ICMS SOBRE O CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA NO ESTADO DO TOCANTINS: CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DESIGUALDADE SOCIAL

ICMS ON ELECTRICITY CONSUMPTION IN THE STATE OF TOCANTINS: CONTRIBUTORY CAPACITY AND SOCIAL INEQUALITY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10079243


Marcos Humberto Renovato Dourado1
Profª. Drª. Fernanda Matos Fernandes de Oliveira Jurubeba2


RESUMO

A cobrança da alíquota de 27% do ICMS sobre energia elétrica no Estado do Tocantins acendeu um alerta na população e também entre os especialistas, principalmente quando constatada a situação em que boa parte da sociedade se encontrava diante da dificuldade em arcar com este imposto estadual. É fato que a energia é um bem fundamental para a garantia da dignidade humana a medida que proporciona bem-estar, assegura a manutenção de alimentos, permite o acesso à informação, entre outros tantos benefícios. Em razão do exposto, considerando o que determina os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, o ICMS sobre energia elétrica sofreu redução em vários estados brasileiros, a medida em que fora estabelecido um teto para a cobrança de 18%. A alteração objetiva a redução da desigualdade social e a cobrança segundo a progressividade do consumo dos bens e serviços. Com base no princípio da seletividade, ponderando a essencialidade da energia elétrica, a alíquota foi reduzida, o que impacta tanto a sociedade como o ente estatal, com a redução de arrecadação tributária. Acerca da alteração do ICMS esta pesquisa discorre, com objetivo geral de analisar a possibilidade de se aplicar o princípio da capacidade contributiva a esta modalidade tributária. A metodologia adotada de análise qualitativa se dá mediante pesquisa bibliográfica, elaborada segundo o método dedutivo, partindo de premissas gerais para concluir especificamente sobre os efeitos da redução do imposto estadual analisado.

Palavras-chave: ICMS; Energia Elétrica; Capacidade Contributiva; Seletividade; Tocantins.

ABSTRACT

The collection of the 27% ICMS rate on electricity in the State of Tocantins sparked an alert among the population and also among experts, especially when the situation in which a large part of society found itself faced with the difficulty in paying this state tax was verified. It is a fact that energy is a fundamental good for guaranteeing human dignity as it provides well- being, ensures the maintenance of food, allows access to information, among many other benefits. Due to the above, considering what determines the principles of equality and ability to pay, the ICMS on electricity was reduced in several Brazilian states, as a ceiling was established for the collection of 18%. The amendment aims at reducing social inequality and charging according to the progressiveness of consumption of goods and services. Based on the principle of selectivity, considering the essentiality of electricity, the rate was reduced, which impacts both society and the state entity, with a reduction in tax collection. About the alteration of ICMS this research discusses, with the general objective of analyzing the possibility of applying the principle of ability to pay to this tax modality. The adopted methodology of qualitative analysis occurs through bibliographical research, elaborated according to the deductive method, starting from general premises to conclude specifically on the effects of the reduction of the analyzed state tax.

Keywords: ICMS; Electricity; Contributory Capacity; Selectivity; Tocantins.

1. INTRODUÇÃO

O Estado é um órgão dotado de uma série de responsabilidades, dependendo de recursos financeiros para custear todas as atribuições conferidas pela Constituição Federal. Por ser uma entidade pública soberana, institui a contribuição dos cidadãos como forma de arrecadação desses recursos.

A cobrança e o pagamento de tributos é uma realidade de todos os brasileiros, prevista na legislação infraconstitucional e também na Constituição Federal, cuja competência de arrecadação pode pertencer não apenas à União, mas também aos Estados e Municípios.

Dentre os tributos estaduais, o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, representado pela sigla ICMS, se destaca como o imposto mais corriqueiramente identificado pelos contribuintes. Presente principalmente nas contas relativas aos serviços essenciais, sua aplicação também incide sobre as pessoas com poucas condições financeiras.

Diante desse contexto social, o problema que norteia a pesquisa consiste em saber se as pessoas com rendas menores pagam mais impostos proporcionalmente àquelas com maiores rendimentos financeiros. Para tanto, a cobrança progressiva do imposto, baseada na renda do contribuinte, consiste na hipótese analisada neste artigo científico.

Com isso, objetiva-se analisar a legalidade da cobrança do ICMS de forma proporcional. Para tanto, inicia-se o estudo com a análise do princípio da capacidade contributiva, esmiuçando a definição e seus fundamentos constitucionais; evoluindo para a revisão do ICMS especificamente sobre a energia elétrica no Estado do Tocantins; avançando para a elaboração crítica da cobrança progressiva do imposto sobre o consumo; concluindo com o oferecimento de uma sugestão de solução para a redução das desigualdades sociais agravadas pela cobrança desproporcional dos tributos.

2. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Assim como ocorre nos demais ramos do direito brasileiro, em matéria de tributária, a observância dos princípios fundamentais é essencial para a compreensão do sistema nacional de cobrança de tributos. Sobre a matéria:

Os princípios do direito tributário têm sua origem primária em textos constitucionais, que nos orientam de forma interpretativa com relação à legislação tributária. Deste modo, a lei instituidora de um determinado tributo deverá observar e ser regida por princípios que em sua origem protejam e garantam a conformidade e adequação dos mesmos para sua formalidade (FÉLIX, 2018, p. 70).

No direito tributário, da leitura do artigo 150 da Constituição Federal, podem ser citados os seguintes princípios: da legalidade tributária, da isonomia e capacidade contributiva, da não-surpresa, da irretroatividade da lei tributária, da anterioridade do exercício financeiro, da anterioridade nonagesimal, do não confisco, da liberdade de tráfego e da não discriminação baseada em procedência ou destino (FELIX, 2018).

Por ser objeto central desta pesquisa jurídica, o princípio da capacidade contributiva passa a ser melhor analisado nos tópicos a seguir.

2.1. Conceito, origem e fundamentos constitucionais

Ao tratar da capacidade contributiva, é indispensável ter conhecimento acerca do direito à igualdade. Isto porque, “em matéria de tributação, o principal parâmetro de desigualdade a ser levado em consideração para a atribuição de tratamento diferenciado às pessoas é, exatamente, sua capacidade contributiva.” (ALEXANDRE, 2016, p. 115)

Por ser um desdobramento de um dos mais relevantes direitos fundamentais, qual seja o da isonomia, o princípio da capacidade contributiva está umbilicalmente ligado àquele (ALEXANDRE, 2016).

O conceito da isonomia e capacidade contributiva como princípio é a seguir apresentado:

O princípio da isonomia, seja em âmbito tributário ou em qualquer outro ramo do direito, deve ser buscado em sua materialidade, ou seja, deve ser buscada uma igualdade material, real e efetiva entre os indivíduos, sendo tratados de forma igual aqueles que se encontrem em situação equivalente e de maneira desigual aqueles que se encontrem em situação de desigualdade, porém na medida dessa desigualdade (FELIX, 2018). Isso acontece, por exemplo, com impostos como o Imposto de Renda da Pessoa Física, que é estabelecido consoante o critério da progressividade, ou seja, as alíquotas do imposto vão sendo majoradas à medida que o indivíduo aufere rendas maiores. Isso significa que aquele que ganha mais tem mais capacidade de contribuir do que aquele que ganha menos. E esse escalonamento de alíquotas em nada viola a igualdade entre os contribuintes, ele a torna real e concreta proporcionando um verdadeiro tratamento igualitário entre eles (FELIX, 2018, p. 73).

Em uma linguagem mais coloquial, assim se traduz o princípio estudado em um exemplo real com o imposto de renda:

Quem ganha pouco é isento do imposto de renda porque o Estado reconhece que praticamente todos os seus rendimentos estão comprometidos com suas necessidades básicas (ausência de capacidade contributiva). Quem tem rendimentos maiores contribui na medida destes, pois tem capacidade contributiva para fazê-lo. Assim, a imposição constitucional de progressividade do imposto de renda é exemplo de regra teleologicamente (finalisticamente) ligada aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia (ALEXANDRE, 2016, p. 116).

Sobre a origem deste princípio do direito tributário, é forçoso pontuar que a capacidade contributiva advém da necessidade em se analisar as possibilidades daqueles que contribuem, senão veja-se:

A aplicação aos impostos “sempre que possível” decorre do entendimento de que todos os impostos incidem sobre alguma manifestação de riqueza do contribuinte (auferir renda, ser proprietário, importar, transmitir bens). Manifestada riqueza, aparece a solidariedade social compulsoriamente imposta: o Estado, por lei, obriga o particular a entregar-lhe parte da riqueza, parte esta que será redistribuída para toda a sociedade por meio das atividades estatais. Por conseguinte, considera-se justo que cada pessoa seja solidária na medida de suas possibilidades, visto que quem mais tem renda, quem mais possui, quem mais importa, quem, enfim, mais manifesta riqueza, tem uma possibilidade maior de contribuir com a sociedade sem comprometer sua subsistência (capacidade contributiva) (ALEXANDRE, 2016, p. 115-116).

O princípio estudado encontra-se previsto expressamente na Constituição Federal que, no artigo 145, estabelece esse fundamento essencial para o direito tributário:

Art. 145. […]

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (BRASIL, 1988).

Em complemento, o artigo 150, inciso II, reitera a ideia anterior, ao estabelecer que:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[…]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (BRASIL, 1988)

Em resumo, pode-se afirmar que “o princípio da igualdade não é aplicado para gerar mais desigualdade, mas sim para proteger pessoas que estão em situações fáticas diferentes” (FÉLIX, 2018, p. 77). Contudo, importante observar a aplicação da igualdade na prática, observada a capacidade contributiva frente às espécies tributárias em si.

2.2. Capacidade contributiva e espécies tributárias

Diante da apresentação do princípio da capacidade contributiva, necessário se apresenta analisar como o mesmo se aplica diante de cada uma das espécies tributárias existentes no Brasil. O artigo 3º do Código Tributário Nacional (CNT) define o tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Já o artigo 5º aponta como tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria (BRASIL, 1966)

As espécies tributárias mencionadas se distinguem em relação às suas características em vinculados e não vinculados, de modo que tal fator influencia na aplicação da capacidade contributiva do contribuinte. Sobre a matéria:

A teoria dos fatos geradores vinculados e não vinculados serve de base para uma classificação dicotômica das espécies tributárias em que se destacam, em um dos polos, espécies de tributos que, em razão de financiarem atividades próprias do Estado, referem-se, de modo específico e divisível, a certos indivíduos ou grupos de indivíduos. A essas espécies tributárias que possuem fato gerador vinculado à atuação estatal dá-se nome de tributos vinculados. A vinculação “significa que o fato jurígeno genérico […] necessariamente implica uma atuação do Estado”. São duas as espécies tributárias vinculadas: a contribuição e a taxa (NEVES e BRAGA, 2023, p. 03).

Já os impostos, por exclusão, consistem em espécie de tributo não vinculado. Na prática, quer dizer que, enquanto as taxas e contribuições destinam-se ao resgate de determinados gastos públicos; os impostos destinam-se à partilha dos gastos públicos restantes (NEVES e BRAGA, 2023). Deste modo, a divisão entre vinculados e não vinculados está diretamente relacionada com a capacidade contributiva. Para Moreira:

Para os tributos vinculados a uma atuação estatal o critério de mensuração da intensidade tributária haveria de ser sinalagmático, isto é, tal critério deveria guardar correspondência com o custo ou benefício da mobilização do aparato público em prol do contribuinte. Neste caso, não se poderia falar em capacidade contributiva, porque a mensuração do custo da atuação estatal se sobreporia às particulares condições econômicas do contribuinte. A capacidade contributiva aplicar-se-ia, apenas, aos tributos não vinculados, portanto, apenas àqueles desprovidos de uma bilateralidade que pudesse servir de suporte para a aferição da adequada intensidade do gravame (MOREIRA, 2019, p. 01).

Diante do exposto, sendo os impostos tributos não vinculados, a aplicação da capacidade contributiva se aplica como regra, sendo excetuados aqueles que em virtude de características inerentes à sua espécie, não seja possível (MOREIRA, 2019). Tal norma decorre do disposto no §1º do já citado artigo 145 da Carta Magna.

Portanto, a princípio, a capacidade contributiva constitui um preceito constitucional moldado para os impostos pessoais, sendo que sua aplicação aos impostos reais, incidentes em razão da transferência de propriedade ou bem, que possuem caráter objetivo, é tema objeto de controvérsias perante a doutrina e jurisprudência (MARTINS, 2016).

2.3. Capacidade contributiva e impostos indiretos

Outro critério observado quando da aplicação da capacidade contributiva consiste na sua incidência sobre os impostos indiretos, assim denominados aqueles que não consideram a renda do contribuinte, mas sim o serviço ou produto adquirido. Sabbag complementa:

[…] o imposto indireto é aquele cujo ônus tributário repercute em terceira pessoa, não sendo assumido pelo realizador do fato gerador. Vale dizer que, no âmbito do imposto indireto, transfere-se o ônus para o contribuinte de fato, não se onerando o contribuinte de direito (SABBAG, 2016, p. 473).

A aplicação do princípio estudado sobre os impostos indiretos é questionada, tendo como questão central como o princípio da Capacidade Contributiva deve atuar em relação a estes tributos. “Em que pese tratar-se de posições minoritárias, há quem defenda a inaplicabilidade da capacidade contributiva à tributação indireta” (CAUREO, 2016, p. 114).

Em que pese o impasse, entende-se pela aplicação do fundamento, observadas as características do tributo cobrado. Veja-se:

Ora, o consumo, ao lado da renda e do patrimônio, é um dos elementos signopresuntivos de capacidade contributiva. Assim, atingindo os impostos indiretos a renda consumida, não há negar a aplicação do princípio da capacidade contributiva em relação a eles. Essa aplicação, contudo, dar-se-ia por meio da graduação de alíquotas de acordo com a essencialidade do produto, ao argumento da dificuldade de identificar o contribuinte de fato (CAUREO, 2016, p. 116).

No Brasil, os impostos indiretos são os seguintes: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Impostos Sobre Serviços (ISS); Imposto de Importação (II) e o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Acontece que, diante das considerações anteriores, especificamente com base no consumo objeto de tributação, a pesquisa avança para a análise do ICMS e a sua cobrança no Estado do Tocantins.

3. ICMS SOBRE CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA

3.1. Conceito, características e fundamentos constitucionais do ICMS

Presente em todas as mercadores e serviços, o ICMS é um imposto estadual muito discutido em sociedade, o que se atribui à sua observância nos mais variados produtos e serviços. Trata-se de tributo cuja competência está prevista na Constituição Federal, artigo 155, inciso II:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[…]

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (BRASIL, 1988)

Especificamente sobre a matéria, a Lei Complementar 87 de 1996, que determina a competência estadual em instituir o imposto, determina a incidência do imposto no seu artigo 2º, in verbis:

Art. 2° O imposto incide sobre:

I- operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;

II- prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

III- prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;

VI- fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V- fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.

§ 1º O imposto incide também:

I– sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;

II- sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;

III- sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.

§ 2º A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua (BRASIL, 1996).

Sobre o fato gerador do ICMS, tem-se que este se refere às operações relacionadas com a circulação de mercadorias. Em outras palavras, “fato gerador indica quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam a circulação de mercadorias, assim entendida a circulação capaz de realizar o trajeto da mercadoria da produção até o consumo”. (SABBAG, 2016, p. 1267)

No Brasil, “a energia elétrica é pacificamente entendida como “mercadoria” para efeito da incidência do ICMS” (SABBAG, 2016, p. 1268), motivo pelo qual, passa a ser analisada a cobrança do imposto no Estado do Tocantins.

3.2. O ICMS sobre o consumo de energia elétrica no Estado do Tocantins

Ao ser entendida como mercadoria, a energia elétrica é passível de tributação, que ocorre mediante o pagamento do ICMS incidente sobre o valor mensal de consumo efetivo, conforme a Súmula 391 do Superior Tribunal de Justiça: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada” (STJ, 2009).

Por ser matéria de competência estadual, a regulamentação do ICMS encontra-se no Código Tributário do Estado do Tocantins, instituído através da Lei nº. 1.287, de 28 de dezembro de 2001, que dispõe sobre a incidência do imposto no consumo de energia elétrica e demais mercadorias e serviços.

Especialmente quanto ao fornecimento da energia elétrica, o artigo 17 do mencionado dispositivo legal estabelece:

Art. 17. A empresa geradora, distribuidora ou qualquer outra que comercializar energia elétrica fica responsável pelo pagamento do imposto devido nas operações antecedentes ou subsequentes.

§ 1º O imposto deve ser pago por ocasião da saída do produto dos estabelecimentos a que se refere o caput deste artigo e calculado sobre o preço praticado na operação final.

§ 2º Em relação à energia elétrica destinada a adquirente tocantinense para consumo, o imposto é devido a este Estado, devendo ser recolhido e pago pelo remetente.

§ 3º As empresas relacionadas no caput deste artigo devem observar as demais disposições estabelecidas na legislação tributária estadual. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 2.006, de 17.12.2008, DOE TO de 18.12.2008) (TOCANTINS, 2001)

Tal qual o artigo 20, inciso XIII do Código Tributário determina acerca das alíquotas do imposto, em se tratando de energia elétrica, estava previsto no artigo 27, I, “b”, a cobrança de 27% nas operações e prestações internas (TOCANTINS, 2001). Contudo, o percentual foi revogado pela Medida Provisória nº 16 de 04 de julho de 2022 (TOCANTINS, 2022).

Em agosto do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da cobrança desse tributo no Tocantins e em outros quatro estados brasileiros, por ser cobrado em patamar superior às operações em geral, verbis:

O relator das ações, ministro Edson Fachin, explicou que, de acordo com a jurisprudência recente do Supremo, uma vez adotada a seletividade no ICMS (quando a tributação é diferenciada de acordo com a essencialidade dos produtos e mercadorias), o estado não pode estabelecer alíquotas sobre as operações de energia elétrica e os serviços de comunicação mais elevadas que a alíquota das operações em geral. Esse entendimento foi fixado no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 714139 (Tema 745), com repercussão geral, e reafirmado nas ADIs 7117 e 7123, em que foi declarada a inconstitucionalidade de normas estaduais de conteúdo idêntico ao questionado. (STF, 2022, p. 01)

Em reflexo aos acontecidos, por força da Lei Complementar nº. 194/2022, após a declaração de inconstitucionalidade, a alíquota do ICMS teve como limite de cobrança estabelecido o percentual de 18% (BRASIL, 2022). Contudo, atualmente, o valor cobrado no Estado do Tocantins, por força de lei, consiste em 20%, de acordo com o estabelecido na Medida Provisória nº 33 de 2022, em vigor desde a data de sua publicação, qual seja: 29 de dezembro de 2022 (TOCANTINS, 2022).

Ante todo o exposto, é fato que a cobrança do ICMS sobre a energia elétrica é um assunto muito controverso no Estado do Tocantins, assim como em vários outros entes federativos, o que se atribui aos princípios fundamentais que regem o direito tributário, especialmente o da capacidade contributiva, seletividade e cobrança progressiva.

3.3. Cobrança progressiva, seletividade e o princípio da capacidade contributiva no consumo de energia elétrica

Uma vez sedimentada a incidência do ICMS sobre o uso de energia elétrica, considerada essencial para a dignidade humana dos indivíduos, urge analisar a cobrança do imposto sob a ótica dos fundamentos que norteiam o direito tributário, principalmente em razão da inegável desigualdade social que assola o Brasil desde os primórdios dessa sociedade.

Assim, considerando o disposto anteriormente sobre a capacidade contributiva, esta deve ser analisada também sob a ótica da progressividade e a seletividade da cobrança do ICMS. Sobre a progressividade, Sabbag:

A progressividade traduz-se em técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá à medida que se majora a base de cálculo do gravame. O critério da progressividade diz com o aspecto quantitativo, desdobrando-se em duas modalidades: a progressividade fiscal e a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocardo “quanto mais se ganha, mais se paga”, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contempla o grau de “riqueza presumível do contribuinte”. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório. (SABBAG, 2016, p. 183)

Ocorre que, no Brasil, são progressivos apenas os impostos sobre a renda, o IPTU, o ITR e por entendimento jurisprudencial, o ITCMD (SABBAG, 2016). O ICMS, objeto desta pesquisa não se enquadra nessa modalidade técnica de aplicação da capacidade contributiva, sendo, por outro lado, alcançado pela seletividade.

O fenômeno da repercussão econômica, que faz com que o valor da tributação, por meio da dinâmica dos preços, seja transladado para o adquirente, obrigou a Constituição a buscar técnica adequada à concreção da capacidade contributiva em relação a estes tributos. Em se tratando dos impostos, são indiretos o Imposto sobre produtos industrializados e o Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços. Em ambos, faz-se necessária a adoção de técnica específica para se tributar diferentemente as diferentes manifestações de riqueza. Tal intuito é atingido mediante o emprego da seletividade.

Por força da seletividade, adotam-se alíquotas diferenciadas em função da essencialidade do objeto tributado. A seletividade orienta que produtos menos essenciais, isto é, produtos supérfluos em relação àquilo que se compreende como necessário para uma existência humana digna, sejam tributados com alíquotas maiores. Lado outro, produtos essenciais para a vida digna, artefatos de primeira necessidade, devem ser onerados com alíquotas mínimas ou desonerados de todo. A seletividade é necessária para que se possa capturar, ainda que imperfeitamente e com as limitações inerentes à espécie dos tributos indiretos, a capacidade contributiva do contribuinte de fato. A seletividade presta-se a desdobrar a capacidade contributiva, de modo a que se possa mensurar tanto a capacidade do contribuinte de fato quanto aquela do contribuinte de direito, motivo pelo qual nela se vislumbra um esforço no sentido de conceder subjetividade aos tributos reais (MOREIRA, 2019, p. 01).

Como exemplo real da aplicação desta técnica de aplicação da capacidade contributiva sobre o ICMS, ao julgar a inconstitucionalidade dos dispositivos do Código Tributário Estadual do Tocantins, o princípio da seletividade foi determinante. O voto do Ministro Fachin considerou o caráter indispensável e essencial da energia elétrica, de modo que, para adimplemento do imposto, não poderia ser atingido o mínimo existencial das pessoas, haja vista que as camadas menos favorecidas têm parte de sua renda comprometida com custeio de mercadorias e serviços indispensáveis ao mínimo de dignidade (STF, 2022).

3.4. Análise do Tema 145 da Repercussão Geral (RE 714.139)

Diante de toda a celeuma que envolve a cobrança do ICMS e a incidência dos princípios da capacidade contributiva e a seletividade sobre a energia elétrica, a matéria alcançou o Supremo Tribunal Federal em decorrência da grande repercussão que possui.

O assunto foi objeto do julgamento do Tema 145 da Repercussão Geral do STF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, referente à cobrança do ICMS praticada pelo Estado de Santa Catarina, na mesma alíquota praticada pelo Tocantins, até então.

Ao analisar o tema em discussão, João Rafael L. Gândara de Carvalho, assim se posiciona:

[…] a possibilidade de uma alíquota reduzida de ICMS – aquém do padrão – é perfeitamente compatível com a Constituição, na medida em que consagra, como muito bem colocado pelo ministro, uma conjugação do princípio da seletividade do ICMS com o princípio da capacidade contributiva.

Trata-se de uma concretização da eficácia positiva do princípio da seletividade pela lei que estabelece uma alíquota inferior à geral para o caso de consumo de energia elétrica em patamares mínimos, necessários ao atendimento às condições básicas para a dignidade humana. Nessa seara, até seria de se cogitar a imunidade tributária do mínimo existencial. Mas, essa é outra discussão bastante complexa, que foge ao escopo deste breve artigo.

O que está em jogo no RE 714.139, no entanto, é que essa eficácia positiva do princípio da seletividade não deveria servir como um salvo-conduto para que se deixe de observar a eficácia negativa do princípio da seletividade. Afinal, esta última, sim, é uma limitação constitucional imposta à política tributária, quando o legislador cria distinções e gradua o ICMS para além da alíquota geral, como reconhecido por ambos os votos proferidos até o momento. (CARVALHO, 2021, p. 01)

Vê-se, pois que o que se tem de maior relevância do Tema 145 é a redução do ICMS e do consumo de bens essenciais como uma questão de política fiscal de atendimento aos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da redução das desigualdades sociais, etc. (CARVALHO, 2021).

4. ANÁLISE CRÍTICA DA COBRANÇA PROGRESSIVA DO ICMS SOBRE O CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA

Tão relevante quanto o estudo teórico acerca da cobrança do ICMS sobre a energia elétrica no Estado do Tocantins, a legitimidade para fazê-lo e os seus instrumentos de igualdade, é a análise crítica acerca da progressividade dessa cobrança e seus impactos reais sobre a sociedade e o Estado, especialmente quanto às vantagens e desvantagens de sua aplicação.

4.1. Vantagens e desvantagens

Em tese, a cobrança progressiva do ICMS sobre o consumo de energia elétrica é reflexo da aplicação real dos princípios constitucionais da igualdade e dignidade humana e seus desdobramentos, haja vista ser um produto essencial ao cidadão para que sua vida tenha o mínimo de conforto.

Neste sentido, a aplicação da capacidade contributiva tem como vantagem tornar mais justa a cobrança do imposto, fazendo com que o Estado, através de seu sistema tributário, execute os mandamentos constitucionais de igualdade. Sobre o princípio:

Na condição de princípio fundamental do sistema tributário, a capacidade contributiva, em sua faceta objetiva, constrange o legislador infraconstitucional a eleger apenas manifestações de força econômica para compor a hipótese de incidência das normas tributárias. Em seu aspecto subjetivo obriga o legislador a considerar as características pessoais do contribuinte na conformação da base de cálculo. Relaciona-se, ainda, com a igualdade tributária, com a vedação de tributos com efeito de confisco, com a seletividade, pessoalidade, progressividade, generalidade e com a universalidade. A posição complexa deste princípio – norma multifacetada que possui ponto de contato com diversos outros princípios estruturantes do Sistema Tributário Nacional – tem desafiado também o Supremo Tribunal Federal, como o demonstra a fertilidade de sua jurisprudência sobre o tópico (MOREIRA, 2019, p. 01).

A outra possibilidade seria a aplicação progressiva da cobrança do ICMS, que não considera a realidade, mas parte de uma projeção de riqueza, violando significativamente os princípios constitucionais já analisados:

No caso em concreto, a substituição tributária progressiva estipula a obrigação de recolhimento do tributo antes da própria materialização do fato gerador, além de antecipar o pagamento e retirar do agente econômico importantes recursos que estariam melhor alocados no exercício da livre iniciativa. Desse modo, o artigo constata que a substituição tributária viola, também, os princípios da segurança jurídica, do não confisco, da tipicidade tributária, da capacidade contributiva e da não-cumulatividade. (SIMM e GONÇALVEZ, 2018, p. 58-59)

Por outro lado, a desvantagem consiste na dificuldade de aplicação da capacidade contributiva ao caso, haja vista ser o ICMS considerado um tributo indireto, não se amoldando facilmente à capacidade contributiva, o que leva à utilização de técnica específica de tributação, o que se dá mediante a seletividade.

Quer isto dizer que, apesar de ser facultativa no ICMS, ao adotar alíquotas diferenciadas, consequentemente se observará a seletividade. Ou seja: “o legislador é livre para fixar uma alíquota única do ICMS ou, alternativamente, para diferenciá-la. Todavia, feita a opção por mais de uma alíquota, o único critério válido para a distinção, à luz da Constituição, será o da seletividade”. (MOREIRA, 2019, p. 01).

Além de todas as questões legislativas que envolvem a cobrança dos impostos sobre o consumo de energia elétrica, não se pode esquecer dos impactos financeiros na arrecadação dos estados brasileiros, uma vez que, a diminuição de receita interfere diretamente no desempenho das atribuições do ente federativo.

Nesse sentido, tem-se destacado que o foco desmesurado na capacidade contributiva obscurece a avaliação de políticas públicas sob a perspectiva da redistribuição da riqueza, sobrepujando o problema mais global de como o Estado deve repartir os recursos. É que a capacidade contributiva encontra-se comprometida imediatamente com a distribuição das cargas tributárias – seja no aspecto objetivo da eleição da hipótese de incidência, seja no aspecto subjetivo da atribuição de diferentes alíquotas a diferentes manifestações de poder econômico e, por importantes que sejam à construção de um sistema tributário, as considerações de justiça na arrecadação são insuficientes para se determinar a justiça do sistema como um todo, porque este compreende também a dinâmica de gastos (MOREIRA, 2019, p. 01).

Sobre os efeitos da aplicação da progressividade e da capacidade contributiva na cobrança do imposto sobre a energia elétrica, a pesquisa passa a discorrer.

4.2. Impactos na arrecadação do Estado

Por se tratar de tributo incidente sobre a circulação de mercadorias e serviços, o ICMS representa uma grande parte da receita de um ente federativo, principalmente quando incidente sobre o fornecimento de combustível e energia elétrica, haja vista a relevância que tais produtos possuem na vida de toda a sociedade.

Os números do primeiro semestre do ano de 2022 demonstram a sua importância para a arrecadação:

Dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) mostram que, de janeiro a abril, os estados recolheram R$ 41,5 bilhões com o tributo, que corresponde a uma média de 18% da arrecadação total de ICMS.

A variação está bem acima da inflação, mesmo com as alíquotas do ICMS sobre os combustíveis congeladas desde novembro.

Já o imposto cobrado sobre a energia elétrica gerou, até agora, receita de R$ 23,9 bilhões, um aumento de 12,92% na comparação com o mesmo período de 2021.

Somada a combustíveis, a arrecadação total chega a R$ 65,4 bilhões (MARTINI, 2022, p. 01).

Com a fixação do teto do ICMS em 18% (dezoito por cento), o impacto na arrecadação pode chegar a perda de 70 bilhões de reais dos cofres públicos de estados e municípios. Segundo o especialista Murilo Viana, no Estado do Tocantins, por exemplo, o ICMS do combustível representa cerca de 30% dos tributos estaduais (MARTINI, 2022).

Tratando especificamente do Tocantins, ao considerar que a alteração legal é recente, ainda não é possível apontar o impacto real na arrecadação, no entanto, tem-se atualmente que “as perdas com arrecadação serão repostas pelo governo federal, o que vai permitir ao Estado do Tocantins manter a saúde financeira junto às contas públicas. ” (OBEID, 2022, p. 01)

4.3. Efeitos na sociedade

Ao contrário do que se dá com a arrecadação estatal, em relação à população, é possível apontar de imediato os efeitos vivenciados no cotidiano da sociedade atingida pela diminuição da cobrança do ICMS sobre energia elétrica, uma vez que impacta diretamente o orçamento familiar, posto que, com a queda do tributo, menor a despesa dessa natureza.

Destaca-se a essencialidade da energia elétrica para o dia a dia das famílias e dos indivíduos, sem a qual, é impossível a conservação de boa parte dos alimentos; iluminar as residências durante a noite; bem como acessar os meios de comunicação e informação e, não menos importante, a produção e manutenção do comércio com bens e serviços a toda a coletividade (GUIMARÃES, 2017).

O alto preço das alíquotas reflete em todas essas situações, e em inúmeras outras circunstancias em que o fornecimento da energia elétrica é indispensável.

De acordo com o Governo Federal, a aprovação legal do limite para alíquotas de ICMS cria condições de redução das faturas dos consumidores referentes à energia elétrica e outros bens e serviços essenciais, dentre os quais o combustível, o gás natural, etc.

Os brasileiros dos 26 estados e do Distrito Federal já podem sentir os efeitos da redução dos valores dos combustíveis e, em breve, da energia, do gás natural e dos serviços de telecomunicação e de transporte coletivo. A redução é resultante da aprovação da Lei Complementar nº 194/2022, que estabeleceu o limite de 18% para alíquotas de ICMS, que é um imposto estadual. O objetivo da lei é conter a inflação e manter o ritmo da retomada do crescimento econômico no País. […] Antes da sanção da lei, a maior parte dos estados brasileiros cobravam alíquotas de ICMS nas faturas que variavam entre 25% e 30%. Para exemplificar os efeitos dessa medida, no Rio de Janeiro onde o consumo mensal passa de 300 kWh, a redução será de 13% na fatura de energia elétrica. Em Minas Gerais, a redução média será de 16%. Já no estado de São Paulo, poderá chegar a 9%. […] Estima-se uma redução potencial de até 19% nas faturas de energia elétrica, em relação aos valores de abril de 2022. (GOV.BR, 2022)

Segundo informações divulgadas pelo Ministério de Minas e Energia do Brasil, em tabela que apresenta o efeito em cada estado brasileiro; no Tocantins, a mudança resulta em uma variação final de 19,4 % (dezenove virgula quatro por cento) (MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, 2022).

Em que pese o efeito a curto prazo seja a redução dos preços ao consumidor; “no futuro, no entanto, a diminuição da arrecadação dos estados pode gerar problemas para esferas que dependem das contas públicas, como serviços em educação e saúde” (YAZBEK e NASSIF, 2020).

5. CONCLUSÃO

Em um Estado Democrático de Direito não é admissível que a cobrança de tributos seja responsável pela supressão de serviços e bens indispensáveis à digna sobrevivência dos cidadãos e suas famílias. Em razão disso, o ordenamento tributário nacional está fundamentado em princípios que visam manter a justiça no tocante à cobrança de impostos, taxas e contribuições.

Com a indiscutível essencialidade do fornecimento de energia elétrica para a garantia da dignidade humana de toda a população brasileira, resta a necessidade de analisar a legalidade da cobrança de tributos sobre o consumo e circulação desse bem e serviço presente em toda a coletividade.

Resultado das análises do direito tributário constitucional, a aplicação dos princípios fundamentais da igualdade e da capacidade contributiva acerca da cobrança do ICMS sobre a energia elétrica se apresenta como o instrumento capaz de tornar efetiva a isonomia pretendida.

Ocorre que, na prática, por se tratar de espécie tributária indireta, o ICMS sobre a energia elétrica é analisado também sob a ótica da cobrança progressiva e seletiva, em razão das especificidades desse imposto estadual.

Os estudos sobre a cobrança do ICMS sobre a energia elétrica desencadearam a interposição de demandas em busca da redução das alíquotas praticadas em vários estados brasileiros. O resultado obtido se observa nas recentes alterações legislativas estaduais, resultado principalmente dos posicionamentos jurisprudenciais dos tribunais superiores, com destaque para o Tema 145 da Repercussão Geral (RE 714.139).

Hoje em dia, o teto nacional para cobrança do imposto analisado consiste no percentual de 18% (dezoito por cento), alterando o que anteriormente se tinha. A título de exemplo, no Estado do Tocantins, a alíquota que era de 27% sofreu redução, impactando a arrecadação estadual de forma significativa.

Em que pese, em um primeiro momento, se tenha como efeito imediato a redução das despesas nos lares tocantinenses, ainda não é possível apresentar o resultado efetivo dessa alteração tributária e todo o impacto que será constatado na receita estadual, especialmente no tocante ao custeio de todas as despesas estatais. Sendo assim, a análise do tema de forma conclusiva depende de complementação da pesquisa científica, mediante a exposição de dados oficiais e comparações estatísticas acerca da arrecadação, mas isso é assunto para outro estudo.

Por hora, o que se tem é o alívio nas contas familiares, aproximando-se do que determina o princípio da capacidade contributiva, através da diminuição da alíquota sobre o fornecimento de energia elétrica no Tocantins, mantendo-se as condições para custeio de bem essencial à dignidade humana do contribuinte.

6. REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei Complementarnº 194, de23 dejunhode2022. Altera a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), para considerar bens e serviços essenciais os relativos aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo, e as Leis Complementares nºs 192, de 11 de março de 2022, e 159, de 19 de maio de 2017. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp194.htm>. Acesso em 22 abr. 2023.

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1 Acadêmico Pesquisador da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – Unitins.
E-mail: marcoshumberto@unitins.br

2 Professora de Direito Tributário da Universidade do Tocantins do Curso de Direito do campus de Palmas. Coautora do presente artigo.
E- mail: fernandamatos1@hotmail.com