OBSTETRIC VIOLENCE: CRITICAL ANALYSIS, CONSEQUENCE AND INTERVENTION STRATEGY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202509301536
Heloyse de Castro Jacomassi1
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é para avaliar a prática abusiva que ocorre em hospitais públicos e privados, onde é praticado por profissionais da saúde e a responsabilidade civil. Também promover e defender os direitos das mulheres no contexto da saúde reprodutiva. Os artigos podem destacar a necessidade de políticas e práticas que garantam o respeito e a dignidade das mulheres durante o parto e o atendimento relacionado. Aumentar a conscientização sobre a existência e a gravidade da violência obstétrica, que pode incluir abusos físicos, emocionais ou psicológicos durante o parto e o atendimento pré-natal. Isso ajuda a informar profissionais de saúde, pacientes e o público em geral sobre o problema. Através deste estudo será mostrado os desafios que muitas mulheres enfrentam durante a gestação e parto. O trabalho foi desenvolvido utilizando-se a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos e legislações, analisando o entendimento e as consequências sobre a temática.
Palavras-chave: Violência Obstétrica. Responsabilidade Civil. Direitos das Mulheres. Saúde Reprodutiva. Conscientização.
ABSTRACT
The aim of this research is to assess the abusive practice that occurs in public and private hospitals, where it is practiced by health professionals and civil liability. It also promotes and defends women’s rights in the context of reproductive health. The articles can highlight the need for policies and practices that guarantee respect and dignity of women during childbirth and related care. Raise awareness about the existence and severity of obstetric violence, which can include physical, emotional or psychological abuse during childbirth and prenatal care. This helps to inform health professionals, patients and the general public about the problem. Through this study, it will be shown the challenges that many women face during pregnancy and childbirth. The work was developed using a literature review based on bibliographical research, through research on websites, doctrines, articles and legislation, analyzing the understanding and consequences on the topic.
Keywords: Obstretric Violence. Civil Liability. Women’s Right. Reproductive Health. Awareness.
1 INTRODUÇÃO
Buscou-se através do presente trabalho analisar as jurisprudências e a relevância em solo brasileiro sobre este tema e as estatísticas de mulheres que sofrem com esse abuso.
Será visto ao longo da pesquisa que a adoção tardia se revela como sendo um organismo de muita importância, não só no que diz respeito à esfera social, como também na esfera jurídica, sobretudo, com a finalidade de garantir os direitos fundamentais das crianças e adolescentes acolhidos em instituições governamentais, em busca de uma família.
Segundo Dados da Fundação Perseu Abramo mostram que uma em cada quatro mulheres já sofreu violência obstétrica no Brasil. Existe uma falta de consenso e clareza sobre o que constitui exatamente a violência obstétrica. Isso pode dificultar a identificação e a abordagem adequada do problema.
Em muitos contextos, a violência obstétrica não é amplamente reconhecida ou é minimizada, o que pode levar a uma falta de dados e de respostas institucionais e legais. Mulheres de grupos marginalizados ou vulneráveis, como aquelas de baixa renda ou de minorias étnicas, podem estar mais expostas a práticas de violência obstétrica e ter menos acesso a recursos para enfrentar a situação. Barreiras no acesso à justiça, como falta de conhecimento, medo de represálias ou complicações burocráticas, podem impedir as vítimas de buscar reparação.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, foi tido como base a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, pesquisas em sites, doutrinas, artigos, jurisprudências e legislações.
2 A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
A violência obstétrica compreende práticas abusivas, negligentes ou desrespeitosas perpetradas contra a mulher durante o ciclo gravídico-puerperal. Pode manifestar-se por meio de violência física, psicológica, verbal, institucional, estrutural ou até mesmo sexual (DINIZ et al., 2015).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) condena práticas como episiotomia rotineira, manobra de Kristeller, intervenções sem consentimento e desrespeito à autonomia da gestante. Tais condutas afrontam direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e o direito à saúde (art. 196 da Constituição Federal).
No Brasil, a ausência de legislação específica contribui para a invisibilização da violência obstétrica. Contudo, instrumentos normativos como a Lei nº 11.108/2005 (Lei do Acompanhante) e a Resolução nº 2.173/2017 do Conselho Federal de Medicina estabelecem parâmetros mínimos para a humanização do parto.
Dentre os tipos de violências, tem-se a violência física, que compreende: a) Procedimentos Sem Consentimento: Realização de exames, intervenções ou procedimentos médicos sem o consentimento informado da mulher; b) Tratamento Agressivo: Uso de técnicas de parto ou intervenções de maneira excessiva ou sem necessidade, como episiotomia não justificada ou o uso forçado de fórceps.
A Violência Psicológica e Emocional, que se trata do desrespeito e humilhação, ou seja, falta de empatia, desrespeito e comportamento que humilha ou intimida a mulher, como comentários depreciativos ou desprezo pela sua dor e angústia. Além da negligência e indiferença, como a falta de atenção às necessidades emocionais e psicológicas da mulher, incluindo a não comunicação sobre os procedimentos e a situação do parto.
Já a violência verbal, trata-se de comentários ameaçadores ou desdenhosos, como o uso de linguagem que ameaça, desqualifica ou desrespeita a mulher, como dizer que ela está exagerando ou que suas preocupações são irrelevantes.
A violência institucional, que compreende a negação de cuidados, como a falta de acesso a cuidados adequados ou atendimento de baixa qualidade por parte de instituições de saúde, bem como a falta de consideração pelas preferências e necessidades da mulher, como a aplicação de protocolos rígidos sem flexibilidade para acomodar as circunstâncias individuais.
Ademais, a violência sexual, através de exames e intervenções sem consentimento, como a realização de exames e procedimentos invasivos sem o consentimento explícito e informado da mulher. Por outro lado, a violência institucional e estrutural, compreende as barreiras no acesso a cuidados, ou seja, políticas e práticas institucionais que dificultam o acesso da mulher a cuidados de saúde adequados e respeitosos, como falta de recursos ou infraestrutura inadequada.
Por fim, tem-se a violência baseada em preconceitos, como a discriminação, isto é, o trato desigual baseado em características como idade, raça, status socioeconômico ou condição de saúde. Mulheres em situações de vulnerabilidade podem ser mais propensas a sofrer violência obstétrica.
3 SAÚDE DA CRIANÇA
A violência obstétrica pode ter impactos significativos sobre a saúde do bebê, tanto a curto quanto a longo prazo. Esses impactos variam dependendo do tipo e da gravidade da violência obstétrica, mas podem incluir diversas formas de má-formação e problemas de saúde.
O uso excessivo de instrumentos, como fórceps e ventosas, ou práticas violentas durante o parto podem causar fraturas, hemorragias e lesões no bebê, ocasionando durante o parto trauma, podendo resultar em lesões cerebrais, que podem se manifestar como paralisia cerebral ou outras disfunções neurológicas. Lesões cerebrais e falta de oxigênio podem levar a problemas cognitivos e motoros, afetando o desenvolvimento das habilidades motoras e cognitivas do bebê. Problemas neurológicos podem resultar em dificuldades de aprendizagem e transtornos comportamentais que se manifestam à medida que a criança cresce. A violência obstétrica pode afetar a relação mãe-bebê, prejudicando o vínculo afetivo e a interação inicial, o que pode influenciar o desenvolvimento emocional da criança.
As consequências para a saúde do bebê quando se pratica esta violência, é de másformações físicas e neurológicas, distúrbios de desenvolvimento e impactos emocionais. Portanto, é crucial que as práticas obstétricas respeitem os direitos da mãe e do bebê, promovendo um ambiente de cuidado que minimize o risco de danos e garanta a saúde e o bemestar tanto da mãe quanto da criança.
4 SÍNDROME DE HIPÓXIA E SÍNDROME DE ASPIRAÇÃO MECONIAL
A síndrome de hipóxia, frequentemente referida como hipóxia neonatal ou síndrome de hipóxia perinatal, é uma condição médica que ocorre quando há uma falta de oxigênio adequado para os tecidos e órgãos do bebê, especialmente durante o parto. Esta condição pode ter sérias implicações para a saúde do recém-nascido, dependendo da gravidade e da duração da falta de oxigênio. A administração inadequada ou excessiva de ocitocina para induzir ou acelerar o parto pode causar contrações uterinas excessivas, que podem comprimir o cordão umbilical e reduzir o fluxo de oxigênio para o bebê. Isso aumenta o risco de hipóxia neonatal. A adoção de práticas que não respeitam as evidências científicas, como forçar o parto ou usar métodos não recomendados, pode aumentar o risco de complicações que afetam o fornecimento de oxigênio ao bebê.
A síndrome de hipóxia neonatal pode ser uma consequência grave da violência obstétrica, com potenciais impactos de longo prazo na saúde e no desenvolvimento do bebê. A conexão entre violência obstétrica e hipóxia neonatal destaca a importância de práticas respeitosas e baseadas em evidências durante o parto. Prevenir a violência obstétrica e garantir um atendimento adequado são essenciais para proteger a saúde do recém-nascido e assegurar um início de vida saudável e livre de traumas.
A síndrome de aspiração meconial (SAM) ocorre quando o bebê inala meconio, o primeiro produto das secreções intestinais do recém-nascido, durante o parto. Essa condição pode ter sérias implicações para a saúde do bebê, e práticas associadas à violência obstétrica podem aumentar o risco de sua ocorrência. A presença de meconio no líquido amniótico pode ser um indicador de sofrimento fetal, muitas vezes associado a hipoxia (falta de oxigênio). A violência obstétrica pode incluir práticas inadequadas que contribuem para estresse fetal, aumentando o risco de aspiração meconial. Por exemplo, o uso excessivo de ocitocina para induzir ou acelerar o parto pode resultar em sofrimento fetal. Práticas desrespeitosas que levam a um trabalho de parto prolongado e estressante podem aumentar a probabilidade de aspiração meconial. A gestão inadequada do parto e a falta de resposta às complicações podem contribuir para esse problema.
A aspiração meconial pode causar problemas respiratórios graves, como a síndrome do desconforto respiratório, que pode exigir suporte ventilatório. Pode ocorrer inflamação nos pulmões devido à presença de meconio, levando a uma pneumonia meconial. A presença de meconio no líquido amniótico e a aspiração do mesmo pelo bebê podem ter sérias implicações para a saúde respiratória e geral do recém-nascido.
4.1 MANOBRA DE KRISTELLER
A manobra de Kristeller é uma técnica obstétrica que consiste na aplicação de pressão externa sobre o fundo uterino da gestante durante o trabalho de parto, com o objetivo de acelerar o nascimento do bebê. Esse procedimento é realizado utilizando-se as mãos ou os antebraços do profissional de saúde, que exerce força sobre o abdômen da parturiente na tentativa de empurrar mecanicamente o feto em direção ao canal de parto. A técnica foi descrita pela primeira vez pelo médico alemão Samuel Kristeller, em 1867, sendo amplamente utilizada por décadas como um recurso auxiliar no processo de expulsão fetal.
Embora sua aplicação tenha sido frequente em várias práticas obstétricas ao longo do século XX, a manobra de Kristeller é atualmente alvo de severas críticas por parte de instituições científicas e organizações internacionais de saúde. Diversos estudos apontam que a técnica não apresenta comprovação científica que justifique seu uso rotineiro, além de ser considerada potencialmente perigosa tanto para a mãe quanto para o bebê (Cofen, 2016).
Do ponto de vista fisiológico, o uso da manobra de Kristeller pode acarretar diversos riscos para a gestante, incluindo lacerações vaginais e perineais graves, hemorragias internas, fraturas de costelas e lesões traumáticas nos órgãos internos. Em casos extremos, pode ocorrer ruptura uterina, uma complicação de extrema gravidade que coloca em risco a vida da mulher. Além disso, os riscos para o recém-nascido incluem fraturas de clavícula, traumatismos cranianos, lesões no plexo braquial e hipóxia, decorrentes da pressão excessiva sobre o corpo da mãe que compromete a oxigenação adequada do bebê (Geovana & Maria Clara, 2024).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a realização da manobra de Kristeller em nenhum estágio do trabalho de parto, considerando-a um procedimento obsoleto e inseguro. Da mesma forma, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), em seu parecer nº 338/2016, se posiciona contrariamente à utilização dessa técnica, ressaltando que a prática não é respaldada por evidências científicas que demonstrem sua segurança e eficácia (Cofen, 2016).
A prática da manobra de Kristeller se torna ainda mais grave quando analisada sob a ótica dos direitos reprodutivos e da violência obstétrica. Realizar esse procedimento sem o consentimento informado da parturiente configura uma violação ética e legal, desrespeitando a autonomia da mulher sobre seu próprio corpo e seu direito a um parto seguro e humanizado. Muitas mulheres relatam que a manobra é frequentemente aplicada sem qualquer aviso prévio ou explicação, contribuindo para experiências traumáticas e profundamente marcantes.
No contexto brasileiro, o reconhecimento da violência obstétrica é cada vez mais discutido e debatido, especialmente em relação à adoção de práticas coercitivas e agressivas no atendimento ao parto. A realização da manobra de Kristeller sem consentimento é frequentemente relatada como uma forma de tratamento desumano, que não só compromete a saúde física da mulher e do bebê, mas também sua saúde mental e emocional.
Estudos indicam que parte significativa das mulheres não é devidamente informada sobre os procedimentos que lhes são realizados durante o trabalho de parto, o que agrava ainda mais a situação. A aplicação da manobra de Kristeller, muitas vezes justificada como um procedimento emergencial, ocorre frequentemente por conveniência do profissional de saúde, e não por necessidade clínica real (Scielo, 2025).
Portanto, é fundamental que a assistência obstétrica se alinhe às diretrizes atuais que priorizam práticas baseadas em evidências científicas e respeito aos direitos das gestantes. O combate à violência obstétrica passa pela conscientização dos profissionais de saúde, pela educação das parturientes sobre seus direitos e pela implementação de políticas públicas que promovam uma assistência ao parto verdadeiramente humanizada.
5 RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil de quem pratica violência obstétrica envolve várias dimensões e pode ser analisada sob diferentes perspectivas, como a responsabilidade do profissional da saúde, onde o profissional de saúde que comete violência obstétrica pode ser responsabilizado diretamente por seus atos.
Isso inclui a prática de procedimentos sem consentimento, desrespeito à dignidade da paciente ou qualquer outra forma de tratamento inadequado. A vítima pode buscar compensação por danos materiais e morais, como sofrimento físico e psicológico, além de possíveis custos adicionais com tratamentos e cuidados.
Hospitais e clínicas também podem ser responsabilizados por atos de violência obstétrica cometidos por seus profissionais. Isso ocorre porque as instituições têm o dever de supervisionar e garantir que seus funcionários sigam normas éticas e legais.
A instituição pode ser responsabilizada se houver falhas na formação dos profissionais, na gestão de protocolos de atendimento ou na implementação de medidas que previnam abusos. Conselhos de Medicina e outras entidades reguladoras podem investigar e tomar medidas contra profissionais que cometem violência obstétrica, como suspensão ou cassação de registro profissional. As instituições podem ser sujeitas a sanções administrativas, como multas ou outras penalidades, se forem constatadas falhas graves em seus procedimentos.
As vítimas de violência obstétrica podem entrar com ações judiciais contra os profissionais ou instituições responsáveis. Essas ações podem resultar em compensações financeiras e em medidas para prevenir futuras ocorrências. Em casos graves, o juiz pode determinar medidas cautelares para proteger os direitos da vítima e garantir que práticas prejudiciais não se repitam. Profissionais e instituições podem enfrentar danos à sua reputação e precisam trabalhar para restaurar a confiança, o que pode envolver medidas como a implementação de treinamentos, revisões de procedimentos e publicações de esclarecimento.
Essas formas de responsabilidade visam não apenas compensar as vítimas, mas também promover mudanças no sistema de saúde para garantir um atendimento respeitoso e ético. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a responsabilidade civil por falha no atendimento obstétrico:
STJ – AgInt no REsp 1.735.712/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18/06/2019. O Tribunal entendeu ser cabível a indenização por danos morais em razão de falha no atendimento hospitalar durante o parto, reconhecendo o dever de reparar os prejuízos decorrentes da violação do direito à saúde.
Já em relação à responsabilidade civil do Estado em casos de violência obstétrica, trata-se de um tema complexo que envolve aspectos legais, éticos e sociais. A violência obstétrica refere-se a práticas abusivas ou desrespeitosas durante o atendimento obstétrico, e o Estado pode ser responsabilizado por garantir que tais práticas sejam evitadas e por reparar danos quando estas ocorrem.
5.1 RESPONSABILIDADE DO ESTADO
A responsabilidade do Estado em casos de violência obstétrica é um tema que envolve uma análise profunda das dimensões legais, éticas e sociais da atuação estatal no campo da saúde. A violência obstétrica é definida como uma prática de abusos, desrespeito e maus-tratos que ocorrem durante o atendimento ao parto, afetando qualidades a integridade física e psicológica da mulher. Nesse contexto, o papel do Estado é essencial para garantir não apenas a prevenção dessa violência.
A Constituição Federal Brasileira, em seus preceitos fundamentais, assegura os direitos relacionados à saúde e à dignidade humana. O direito à saúde é um direito universal, previsto no artigo 196, que estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Nesse sentido, cabe ao Estado garantir que todos os serviços de saúde, incluindo os serviços obstétricos, sejam realizados de forma digna e respeitosa. Além disso, o Estado tem o dever de coibir práticas de violência e garantir que seus agentes, no exercício da função pública, respeitem os direitos humanos das mulheres.
A Constituição Federal de 1988 estabelece a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados por seus agentes (art. 37, §6º). Em matéria de saúde, o Estado responde solidariamente pelos danos oriundos da má prestação do serviço, inclusive em casos de violência obstétrica ocorrida em hospitais públicos ou conveniados ao SUS.
A jurisprudência do STJ confirma essa responsabilidade:
STJ – AgInt no REsp 1.799.067/DF, Rel. Min. Francisco Falcão, 2ª Turma, j. 19/03/2019. Reconheceu-se a responsabilidade objetiva do ente público por falha na prestação de serviços médicos, reiterando que o Estado deve garantir atendimento adequado e seguro aos pacientes.
Além disso, o Estado deve garantir políticas públicas que promovam a educação em saúde, a capacitação dos profissionais de saúde e a fiscalização dos serviços prestados. A implementação de treinamentos e protocolos de atendimento humanizado são medidas essenciais para prevenir a violência obstétrica e garantir que as mulheres tenham acesso a um parto seguro e respeitoso. Quando essas práticas são negligenciadas, e a mulher é vítima de violência obstétrica, o Estado deve ser responsabilizado pela falha em garantir a adequada prestação dos serviços
É importante ressaltar que a responsabilidade do Estado vai além da indenização por danos materiais ou físicos causados. As peças devem abranger também os danos psicológicos e emocionais, pois a violência obstétrica pode resultar em traumas duradouros, que afetam a saúde mental da mulher e sua relação com a maternidade. Nesse sentido, a responsabilidade do Estado também envolve a criação de mecanismos de apoio psicológico e de acompanhamento pós-parto para as vítimas de violência
Em suma, a responsabilidade do Estado perante a violência obstétrica não se limita à compensação pelos danos causados, mas envolve um compromisso contínuo com a proteção dos direitos das mulheres, a melhoria dos serviços de saúde e a promoção de uma cultura de respeito e dignidade no atendimento obstétrico.
No campo da saúde, isso implica que os atendimentos médicos devem garantir à pessoa (seja ela paciente ou usuário do serviço de saúde) o respeito à sua integridade física e psicológica, suas escolhas, e o direito de ser tratado de forma justa e igualitária.
A Constituição Federal e outras legislações garantem o direito à saúde e ao tratamento digno durante o parto. No Brasil, por exemplo, o artigo 1º e o artigo 37, §6º da Constituição estabelece a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados por seus agentes. O Estado também é responsável por garantir que os direitos humanos sejam respeitados, incluindo os direitos das mulheres durante o parto.
Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO CREDENCIADO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. LAQUEADURA TUBÁRIA BILATERAL. NOVA
GESTAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MÉDICO QUE ATENDE PELO SUS. ATENDIMENTO NA CONDIÇÃO DE AGENTE PÚBLICO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. Em se tratando de responsabilidade civil por suposta falha na prestação de serviços médicos e hospitalares, quando o atendimento é realizado pelo SUS Sistema Único de Saúde, a ação deve ser direcionada ao nosocômio conveniado ao SUS, sendo o médico que prestou o atendimento parte ilegítima passiva. Reconhecimento, de ofício, da ilegitimidade passiva do médico, extinguindo o feito, sem julgamento do mérito, em relação a ele. Art. 37 , § 6º , da CF c/c art. 485 , VI , do CPC .
Precedentes do STF e deste Tribunal.EXTINÇÃO DO FEITO, DE OFÍCIO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.
6 DIFICULDADE DA MULHER EM PROVAR A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
As dificuldades probatórias constituem um dos principais obstáculos ao reconhecimento judicial da violência obstétrica. Muitas vezes, os prontuários médicos não descrevem os procedimentos realizados, ou o fazem de forma incompleta, dificultando a comprovação da conduta abusiva.
A jurisprudência, entretanto, tem reconhecido a inversão do ônus da prova em favor da paciente, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII), quando demonstrada a hipossuficiência da vítima:
TJSP – Apelação Cível nº 1006154-54.2016.8.26.0100, Rel. Des. Alcides Leopoldo, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 09/05/2018. O Tribunal reconheceu a responsabilidade do hospital por falha na prestação de atendimento obstétrico, aplicando a inversão do ônus da prova diante da hipossuficiência da paciente.
Muitas vezes, os registros médicos podem ser incompletos, imprecisos ou mesmo ausentes, dificultando a obtenção de provas sobre o tratamento recebido durante o parto. Mesmo quando existem registros, eles podem não descrever detalhadamente o tratamento ou as práticas envolvidas, tornando difícil identificar abusos ou negligência.
Demonstrar que a violência obstétrica foi a causa direta de danos específicos pode ser complicado, especialmente se os efeitos não forem imediatamente aparentes ou se houver múltiplas causas contribuintes. O processo legal para buscar reparação pode ser complexo e exigir conhecimento especializado, o que pode ser um obstáculo para mulheres que não têm acesso a assistência jurídica adequada. Muitas mulheres podem não estar cientes de que a violência obstétrica é uma forma de abuso que pode ser legalmente contestada e, portanto, podem não saber como proceder para buscar justiça.
A ausência de supervisão adequada e de mecanismos de controle para garantir que os cuidados sejam prestados de forma ética e respeitosa pode dificultar a identificação e a prova de abusos. A luta contra a violência obstétrica exige um esforço conjunto para melhorar a conscientização, a educação e a regulamentação, bem como para apoiar as mulheres que enfrentam essas dificuldades.
6.1 DESAFIOS PARA RECEBER A INDENIZAÇÃO
Mesmo quando mulheres conseguem comprovar que foram vítimas de violência obstétrica, o processo para obter indenização é frequentemente árduo e repleto de desafios. A busca por reparação judicial se revela complexa devido a uma série de fatores que envolvem desde a dificuldade em reunir provas contundentes até a morosidade dos processos judiciais e a interpretação dos tribunais sobre o que constitui violência obstétrica.
Primeiramente, é importante destacar que a coleta de provas em casos de violência obstétrica pode ser particularmente difícil. Em muitas situações, os procedimentos abusivos ou negligentes ocorrem em contextos hospitalares onde a palavra do profissional de saúde é frequentemente considerada com mais peso do que o relato da vítima. Além disso, a documentação médica que poderia servir como prova é, muitas vezes, inadequada ou até mesmo alterada para proteger a instituição e os profissionais envolvidos. A falta de testemunhas independentes e a dificuldade de obtenção de prontuários médicos completos também dificultam o processo de comprovação.
Outro aspecto relevante é a morosidade processual. Mesmo quando as mulheres conseguem reunir provas suficientes para comprovar a violência sofrida, os processos judiciais são frequentemente longos e desgastantes. A sobrecarga do sistema judiciário brasileiro, aliada à complexidade dos casos de violência obstétrica, contribui para que as ações se arrastem por anos sem uma solução definitiva. Esse cenário desencoraja muitas mulheres a buscar indenização, principalmente aquelas em situação de vulnerabilidade econômica, que não dispõem de recursos financeiros e emocionais para enfrentar uma batalha jurídica prolongada.
Além disso, existe uma dificuldade significativa relacionada à interpretação jurídica do que é considerado violência obstétrica. Embora o conceito tenha ganhado maior visibilidade nos últimos anos, ainda existe uma resistência de parte do Judiciário em reconhecer determinados procedimentos como violentos ou abusivos, especialmente quando são justificados como necessários para a saúde da parturiente ou do bebê. Essa interpretação conservadora e muitas vezes paternalista, que desconsidera o relato da vítima e prioriza a perspectiva médica, dificulta o reconhecimento do direito à indenização.
A ausência de legislação específica que tipifique a violência obstétrica como crime também contribui para o desafio de se obter indenizações. Embora existam leis que garantem os direitos das mulheres durante o parto, como a Lei do Acompanhante (Lei nº 11.108/2005) e as normas de atendimento humanizado estabelecidas pelo Ministério da Saúde, o conceito de violência obstétrica ainda carece de um reconhecimento mais robusto na legislação penal brasileira. Isso resulta em decisões judiciais conflitantes e na dificuldade de estabelecer parâmetros claros para a concessão de indenizações.
Por fim, é importante mencionar que o desconhecimento dos próprios direitos por parte das mulheres também é um fator relevante. Muitas vítimas de violência obstétrica desconhecem os mecanismos legais disponíveis para buscar reparação e, frequentemente, são desencorajadas por profissionais de saúde ou até mesmo por advogados que minimizam a gravidade do ocorrido.
A combinação de todos esses fatores cria um cenário em que, mesmo após comprovarem o que sofreram, as mulheres enfrentam um percurso repleto de obstáculos para obter a reparação devida. Esse cenário evidencia a necessidade urgente de aprimorar a legislação e os procedimentos judiciais para garantir que todas as vítimas de violência obstétrica tenham seu direito à indenização devidamente assegurado. Além disso, é essencial promover campanhas educativas que esclareçam os direitos das mulheres durante o parto e incentivem a denúncia de práticas abusivas.
7 CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou analisar a violência obstétrica sob o prisma jurídico e social, destacando sua relevância no ordenamento brasileiro e os desafios enfrentados pelas mulheres vítimas desse abuso. A partir da revisão bibliográfica, análise de dados estatísticos e pesquisa jurisprudencial, constatou-se que a prática ainda carece de maior reconhecimento institucional e legal, o que contribui para a perpetuação de condutas lesivas à dignidade feminina no contexto do parto e da maternidade.
Os dados apresentados, como os da Fundação Perseu Abramo, evidenciam a gravidade do problema, ao demonstrar que uma em cada quatro mulheres já foi submetida a formas de violência obstétrica. Tal realidade reforça a necessidade de maior conscientização da sociedade, das instituições de saúde e do próprio Poder Judiciário, a fim de que o fenômeno seja devidamente identificado e combatido.
Observou-se também que grupos em situação de vulnerabilidade, como mulheres de baixa renda ou pertencentes a minorias étnicas, encontram-se em condição de maior exposição a essas práticas, além de enfrentarem barreiras significativas no acesso à justiça. Tais obstáculos revelam a urgência de políticas públicas mais eficazes, que ampliem a informação, a assistência e a responsabilização dos agentes envolvidos.
A análise da jurisprudência demonstrou que, embora existam decisões relevantes reconhecendo a ocorrência de violência obstétrica e garantindo reparação às vítimas, ainda se verifica ausência de uniformidade nos julgados. Isso evidencia a necessidade de consolidação de entendimentos pelos tribunais superiores, de modo a fortalecer a proteção dos direitos fundamentais das mulheres e assegurar uma resposta jurídica mais célere e efetiva.
Conclui-se, portanto, que a violência obstétrica configura grave violação dos direitos humanos, devendo ser combatida tanto pela via legislativa quanto pela atuação judicial. A proteção à dignidade da mulher, bem como à integridade física e psicológica da parturiente, deve constituir prioridade do Estado e da sociedade. Apenas por meio da conjugação de esforços institucionais, do fortalecimento da jurisprudência e da implementação de políticas públicas inclusivas será possível reduzir a incidência dessas práticas abusivas e garantir o pleno respeito aos direitos fundamentais das mulheres no Brasil.
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*Trabalho apresentado ao XIV Seminário de Pesquisa e Extensão do curso de Direito do Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP – UNIFUNEC.
1Discente do Curso de Direito, 8º semestre, e-mail: jacomassiheloyse@gmail.com, Centro Universitário de Santa Fé do Sul-SP.