IMPACTO DO PACOTE ANTICRIME NO SISTEMA DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

IMPACT OF THE ANTI-CRIME PACKAGE ON THE SYSTEM OF DEPRIVATION OF LIBERTY IN THE BRAZILIAN PENAL CODE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11413487


Rodrigo Vidal Cardoso Gontijo1
Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino


RESUMO: O presente artigo científico trata, em sua primeira parte, do sistema de penas no Direito Penal Brasileiro, o conceito, os aspectos históricos, as teorias de finalidades das penas e espécies de penas. Por fim, analisaremos o Sistema Penal Brasileiro, abordando os tipos de prisões e as alterações trazidas pelo advento da Lei nº 13.964, de 2019, fazendo uma análise de posicionamentos jurisprudenciais baseados no Pacote Anticrime. A metodologia utilizada para o desenvolvimento do presente estudo será de revisão bibliográfica que se dará através de artigos científicos e publicações, consulta a livros didáticos, bibliotecas virtuais e a legislação.

Palavras-chave: Processo penal. Penas. Prisões. Pacote anticrime. 

ABSTRACT: The present monograph deals, in its first part, with the system of penalties in Brazilian Criminal Law, the concept, the historical aspects, theories of the purposes of penalties and types of penalties. Finally, we will analyze the Brazilian Penal System, addressing the types of prisons and the changes brought about by the advent of Law No. 13.964, of 2019, making an analysis of jurisprudential positions based on the Anticrime Package, its validity being very recent. The methodology used for the development of this study will be a bibliographic review that will take place through scientific articles and publications, consultation with textbooks, virtual libraries and legislation.

Keywords: Criminal procedure. Feathers. Prisons. Anti-crime package.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa, em sua primeira parte, abordar o sistema de penas no Direito Penal Brasileiro, o conceito de pena, seus aspectos históricos, as teorias de finalidades das penas e espécies de penas.

A abordagem histórica e sociológica se justifica pelo fato de ser o direito penal um instrumento relevante no controle social, na estrutura econômica e no sistema de poder político e jurídico da sociedade.

Entre o direito positivado e a prática penal há uma distância que pretendemos elucidar estudando a origem e a evolução da pena de prisão com as causas econômicas e sociais, bem como as modalidades existentes no nosso ordenamento jurídico.

Trata-se de uma criminologia crítica na medida em que coloca questões do crime e do controle social.

Será analisado o Sistema Penal Brasileiro, abordando os tipos de prisões e as alterações trazidas pelo advento da Lei nº 13.964, de 2019, onde houveram diversas modificações em relação as prisões cautelares e medidas cautelares, onde passou a oferecer uma maior proteção a liberdade das pessoas sob investigação criminal, exceto nos crimes dolosos contra a vida.

Outra parte importante é que melhorou as garantias de liberdade do investigado criminal, onde o juiz, não poderá mais decretar de ofício a prisão preventiva, como era permitido antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime.

Com as discussões permanentes envolvendo as grandes prisões, a prisão domiciliar passou a ser rediscutida, sendo editada a Lei 13.257/2016, que elenca novas hipóteses para o cumprimento desta medida, ao invés do réu de ser recolhido ao cárcere. Com a entrada em vigor da Lei nº 13.769/2018, foram acrescentados os artigos 318-A, 318-B ao CPP.

Por último, tratou-se de breve observação jurisprudencial acerca da mudança provocada pelo Pacote Anticrimes, por ser ainda recente, sendo necessário mais tempo para que as posições contrárias surjam, delineando outros caminhos.

E, por fim, nas referências bibliográficas constam as obras que serviram de aporte teórico para este estudo.

2. DAS PENAS

Neste tópico serão abordados os fundamentos e os aspectos históricos das penas no contexto do direito penal. Inicia-se com uma conceituação detalhada da pena, considerada uma sanção imposta pelo Estado ao indivíduo que cometeu um delito, objetivando a retribuição pelo ato ilícito e a prevenção de novos crimes. Segue-se uma análise histórica que traça a evolução das formas de punição desde as sociedades primitivas até os sistemas modernos de justiça, destacando a transição da vingança privada para a aplicação de penas pelo poder público. Adicionalmente, serão discutidas as teorias que justificam a finalidade das penas, divididas em teorias absolutas, unitárias e relativas, bem como as diversas espécies de penas previstas no ordenamento jurídico brasileiro, incluindo penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa.

2.1 Conceito de pena 

Conceitua-se pena como uma imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada, pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal. No Brasil, elas podem ser: privativas de liberdade; restritivas de direito; de multa. É a sanção imposta pelo Estado através de ação penal imposta ao criminoso, tendo como finalidade a retribuição ao delito praticado e a prevenção a novos crimes, sendo uma consequência para quem comete um delito ou crime, constituindo assim a principal forma de reação ao delito.

Conforme Puig (1998, apud BITENCOURT, 2012, p. 54) “[…] a pena é um ‘mal’ que se impõe por causa da prática de um delito: conceitualmente, a pena é um “castigo’”.

Ferreira (1997, p. 3) cuida da etimologia do termo pena:

[…] para uns, viria do latim poena, significando castigo, expiação, suplício, ou ainda do latim punere (por) e pondus (peso), no sentido de contrabalançar, pesar, em face do equilíbrio dos pratos que deve ter a balança da Justiça. Para outros, teria origem nas palavras gregas ponos, poiné, de penomai, significando trabalho, fadiga, sofrimento e eus, de expiar, fazer o bem, corrigir, ou no sânscrito (antiga língua clássica da Índia) punya, com a idéia de pureza, virtude. Há quem diga que derive da palavra ultio empregada na Lei das XII Tábuas para representar castigo como retribuição pelo mal praticado a quem desrespeitar o mando da norma. (FERREIRA, 1997)

Mirabete (2014, p. 46), baseando-se da lição de Cernicchiaro (1970) defende que a pena pode ser vista sob três aspectos, quais sejam:

[…] substancialmente consiste na perda ou privação de exercício do direito relativo a um objeto jurídico; formalmente está vinculada ao princípio da reserva legal, e somente é aplicada pelo Poder Judiciário, respeitando o princípio do contraditório; e teleologicamente mostra-se, concomitantemente, castigo e defesa social. (MIRABETE,2014)

Para Mirabete (2014, p. 47), a pena deve atender ao princípio da legalidade, além de reunir as características da personalidade, proporcionalidade e inderrogabilidade:

[…] O princípio da legalidade consiste na existência prévia de lei para a imposição da pena (nulla poena sine lege), previsto no art. 1º do Código Penal. A característica da personalidade refere-se à impossibilidade de estender-se a terceiros a imposição da pena. […] Deve haver, ainda, proporcionalidade entre o crime e a pena; cada crime deve ser reprimido com uma sanção proporcional ao mal por ele causado. […] Por fim, a pena deve ser inderrogável; praticado o delito, a imposição deve ser certa e a pena cumprida. (MIRABETE, 2014)

Conforme Prado (2008), o Direito Penal e a pena juntas, funcionam como instrumento excepcional e subsidiário de controle social, visando proteger bens considerados essenciais à vida harmônica em sociedade.

Salienta Nucci (2015, p. 2) que:

[…] o atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir todas as características expostas em sentido amplo (castigo + intimidação e reafirmação do direito penal + ressocialização): o art. 59 do Código Penal menciona que o juiz deve fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime […].(PRADO,2008)

Portanto, pode-se concluir que a pena é uma sanção imposta pelo Estado ao condenado para privar-lhe de bens jurídicos, como forma de retribuição pelo mal que causou à sociedade, além disso, a pena possui caráter preventivo.

2.2 Aspectos históricos

Desde o início, os seres humanos violaram as regras da convivência, ferindo outras pessoas e a comunidade em que viviam, tornando inexorável a execução da sentença. As sociedades primitivas acreditavam na existência de forças sobrenaturais que emanavam de seres superiores, inacessíveis pela razão, e buscavam, através das mais variadas formas de culto, adorar esses deuses. A punição foi então imposta como um meio de acalmar a ira dos deuses pelo crime, que na maioria dos casos levou o agente à expulsão da comunidade. Os primitivos acreditavam que, ao aplicar o castigo ao culpado como forma de repreensão, eles evitariam a ira dos deuses contra toda a comunidade e considerariam proibida a melhor forma de castigo para os infratores. Segundo Mirabete (2014, p. 356): “a penalidade agora não significava mais que vingança”. O ofensor foi punido por aclamar a divindade. Não havia sociedade ou estado organizado, a sentença não era proporcional e não havia princípio orgânico estabelecido, como, por exemplo, a proporcionalidade da sentença.

Chamava-se Vingança Divina, caso em que a penalidade era aplicada como forma de apaziguar a ira dos deuses diante do crime cometido, punindo o ofensor, onde as represálias pelo crime eram feitas como forma de satisfazer os deuses, e onde o agente responsável pela punição era o padre. Com o desenvolvimento das sociedades primitivas e a centralização do poder, nasceram novas e mais seguras formas de punição, porque evitavam o contra-ataque dos condenados. Assim, emerge o Código Hamurabi, que estabelece as leis e punições, nas quais prevaleceu a Lei de Talião, segundo o qual a penalidade deve ser igual ao dano ou ataque causado (MIRABETE, 2014).

 A Lei de Talião, atualmente sinônimo de retaliação, funcionava da seguinte forma: se um fazendeiro durante uma discussão tira a vida do filho de um arquiteto, o filho do fazendeiro devera morrer como forma de punição pelo dano provocado por seu pai. Observou-se que a sentença é aplicada como uma forma de vingança por parte da vítima ou de seus parentes. Esse período da história foi chamado de fase da vingança privada, seguindo a evolução do direito penal como critério, uma vez que a punição não passava de vingança ou punição privada, ou seja, dizer a quem sofreu o dano causado pelo agressor, enfatizando que esse direito pode se estender a qualquer pessoa diretamente relacionada à vítima, como sua família e até o grupo social do qual ele fazia parte.

O código de Hamurabi não era o único exemplo de vingança particular na época; havia também a lei das XII Tabelas e a Bíblia Sagrada. Com o tempo, porém, as sanções podem ser parcialmente substituídas por pagamentos em dinheiro, gado, armas etc., que caracterizaram o que os historiadores chamavam de composição.

Com uma organização maior da sociedade, principalmente devido ao desenvolvimento do poder político, a figura do líder ou da assembleia aparece nas comunidades, onde o maior exemplo que temos é o da Roma antiga, e esse é o Nesse estágio, a sentença adquire caráter público, onde a vingança privada e divina é abandonada, e a sanção é agora imposta pela autoridade pública, representando os interesses da sociedade.

O código de Hamurabi não era o único exemplo de vingança particular na época; havia também a lei das XII Tabelas e a Bíblia Sagrada. Com o tempo, porém, as sanções podem ser parcialmente substituídas por pagamentos em dinheiro, gado, armas etc., que caracterizaram o que os historiadores chamavam de composição.

O direito penal romano foi fortemente influenciado pela religião e adotou o sistema de vingança pública, que dominava a discrição do soberano. Inicialmente, o poder de aplicar e escolher ficavam com as famílias.

 Com a evolução da sociedade romana, durante o período do reinado, houve uma clara influência religiosa, com a santidade da punição predominante. Com a separação entre estado e religião, o castigo na sociedade romana adquire um caráter público e não, mas apenas privado ou divino. Assim, aparecem crimes públicos (exemplo: assassinato) e crimes privados (exemplo: roubo), diferenciação entre crimes públicos e crimes privados.

Beccaria (1794) procurou combater a severidade ilimitada com a qual a sentença era aplicada e, com seu trabalho, demonstrou o verdadeiro significado e a razão da sentença. Por volta de 1850, a punição passou por um período de cientificação que durou até os dias atuais, e essa fase de sua evolução foi chamada de período científico ou criminológico. A preocupação agora é analisar o crime e a razão do crime, o próprio criminoso, a sentença e seus elementos naturais. Não há mais punição como forma de vingança, com caráter corretivo, ressocializante e mais humanístico.

2.3 Teorias de finalidade da pena

Por consistir na privação de liberdade ou de direito, a pena é tida como a mais importante consequência jurídica do sistema normativo de um país. Dessa forma, existem várias teorias que buscam explicar seus motivos e objetivos, sendo elas, aqui, didaticamente divididas em três grupos: Absoluta, Unitária e Relativa (ROSSETTO, 2014).

As duas primeiras finalidades da pena estão contidas no artigo 59, caput, do Código Penal, que dispõe:

O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (BRASIL, 1940)

Desta feita, pode-se dizer que a pena possui finalidade mista, uma vez que previne o crime, mas também o reprova. Quanto a prevenção, é geral e especial. “Na prevenção geral, o caráter intimidativo da pena é dirigido a todos os destinatários da norma penal, buscando a impedir que os membros da sociedade pratiquem crimes”. Na prevenção especial a pena é dirigida ao autor do delito, onde o mesmo é retirado do convívio em sociedade como forma de impedi-lo de delinquir, procurando corrigi-lo.

Conforme a teoria preventiva, a pena não visa retribuir o fato delitivo, apenas prevenir a sua prática e, o autor do delito é castigado pelo fato de ter delinquido, segundo a teoria absoluta. Na teoria relativa a pena é imposta para que o autor do delito não delinqua novamente, onde a finalidade do Estado é a obtenção de um bem coletivo, que para ser alcançado, necessita da preservação do direito dos cidadãos, quando isto é maculado, o Estado pune o delinquente.

A prevenção geral caracteriza-se pelo efeito de intimidação que a ameaça de sua imposição ou a sua aplicação ou execução concretas possam produzir na sociedade, como também da prevenção especial, que tem por objetivo o de evitar que o delinquente cometa novas infrações, proporcionando ao condenado, através de execução da pena, caminhos opostos à reincidência.

Segundo a teoria retributiva da pena, é atribuída a ela, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar a Justiça, pois, a pena tem como fim fazer Justiça, nada mais, e a culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena (BITENCOURT, 2012).

Sustenta Mirabete (2014, p. 245) que para as teorias absolutas (retribucionistas ou de retribuição): “[…] o fim da pena é o castigo, ou seja, o pagamento pelo mal praticado. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral, sendo a pena imposta por uma exigência ética em que não se vislumbra qualquer conotação ideológica”. Outra teoria sobre a finalidade da pena é a teoria mista ou unificadora, ela procura agrupar em um único conceito os fins da pena, bem como recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas.

A teoria unificadora parte da crítica às soluções monistas, ou seja, às teses sustentadas pelas teorias absolutas ou relativas da pena, defendendo que:

[…] essa unidimensionalidade, em um ou outro sentido, mostra-se formalista e incapaz de abranger a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao Direito Penal, com consequências graves para a segurança e os direitos fundamentais do homem (PUIG, apud BITENCOURT, 2012, p. 61).

Este é um dos argumentos básicos que ressaltam a necessidade de se adotar uma teoria que reúna a pluralidade funcional da mesma. A teoria mista é adotada pelo sistema penal brasileiro, reunindo como finalidades da pena a retributiva, a preventiva e a ressocializadora. Ressocializadora, também chamada de medicinal, visa a recomposição da cidadania do apenado, de modo a fazê-lo retornar ao convívio social com a compreensão de seu papel na sociedade.

2.4 Espécies de penas

As espécies de penas existentes em nosso ordenamento jurídico são três, e estão dispostas no art. 32, caput, do Código Penal Brasileiro, in verbis: “As penas são:

I – privativas de liberdade; II – restritivas de direitos; III – de multa”.

2.4.1 As penas privativas de liberdade

As penas privativas de liberdade estão divididas em reclusão e detenção e devem ser cumpridas no regime fechado, semiaberto e aberto e estão contidas no art. 33 e seguintes do Código Penal. Dispõe o art. 33, caput, do Código Penal Brasileiro: “A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado”.

A lei penal determina que o regime inicial de execução da pena privativa de liberdade será estabelecido na sentença de condenação, observando o art. 33 e seus parágrafos do Código Penal. Quanto à natureza jurídica da pena privativa de liberdade, esta vem presente em seu próprio nomen juris, ou seja, é aquela que retira do condenado de uma forma mais rígida, o seu direito à liberdade. Se o agente for condenado, o juiz deverá atender a estes dispositivos do art. 33, caput, do Código Penal, que dizem respeito à natureza e à quantidade da pena como também à reincidência.

A pena de reclusão diferencia-se da de detenção não só quanto à espécie de regime, mas também com relação ao sistema penal de execução, que será de segurança máxima, média e mínima, à sequência de execução no concurso material (art. 69, caput do CP), à incapacidade para o exercício do pátrio poder (art. 92, inc. II do CP), à medida de segurança (art. 97, caput do CP), à fiança (art. 323, inc. I do CPP) e à prisão preventiva (art. 313, inc. I e II do CPP), (CAPEZ, 2011).

2.4.2 Penas restritivas de direitos

O artigo 43 do Código Penal Brasileiro estabelece as espécies de penas restritivas de direitos, in verbis:

Art. 43: As penas restritivas de direitos são:

I– prestação pecuniária;

II– perda de bens e valores;

[…]

IV – prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

V – interdição temporária de direitos;

VI – limitação de fim de semana. (BRASIL, 1940)

As penas restritivas de direitos têm como características serem substitutivas, pois buscam afastar as penas privativas de liberdade de pequena duração, gozam de autonomia, pois têm características e forma de execução própria. Além disso, a pena substituída deve ser inferior a um ano ou resultante de crime culposo e, nos crimes culposos, cuja pena privativa de liberdade seja igual ou superior a um ano. A substituição pode ser feita por duas restritivas de direitos, se exequíveis simultaneamente, ou conjuntamente com a de multa, também, exigem como condição objetiva que o réu não seja reincidente em crime doloso e, para haver a substituição, também devem ser examinados os elementos subjetivos juntamente com as condições objetivas anteriores.

A prestação pecuniária consiste no pagamento de dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social e de importância fixada pelo juiz da condenação. Por disposição expressa no Código Penal Brasileiro (art. 45, § 1º) não poderá ser inferior a um salário mínimo nem superior a 360 vezes esse salário (GUEIROS; JAPIASSU, 2017).

Mirabete (2014) enfatiza que deve o juiz fixar o quantum da reprimenda com base apenas nos dados disponíveis no processo, uma vez que não existe previsão legal específica de procedimento para se calcular o prejuízo que resultou da prática daquele crime. Dispõe ainda o § 2º do art. 45 do Código Penal que, se houver aceitação do beneficiário a prestação pecuniária poderá constituir-se, por decisão judicial, em prestação de outra natureza, como, por exemplo, o fornecimento de cestas básicas e é obrigatória a consulta ao beneficiário pelo juiz da execução, para que se efetue a referida substituição. A perda de bens e valores consiste, nos termos do art. 45, § 3º do Código Penal, no confisco em favor do Fundo Penitenciário Nacional de quantia que pode atingir até o valor referente ao prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime, prevalecendo aquele que for maior.

Aduz o autor ainda que a lei ressalva a “[…] destinação diversa que lhe for dada pela legislação especial, como por exemplo, os previstos no art. 41 da Lei nº 6.368/76 e no art. 1º e seu parágrafo único da Lei nº 8.257/91”. E também é sublinhado que tais bens e valores serão destinados, com preferência, ao lesado ou ao terceiro de boafé, conforme dispõe o art. 91, inc. II do Código Penal Brasileiro ao tratar do confisco (MIRABETTE, 2014).

Segundo Lenza (2015), em relação a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas esta consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado (art. 46, § 1º) que compreende na prestação social alternativa, admitida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XLVI, alínea “d”. Com relação à interdição temporária de direitos, prescreve o artigo 47 do Código Penal Brasileiro, in verbis: 

Art. 47: As penas de interdição temporária de direitos são:

I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;

II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; 

IV – proibição de frequentar determinados lugares. (BRASIL, 1940)

Deve-se ressaltar que a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública não se confunde com a perda de função pública, cargo ou atividade, que constitui efeito específico da condenação (art. 92, inc. I do Código Penal).

Da mesma forma, a suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo não se confunde com a inabilitação para dirigir veículo, este, efeito específico da condenação por delito doloso (art. 92, inc. III do Código Penal). No tocante à proibição de frequentar determinados lugares, já inscrita no Código Penal como uma das condições obrigatórias do sursis especial (art. 78, § 2º) sustenta Mirabete (2001) que a pena não poderá ser aplicada de forma genérica ou imprecisa e “[…] o juiz deverá especificar expressamente na sentença quais os lugares que o sentenciado não pode frequentar”.

E, por fim, sobre a limitação de fim de semana, segundo Mirabete (2001), consiste “[…] na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado”, podendo ser ministrado aos condenados durante essa permanência cursos e palestras, ou atribuídas a eles atividades educativas (art. 48, parágrafo único, do Código Penal).

Portanto, a finalidade das penas restritivas de direitos é fracionar as penas privativas de liberdade de curta duração, e tem por objetivo, impedir o encarceramento com o inevitável contágio do ambiente criminógeno que essa instituição total produz e todas as consequências decorrentes disto.

2.4.3 Pena de multa

A pena de multa ou pecuniária é uma modalidade de pena patrimonial que consiste no pagamento pelo apenado, de uma importância correspondente, no mínimo de dez e no máximo de trezentos e sessenta dias-multa, a um fundo penitenciário, sendo calculada de modo a corresponder a um trigésimo do salário vigente na época da sentença.

Dispõe o art. 49, caput, do Código Penal Brasileiro, in verbis:

Art. 49: A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. (BRASIL, 1940)

A pena de multa tem origem no direito germânico e, para Mirabete (2001, p. 278) a vantagem desta pena em relação à privativa de liberdade consiste em não levar o apenado “[…] à prisão por prazo de curta duração, privando-o do convívio com a família e de suas ocupações”.

3 PRISÕES NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

O presente capítulo aborda as modalidades de prisões existentes no sistema penal brasileiro, explorando suas características e regulamentações conforme a legislação vigente. Inicialmente, diferencia-se a prisão cautelar, aplicada durante o processo investigativo ou judicial para garantir a ordem e a eficiência da justiça, da prisão decorrente de condenação criminal, que visa o cumprimento da pena após sentença condenatória. Em seguida, são examinadas as diversas formas de prisão cautelar, como a prisão em flagrante, preventiva e temporária, detalhando seus fundamentos e requisitos legais. Por fim, o texto também considera as circunstâncias e implicações da prisão domiciliar, tanto para presos provisórios quanto para aqueles em cumprimento de pena, destacando as condições específicas para sua aplicação.

3.1 Espécies de prisões 

No sistema penal brasileiro existem dois gêneros de prisão, as prisões cautelares, onde se analisa a periculosidade e não a culpabilidade do agente que solto pode prejudicar a instrumentalidade da investigação ou do processo, e a prisão em decorrência de condenação criminal. Quando existe a necessidade de segregação cautelar do autor do delito durante as investigações ou o trâmite da ação penal, pelas razões que a própria legislação processual elenca, a prisão processual é decretada.

Esta modalidade de prisão, também chamada de cautelar ou provisória, está regulamentada nos arts. 282 a 318 do Código de Processo Penal, bem como pela Lei n. 7.960/89. O princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF), não impede a decretação da prisão processual, tendo em vista que esta possibilidade está prevista na Constituição, em seu art. 5º, LXI, onde prevê a possibilidade de prisão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada do juiz competente (LENZA, 2015).

A prisão processual é uma exceção, e a sua decretação ou manutenção só deve acontecer em casos extremos, tendo em vista que só deve ser decretada ou mantida quando houver extrema necessidade (grande periculosidade do réu, evidência de que irá fugir do país etc.). Além disso, o tempo que o indiciado ou réu permanecer cautelarmente na prisão será descontado de sua pena em caso de futura condenação (detração penal). 

No Código de Processo Penal são previstas duas formas de prisão processual: a prisão em flagrante e a preventiva.  Após a entrada em vigor da Lei n. 12.403/2011, a prisão em flagrante passou a ter brevíssima duração, pois o delegado enviará ao juiz cópia do auto em até 24 horas após a prisão, e este, imediatamente, deverá convertê-la em preventiva ou conceder liberdade provisória (REIS; GONÇALVES, 2018).

A terceira modalidade de prisão cautelar é a prisão temporária, regulamentada em lei especial (Lei n. 7.960/89). Na redação originária do Código de Processo Penal existiam outras duas formas de prisão processual com regras próprias: prisão por sentença condenatória recorrível e prisão por pronúncia, entretanto extintas em decorrência das Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008. 

O art. 283 do CPP, alterado pela Lei n. 12.403/2011, prevê que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (REIS; GONÇALVES, 2018)

Já a prisão em decorrência a condenação criminal refere-se ao cumprimento de pena por parte de indivíduo definitivamente condenado, a quem foi imposta pena privativa de liberdade na sentença. Essa forma de prisão, denominada prisão pena, é regulamentada na Parte Geral do Código Penal (arts. 32 a 42) e também pela Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/84). 

Seu cumprimento se dá em regime fechado, semiaberto ou aberto, podendo o réu progredir de regime mais severo para os mais brandos após o cumprimento de parte da pena e desde que tenha demonstrado méritos para a progressão. 

3.2 Prisão em flagrante

A prisão em flagrante é o instituto que tem o objetivo tirar imediatamente do seio da sociedade o autor de delitos ou evitar que a pratica delituosa, ora iniciada, seja concluída, ou ainda que o acusado fuja, ou então que se possa colher provas no curso da investigação e também assegurar a integridade de testemunhas, da vítima. Essa modalidade de prisão processual está prevista no art. 5º, LXI, da Constituição Federal, e regulamentada nos arts. 301 a 310 do Código de Processo Penal. Em princípio, a palavra “flagrante” indica que o autor do delito foi flagrado praticando ato executório da infração penal e, por isso, acabou preso por quem o flagrou e levado até a autoridade policial. 

3.2.1 Tipos de flagrante

I) Flagrante próprio ou real: é quando o indivíduo é pego praticando o crime ou acaba de cometê-lo. São as hipóteses dos incisos I e II do art. 302 do CPP;

II) Flagrante impróprio ou quase flagrante: quando o autor é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que se faça presumir ser o autor da infração, conforme o art. 302, III, do CPP;

III) Flagrante presumido ou ficto: de acordo com o art. 302, IV, do CPP, a pessoa é encontrada com armas, objetos, papéis que façam com que se presuma ser ele o autor da infração;

IV) Flagrante preparado ou provocado: quando o autor é induzido à prática criminosa. Nessa espécie de flagrante, agentes provocadores (que podem ser da autoridade, vítima etc.) induzem, convencem alguém a praticar um suposto delito, tomando, ao mesmo tempo, providências para que se torne impossível sua consumação;

V) Flagrante esperado: quando se tem ciência que o delito ocorrerá, então policiais montam campana e no momento que o criminoso tenta praticar o ato, acaba sendo preso. Não se deve confundir os chamados flagrantes esperado e preparado. Flagrante esperado é uma forma de flagrante válido e regular, não há qualquer farsa ou induzimento, apenas aguarda-se a prática do delito no local;

VI) Flagrante prorrogado ou retardado: quando a polícia deixa de prender um indivíduo em flagrante, caso seja mais vantajoso para a investigação, onde o indivíduo continuará sendo  acompanhando e observado, até que a prisão se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação da prova e fornecimento de informações. Este instituto foi criado pelo art. 2º, II, da Lei n. 9.034/95. A Lei 12.850/13 (“Lei das Organizações Criminosas”), em seu art. 8º, traz previsão expressa de flagrante retardado (intitulado “Ação Controlada” no texto legal). A Lei 11.343/06 (“Lei de Drogas”), em seu art. 53, II, também autoriza o flagrante prorrogado;

VII) Flagrante forjado: o preso não praticou o delito que lhe é imputado, sendo um crime praticado por parte do agente policial que implanta drogas ou armas de forma a se entender ser da pessoa presa. Trata-se de hipótese de flagrante nulo, que deve ser relaxado, porque foram criadas provas de um delito inexistente exatamente para viabilizar a prisão. 

3.3 Prisão preventiva

Trata-se de uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por razões de necessidade, com hipótese de cabimento previsto no art. 313 do Código de Processo Penal:

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;

III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

[…]

§ 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. (BRASIL, 1940)

    Possui quatro pressupostos: a) natureza da infração; b) probabilidade de condenação (fumus boni juris, ou seja, “fumaça do bom direito”); c) perigo na demora (periculum in mora); e d) controle jurisdicional prévio. 

    No Código de Processo Penal, o fundamento da prisão preventiva encontra-se no art. 312:

    Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (BRASIL, 1940)

    Conforme dispõe o art. 311 do Código de Processo Penal, prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, em razão de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou mediante representação da autoridade policial. Contudo, o juiz não poderá mais decretá-la de ofício, conforme nova redação do art. 311, do CPP, que foi alterado pelo Pacote Anticrime.

    Para Lopes Júnior (apud CANÁRIO, 2019, p. 2), doutor em Processo Penal, a mudança foi pertinente: “O novo artigo 311 corrige um erro histórico que era permitir que o juiz decretasse a prisão preventiva de ofício, no curso do processo. Agora, prisão de ofício, nem pensar”.

    Depreende-se com isto que o processo tem que garantir a ampla defesa ao réu e que as provas de culpa têm de ser levadas pela acusação, o acusado não tem que provar a sua inocência, cabendo ao juiz ser imparcial em relação às partes.

    Vale dizer que com o advento da Lei n. 12.403/2011 (que alterou o Código de Processo Penal), o ordenamento jurídico passou a contar também com várias outras medidas cautelares de coação distintas da prisão, somente se aplicando esta última quando não forem indicadas, suficientes ou cabíveis as demais, evidenciando seu caráter excepcional.  

    Ao elaborar a Constituição Federal de 1988 a assembleia constituinte decidiu por manter a tradição do direito constitucional pátrio, prevendo a possibilidade da existência da prisão cautelar. No entanto, para a aplicação da prisão preventiva a Constituição impôs limites, vez que ao aplicá-la ocorre conflito com o princípio constitucionalmente previsto da presunção da inocência, onde consiste que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado. Encontra-se previsto no art. 5.º, LVII, da Constituição Federal, e tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável ao Estado-acusação evidenciar, com provas suficientes, ao Estado-juiz, a culpa do réu.

    A Carta Magna de 1988 dispõe no caput do seu artigo 5º, leia-se:

    Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (BRASIL, 1988)

    Nesta mesma esteira protetiva constitucional, pode-se destacar o que preceitua o artigo 5º, LXI da CF: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. 

    Denota-se dos mandamentos constitucionais explícitos ou implícitos, que a prisão é a exceção e não a regra, pois o indivíduo é livre. Podemos caracterizar a liberdade como a genuína expressão da essência humana sem o que não há identidade, nem o direito de ir e vir na sociedade pode ser considerado sinônimo de autodeterminação, independência e autonomia, é uma manifestação da vontade e só através dela é possível a realização pessoal. A garantia da presunção de inocência surgiu em face das práticas do regime contra a liberdade das pessoas, tendo como fundamento as prisões arbitrárias e a consequência de uma pessoa ser tida como culpada, mesmo antes de ser provada a sua culpa.

    Em levantamento do Conselho Nacional de Justiça, realizado em janeiro de 2017, foi constatado um total de 654.372 presos no Brasil, e que 221.054 (34%) desses presos eram provisórios (apud UM, p. 2).  No entanto, ocorre que, no Brasil, tem-se o Estado Democrático de Direito, que preconiza que não se pode aprisionar o indivíduo atribuído de crime sem que ele seja, de fato, julgado como responsável pelo cometimento do fato criminoso. 

    Grande parte dessas prisões fundamentam-se principalmente na garantia da ordem pública, que não possui uma definição clara, sendo percebida também a influência do clamor social por segurança pública e o sensacionalismo das notícias divulgadas pelos meios de comunicação, além da pouca aplicação das medidas cautelares pessoais diversas da prisão, estes fatores podem acabar contribuindo com uma violação do princípio constitucional da presunção da inocência, afetando diretamente um bem tão importante que é a liberdade, podendo ocasionar danos psicológicos e financeiros a quem sofre a prisão irregular e gerando um alto custo para os cofres públicos com construções de presídios e manutenção de presos.

    É possível perceber que, dentre os fundamentos da prisão preventiva, os únicos verdadeiramente cautelares correspondem à conveniência da instrução criminal e da segurança para aplicação da lei penal. Isso, em razão de que a garantia da ordem pública, e da ordem econômica, são conceitos demasiadamente amplos, abarcando qualquer fundamentação que o magistrado entenda conveniente utilizar inclusive fundamentos sem qualquer cautelaridade.

    No que tange, especificamente, ao decreto de prisão cautelar sob o fundamento “conveniência da instrução criminal” entende-se que, quando adequadamente aplicado, será verdadeiramente cautelar, em razão de ter o objetivo de assegurar a coleta da prova. Ou seja, presta-se tal fundamento a garantir que a instrução processual se desenrole sem eventuais interferências que poderiam vir a ser causadas pelo réu.

    Nesse ínterim, ensina Mendonça (2011, p. 421):

    Com este fundamento, busca-se proteger as fontes de prova contra alteração, destruição ou ameaça por parte do réu. O periculum libertatis se identifica, portanto, com a conduta do réu que cria obstáculos à instrução do processo e à atividade instrutória, prejudicando a busca da verdade real, um dos fins primordiais do processo penal. Assim, se houver risco de que, em liberdade, o investigado/acusado ameace a prova ou obstrua a investigação ou a instrução, mesmo que por intermédio de terceiros, será possível a decretação de sua prisão preventiva. (MENDONÇA, 2011)

    Assim, deverá a prisão preventiva ser decretada com esse fundamento nos casos em que a liberdade do acusado implique em risco efetivo para a instrução da ação penal. Nota-se que a cautelaridade deste fundamento reside no fato de que se tutela a instrução do processo penal, a coleta da prova, não se tratando de fundamento vago e capaz de comportar (inconstitucional) execução antecipada da pena. Inclusive, sendo a medida cautelar decretada somente com base no fundamento em comento, o réu deverá ser posto em liberdade assim que concluída a instrução, pois não subsistirá mais fundamento para que permaneça segregado. Corrobora-se, com isso, a natureza evidentemente cautelar da medida.

    Da mesma forma, também haverá real cautelaridade da prisão preventiva quando o fundamento previsto para embasar o seu decreto for a “aplicação da lei penal”. Isso porque se trata da segregação cautelar do acusado quando houver risco de fuga, o que tornará eventual decreto condenatório inócuo ante a impossibilidade de aplicação da pena. Sobre tal fundamento, leciona Nucci (2011, p. 66):

    Vincula-se, precipuamente, à potencial fuga do agente, evitando qualquer eficiência punitiva estatal. Não se trata da presunção de fuga, mas de colheita de dados reais, indicativos da possibilidade de saída do âmbito do controle do Estado. Somente o caso concreto pode evidenciar essa potencialidade de desaparecimento do cenário processual. […] Em suma, é preciso a visão fática do intuito do réu de se furtar à aplicação da lei penal. (NUCCI,2011)

    De outro lado, a decretação da prisão preventiva sob o fundamento de garantia da ordem pública, ou da ordem econômica, mostra-se, conforme anteriormente exposto, bastante controvertida. Acerca da garantia da ordem pública, leciona Avena (2012, p. 432):

    Entende-se justificável a prisão preventiva para garantia da ordem pública quando a permanência do acusado em liberdade, pela sua elevada periculosidade, importar intranquilidade social em razão do justificado receio de que volte a delinquir. Não basta, para que seja decretada a preventiva com base nesse motivo, ilações abstratas sobre a possibilidade de que venha o agente a delinquir, isto é, sem a indicação concreta e atual da existência do periculum in mora. É preciso, pois, que sejam apresentados fundamentos que demonstrem a efetiva necessidade da restrição cautelar para evitar a reiteração na prática delitiva. (AVENA, 2012)

    Tais fatores, por si só, não são capazes de justificar o decreto de uma prisão preventiva, que é (ou deveria ser) de natureza cautelar e processual, e não uma prisão-pena. A decretação de prisão preventiva desamparada de fundamentos realmente cautelares significa uma inconstitucional execução antecipada da pena, já que viola frontalmente o princípio constitucional da presunção da inocência.

    Nesse viés, é o entendimento de Wedy (2006, p. 169):

    Ordem pública pode ser a simples vontade subjetiva do juiz no caso concreto, sustentada por seu discurso dialético, pode ser a pressão midiática ou ainda a conturbação orquestrada de uma massa desvairada mas jamais a imperiosa necessidade de proteção do conteúdo probatório ou da garantia da aplicação da lei penal. […] A ideia da prisão do imputado em função do alarma social da conduta, de outra parte, associa à prisão preventiva uma finalidade exclusivamente repressiva, esquecendo que o direito serve para proteger a minoria, inclusive contra a maioria, com o intuito de que não sejam espezinhados os direitos fundamentais. (WEDY, 2006)

    Diante disso, entende-se que, atualmente, a prisão preventiva, quando motivada pelo fundamento de garantia da ordem pública, deverá estar embasada em fatos concretos e inerentes ao caso em análise, os quais justifiquem claramente o periculum libertatis. Não deverá, portanto, amparar-se em expressões vagas e sem qualquer relação ao caso concreto, sob pena de serem violadas as garantias constitucionais do processo e de caracterizar uma inconstitucional execução antecipada da pena.

    3.3.1 Requisitos para a decretação

    Medida excepcional que é, para a decretação da prisão preventiva se faz imprescindível o atendimento de determinados requisitos, que devem ser interpretados restritivamente, sem os quais qualquer decretação a tal título materializará ilegalidade.

    Como requisitos, em sentido amplo, podemos mencionar: 1º) os pressupostos indicados no art. 312, caput, parte final, do CPP “[…] quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”; 2º) as hipóteses de cabimento, previstas no art. 313, I a III, parágrafo único, e no art. 312, §1º, combinado com o art. 282, § 4º, todos do CPP; 3º) e as circunstâncias autorizadoras, listadas no art.  312, caput, primeira parte, do CPP: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal […]”.

    Segundo alguns entendimentos do STF (2003, p. 1):

    Em matéria de prisão cautelar, o Supremo Tribunal Federal exige a demonstração, empiricamente motivada, da presença dos requisitos previstos no art.  312 do Código de Processo Penal.  A mera alusão à garantia da aplicação da lei penal não justifica a prisão preventiva.

    Ante o princípio constitucional da não culpabilidade, a custódia acauteladora há de ser  tomada  como  exceção, cumprindo interpretar os preceitos que a regem de forma estrita, reservando-a a situações em que  a  liberdade do acusado coloque em risco os cidadãos (STF. HC 83.439/RJ. 1a Turma. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 14/10/2013. Dje 07/09/03).

    Como se depreende dos entendimentos dos Tribunais Superiores, a prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizado, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. 

    A prisão preventiva (carcer ad custodiam) – que não deve ser confundida  com  a prisão penal (carcer ad poenam) – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. […] A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo  ser decretada em situações de absoluta necessidade. A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos  os requisitos mencionados  no art. 312 do CPP. Necessidade da  verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. (RTJ 180/262-264. REL. MIN. CELSO DE MELLO, apud MINISTRO, 2008, p. 7).  

    Conforme reiterada jurisprudência deste Superior Tribunal, a prisão que antecede a condenação transitada em julgado só pode ser imposta ou mantida quando evidenciada, com explícita e concreta fundamentação, a necessidade da rigorosa providência. 

    A menção ao fato de que a liberdade do acusado põe em risco a ordem pública, pois se trata de ilícito que vem infestando as comunidades  brasileiras,  além  de perverter a segurança, a tranquilidade e a ordem pública, ou de que a concessão da graça de liberação provisória seria incompatível com a necessidade de supervisão pelo Estado-Juiz, sendo a liberdade do indiciado uma situação de índole gravosa à ordem  social, uma vez que suas respectivas solturas gerariam instabilidade e insegurança, não é suficiente, por si só, para justificar a decretação da custódia, quando não demonstrado, por meio de elementos concretos, que estímulos o acusado teria para ofender a ordem pública. 

    A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade.

    3.4 Prisão domiciliar

    Durante o cumprimento da pena, há a progressão de regime, que pode chegar a autorizar o apenado a cumprir parte de sua pena em casa, caso progrida para o regime aberto e o Estado não disponha de unidade específica para cumprimento desta, então será o apenado, mediante observação de alguns requisitos, colocado para cumprir o restante de sua pena neste regime. A prisão domiciliar está prevista no artigo 117 da Lei de Execução Penal (LEP). É destinada, portanto, à presos já condenados, que estejam em regime aberto e se enquadrem em alguma das seguintes situações:

    Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos;

    II – condenado acometido de doença grave;

    III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;

    IV – condenada gestante. (BRASIL, 1984)

    Existem, ainda, acirradas discussões sobre a possibilidade que presos, definitivamente condenados, possam ser recolhidos em regime domiciliar quando não houver vaga disponível em estabelecimento prisional próprio.

    Com o advento da Lei 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal brasileiro, passou-se a permitir que presos provisórios pudessem ser recolhidos em regime domiciliar, nas seguintes hipóteses:

    Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

    Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar  quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos;

    II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;

    III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

    IV – gestante;

    V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

    VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

    Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (BRASIL, 1941)

    Percebem-se, pela leitura de ambas as legislações, que a possibilidade de recolhimento de presos em regime domiciliar é bem mais ampla quando se trata ainda de presos provisórios, pois, depois de condenados, tal situação torna-se menos usual. Acontece que, em tempos de grandes prisões passou-se a se rediscutir o dispositivo da prisão domiciliar e nossos juristas resolveram editar a Lei 13.257/2016, que prevê novas hipóteses para que o réu cumpra esta medida diversa da prisão em sua residência, ao invés de ser recolhido ao cárcere. Com o advento da Lei nº 13.769/2018, foi acrescentado os artigos 318-A, 318-B ao CPP. 

    4. PACOTE ANTICRIME – LEI N° 13.964/19

    No final de 2019, precisamente na véspera de Natal, entrou em vigência a Lei nº 13.964/2019, que se tornou popularmente conhecida como pacote anticrime, responsável por alterar, além do Código Penal e do Processo Penal, um grande número de legislações criminais. 

    A fim de evitar abusos e reparar os constrangimentos ilegais, o legislador procurou modificar substancialmente o título e os capítulos que tratam das prisões e medidas cautelares.

    O pacote anticrime, na maioria das modificações estabelecidas, acabou privilegiando a proteção da liberdade das pessoas sob investigação criminal, com exceção de crimes dolosos contra a vida, onde ele sofre de inconstitucionalidade flagrante, em especial por ter estabelecido a prisão automática de uma pessoa condenada a 15 anos ou mais de prisão por um Conselho de Sentença e sem efeito suspensivo.

    Verifica-se que uma parte importante do pacote anticrime, melhorou as garantias de liberdade do investigado criminal, sendo agora necessário que o juiz, a fim de decretar ou converter um flagrante em prisão preventiva, preste atenção aos conceitos que estavam presentes em várias ocasiões na jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal e eram frequentemente esquecidas, visto que agora estão diretamente positivadas no Código de Processo Penal. 

    A primeira grande inovação foi no §2 do art. 282 da CCP, que acabou fulminando a possibilidade de serem decretadas medidas cautelares de ofício pelos magistrados, mesmo durante o curso do respectivo processo penal. Essa é claramente uma preocupação legislativa em relação às regras inerentes ao sistema acusatório constitucional e à imparcialidade do juiz, como premissa fundamental do devido processo legal.

    A previsão do contraditório antes da decretação das medidas cautelares, previsto no novo §3º do art. 282. Exceto em casos de urgência e perigo, a ser demonstrado concretamente no édito constritivo, a parte contrária será convocada a comparecer em cinco dias, por intermédio de um advogado constituído ou dativo, indicando os motivos que julgar relevantes.

    A absoluta excepcionalidade da prisão preventiva foi reafirmada no §6 do art. 282. O não cabimento de qualquer outra medida cautelar diversa, conforme preceitua o art. 319, deverá ser justificado com base em elementos concretos, de forma individualizada. 

    A obrigação de contemporaneidade do risco processual decorrente de atos realizados pelo investigado encontra-se positivada no art. 315, §1º do CPP, vejamos: “Art. 315, §1. Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. 

    Essa exigência tem o objetivo de impedir que o investigado por fatos ocorridos no pretérito, digamos em 2015, e que já não fazem mais parte da sua vida na atualidade, seja preso preventivamente pelo fato de que apenas agora em 2020, os órgãos oficiais de acusação, portanto, 5 anos depois, conseguiram juntar provas contundentes de autoria e materialidade. Dito de outra maneira, há necessidade de que o perigo à produção da prova ou à reiteração delitiva sejam concretamente contemporâneos ao decreto prisional.

    Verifica-se a impossibilidade da decretação de prisão preventiva como forma de antecipação de pena, pois, como preconizado no art. 312, §2º do CPP, não é pelo fato do investigado ter sido denunciado ou da referida denúncia ter sido recebida que deverá ser preso preventivamente, não se confundindo mérito com cautelaridade, sendo completamente distintos. Esta foi uma das benéficas alterações trazidas pelo Pacote Anticrime.

    O art. 282, §6º do CPP, deixou claro que a prisão preventiva só deverá ser decretada quando não houver cabimento para ser substituída por outra medida cautelar, devendo o não cabimento ser justificado fundamentadamente, de maneira individualizada, com base no disposto no art.319. Aqui ficou claro o direito subjetivo do investigado responder ao processo criminal em plena liberdade ou fiscalizada, desde que preencha cumulativamente os requisitos da adequação e da suficiência para a aplicação das cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.

    Com o advento do Pacote anticrime, ficou estabelecido, no art. 312, caput, do CPP, que para o decreto prisional preventivo, deverá existir a presença de “perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”, ou seja, o periculum libertatis. Na verdade, antes do pacote anticrime, o perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado era, apenas uma categoria doutrinária, pouco explorada pela jurisprudência.

    Em relação à audiência de custódia, com a atual redação do artigo 287, do CPP, quem for preso em decorrência do cumprimento de mandado de prisão (preventiva ou temporária) também deverá passar pela audiência de custódia, que será realizada pelo juiz que decretou a prisão.

    O art. 310, §3º do CPP, permite que o magistrado não a realize mediante justificativa idônea. No §2º, foi vedada a liberdade provisória com ou sem cautelares para os investigados criminais reincidentes, participantes de organização criminosa armada ou milícia e aos portadores de arma de uso restrito. 

    No art. 492, I, e, do CPP, se houver condenação de 15 anos ou mais no rito do Tribunal do Júri, haverá prisão automática, uma vez que o recurso de apelação não tem efeito suspensivo, conforme o art. 492, §4º do CPP.

    Entretanto, o Juiz Presidente do Júri tem a possibilidade de não decretar a prisão de forma automática quando houver questão que possa levar o Tribunal de Justiça ou o Tribunal Regional Federal a revisar a condenação, conforme art. 492, §3º do CPP, levar o Tribunal a: absolver, anular sentença, determinar novo julgamento ou reduzir a pena para menos de 15 anos, ou seja, o Juiz Presidente poderá não decretar a prisão automática, caso reconheça que ele mesmo errou ou permitiu que o acusado fosse prejudicado durante o julgamento que presidiu. 

    5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Após a implementação da Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, é possível identificar significativos impactos no sistema de penas privativas de liberdade no Código Penal brasileiro. Essa lei, que entrou em vigor no final de 2019, trouxe modificações substanciais tanto no Código Penal quanto no Código de Processo Penal, visando aprimorar a justiça criminal no Brasil. 

    Inicialmente, uma das principais preocupações foi a possibilidade de aumento do contingente de pessoas presas. De fato, observou-se um crescimento no número de prisões, o que evidenciou a necessidade urgente de ampliar as vagas no sistema prisional para evitar a superlotação. A ausência de medidas eficazes para acompanhar esse aumento resultou em um agravamento das condições carcerárias, um desafio contínuo que precisa ser enfrentado com políticas públicas adequadas e investimentos na infraestrutura prisional.

    Por outro lado, o Pacote Anticrime trouxe avanços notáveis na proteção das garantias de liberdade dos investigados criminais. A impossibilidade de decretação de medidas cautelares de ofício pelo magistrado, conforme disposto no §2º do art. 282 do Código de Processo Penal, e a exigência de fundamentação concreta e contemporânea para a decretação de prisão preventiva, como previsto no art. 315, §1º do CPP, reforçam o respeito aos direitos individuais e a necessidade de decisões judiciais bem fundamentadas. Essas mudanças alinham-se aos princípios do sistema acusatório e da imparcialidade judicial, fortalecendo o devido processo legal.

    A exigência de contraditório antes da decretação de medidas cautelares, salvo em casos de urgência e perigo, conforme o §3º do art. 282 do CPP, garante um processo mais equilibrado e justo. Além disso, a reafirmação da excepcionalidade da prisão preventiva e a necessidade de justificar a não aplicação de medidas cautelares alternativas, conforme o §6º do art. 282 e o art. 319 do CPP, asseguram que a privação de liberdade seja uma medida de última instância.

    Entretanto, algumas disposições do Pacote Anticrime, como a prisão automática para condenados a 15 anos ou mais no Tribunal do Júri, têm sido objeto de críticas por suposta inconstitucionalidade. A ausência de efeito suspensivo para apelações em tais casos, prevista no art. 492, I, e, e §4º do CPP, suscita debates sobre a proteção aos direitos dos condenados e a possibilidade de erros judiciais.

    A necessidade de audiências de custódia para todos os presos em cumprimento de mandado de prisão, conforme o art. 287 do CPP, e a vedação de liberdade provisória para reincidentes e membros de organizações criminosas armadas, conforme o art. 310, §2º do CPP, são outras mudanças importantes que buscam equilibrar a segurança pública com os direitos individuais.

    Em síntese, o Pacote Anticrime teve um impacto profundo no sistema de penas privativas de liberdade no Brasil. Embora tenha reforçado as garantias de liberdade e buscado aprimorar a justiça criminal, também trouxe desafios significativos, como o aumento do encarceramento e a superlotação carcerária. A implementação plena e coerente das suas disposições, juntamente com políticas públicas integradas, será crucial para alcançar um sistema penal mais justo e eficiente, que respeite os direitos humanos e contribua para a redução da criminalidade. A evolução da jurisprudência e o contínuo debate doutrinário serão fundamentais para ajustar e consolidar esses avanços, garantindo um equilíbrio entre segurança pública e justiça.

    REFERÊNCIAS

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    BRASIL. Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20192022/2019/lei/L13964.htm. 

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    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus Nº 117.576 – AL (2019/0264744-4). Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Sexta Turma. Julgado em 18/02/2020. DJe 02/03/2020. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&seque ncial=105264858&num_registro=201902647444&data=20200302&tipo=51&formato=P DF. 

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 83.439/RJ. 1a Turma. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 14/10/2013. DJe 07/09/03. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79348. 

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    1Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. E-mail: rodrigovidal0701@yahoo.com.br. Artigo científico apresentando como requisito parcial para conclusão do curso da graduação em Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. 2024.

    2Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino, Advogado e Professor Universitário.