CRIME DE ESTUPRO; O RISCO DO USO EXCLUSIVO DA PALAVRA DA VÍTIMA PARA O CRIME DE ESTUPRO  

RAPE CRIME; THE RISK OF RELYING EXCLUSIVELY ON THE VICTIM’S TESTIMONY IN RAPE CASES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11167413


Vinicius Fonseca1;
Kauê De Oliveira Peres2.


RESUMO – O presente artigo tratará sobre a palavra da vítima do crime de estupro, e a sua idoneidade de ser amparado como única prova para a condenação do acusado. Para tanto, seguirá pesquisas bibliográficas e documental, às quais terão embasamento em doutrinas e análise de decisões, jurisprudências. Portanto, será analisado em um primeiro momento a evolução histórica confrontada aos códigos. Em segundo, os meios de prova a serem utilizados no processo de modo a comprovar o fato. Em terceiro e último, se a palavra da vítima possa ser estabelecida como única prova, concedendo um julgamento equitativo, na hipótese de ser uma declaração falsa. 

Palavras-chave: Estupro. Palavra da vítima. Prova Testemunhal. Presunção de não culpabilidade. 

1 INTRODUÇÃO 

 O crime em questão pode ser considerado uma das violações mais graves da liberdade sexual e da dignidade de um indivíduo. Além disso, carrega consigo um grande peso histórico e social, refletindo as mudanças em atitude por parte da humanidade ao longo dos séculos. Desde as primeiras leis, como o Código de Hamurabi e as decretadas no Antigo Testamento, até a legislação contemporânea brasileira, estupro tem vindo a ser pesos, medidos e julgados de maneira drástica, refletindo as atitudes sociais, éticas e morais de época. Assim, hoje em dia a palavra da vítima marginalizada tornou-se um fator-chave para o processo legal em todos os casos de estupro. 

Está centralização da palavra da vítima traz à tona questões fundamentais sobre a prova, a verdade processual, e o equilíbrio entre os direitos da vítima e do acusado. A dificuldade de obtenção de provas materiais e a natureza frequentemente privada desses crimes colocam em destaque o testemunho da vítima, mas também exigem um cuidado redobrado na análise das evidências e na aplicação dos princípios jurídicos, como o in dubio pro reo

Através de uma análise crítica da legislação, da doutrina e da jurisprudência, bem como da discussão de conceitos fundamentais como a síndrome da mulher de Potifar e a postura da sociedade em relação ao absolvido, busca-se contribuir para o debate sobre o aprimoramento das práticas judiciais e a promoção de uma justiça  equilibrada e sensível às particularidades dos crimes de estupro. Ao explorar a complexidade deste tema, o presente trabalho visa provocar uma reflexão sobre os caminhos para uma tutela penal que respeite os direitos de todas as partes envolvidas, assegurando um tratamento justo e humano dentro do sistema de justiça. 

2 O CRIME AO DECORRER DA HISTÓRIA 

Resumidamente podemos perceber que ao analisar tal crime fica evidenciado que desde o início da sociedade humana, a religião foi a primeira a criminalizar esta conduta. 

O Código de Hamurabi (1700 a.C.) menciona que um homem que violentasse a esposa de outro homem deveria ser condenado à morte. Desde já, percebe-se que essa conduta era tratada como um crime perverso, cuja pena deveria ser a morte. (CODIGO DE HAMURABI, 1700) 

Observando-se os períodos bíblicos que possuímos podemos notar de forma mais precisa em Deuteronômio 22:23:30 no Antigo Testamento que já se falava da coibição de tal comportamento e o autor que fosse a praticar teria a sentença de sua morte: (BÍBLIA). 

23. Se uma virgem se tiver casado, e um homem, encontrando-a na cidade, dormir com ela, 24. conduzireis um e outro à porta da cidade e os apedrejareis até que morram: a donzela, porque, estando na cidade, não gritou, e o homem por ter violado a mulher do seu próximo. Assim, tirarás o mal do meio de ti. 25. Mas se foi no campo que o homem encontrou a jovem e lhe fez violência para dormir com ela, nesse caso só ele deverá morrer, 26. e nada fareis à jovem, que não cometeu uma falta digna de morte, porque é um caso similar ao do homem que se atira sobre o seu próximo e o mata: 27. foi no campo que o homem a encontrou; a jovem gritou, mas não havia ninguém que a socorresse. 28. Se um homem encontrar uma jovem virgem, que não seja casada, e, tomando-a, dormir com ela, e forem apanhados, 29. esse homem dará ao pai da jovem cinquenta siclos de prata, e ela tornar-se-á sua mulher. Como a deflorou, não poderá repudiá-la em todos os dias de sua vida. 30. Ninguém desposará a mulher de seu pai, nem levantará a cobertura do leito paterno. 

Concluindo-se uma análise ao crime de estupro desde os primórdios da sociedade humana, percebe-se que foi a religião a primeira instância a criminalizar tal ato. (Silva, 2023). 

Dentro do território brasileiro, a punição ao crime foi introduzida pelo Império português, a partir do Código Filipino, o qual esteve em vigor até 1830. Pierangeli, (2001, p. 109), relata que em relação a tal código “Do Título XVIII do mesmo Código Filipino constava: Punir-se-á com a morte o homem que, se utilizando da força obrigar uma mulher a se deitar com ele; será punido da mesma maneira aquele que pagar para isso”. 

O Código Filipino ainda contemplava a hipótese de estupro voluntário de uma mulher virgem, impondo uma obrigação ao agressor sexual. Este deveria casar-se com a mulher que tivesse violentado, e se o casamento fosse impossibilitado por algum motivo, o agressor deveria conceder um dote à vítima. No caso de o autor do crime não possuir bens, estava sujeito a ser açoitado e degredado. Se o perpetrador fosse considerado uma pessoa nobre, a punição se resumia ao degredo. (Prado, 2001) 

Destarte notamos que múltiplos fatores eram exigidos para considerar o criminoso punível, como a sua classe social, a virgindade da mulher e o estado civil da vítima. 

No ano de 1830, entra em vigor o Código Criminal do Império. Neste, em seu artigo 222, trazia a tipificação do crime de estupro com a seguinte redação: “Art. 222. Ter cópula carnal por meio de violência, ou ameaças, com qualquer mulher honesta. Penas – de prisão por três a doze anos, e de dotar a ofendida. Se a violentada for prostituta. Penas – de prisão por um mês a dois anos.” (BRASIL, 1830) 

Com a Proclamação da República, surge o Código Penal de 1890 (Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890), trazendo o crime em seu artigo 268 e alterando sua descrição para “estuprar mulher virgem ou não, mas honesta”. Adicionalmente, o artigo 266 foi introduzido, abordando o atentado ao pudor como “Atentar contra o pudor de pessoa de um, ou de outro sexo, por meio de violências ou ameaças, com o fim de saciar paixões lascivas ou por depravação moral”. (BRASIL, 1890) 

Em 1932, sob a liderança de Getúlio Vargas, o Código Penal foi reformulado, e o nome alterado para Consolidação das Leis Penais. Por outro lado, foi mantido o texto do código antecessor. (PIERANGELI, 2001) 

No ano de 1940 começa a vigorar o nosso atual Código Penal que em seu art.213 escreve o conceito do crime: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.” (BRASIL, 1940) 

Em 2009, com a entrada em vigor da Lei 12.015/09, o artigo 214 que fazia menção ao atentado ao pudor é mesclado ao artigo 213, além de alterar o “constranger mulher” para “constranger alguém” demonstrando que qualquer pessoa pode ser vítima do referido crime (FERREIRA, 2019) 

Alcançado o término da etapa do crime ao decorrer da história podemos prosseguir analisando conceito de estupro no atual Código Penal. 

3 CONCEITO DE ESTUPRO NO ATUAL CODIGO PENAL 

A palavra estupro tem origens no latim estuprum. Historicamente, essa palavra abrangia qualquer relação sexual ocorrida fora do casamento. No entanto, no contexto do direito brasileiro, ela se limita à conjunção carnal ou a qualquer outro ato libidinoso que ocorra mediante violência ou grave ameaça. (BARROS, 2022). 

Com a promulgação da Constituição de 1988, o crime em estudo passou por uma mudança no bem jurídico tutelado, que anteriormente buscava proteger os bons costumes da sociedade e a moralidade sexual. No entanto, com a nova Constituição, ficou claro que o que deve ser protegido é a dignidade da pessoa humana, como evidenciado pelo atual título no Código Penal, intitulado “Os Crimes Contra a 

Dignidade e Liberdade Sexual”. (BRASIL, 1988) MIRABETE, FABBRINI (2010, p. 383-384) descrevem que: 

A anterior denominação do Título, VI – ‘Dos crimes contra os costumes’ – era reveladora da importância que o legislador de 1940 atribuía à tutela da moralidade sexual e do pudor público nos crimes sexuais em geral […]. A lei nº 12.015, de 7-8-2009, promoveu uma reforma profunda [neste título], visando adaptar as normas penais às transformações nos modos de pensar e de agir da sociedade em matéria sexual, ocorridas desde a elaboração do Código Penal, e atualizar o Estatuto em face das inovações trazidas pela Constituição Federal […].  Abandonando a visão tradicional dos ‘costumes’ como objeto central de tutela, o legislador eliminou alguns anacronismos, frutos de preconceitos e moralismo arraigados na sociedade à época em que foi elaborado o Código Penal. Na nova disciplina dos crimes sexuais se reconheceu a primazia do desenvolvimento sadio e do exercício da liberdade sexual como bens merecedores de proteção penal, por serem aspectos essenciais da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade. 

No Código Penal o crime de estupro está definido no artigo 213, que descreve o seguinte texto: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, tendo como “Pena: reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”. (BRASIL, 1940) 

O crime em análise possui natureza hedionda e possui a característica de constranger alguém, se utilizando de meios violentos ou grave ameaça, para que ocorra conjunção carnal ou algum outro tipo ato libidinoso, visando satisfazer a própria vontade sexual. Para ele, não é necessário que ocorra a conjunção carnal para consumar o crime. Este pode ser praticado por qualquer pessoa e contra qualquer pessoa. Quando realizado contra uma mesma vítima se considera um crime único. (NUCCI, 2020) 

Em um julgamento no Superior Tribunal de Justiça, fora conceituado como sendo um delito que inclui atos libidinosos praticados de formas diferentes, deixando claro que são inseridos no rol toques, contatos eróticos, beijos lascivos e que se consuma quando o agressor tem o contato físico direto com a vítima. (BRASIL, 2013) 

Antes da alteração introduzida pela Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009, o delito em análise amparava somente as mulheres, dizendo: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. No entanto, com a alteração realizada, foi modificado para constranger qualquer pessoa, não apenas a mulher, a ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Assim sendo, o sexo masculino acabou sendo igualmente amparado pelo dispositivo. (CAPEZ, 2018) 

Com a nova redação disposta na Lei nº 12.015/2009, foi inserida uma finalidade mais abstrata, que é a de garantir que todo ser humano, que tenha a capacidade de decidir sobre suas vontades sexuais, o faça com a liberdade de escolher se quer ou não praticar tais atos. Além disso, busca assegurar que toda atividade sexual humana decorra da livre decisão de cada ser. (BITENCOURT, 2017) 

O antigo artigo 214 do Código Penal brasileiro, que mencionava o atentado violento ao pudor, descrevia os atos libidinosos, enquanto o antigo artigo 213 mencionava a conjunção carnal. Em ambos os delitos, era necessário existir o constrangimento da vítima para a configuração do crime, utilizando-se da violência ou da grave ameaça. Com a implementação da Lei 12.015/2009, os dois artigos citados foram fundidos em apenas um, aumentando assim o alcance da punição para os crimes de estupro. (MASSON, 2020) 

Ademais, o estupro, quando é realizado exigindo algum tipo de ato libidinoso, pode ser dividido em duas espécies. A primeira ocorre quando o agressor sexual obriga a vítima a realizar o ato em si mesma, como, por exemplo, quando é forçada a se masturbar para satisfazer o desejo do criminoso. A segunda espécie é caracterizada quando a vítima concede permissão de forma coagida para que o agressor realize seus desejos, como, por exemplo, na realização do coito anal. (Barros, 2022) 

Concluída a fase do conceito de estupro no atual Código Penal entramos agora na verificação da ação penal. 

4 AÇÃO PENAL  

A ação penal pode ser distribuída em três espécies: incondicionada, condicionada e privada. A primeira como uma ação em que o Ministério Público não necessita de qualquer tipo de condição especial para iniciar um processo contra o investigado; basta apenas que existam indícios suficientes da autoria e materialidade do crime. (ESTEFAM, 2018) 

Enquanto a condicionada, ocorre quando a lei exige algo a mais para que a ação seja proposta, como, por exemplo, a necessidade que a vítima do crime represente contra o agressor. (MASSON, 2020) 

Em outra esfera existe ação penal privada que a espécie processual no direito penal onde o direito de acusar é dado ao particular, geralmente a vítima do crime, ao invés de ser iniciada automaticamente pelo Estado. Este meio é aplicado em situações específicas onde os interesses privados prevalecem sobre os públicos, e sua principal característica é permitir que o indivíduo afetado decida se deseja ou não prosseguir com a acusação. (NUCCI, 2020) 

Quanto ao delito em estudo, a ação penal, em regra, é uma ação incondicionada, conforme menciona a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal. Esta súmula defende que, nos crimes contra a liberdade sexual dos indivíduos, não é necessário a representação da vítima, possuindo a seguinte grafia: “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”. (BRASIL, 2024) 

Prado (2019) em seu livro concorda que a ação em questão é incondicionada, visando a proteção ampla de todas as vítimas de tal crime. 

Em posição contrária ESTEFAM (2018), defende que a ação deveria ser condicionada a representação da vítima, sendo alterada para incondicionada somente nos casos em que estivesse presente uma lesão corporal grave ou que por conta do estupro a vítima viesse a óbito. 

Com a nova legislação lei 13.718 de 2018, em seu artigo 225 vem com intuito de pôr um fim nesta discussão confirmando que ação penal para os crimes sexuais passa a ser pública incondicionada. Isso quer dizer que o Ministério Público pode iniciar a ação penal independentemente da vontade da vítima ou de sua família, visando a uma maior proteção aos direitos das vítimas de crimes sexuais e à eficácia na persecução penal desses delitos. (NUCCI, 2020) 

5 OS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS  

De forma majoritária, a doutrina brasileira entende que prova é aquilo que busca confirmar, aprovar, examinar algo, pois tem o intuito de chegar o mais próximo possível daquilo que ocorreu no fato. Em se tratando de matéria penal, refere-se àquilo que de fato ocorreu no ato criminoso. Existem três métodos para se avaliar as provas: a tarifada, intima convicção do juiz e o livre convencimento motivado. (NUCCI, 2015). 

5.1 PROVA TARIFADA  

Este sistema utiliza um método em que o valor e a relevância de cada prova são determinados pela própria legislação. Neste sistema, cada prova tem pesos e significados já estabelecidos pela própria lei, criando assim uma limitação para o convencimento do juiz na avaliação das evidências demonstradas. O juiz precisa seguir de forma rigorosa as normas legais para analisar a prova, não deixando espaço para interpretação ou convicção pessoal do magistrado. O sistema em questão visa criar um padrão para se analisar as provas no processo penal. (LOPES, 2022) 

5.2 ÍNTIMA CONVICÇÃO DO JUIZ 

O sistema da “intima convicção do juiz” é um sistema que garante uma ampla liberdade para o magistrado julgar não se prendendo a normas, mas sim, dando a possibilidade de o mesmo decidir com suas convicções morais e pessoais, desta maneira não é nem mesmo necessário que o juiz fundamente sua decisão com normas legais. (NUCCI, 2023) 

Este sistema tem vínculo aos métodos judiciais antigos, onde o julgamento e análise pessoal dos juízes eram vistos como soberanos na sociedade. O pensamento era de que, como o juiz era uma figura de extrema autoridade e que possuía amplo conhecimento, tinha a capacidade de distinguir a verdade do ilusório, assim proporcionando um julgamento justo sem se utilizar de normas ou provas. (PIMENTEL, 2016) 

Salienta, outra vez, que a intima convicção do juiz é alvo de inúmeras críticas e que um dos principais motivos disso se bem define pela subjetividade do próprio modelo, que pode ocasionar decisões descomprometidas e injustas. Isso porque, ao não se sentir obrigado à fundamentação das decisões seja com base em provas concretas, ou seja, em normas legislativas, o risco das decisões arbitrárias ou contaminadas por preconceitos e predileções do próprio julgador se eleva. Ademais, a falta de transparência acerca do procedimento julgador pode abalar consideravelmente a fé das pessoas em seu sistema judiciário. (PIMENTEL, 2016) 

É possível verificar que este sistema veio para solucionar os problemas causados pelo sistema anterior (prova tarifada). Porém, destaca que este modelo também traz consigo problemas graves, como a falta de fundamentação sendo regulada pela lei. Ele menciona que, por conta disto, as decisões poderiam ser feitas com base no físico, orientação sexual ou até mesmo com base na escolha religiosa daquele que está sendo acusado, pois o julgador não está vinculado a nenhuma prova apresentada no decorrer do processo. (LOPES, 2022) 

No Brasil, este sistema é adotado quando se trata de um tribunal de júri, onde os jurados possuem total liberdade para julgar os casos apresentados sem nenhum tipo de conhecimento jurídico. Não são exigidos os critérios probatórios e nem a fundamentação de suas decisões. (LOPES, 2022) 

Percebe-se o grande perigo deste sistema se fosse utilizado para outros processos penais, principalmente quando se tratar de um crime sexual, como o estupro, em que provoca nas pessoas que tomam conhecimento de tal ato um sentimento de raiva e que, por meio desta raiva, buscam punir o acusado mesmo sem nenhuma prova concreta. (CAPEZ, 2020) 

Para solucionar este problema, será analisado a seguir o sistema do ‘Livre Convencimento Motivado do Juiz’.  

5.3 LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ  

Neste tópico será analisado como o sistema do livre convencimento do juiz se tornou o principal no sistema judiciário brasileiro e o porquê deste modelo ser considerado o mais justo possível para o julgamento das causas apresentadas. 

Para compreender este sistema, veja-se que este modelo veio com o principal objetivo de substituir os modelos anteriores da prova tarifada e íntima convicção do juiz. Ele estabelece que o juiz, ao tomar a decisão no processo, não precisa ficar preso somente às provas apresentadas no caso, mas tem a oportunidade de construir seu próprio convencimento. Vale ressaltar que está “liberdade” não é ilimitada; ela deve ser administrada de modo racional e lógico com base nos argumentos apresentados no decorrer do processo. (CAVALLI, 2016) 

Um ponto crucial que merece ser destacado é a importância da fundamentação nas decisões judiciais, assim sendo, os magistrados precisam explicar de forma detalhada e racional por qual motivo proferiram uma decisão. Ao avaliar um caso, o juiz tem o poder de determinar quais provas são mais relevantes, mas é imprescindível que ele justifique sua escolha. Essa justificativa deve se basear nos documentos apresentados no processo, complementados pelas leis em vigor. (CAVALLI, 2016) 

Quando o magistrado começa a analisar as evidências, cabe a ele conceder mais ou menos importância a diferentes elementos, dependendo de como eles se relacionam precisamente ao caso, no entanto, a maneira como são expostos deve ser objetiva e imparcial. (CAVALLI, 2016) 

Além disso, deve-se observar que as decisões devem estar em consonância com entendimentos jurisprudenciais, ou seja, outras decisões semelhantes ao caso apresentado. Uma vez que a decisão possui fundamentação, permite-se mandar para instâncias superiores. Isso significa que, se um juiz for considerado injusto o réu tem a oportunidade de ter um novo julgamento justo na lei em uma corte mais elevada. (CAVALLI, 2016) 

Este padrão de avaliação contribui para a transparência do processo legal, uma vez que os participantes envolvidos nele e o público em geral podem entender o que exatamente motivou uma determinada decisão, o efeito obtido, é que a sociedade melhora a percepção do sistema judicial. (CAVALLI, 2016) 

É de se perceber que este modelo desempenha um papel fundamental no sistema judiciário brasileiro, especialmente em casos delicados como os de estupro. Este sistema obriga que o julgador analise as provas com critérios extremamente rigorosos, indo além da superficialidade. Serve para garantir um julgamento justo e construído à base de provas concretas, e não somente para isso, mas também para evitar a condenação de pessoas inocentes. 

6 O VALOR DA PROVA NO CRIME DE ESTUPRO 

A prova no crime em estudo é algo de extrema complexidade por conta de sua natureza, pois envolve questões delicadas para a vítima, o que acaba dificultando a coleta de materiais para sua comprovação. Isso, de certa maneira, pode acabar impactando na avaliação jurídica justa. (NUCCI, 2023) 

Prova no processo penal significa convencer o juiz que suas alegações apresentadas no processo são as mais verdadeiras possíveis sobre o que aconteceu no fato imputado, no intuito de gerar certeza ao magistrado para que ele venha proferir uma decisão justa. (NUCCI, 2023) 

Diante de crimes cometidos contra a dignidade sexual, as provas necessitam de uma atenção mais ampla, como escutar a vítima, exame pericial e a coleta de materiais. (PACELLI, 2018) 

Ao delinear a distribuição do ônus probatório, cabe à acusação a responsabilidade de provar o fato imputado. Este princípio é intrinsecamente ligado à presunção de inocência, garantindo que ninguém seja considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sendo assim, caso não exista provas suficientes o acusado deve ser absolvido. (PACELLI, 2018) 

Em contrapartida, o artigo 156 do Código de Processo Penal deixa claro que aquele que está sendo acusado não tem a obrigação de produzir provas para sua inocência, por conta do princípio da não culpabilidade garantido pela Constituição Federal. No entanto, em sua defesa, o acusado pode estar apresentando provas de forma facultativa, a fim de suscitar dúvidas no magistrado, visando uma possível absolvição. (BRASIL, 1941) 

É necessário mencionar que, no crime de estupro, o objeto que foi violado é o corpo da vítima. Assim sendo, percebe-se que a palavra do ofendido sobre os fatos ocorridos contém um grande valor para a possível condenação. Esta é a primeira prova produzida pela acusação. (BARROS, 2022) 

Dessa maneira, diante da delicadeza da situação, é necessário que o magistrado analise minuciosamente as provas produzidas, incluindo o que o ofendido falou. Não somente isso, o magistrado responsável deve possuir o conhecimento necessário para resolver a questão de forma fundamentada. (HENRIQUE, 2014) 

7 PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS PARA PROVAS 

Com análise feita em torno das provas no processo penal, abrangendo o crime em estudo, percebe-se a grande importância das provas serem produzidas com seriedade e assegurando um julgamento justo. Para isso, existem princípios norteadores para garantir a eficiência das provas produzidas, estes princípios serão analisados a seguir. 

7.1 PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE 

Este princípio está garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, LVII. A presunção de inocência assegura que a pessoa acusada de ter cometido um crime só será considerada culpada quando houver uma sentença penal condenatória que transitou em julgado, ou seja, aquela que já esgotou todas as possibilidades de recurso. Assim, percebe-se que mesmo com uma condenação de um tribunal em primeira instância, essa pessoa ainda deve ser considerada inocente. O objetivo principal é garantir que o indivíduo acusado tenha acesso a todos os seus direitos fundamentais. (BRASIL, 1988) 

O princípio da presunção de não culpabilidade cria um dever para o poder público, exigindo que este observe duas regras essenciais em relação ao sujeito que está sendo acusado. A primeira regra refere-se ao tratamento do investigado, indicando que o mesmo não pode sofrer restrições pessoais devido a uma possível condenação que ainda não ocorreu. A segunda regra menciona que o ônus da prova, demonstrando a culpa do sujeito, recai totalmente sobre a parte acusatória. Continua afirmando que o princípio da inocência consegue encontrar efetiva aplicação no campo da prisão provisória, pois toda prisão antes do trânsito em julgado requer um fundamento para tal ação. (PACELLI, 2018) 

Assim, para compreender o princípio apresentado não busca gerar impunidade, mas tem papel preponderante no ordenamento jurídico, que serve para impor limites em relação do poder do Estado com o cidadão acusado no processo penal, serve para equilibrar a acusação com a defesa. 

Ao abordar a divisão do princípio, este pode ser dividido em três dimensões. A primeira estaria presente na fase de instrução processual, atuando como uma presunção relativa de não culpabilidade. A segunda se manifesta quando as provas são colocadas para avaliação; o princípio gira em favor do acusado no caso de existirem dúvidas, ou seja, se existirem dúvidas sobre tal prova, a interpretação da mesma deve ser em benefício ao acusado. A última divisão novamente enfatiza que a restrição de liberdade deve ser utilizada somente quando se mostrar de extrema necessidade. (CAPEZ, 2016) 

Essas três subdivisões apresentadas garantem um processo penal respeitoso aos direitos fundamentais e equilibrado entre as partes.  

7.2 PROPORCIONALIDADE 

O princípio da proporcionalidade, que também pode ser chamado de princípio da razoabilidade, é uma das bases fundamentais no direito, principalmente no âmbito penal. O referido fundamento busca garantir que as intervenções do Estado sejam proporcionais às circunstâncias. (NUCCI, 2020) 

Este princípio atua como uma maneira de limitar o poder legislativo, criando uma espécie de barreira que impede a aplicação de penas exageradas e a imposição de penas insuficientes para a proteção de bens jurídicos fundamentais. De igual modo, o princípio da proporcionalidade demonstra um controle judicial das leis penais, deixando de forma implícita que a intervenção estatal deve ser equilibrada e razoável. (MASSON, 2020) 

É possível a divisão do princípio em três dimensões. A primeira ele chama de ‘proporcionalidade abstrata’ (Legislativa), que se refere à escolha das penas que mais se combinam com a infração penal, sempre levando em análise critérios qualitativos e quantitativos, como, por exemplo, a determinação da pena mínima e máxima. (MASSON, 2020) 

A segunda dimensão, denominada de ‘proporcionalidade concreta’ (Judicial), está ligada à ideia de orientar o magistrado no julgamento da ação penal, fazendo com que haja uma execução de forma individualizada da pena, dependendo das circunstâncias do caso. O juiz deve verificar se a pena imposta é proporcional à infração cometida, visando que a pena seja justa e suficiente para punir aquele ato ilícito cometido. (MASSON, 2020)  

Para concluir, ele escreve sobre a terceira dimensão, chamada de ‘proporcionalidade executória’ (Administrativa), que aborda as regras que devem ser aplicadas durante o cumprimento da pena, sempre levando em conta as condições pessoais da parte condenada. Isso serviria para garantir que a execução penal seja proporcional e respeite os direitos fundamentais do indivíduo. (MASSON, 2020) Com base em que foi demonstrado, é perceptível que o princípio da proporcionalidade surge como forma de buscar um sistema penal equilibrado, que de maneira igualitária mantenha a segurança jurídica e preserve os direitos fundamentais das pessoas, contribuindo para a construção de uma justiça mais justa e balanceada. 

7.3 IN DUBIO PRO REO 

Este princípio em questão é uma vertente que surge por meio do princípio da presunção da não culpabilidade, que defende que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. 

O princípio do in dubio pro reo é uma consequência da prevalência do interesse do réu, unificado entre o ‘favor rei’, ‘favor innocentiae’ e o ‘favor libertatis’. Ele escreve que, quando existir conflito entre a inocência e a liberdade do réu e o dever do Estado de punir o acusado, o juiz deve decidir em favor do réu quando estiver em dúvida razoável. Ele continua mencionando que, em nosso ordenamento jurídico, este princípio toma forma com o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal brasileiro, que deixa claro que o juiz deve absolver o réu quando não existirem provas suficientes para condenar o sujeito. (NUCCI, 2015) 

É possível constatar duas interpretações possíveis para este princípio. A primeira seria que este princípio só poderia ser aplicado quando avaliam as provas e não quando se interpreta a lei. Escreve que, no momento em que a interpretação da lei tem como objetivo encontrar o real sentido, não se pode falar em dúvidas que possam beneficiar o acusado. De acordo com esta visão, a lei busca somente esclarecer o texto legal, pois, uma vez lido, o texto da lei deve ser interpretado daquela maneira, sem deixar dúvidas. (CAPEZ, 2018) 

Agora, na segunda interpretação, o in dubio pro reo não deve ser limitado apenas à fase de análise de provas, mas deve ser aplicado de forma conjunta na interpretação das leis. Defende-se que, quando a análise das provas e a interpretação da lei são realizadas, ainda assim restam dúvidas ou incertezas sobre o real significado da norma e de como ela deve ser aplicada. E, com esta dúvida, a resolução deve ser feita da forma mais benéfica para o réu. (CAPEZ, 2018) 

Isso significa que, depois de uma interpretação minuciosa sobre a lei, se existirem ainda múltiplos entendimentos, aquele que for mais favorável ao acusado deve ser adotado. É possível notar a importância deste princípio em casos em que existem grandes barreiras para se produzir provas e não é possível ter uma clareza absoluta sobre a prova produzida. Fernando ainda cita um exemplo para esclarecer: se uma lei for interpretada de uma forma que abrange ou exclui algum comportamento na esfera da infração penal e a mesma não for clara, a leitura que exclui o comportamento (ou seja, aquela que é mais benéfica) é a que deve ser escolhida. (CAPEZ, 2018) 

Esta segunda leitura cria uma proteção mais extensa para os direitos do acusado, assegurando que, na falta de clareza para tomar a decisão, os indivíduos não sejam injustamente punidos por uma leitura mais rigorosa ou punitiva da lei. Assim sendo, o princípio do ‘in dubio pro reo’ serve como uma defesa contra a possível aplicação injusta da lei. 

8 AS PROVAS PERMITIDAS PARA O CRIME DE ESTUPRO 

A materialidade do crime, ou seja, a base real material dessa infração é algo imprescindível para considerar que uma infração penal exista. É essencial que esse elemento seja confirmado por prova factual da comissão de um delito, portanto, são necessárias evidências inabaláveis da existência e concretização de um ato ilegal. (CAPEZ, 2016) 

A primeira prova a ser admitida é por conta do exame de corpo de delito, utilizado para demonstrar que existiu um crime. O Artigo 158 do Código de Processo Penal descreve que é indispensável realizar o exame no objeto que deixou vestígios de um crime, independentemente se este exame seja direto ou indireto. (BRASIL, 1941) 

Quando observamos o crime de estupro, especialmente na tentativa do crime ou quando não há a conjunção carnal, a comprovação do crime se torna extremamente difícil. Isso ocorre devido à falta de vestígios materiais que seriam fundamentais para a realização do exame de corpo de delito. A ausência dessas evidências físicas dificulta a verificação objetiva da existência do crime, introduzindo complexidades adicionais no processo de investigação e judicialização dessas situações específicas. (CAPEZ, 2016) 

Na ausência de provas periciais, as testemunhas adquirem um papel de grande valor. A palavra da testemunha será utilizada como uma forma de prova no processo, desempenhando um papel de grande importância na busca da verdade e na construção dos fatos que realmente ocorreram. (CAPEZ, 2016) 

O artigo 201 do Código de Processo Penal estabelece a possibilidade de ouvir o que o ofendido tem a dizer, seja pessoalmente ou por meio de seu advogado. (BRASIL, 1941) 

Assim, destaca-se que as palavras da vítima em um crime tão cruel devem ser analisadas com rigor extremo. Essa cautela é essencial para evitar a criação de narrativas fictícias, o que poderia prejudicar severamente o princípio da presunção de inocência e, além disso, comprometer o devido processo legal. Dessa forma, a palavra da vítima necessita de evidências ainda mais robustas para prevenir uma condenação injusta. (NUCCI, 2016) 

Para impor uma certa restrição às possíveis condenações baseadas apenas no testemunho das testemunhas ou na palavra da própria vítima, o artigo 93 da Constituição Federal estabelece que nos casos de crimes, como o estupro, é admissível a condenação do acusado exclusivamente com base no relato da vítima. No entanto, é imperativo que toda decisão seja devidamente fundamentada e adequada à situação, sob pena de nulidade. Nesse contexto, a justificativa do magistrado precisa ser clara e coerente, demonstrando porque o julgador se convenceu da referida prova e como ela se relaciona ao fato narrado. (BRASIL, 1988) 

9 O VALOR DA PALAVRA DA VÍTIMA COMO PROVA 

Atualmente, em nosso sistema jurídico, quando se trata de crime sexual, principalmente o estupro, a jurisprudência vem aceitando a utilização unicamente da palavra da vítima como meio de prova. Isso se deve ao fato de que este campo é marcado por extrema complexidade e desafios. As evidências físicas do crime podem se tornar escassas ou não ter um poder conclusivo para o processo. Desta maneira, a narrativa da vítima assume uma forma de extrema importância no decorrer do processo. (GARBIN, 2016) 

Todavia, a condenação do indivíduo acusado de estupro deve passar por um processo judicial criterioso e rigoroso. Isso é fundamental para a comprovação de dois elementos centrais: a autoria e a materialidade do delito. Quando se fala em autoria, significa que a identidade do agressor sexual deve ser incontestável, não podendo existir mais dúvidas em relação a quem foi, coisa que a simples pronúncia do ofendido não é capaz de demonstrar. Enquanto isso, a materialidade tem o intuito de provar que o crime que está sendo imputado realmente ocorreu. (GRECO FILHO, 2013) 

Existem outros tipos de provas que podem ser utilizados para demonstrar a existência do crime, como fotos e vídeos que podem ser adquiridos por conta dos sistemas de monitoramento das ruas e casas aos arredores, ou então obter o testemunho de terceiros que eventualmente podem ter presenciado a agressão. (GRECO FILHO, 2013) 

Enquanto Greco defende a utilização de provas em vídeo, fotos e a inquirição de testemunhas, percebe-se que existe a uma nova perspectiva, alegando que nos crimes de estupro existe uma escassez severa em se adquirir provas pelos métodos que foram apresentados anteriormente, por conta de que o delito em estudo, de forma majoritária, ocorre no sigilo, longe da visão de terceiros ou de ferramentas que possam capturar o crime. (NUCCI, 2014) 

Apesar da sociedade muitas vezes esboçar uma reação negativa, é fundamental nos julgamentos desses casos. Acredita-se que a vítima do crime, diante dos desafios que enfrenta ao vir a público relatar sua experiência, não conseguiria inventar tais alegações, considerando os traumas passados e as grandes consequências sociais que enfrenta. (SPERANDIO, 2017) 

O atual sistema jurídico valoriza o livre convencimento motivado do magistrado, o que permite ao juiz julgar a causa utilizando todas as evidências apresentadas, incluindo a palavra da vítima. Quando houver uma situação em que a palavra da vítima diverge do que o acusado alega, é comum dar maior credibilidade à palavra da parte ofendida, especialmente quando não existem motivos nos autos que diminuam a veracidade das declarações apresentadas. (SPERANDIO, 2017) 

10 O RISCO DA CONDENAÇÃO DE INOCENTES E PORQUE O PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO DEVE SER APLICADA 

Como demonstrado no tópico anterior, atualmente, nos crimes de estupro, tem-se demonstrado uma tendência em aceitar exclusivamente a palavra da vítima como prova. Por mais que esta abordagem seja uma solução para a complexidade e os desafios de obter provas concretas neste tipo de crime, pode vir a criar sérios problemas. A dependência quase que total no testemunho da vítima, sem o alicerce de outras provas combinadas, pode levar a grandes injustiças. O risco de condenações equivocadas, que ocorrem pela falta de provas materiais e pela subjetividade inerente ao relato pessoal, ameaça o processo legal e pode ferir princípios fundamentais como a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana. Este tipo de situação faz necessário a existência de um equilíbrio no sistema jurídico, em que a palavra da vítima deve ser aplicada dentro de um contexto mais amplo de evidências, garantindo desta forma um julgamento justo. 

Tem-se notado um fenômeno de inversão dos polos. Assim, a condenação, utilizando-se exclusivamente da palavra do ofendido, pode causar danos devastadores a um inocente; isso inclui a estigmatização social, a violência que poderá sofrer enquanto está preso, e a destruição que esta pessoa terá em sua reputação e vida social. Ainda menciona que, em uma situação tão traumática, a pessoa que está sendo agredida sexualmente pode errar ao identificar o seu agressor, pois estará com um desejo tão alto de justiça que condenará o primeiro que lhe for submetido. Finalizando, ele traz ainda a ideia de falsas memórias, que também podem ocorrer pela natureza traumática. Em uma situação como esta, é comum que diversas partes terceiras queiram palpitar, o que aumenta ainda mais o risco de erro. (GARBIN, 2016) 

Demonstrando posicionamento, embora a declaração da vítima tenha sua importância, ela não pode violar as garantias da parte acusada. A análise da declaração deve ser realizada com cautela, observando qualquer tipo de inconsistência ou sinal de incoerência. (SPERANDIO, 2017) 

Esta análise deve buscar obter a verdade processual, avaliando se realmente é necessário dar um peso especial à palavra da vítima. O objetivo é assegurar uma responsabilização justa ao acusado ou, então, sua absolvição deve ocorrer; desta forma, mantendo a credibilidade no sistema judicial. Por conta disso, é indispensável obter uma decisão bem fundamentada para garantir que não exista a condenação de um inocente. (SPERANDIO, 2017) 

Nestas situações, deve ser aplicado o princípio do in dubio pro reo, pois, de acordo com ele, este princípio é uma máxima fundamental no processo penal. Embora o autor utilize como exemplo o estupro de vulnerável, também pode ser reaproveitada a explicação e adaptada para o crime de estupro. (GARBIN, 2016) 

Ele escreve que, no caso em que se utiliza da palavra da vítima como prova para condenação, o in dubio pro reo deve ser aplicado de forma rigorosa, para que se tenha uma análise cuidadosa da prova em questão. O magistrado, estando pressionado por este princípio, deve assegurar-se de que as evidências propostas contra o réu são sólidas, confiáveis e suficientes para eliminar qualquer tipo de dúvida sobre a culpabilidade; caso contrário, se após a análise conjunta probatória existirem incertezas, a decisão deve ser pela absolvição do acusado. Continua escrevendo que, embora o testemunho da vítima tenha sim sua relevância, ele deve ser analisado com atenção redobrada. (GARBIN, 2016) 

Deste modo, a aplicação do princípio do in dubio pro reo visa proteger não somente o direito daquele que está sendo acusado, como também a integridade do sistema judicial, evitando que um inocente seja condenado. 

11 SINDROME DA MULHER DE POTIFAR 

A síndrome da mulher de Potifar refere-se a uma situação em que a mulher faz falsas acusações de natureza sexual contra outra pessoa, geralmente por motivos pessoais ou vingança, isso tudo motivado por fatos inverídicos. (CARLOS, 2021) 

Ele explica que esse fenômeno se torna especialmente pertinente em relação aos crimes sexuais, nos quais a palavra de uma vítima pode exercer um papel crucial, mas com isso se cria o medo de que, como resultado de um testemunho falso, muitos inocentes sejam apanhados. (CARLOS, 2021) 

Este conceito surge da Bíblia, no livro Gênesis, em seu capítulo 39. Esta teoria é constantemente aplicada em processos de estupro, em que se tem a palavra da suposta vítima contra a do acusado, sem a presença de testemunhas. Ele menciona que, tratando-se de contexto jurídico, esta teoria deve servir como uma espécie de lembrete de que as alegações da suposta vítima precisam ser cuidadosamente avaliadas e verificadas, reconhecendo sempre que podem existir falsas acusações. (GRECO, 2017) 

Além do mais, existe um enorme problema que pode surgir a partir da situação problemática que afeta o lado acusado, que é o dano à sua reputação, mesmo que o acusado seja absolvido, a acusação ainda pode ser altamente prejudicial. A razão é que no mundo atual, as pessoas costumam formar opiniões muito rapidamente, especialmente em algo tão grave quanto o crime em questão, o dano resultante durará para sempre. Portanto, o efeito psicológico e emocional que as acusações falsas e mentirosas podem ter como estresse e ansiedade no lado acusado, e o efeito financeiro que pode ocorrer, pois a defesa do acusado pode demorar tempo e tomar muito dinheiro, tornando a vida o lado acusado um caos irreparável. (GRECO, 2017) 

Como ficou demonstrado, a síndrome em questão é algo complexo que traz grandes dificuldades à vida do acusado sob as falsas acusações alegadas. Por conta disso, iremos observar no próximo tópico sobre a postura da sociedade em relação ao absolvido no crime de estupro. 

12 A POSTURA DA SOCIEDADE EM RELAÇÃO AO ABSOLVIDO NO CRIME DE ESTUPRO 

Importa-se lembrar o papel da publicidade acima do sistema penal, levando a criar verdadeiro paradoxo, afinal, por um lado, a publicidade gera a garantia de supervisão democrática sobre o tribunal, mas de outro lado, testemunha-se um declínio significativo e às vezes muito preocupante envolta do papel deste princípio por causa da mídia existente. As grandes imprensas sensacionalistas que são responsáveis por isso na maioria das vezes, uma imprensa que vai além da notícia, que de forma frequente ultrapassam os limites, como por exemplo antecipando o processo de maneira imprudente e descarada. Com relação ao último, aparecem os chamados “tribunais público”. (CARNELUTTI, 2017) 

Afastado de ser unicamente uma questão de enchentes populares nas cortes, é a influência da mídia que tem modificado cada vez mais a essência da publicidade do processo, alterando o seu propósito inicial e criando um local de desordem e ameaças constantes, e ainda mais, colocando a integridade e a eficácia da justiça penal em risco. (CARNELUTTI, 2017) 

Algo que é impossível de não reconhecer é que a sociedade, de forma inquestionável, despeja toda informação pelas grandes mídias, sem ter o devido questionamento crítico. Isso gera uma grande confusão com os administradores do direito, que estudam de forma específica os casos que são apresentados de maneira minuciosa. Não é errado discordar de uma decisão judicial, desde que a discordância venha de informações completas e não de manchetes sensacionalistas. Isso é algo que é demonstrado por grande parte do público, que, em grande escala, são leigos em conteúdo jurídico. (ALMEIDA, 2022) 

Assim, quando uma pessoa é incriminada injustamente por estupro pode ser indenizada, tentando reparar os danos sofridos, no entanto, não é suficiente para compensar o quão desmoralizado o nome do acusado foi. O dano é extenso e prejudicial, de modo que a compensação em dinheiro não pode reverter completamente o prejuízo. Em última análise, isso ilustra o quão terríveis são as acusações. (ALMEIDA, 2022) 

13 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS 

Com foco no tema em debate, importante destacar os entendimentos jurisprudenciais: 

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CP. ABSOLVIÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NESTA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça há muito se consolidou no sentido de que, em se tratando de crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima tem alto valor probatório, considerando que delitos dessa natureza geralmente não deixam vestígios e, em regra, tampouco contam com testemunhas. 2. No caso, contudo, o Tribunal Distrital, competente pela análise do conteúdo probatório dos autos, concluiu pela ausência de credibilidade da acusação, eis que a palavra da vítima não teria sido corroborada pelas demais provas produzidas, razão pela qual aplicou o princípio in dubio pro reo para absolver o ora recorrido com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. 23 3. A reforma do aresto impugnado demandaria o necessário reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado no julgamento do recurso especial por esta Corte Superior de Justiça, que não pode ser considerada uma terceira instância revisora ou tribunal de apelação reiterada, a teor do enunciado nº 7 da súmula deste Sodalício. 4. Agravos regimentais improvidos. (BRASIL, 2015) 

O julgado apresentado vem do Superior Tribunal de Justiça – STJ e refere-se a uma situação de estupro de vulnerável, porém podemos adaptá-lo para o nosso contexto. No caso mencionado, o tribunal distrital concluiu que a acusação não era crível. Observou-se que a palavra da vítima não foi corroborada por outras provas no processo, levando então à aplicação do princípio in dubio pro reo. (BRASIL. 2015) 

Também fica demonstrado que a decisão do tribunal distrital não poderia ser reexaminada pelo STJ, pois, como corte superior, não realiza revisão fática ou probatória de casos, conforme estabelecido pela Súmula 7 do próprio tribunal. Ou seja, o STJ não pode atuar como terceira instância revisora. (BRASIL. 2015) 

De maneira resumida, este julgado reforça que existe, sim, relevância na palavra da vítima em crimes de natureza sexual, mas ao mesmo tempo demonstra a necessidade do auxílio de outras provas e a limitação das cortes superiores em reexaminar evidências já avaliadas em instâncias inferiores. O STJ proferiu outra decisão em face do assunto: 

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL. ESTUPRO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. ALEGADA CONTRARIEDADE DE TEXTO DE LEI OU DA EVIDÊNCIA DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIA COMPROVADA POR VÁRIOS ELEMENTOS DE PROVA. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. SÚMULAS N. 83 E 7 DO STJ. 21 1. O reconhecimento fotográfico realizado na fase inquisitorial é admitido, desde que corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 2. No crime de estupro, muitas vezes cometidos às ocultas, a palavra da vítima tem especial relevância, sobretudo quando há coerência entre a dinâmica dos fatos e as provas coligidas. 3. Não se conhece de recurso especial quando o acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ou há necessidade de reexame de fatos e provas. 

Súmulas n. 83 e 7 do STJ. 4. Agravo regimental desprovido. (BRASIL, 2021) 

Neste julgamento, o Ministro João Otávio de Noronha abordou a questão do reconhecimento fotográfico em casos de estupro e a relevância da palavra da vítima. Em primeiro lugar, o tribunal reconheceu a validade do reconhecimento fotográfico feito durante o inquérito policial, mas para que isso seja válido, ele deve estar conjuntamente ligado a outras provas apresentadas no julgamento, onde existem a ampla defesa e o contraditório. Isso demonstra que o reconhecimento por foto não pode ser o único elemento de prova. (BRASIL. 2021) 

Adentrando no campo do crime de estupro, mais uma vez ele deixa destacado que a ocorrência do mencionado crime é em um local privado sem testemunhas, o que acaba criando um alto valor ao testemunho da vítima no processo, não obstante, foi enfatizado que a palavra da vítima não poderia ser concebida como soberana e irrefutável, com base nisso, é preciso que sempre seja corroborada com outras provas como a materialidade do autor e a existência do crime. (BRASIL. 2021) 

Supremo Tribunal Federal – STF, de maneira semelhante decidiu: 

CRIME CONTRA OS COSTUMES – VÍTIMA – PALAVRA. A palavra da vítima ganha importância em se tratando de crime contra os costumes, especialmente quando harmônica com outros dados coligidos no processo. (BRASIL, 2018) 

O Ministro Marco Aurélio examinou alguns pontos-chaves em crimes contra os costumes, mais uma vez, a palavra da vítima se torna o assunto principal, ao decorrer o processo, ele menciona que muitas vezes esse tipo de crime acontece em determinadas situações privadas, longe da vista de testemunhas. Deste modo, a narrativa apresentada pela vítima frequentemente se torna a principal fonte de conhecimento dos acontecimentos. Contudo, é de suma importância notar que a credibilidade desta narrativa não é avaliada de forma isolada, devendo estar em harmonia com outras provas apresentadas. (BRASIL. 2018) 

Os tipos de provas que devem ser inseridas com a narrativa do paciente variam de exames médicos a testemunhos adicionais, mensagens eletrônicas, entre outros, tem como principal objetivo deste procedimento nivelar o julgamento e garantir que ele seja informado sobre uma avaliação completa das evidências coletadas, garantindo que a justiça seja proporcionada a ambos os lados. (BRASIL. 2018) 

14 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A partir das conclusões expostas neste estudo científico, percebe-se a relevância de um processo equilibrado no contexto dos casos de estupro, destacando a necessidade de os juízes agirem com prudência e sensibilidade para alcançar uma decisão justa, seja para condenar ou absolver o acusado de estupro. 

Desta forma, o presente estudo esclarece que o crime de estupro, conforme previsto no artigo 213 do Código Penal, é um delito de difícil comprovação, tanto em relação aos fatos quanto à identificação do autor, o que o torna um crime que frequentemente carece de evidências suficientes para uma condenação penal justa. evidencia-se a importância da adaptação da jurisprudência à situação específica, enfatizando a necessidade do direito penal estar familiarizados com a aplicação das diretrizes da jurisprudência e da legislação processual penal. Isso inclui a consideração da absolvição em casos de estupro quando não houver outras evidências além do testemunho da vítima para respaldar a acusação. 

Como mencionado, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana não só garante a credibilidade da vítima como do suspeito de ter cometido o crime, ou seja, todos devem ser tratados de forma igualitária perante a lei, e deve-se ouvir todos com a devida imparcialidade e confiabilidade, ganha destaque àquele que obtiver mais provas legítimas no processo a fim de respaldar suas afirmações. 

Em vista disso, e buscando sempre impedir a condenação ou absolvição injusta de uma pessoa é crucial que exista uma certeza real e fundamentada em fatos construídos no caso essa é uma tarefa difícil por conta da natureza oculta do crime, mesmo assim tal pensamento deve prevalecer – é melhor que mil culpados fiquem impunes do que condenar um inocente, esta ideia, embora muitas vezes revoltante em relação à moralidade pública, que raramente toma decisões técnicas e legais, é crucial para a busca da justiça. 

REFERÊNCIAS 

ALMEIDA, S. Falsa acusação de estupro: porque deveria ser crime hediondo. Canal Ciências Criminais. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/falsaacusacao-estupro/. Acesso em: 08 de janeiro de 2024 

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito penal: partes geral e especial. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2022.  

Bíblia Online. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/. Acesso em: 28 de novembro de 2023. 

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v.4. 

BRASIL. AgRg no AREsp 1797865/PA, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 06/08/2021. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=202003204415. Acesso em: 09 de abril de 2024. 

BRASIL. AgRg no REsp 1359608/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&s equencial=1282792&num_registro=201300009945&data=20131216&peticao_numer o=201300377877&formato=PDF. Acesso em: 09 de abril de 2024. 

BRASIL. AgRg no REsp 1494344/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 01/09/2015. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=201402792703. Acesso em: 09 de abril de 2024. 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 de dezembro de 2023. 

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BRASIL. HC 110591, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 03/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-073 DIVULG 16-04-2018 PUBLIC 17-04-2018. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14654498. Acesso em: 09 de abril de 2024. 

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1Acadêmico de Direito da Faculdade ISEPE/ RONDON. e-mail: vinicius.fonseca2018@gmail.com
2Professor Orientador da Faculdade ISEPE/RONDON. e-mail: k.peres@hotmail.com;