indicação da ausência e/ou presença de sinais para os pontos geográficos selecionados neste estudo foi feita por residentes surdos da cidade.
No quadro apresentado na Figura 2, segue a demonstração de como foram pensados os detalhes que envolveram a pesquisa para mapeamento de identificação e sinalização com nome e sinal do local, bem como imagens e breve história do lugar atrativo turístico. Para os sinais que ainda não possuíam sinais em Libras, os mesmos foram criados.
Figura 2. Recorte do quadro utilizado na pesquisa para identificação da existência de sinais em Libras
Mapeamento dos sinais | ||||
Nome do local | Tipologia do espaço | Imagem | Breve história do atrativo turístico | Sinal existente (X)Sinal inexistente ( ) |
Monte Carmelo | Mirante | https://www.folhape.com.br/especiais/bora-pernambucar-agreste-e-sertao/santa-maria-da-boa-vista-e-tranquilidade-e-boemia-no-sertao/172099/ | O mirante do Carmelo fica distante 20 km do centro de Santa Maria da Boa Vista, a trilha proporciona ao turista experiências inesquecíveis como uma bela vista do alto para o leito do Rio São Francisco. |
Fonte: Próprio autor 2023
É sabido que o sinal em Libras tem suas características e conceitos que lhe são próprios, ele representa linguisticamente tal termo tal qual a língua oral, uma vez que detém de aspectos e estruturas de conteúdo específico e respeito às peculiaridades próprias de cada área especializada.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Ao longo da pesquisa, percebeu-se que as pessoas surdas tinham desconhecimento dos nomes dos espaços turísticos da cidade, e não sabiam como referir-se a eles usando a Libras, causando assim uma lacuna de comunicação e informação da cultura e história local. Para sanar essa questão foram apresentadas imagens de cada local seguindo de uma breve explanação da história e geografia local.
No início da pesquisa, adotou-se uma lista com nome de cada local turístico da cidade de Santa Maria da Boa Vista, marcando com um X nos espaços onde havia identificação de sinalização em Libras. A conferência foi feita inicialmente em 2022, como primeiro diagnóstico, e depois repetida em 2023, para verificação da criação (ou não) do sinal. Os gráficos apresentados na Figura 3 revelam a evolução de sinais criados a partir dos estudos.
Figura 3. Gráficos de representação da existência de sinais em Libras nos pontos estudados
Fonte: Próprio autor (2023)
Outros locais tinham mais de um sinal ou gesto que não representavam o local e nem atendiam gramaticalmente a regra de formação de sinal na Libras, como é o caso do sinal de Monte Carmelo (local onde fica o mirante da cidade), que tem um sinal criado a partir do cenário em que se observa a paisagem em cima de uma pedra e ao redor o Rio São Francisco, que segue seu fluxo (Figura 4).
Na imagem do sinal MONTE CARMELO utilizamos os seguintes parâmetros na composição do sinal: as configurações de mãos em A com a palma para baixo e a configuração de mão em Q em cima da Configuração A.
Figura 4. Registro do sinal do Monte Carmelo
Fonte: Próprio autor (2022)
Com a criação dos novos sinais observamos que a comunidade surda local passou a valorizar o artefato cultural e o atrativo turístico da cidade de Santa Maria da Boa Vista.
Além disso, foi possível acompanhar a criação de sinais inexistentes, pois muitos espaços públicos e turísticos da cidade de Santa Maria da Boa Vista não possuíam sinal específico antes da pesquisa.
Interessante ressaltar a importância da criação e registro dos sinais a partir de conhecimento conceitual, pois muitos sinais estavam associados a empréstimo linguístico da língua portuguesa. Os passeios pela cidade boa vistense além de permitirem a vivência da experiência, refletiram na identificação da sinalização, uma vez que viabilizaram a acessibilidade em Libras para os artefatos presentes na cidade.
Além da valorização da Libras, os surdos se sentem com empoderamento e pertencimento da cidade onde vivem. Os estudos da pesquisa também possibilitaram a ampliação de vocabulário por ouvintes estudantes dos cursos e disciplinas de Libras na região, bem como acervo e material de consulta para profissionais da área.
Figura 5. Quadro de identificação e sinalização criada
Atrativo turístico | Imagem do local | Foto do sinal-termo |
Casarões Antigos | ||
Centro da cidade | ||
Espaço Serenata da Recordação | ||
Igreja Católica Nossa Senhora da Conceição | ||
Monte Carmelo | ||
Monumento Terra da Recordação | ||
Museu do Coripós | ||
Praça do vaqueiro | ||
Orla Fluvial | ‘ | |
Pedra do Mansazal |
Os nomes dos locais foram organizados juntos com imagens do local coletadas em sites e páginas de jornais que promovem informações sobre a história e cultura local da cidade. As fotos dos sinais específicos são recortes da produção dos vídeos sinalizados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos encontrar a Libras na sociedade no seio familiar, nas escolas, em locais públicos e, ainda, em espaços culturais, tão pouco conhecidos e difundidos entre membros da comunidade ouvinte. Por isso, a importância de pesquisas que divulguem os registros envolvendo a Libras, favorecendo a informação sobre a história, geografia e cultura da cidade para a comunidade surda.
Sabemos que a circulação da Libras na escola e nas universidades só vem ocorrendo graças à perseverança dos Surdos, bem como dos ouvintes que aderiram à causa, através de movimentos políticos na reivindicação das comunidades surdas, em parceria com a comunidade acadêmica que constantemente promove novas pesquisas para o campo (LACERDA; SANTOS; MARTINS, 2019).
O tema é relevante e necessário no que tange a região, uma vez que os achados possibilitam a ampliação de vocabulário por ouvintes, material de consulta por tradutores e intérpretes de Libras, acessibilidade em Libras para pessoas surdas dos artefatos presentes na cidade, valorização e estudos sobre a Libras na região. E ainda, a contribuição nos registros e disseminação da cultura local possibilitando ao Sujeito Surdo conhecer os sinais da cidade que reside. E ainda, a contribuição na formação de ouvintes e Surdos e incentivo na aprendizagem e construção de uma sociedade acessível, promovendo a inclusão social, respeitando a diferença linguística da pessoa surda.
A comunidade surda muitas vezes se encontra alheia às realidades da atividade turística, não tendo efetivados seus direitos à informação, comunicação e inclusão social, e consequentemente, à prática do turismo. Torna-se relevante considerar as diferenças e necessidades das pessoas surdas, em especial a comunidade boa-vistense.
O tema discutido e pesquisado possibilitou diversas perspectivas no que tange a estudos sobre a cidade, nomeações, línguas, e estabelecendo relações com o ensino e aprendizagem, tendo como base trabalhos referentes a dicionários e glossários em Libras, aspectos da terminologia a toponímia na língua de sinais e propostas de glossários com termos específicos.
REFERÊNCIAS
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Acesso em 03 de julho 23h25
1Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica no IFSertãoPE.
2Docente do Instituto Federal do Sertão Pernambucano