EDUCAÇÃO E PRÁXIS PEDAGÓGICA NO TEMPO PRESENTE: REFLEXÕES PARA UMA PERSPECTIVA DECOLONIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11427398


Duília de Jesus Lopes Melo1
Maria Cecília de Paula Silva2


RESUMO

 As discussões da práxis pedagógica orientadas pela Pesquisa Histórica do Tempo Presente demonstram a possibilidade de que esta inter-relação possa proporcionar uma perspectiva de educação decolonial. Para isso objetivou-se iniciar uma pesquisa integrativa da literatura com o intuito de analisar como a práxis pedagógica e Pesquisa Histórica do Tempo Presente podem contribuir para uma educação decolonial. Assim, destacamos que é preciso reconhecer a necessidade de diálogos de fortalecimento e democráticos, na luta pela diminuição das desigualdades sociais e educacionais. Nesse fazer, a construção de sentidos de docentes negros, opera como componente determinante na luta contra a condição de racismo que os negros ainda vivem. A perspectiva da História do Tempo Presente oferece um relevante entendimento da própria ação do tempo presente nessa discussão do conhecimento, especialmente nas discussões interculturais. Portanto, entende-se que a tríade ação-reflexão-ação seja um caminho possível em que se reverbere o fortalecimento de toda a educação brasileira e que a História do Tempo Presente se constitua como caminho metodológico que compreende, acolhe e reforça a necessidade de colocar o povo negro como constituinte efetivo da sociedade brasileira. Apesar do ranço do racismo ainda imperando na sociedade brasileira, a educação decolonial é um projeto de transformação social.

Palavras-chave: Educação Decolonial. História do Tempo Presente. Práxis Pedagógica

INTRODUÇÃO

A práxis pedagógica é uma das peças fundamentais do engendramento para a construção de educação de qualidade, especialmente quando pensamos em uma educação decolonial na perspectiva metodológica e social da pesquisa histórica do tempo presente. Assim, a práxis pedagógica pode ser compreendida como um percurso de transformação profissional a partir do diálogo multifacetado que envolve a tríade teoria, prática e reflexão, e este, configura-se o alicerce de todo professor (LOUREIRO, 2020; Oliveira & Candau, 2010).

Nessa perspectiva, ao discutir a educação brasileira pressupõe-se discutir como a sociedade tem se comportado e tratado todos os grupos étnicos que a compõe. Esse tratamento e cuidado com grupos étnicos, especialmente afro-brasileiros e indígenas, tem se configurado em novos estudos (LOUREIRO, 2020). Assim, “a pedagogia decolonial é expressar o colonialismo que construiu a desumanização dirigida aos subalternizados pela modernidade europeia e pensar na possibilidade de crítica teórica a geopolítica do conhecimento (Oliveira & Candau, 2010).

E mais, por perspectiva decolonial, compreendemos o resgaste da missão crítica da escola, e posicioná-la no serviço de uma transformação social. Para tal, consideramos que a educação decolonial, “ao lado de uma orientação crítica e humanista”, contribuirá bastante para esse programa de sociedade que atravesse a educação (LOUREIRO, 2020).

Desse modo, a pesquisa histórica do tempo presente se configura como percurso imprescindível para discutir a temática dos que já foram subalternizados, pois, ela (HTP) é uma “mundialização da memória e à multiplicação das demandas memoriais e sociais de reconhecimento e de verdade sobre os “passados que não querem passar” (Delacroix, 2018).

Para além disso, a história do tempo presente,

é o período durante o qual se produzem eventos que pressionam o historiador a revisar a significação que ele dá ao passado, a rever as perspectivas, a redefinir as periodizações, isto é, olhar, em função do resultado de hoje, para um passado que somente sob essa luz adquire significação. Outra questão que mereceu destaque foi a noção de ‘tempo presente’ e suas relações com os contemporâneos, os testemunhos, os atores, a demanda social e as outras disciplinas. Desse debate, uma questão relevante que emergiu foi a afirmação de que o ‘tempo presente’ constitui um campo científico singular, pela sua própria definição (de Almeida Neves Delgado & de Moraes Ferreira, 2013).

Assim, entendemos a magnificência desse trabalho, ao demonstrar a possibilidade de uma práxis pedagógica voltada para uma metodologia que esteja completamente debruçada para discutir a educação brasileira numa perspectiva decolonial (Frutuoso, 2020; Lima & Frutuoso, 2018; Loureiro, 2020).

E para isso, apresentamos a pesquisa do tempo presente como pesquisa metodológica e social por compreendermos que seu arcabouço de métodos e coleta de materiais é si ne qua non para o fortalecimento dessa práxis, e mais, que essa prática pode refletir no fortalecimento da identidade desses grupos que estão presentes nos muros da escola são pertencentes à sociedade brasileira (Ferreira & Silva, 2020; Loureiro, 2020).

Desta forma, temos conhecimento do grande problema ainda persistente na sociedade e na educação brasileira, o de ver que os negros que foram escravizados e indígenas que de alguma forma foram marginalizados e subalternizados durante séculos, ainda precisam lutar para serem participantes efetivos da cidadania e na democracia do Brasil (Ferreira & Silva, 2020; Oliveira, 2022).

Portanto, fica a seguinte pergunta: Como a práxis pedagógica e pesquisa   histórica do tempo presente podem contribuir para uma educação decolonial?

Por isso, o objetivo do atual estudo foi realizar uma pesquisa integrativa da literatura com o intuito de analisar como a práxis pedagógica e pesquisa histórica do tempo presente podem contribuir para uma educação decolonial.

 Caminho Metodológico

Foi feito um levantamento da literatura em maio de 2023. A revisão foi composta por: (1) Formulação da pergunta; (2) Definição de critérios de inclusão e exclusão; (3) Estratégia de busca e localização dos estudos; (4) Seleção dos estudos; (5) Extração dos dados; (6) Avaliação da qualidade do estudo; (7) Análise e interpretação dos resultados; (8) Discussão e Considerações Finais.

Foi realizada uma busca no período de junho de 2022, abrangendo dois grandes bancos de dados eletrônicos que contemplam extensa literatura, a saber: SciELO, Lilacs, Scopus, Periódicos CAPES, Google Acadêmico e Banco de Dissertações e Teses da UFBA. Foi utilizada na busca dos trabalhos a combinação dos descritores: ‘’Criatividade” AND ‘’Práxis Pedagógica” AND ‘’Educação Decolonial” AND ‘’Pesquisa Histórica do Tempo Presente” e, em inglês, ‘’Pedagogical Praxis’’ AND ‘’Decolonial Pedagogy’’ AND ‘’Historical Research of Present Time’’ em todas as bases de dados.

Desse modo, foram selecionados 05 artigos sendo incluídos segundo os critérios de elegibilidade conforme a Figura 1. Os critérios de inclusão foram: artigos nos idiomas inglês, espanhol e português, nos últimos cinco anos, envolvendo como a práxis pedagógica e a pesquisa histórica do tempo presente podem contribuir para uma educação decolonial. Foram ainda excluídos os capítulos de livro, resumos de eventos, relatos de caso, editoriais, revisões sistemáticas, meta-análises e artigos de opinião.

FLUXOGRAMA E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E INCLUSÃO DOS TRABALHOS

Repercussões Pedagógicas

 Demonstrativo de artigos

 DISCUSSÃO

O objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão integrativa da literatura a fim de analisar como a práxis pedagógica e a pesquisa do tempo presente podem contribuir para uma educação decolonial.  Entretanto, discutir sobre a educação brasileira, entendemos que se faz necessário discutir a formação da sociedade brasileira. Sociedade essa multiétnica, formada por indígenas, negros e brancos, onde os primeiros nunca tiveram seu papel de destaque na cultura brasileira (Lima & Frutuoso, 2018).

Assim, precisamos evidenciar a importância desses grupos e suas manifestações no contexto cultural, social e principalmente educacional é imprescindível para o fortalecimento da identidade étnica do Brasil (Frutuoso, 2020). Dessa forma, entendemos que a “constituição” do povo brasileiro se deu pela hegemonia do branco. O negro sempre esteve e/ou foi colocado em papéis e funções subalternas. Sobre isso Spivak nos diz que,

 O subalterno retrata as camadas inferiores da sociedade que são constituídas por modos específicos de exclusão do mercado, representação política e jurídica e possibilidade de participação plena em estratos dominantes(Spivak, 2010).

Segundo o dicionário Aurélio (2023,), “[…] hegemonia significa preponderância de alguma coisa sobre outra. É a supremacia de um povo sobre outros, através da introdução de sua cultura” Gramsci (1985) desenvolveu seu conceito de hegemonia política e cultural, descrevendo-a como um tipo de dominação ideológica de uma classe sobre outra, particularmente da burguesia sobre o proletariado. No olhar desse autor é preponderante relacionar poder e classes sociais.

Quando analisamos a história da educação, percebe-se que a luta do povo negro até nos dias hodiernos tem sido difícil de mudar. Essa hegemonia do branco em relação ao negro, mesmo levando em consideração que queiram os brancos ou não, o Brasil é um país multiétnico. A expressão “multiétnico” surgiu para transformar o conceito pejorativo e preconceituoso de miscigenação trazido da Europa no século XIX (Loureiro, 2020).

Segundo Munanga (1999) em seu livro “Rediscutindo a Mestiçagem”. Retoma Gilberto Freyre onde é que se deu o ponta pé inicial para que esse conceito de miscigenação fosse transformado. Freyre entendia e demonstrava que a desigualdade racial era fruto da escravidão e também da adesão de valores culturais tradicionais. Para ele as diferenças raciais estavam ligadas à questão da classe social, situação vista até os presentes dias.

A necessidade de criação de uma lei que tivesse um peso reparador sempre foi uma cobrança, não atendida, do Movimento Negro aos governos. Para (Frutuoso, 2020) “Com efeito, importante o estudo do Movimento Negro Brasileiro como verdadeiro ator político para uma mudança social, principalmente quando se diz respeito à educação brasileira e ao seu fundamental papel na luta contra o racismo e os pensamentos coloniais construídos” (Frutuoso, 2020).

E mais,

Não se pode olvidar, nesse contexto, o importante papel do Movimento Negro Brasileiro na busca por ressignificar a ideia de raça, trazendo esta como potência de emancipação do povo negro, questionando a história brasileira e a forma como ela é narrada, a fim de tentar demonstrar como o racismo opera na vida dos brasileiros, não somente na estrutura do Estado, mas de uma forma geral e corriqueira (Gomes, 2017, p. 21).

Nessa perspectiva, a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) foi pensada e criada para alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) ou Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996) e tornou obrigatório o estudo sobre a cultura e história afro-brasileira nas instituições públicas e privadas de ensino. Ainda nessa perspectiva, as discussões sobre a cultura indígena também foram reconhecidas como necessárias e a Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) foi substituída pela Lei 11.645/08 (BRASIL, 2008) para acréscimo do estudo dedicado ao povo indígena (BRASIL, 2008).

O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros.

Assim também como bem nos desperta Santana em sua dissertação sobre a “conscientização social sobre direitos e reconhecimentos destes corpos, são algumas das finalidades mais que cruciais na luta contra o racismo” (Santana,2021).

Entretanto, apesar de a escola ser um universo com tantos corpos presentes, ela ainda não tem tratado seu público com ênfase em uma concepção de diversidade. Ao se falar em educação, não se pode ter em vista somente a escolarização, mas também o preparo para a tolerância e a diversidade, aspectos fundamentais para uma sociedade culturalmente plural (Moreira & Silva, 2018). Assim, entendemos que é preciso uma educação totalmente voltada para esse propósito, uma práxis pedagógica pautada em discussões antirracistas pois:

Precisa-se dar ênfase aos saberes e conhecimentos daqueles que foram silenciados e esquecidos, buscando-se questionar as heranças e amarras da colonialidade que perduram até os dias atuais, mantendo as assimetrias sociais (Frutuoso, 2020).

Sob esse prisma, (Oliveira, 2022) nos desperta a pensar que de alguma forma os comportamentos relacionados por professores negros, são importantíssimos na perspectiva de conscientização no espaço educacional. E mais, para uma práxis pedagógica efetiva e eficiente, se faz necessário uma “veiculação dos sentidos docentes” para uma reflexão na “experiência/vida” das pessoas envolvidas na educação (Oliveira, 2022).

Então, de modo efetivo, o trabalho decolonial intenta conceber uma sociedade mais justa e equânime, buscando desconstruir a universalização dos saberes eurocentrados, na perspectiva de experienciarmos “soluções as questões relacionadas à colonialidade, ao racismo, ao patriarcado e ao capitalismo” (Lima & Frutuoso, 2018).

Nesse sentido, a pesquisas histórica do tempo presente têm contribuições extraordinárias como metodologia que respondam as questões apresentadas nesse trabalho (Delacroix, 2018; ( Ferreira, 2000; T. Ferreira, 2020) .Isso se deve ao fato da legitimidade e delimitação dada a História do Tempo Presente (HTP) como campo da história que se dedica ao passado de forma recente, no sentido de construir uma história que produza reflexões outras (Delacroix, 2018; Oliveira, 2022;Santana,2021;).

E para além, a HTP nos permite abordar e acolher episódios contemporâneos a partir de um ponto de vista que está profundamente relacionado com cenários traumáticos do início do século passado (Ferreira, 2020; Pisetta Garcia, 2023). Assim, discutir eventos tão semelhantemente cronológicos, inspira uma série de obstáculos cujo campo necessitou tratar já nos primeiros momentos (de Almeida Neves Delgado & de Moraes Ferreira, 2013; (Pisetta Garcia, 2023).

Nessa perspectiva, discutir o evento da escravidão no Brasil que seguiu por séculos, seus reflexos, e principalmente os problemas que o povo negro sofre com o racismo, até os dias hodiernos é uma temática totalmente passível de abordagem da História do Tempo Presente (Ferreira & Silva, 2020; Frutuoso, 2020; Oliveira & Candau, 2010).

 CONCLUSÃO

O objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão integrativa de literatura a fim compreender como a Práxis Pedagógica e Pesquisa Histórica do Tempo Presente podem contribuir para uma educação decolonial. Assim, entendemos que a tríade ação-reflexão-ação seja o caminho reflexivo onde se reverbere o fortalecimento de toda educação brasileira.

Bem como, a HTP se constitua como percurso metodológico que compreende, acolhe e reforce a necessidade de colocar o povo negro como efetivamente constituinte da sociedade brasileira, em sua totalidade.

Assim como o ranço do racismo que ainda impera na sociedade brasileira e no mundo seja efetivamente eliminado, para que a educação decolonial seja um projeto de transformação social.

REFERÊNCIAS

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1Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia -UFBA

2Doutora em Antropologia e Sociologia pela Universidade de Strasbourb-França