A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202508270842


Sânia Lopes Bonfim Aniszewski1


Resumo

Este artigo analisa a inclusão da Pedagogia da Alternância nas políticas públicas de educação no Brasil, destacando seu papel na garantia do direito à educação das famílias camponesas. A partir de um levantamento dos principais marcos legais — da Constituição Federal de 1988, à Lei de Diretrizes e Bases de 1996, às Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, ao FUNDEB e ao Plano Nacional de Educação (2014-2024) —, o estudo evidencia como a alternância entre escola e comunidade foi progressivamente reconhecida como metodologia pedagógica legítima. Também são discutidos os desafios persistentes, como financiamento insuficiente, reconhecimento institucional limitado e a necessidade de formação docente adequada. Conclui-se que fortalecer a Alternância implica consolidar políticas públicas que articulem educação, cultura, território e trabalho, assegurando a permanência e a valorização dos saberes das populações camponesas.

Palavras-chave: Pedagogia da Alternância; Educação do Campo; Políticas Públicas; Direito à Educação.

1  Introdução

A Pedagogia da Alternância tem se consolidado no Brasil como uma metodologia que articula a formação escolar com os saberes comunitários e a realidade do campo, valorizando a cultura, o território e as práticas sociais das famílias camponesas. Sua legitimidade foi conquistada a partir de avanços normativos, como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, o FUNDEB e o Plano Nacional de Educação (2014-2024). Contudo, persistem desafios relacionados ao financiamento, ao reconhecimento institucional e à formação docente. O artigo analisa esses marcos legais e políticos, destacando os limites e as possibilidades da Alternância como estratégia para garantir o direito à educação no campo.

2  A Pedagogia da Alternância

A Pedagogia da Alternância surgiu na França, em 1935, quando agricultores e comunidades rurais buscaram formas de oferecer educação aos jovens do campo que conciliava o processo escolar com as atividades agrícolas e a vida comunitária. Esse modelo foi inicialmente desenvolvido pelas Maison Familiale Rurale (MFRs) e rapidamente se consolidou como uma proposta inovadora, capaz de articular saberes científicos e experiências cotidianas (GIMONET, 1999).

No Brasil, a metodologia foi incorporada a partir da década de 1960, sobretudo pela ação de movimentos sociais, pastorais e organizações ligadas à agricultura familiar, que viam na Alternância uma possibilidade de formação integral e contextualizada para a juventude camponesa. Dessa experiência, surgiram as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e, posteriormente, os Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs), instituições que seguem o princípio da integração entre tempo- escola e tempo-comunidade (NOSELLA, 2012; MOLINA, 2014).

O diferencial dessa proposta está na ruptura com a lógica da escola tradicional, geralmente desvinculada da realidade dos estudantes do campo. A Alternância parte do pressuposto de que a comunidade é também espaço de aprendizagem, valorizando os conhecimentos locais, a cultura camponesa e o vínculo com o território. Dessa forma, promove uma educação que articula trabalho, ciência e vida comunitária, consolidando-se como prática pedagógica emancipatória (CALDART, 2002; MOLINA; JESUS, 2012).

2.1  Fundamentos Metodológicos

A Alternância organiza-se pela articulação entre tempo-escola, destinado às atividades pedagógicas formais, e tempo-comunidade, no qual os estudantes aplicam e aprofundam conhecimentos em sua realidade local.

Seus princípios pedagógicos centrais incluem:

•        Educação contextualizada: currículo vinculado às vivências e necessidades do campo;

•        Integração teoria e prática: conteúdos escolares relacionados às práticas sociais;

•        Protagonismo dos sujeitos: envolvimento ativo de estudantes, famílias e comunidade;

•        Formação territorializada: promoção da sustentabilidade e valorização cultural (MOLINA; JESUS, 2012

2.2  Impactos Sociais e Educacionais

A Alternância tem promovido importantes transformações nas comunidades rurais, tais como:

•        Redução do êxodo rural, ao valorizar o campo como espaço de vida;

•        Fortalecimento da agricultura familiar e práticas sustentáveis;

•        Formação cidadã crítica, que desenvolve autonomia e compromisso coletivo (ARROYO, 1999; CALDART, 2002).

3  Avanços Legais da Pedagogia da Alternância

A Constituição Federal de 1988 representa um marco fundamental para a democratização da educação no Brasil, ao instituí-la como direito de todos e dever do Estado. O texto constitucional também reforça a necessidade de que a organização da oferta educacional considere as especificidades sociais, culturais e regionais da população (BRASIL, 1988). Nesse contexto, abre-se espaço para experiências pedagógicas diferenciadas, entre as quais se destaca a Pedagogia da Alternância, que busca articular os saberes escolares e os saberes das comunidades camponesas em sua relação com o território e com a vida social (GIMONET, 2007; SILVA, 2015).

A Constituição Federal de 1988 e a LDB de 1996 reconhecem a diversidade de formas organizacionais da educação, abrindo espaço para a alternância (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996).

O Parecer CNE/CEB nº 1/2006 reforça a validade pedagógica dessa modalidade, contabilizando o tempo-comunidade como parte da carga horária letiva. Além disso, o FUNDEB prevê a inclusão de matrículas da Educação do Campo com Pedagogia da Alternância, desde que vinculadas a parcerias com o poder público (BRASIL, 2012).

Outro marco importante foi a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), que, ao tratar da organização escolar em seu artigo 23, abre a possibilidade de estruturar o ensino não apenas em séries, mas também em ciclos, módulos e, de forma inovadora, em alternância de períodos de estudo. Esse reconhecimento normativo garante base legal para práticas educativas diferenciadas, como a Pedagogia da Alternância (BRASIL, 1996).

No início dos anos 2000, houve novos avanços com a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Parecer CNE/CEB nº 36/2001; Resolução CNE/CEB nº 1/2002), que destacam a importância de metodologias específicas para o contexto camponês e autorizam que o tempo vivido nas comunidades, central na Alternância, seja computado como tempo escolar (BRASIL, 2002; MOLINA, 2010). Posteriormente, o Parecer CNE/CEB nº 1/2006 reafirmou essa orientação, fortalecendo o respaldo normativo da proposta (BRASIL, 2006; ARROYO, 2012).

Outro marco relevante foi o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), instituído pela Lei nº 13.005/2014, que incorporou metas voltadas à ampliação da Educação do Campo, ressaltando a necessidade de metodologias adaptadas às realidades sociais e culturais do meio rural. Esse instrumento normativo abriu possibilidades para que a Pedagogia da Alternância fosse considerada no planejamento das políticas nacionais de educação (BRASIL, 2014; MOLINA, 2010).

Mais recentemente, destaca-se a tramitação de propostas legislativas, como o Projeto de Lei nº 184/2017, que pretende inserir explicitamente a Pedagogia da Alternância na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ainda em discussão no Congresso, o projeto representa um avanço político ao trazer o tema para o centro do debate legislativo, indicando um movimento crescente de reconhecimento institucional da Alternância como estratégia legítima de garantia do direito à educação das populações camponesas (BRASIL, 2017; ARROYO, 2012).

4  Financiamento e políticas públicas

A questão do financiamento constitui um dos maiores desafios para a consolidação da Pedagogia da Alternância no Brasil. Historicamente, as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e os Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) dependeram do esforço das comunidades camponesas e de parcerias com organizações da sociedade civil, o que limitou sua expansão e sustentabilidade (CALDART, 2012; RIBEIRO, 2008).

Um avanço ocorreu com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), instituído pela Lei nº 11.494/2007 e posteriormente alterado pela Lei nº 12.695/2012, que passou a permitir a inclusão das matrículas de estudantes vinculados a EFAs e CEFFAs, desde que integrados aos sistemas públicos de ensino. Essa medida significou um reconhecimento parcial, mas importante, da legitimidade da alternância, garantindo algum suporte financeiro para a manutenção dessas experiências (BRASIL, 2012; MOLINA, 2010).

Além do FUNDEB, outras políticas contribuíram para fortalecer o campo da Educação do Campo e, indiretamente, a Pedagogia da Alternância. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), criado em 1998, possibilitou a oferta de cursos em parceria com movimentos sociais e universidades, ampliando a formação de jovens e adultos vinculados ao campo (MOLINA; JESUS, 2004).

Recentemente, iniciativas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) também se articularam à pauta da Educação do Campo ao valorizar a produção agrícola familiar, reforçando a conexão entre escola, território e sustentabilidade (ARROYO, 2012).

Apesar desses avanços, os recursos destinados à Pedagogia da Alternância permanecem insuficientes e instáveis, o que compromete a continuidade das experiências e limita o acesso de novas comunidades. Para que esse modelo se consolide como política pública efetiva, é necessário que os sistemas de ensino assumam de forma mais ampla o financiamento e a institucionalização da alternância, reconhecendo sua contribuição para a garantia do direito à educação das populações camponesas (MOLINA, 2010; CALDART, 2012).

5  Desafios para o Reconhecimento da Pedagogia da Alternância

Apesar do amparo legal, as EFAs enfrentam dificuldades de financiamento, permanecendo dependentes de convênios, doações e acordos políticos instáveis. A ausência de regulamentação específica na LDB impede a consolidação da metodologia como política pública de Estado, limitando o acesso de jovens camponeses a programas federais de educação (NOSELLA, 2012).

Apesar dos avanços legais desde a Constituição Federal de 1988, a Pedagogia da Alternância ainda enfrenta obstáculos significativos para ser plenamente reconhecida como modalidade de ensino no Brasil. Um dos principais desafios é a ausência de regulamentação específica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

Embora o artigo 23 da LDB (Lei nº 9.394/1996) preveja a possibilidade de organizar o ensino em regime de alternância, essa menção não é suficiente para conferir segurança jurídica e institucional, deixando a metodologia em posição de vulnerabilidade em relação às demais formas de ensino (BRASIL, 1996; CALDART, 2002).

A questão do financiamento também representa uma barreira importante. Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) dependem, em grande medida, de convênios com governos estaduais e municipais, doações da sociedade civil e projetos de organizações não governamentais. Essa dependência gera instabilidade financeira e dificulta a expansão das experiências, uma vez que os recursos variam conforme o cenário político e a disponibilidade orçamentária (ARROYO, 1999; GIMONET, 2007).

Além disso, a falta de políticas públicas específicas compromete a consolidação da Alternância dentro do sistema educacional brasileiro. Muitas dessas experiências permanecem à margem de programas federais de formação docente, alimentação escolar, transporte e infraestrutura, o que limita a equidade em relação às demais escolas públicas (SANTOS, 2012; MOLINA, 2014).

Outro obstáculo é a resistência de setores tradicionais da gestão educacional e de alguns conselhos de educação, que ainda percebem a Alternância como prática secundária ou informal, desconsiderando sua base pedagógica sólida e os resultados positivos na formação integral de jovens do campo (GIMONET, 1999; FREIRE, 1999). Esse cenário evidencia a necessidade de ampliar o debate político e acadêmico sobre a metodologia, desconstruindo preconceitos e reforçando seu reconhecimento institucional.

Por fim, a carência de programas de formação continuada específicos para educadores das EFAs e CEFFAs compromete a articulação entre o tempo-escola e o tempo-comunidade. Muitos professores, oriundos de contextos urbanos, têm dificuldade em compreender e integrar a realidade camponesa nas práticas pedagógicas. Assim, investir em formação docente voltada à Educação do Campo e à Pedagogia da Alternância é essencial para preservar a identidade pedagógica dessas instituições (MOLINA; JESUS, 2012).

Portanto, embora haja avanços normativos e reconhecimento parcial, desafios relacionados à regulamentação legal, financiamento, políticas públicas, formação docente e resistência institucional continuam sendo barreiras significativas à consolidação da Pedagogia da Alternância como modalidade de ensino no Brasil.

Considerações Finais

A Pedagogia da Alternância se consolidou como uma prática pedagógica emancipatória, comprometida com a formação integral e com o desenvolvimento sustentável do campo. Apesar disso, permanece marginalizada das políticas públicas, o que compromete sua expansão e consolidação.

A análise evidenciou que há respaldo legal suficiente para a regulamentação da metodologia, mas falta vontade política para efetivar sua inclusão plena no sistema educacional brasileiro. A defesa da Pedagogia da Alternância como modalidade reconhecida pela LDB é fundamental para garantir o direito à educação dos povos camponeses e para fortalecer a agricultura familiar, a agroecologia e a cidadania no campo.

Portanto, a inclusão da Pedagogia da Alternância nas políticas públicas não se configura apenas como uma demanda educacional, mas como uma questão social e política, que envolve o reconhecimento da diversidade, da cultura e da dignidade das famílias camponesas.

Referências

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1 sanya.aniszewski@gmail.com