VIOLÊNCIA NA ESCOLA: O PODER JUDICIÁRIO E A CORRESPONSABILIDADE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8370809


Aucileny Maria dos Santos¹
Everson Lucena²


RESUMO

O presente artigo consiste em proceder a uma reflexão e analise do enfrentamento da violência escolar, traz o conceito de violência, de modo geral, as consequências dessa violência para a comunidade escolar e a importância da corresponsabilidade. Apresenta-se, ainda, uma ponderação sobre a contribuição da família e da comunidade como um todo (escolas, tribunais e sociedade) na minimização deste tipo de violência.

Palavras-chaves: Violência Escolar; Corresponsabilidade; Justiça

ABSTRACT

This article consists of a reflection and analysis of the confrontation of school violence, brings the concept of violence, in general, the consequences of this violence for the school community and the importance of co-responsibility. It is also presented a consideration of the contribution of the family and the community as a whole (schools, courts and society) in minimizing this type of violence.

Key words: School Violence; Co-responsibility; Justice

1. INTRODUÇÃO

É cada vez mais frequente a busca do Judiciário para solucionar diversos conflitos.

Para além disso, fala-se muito em reforma do Judiciário, registre-se que a verdadeira reforma é a busca de uma justiça cidadã.  E como o Judiciário não tem resposta para tudo, necessário se faz conhecer as diferenças sociais, (re)aprendendo e (re)ensinando.  Já que a educação como fenômeno sócio-histórico-cultural, pode acontecer em qualquer lugar e momento. Assim, urge que todos (Escola, Poder Executivo, Poder Judiciário, Poder Legislativo, Sociedade) tenham corresponsabilidades, procurando minimizar ao máximo os efeitos da violência na escola.

Registre-se que o Brasil é um país com uma grande diversidade étnica. Uma nação multi/pluricultural desde o período colonial (miscigenação de etnias europeias e africanas, com as populações indígenas que já habitavam este território), e que como integrante da sociedade o Judiciário não pode ficar inerte, bem como, não pode, sempre, esperar ser acionado.

Educação é um direito constitucional, garantido a cada cidadão brasileiro, e isso é de conhecimento público. A Constituição Federal registra em seu art.205: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

A imprensa, principalmente, pós pandemia, tem vinculado notícias sobre agressões de alunos a professores e de alunos a alunos em escolas, sem, contudo, ouvir todos os envolvidos da comunidade escolar.

A violência escolar é uma questão muito séria e complexa e merece um olhar cuidadoso e responsável.

Antes de qualquer coisa, acredita-se na importância de ressaltar que a responsabilidade compartilhada é essencial para a realização de uma gestão eficiente em qualquer que seja a problematização.

Segundo Saviani (1984), a escola é um espaço aberto e tem como principal papel desenvolver a problemática social, a cultura e a etnia da comunidade estudantil. 

Ainda, segundo Saviani (2011):

A educação é um fenômeno próprio dos seres humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o processo de trabalho, bem como   é, ela própria, um processo de trabalho.

2. CONCEITO DE VIOLÊNCIA

Antes de compreender o significado de violência escolar, vamos entender o conceito de violência.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002) a violência é o “uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações”.

Pode-se registrar ser a violência uma questão social e, portanto, não é objeto próprio de nenhum setor específico. Segundo Minayo (2006):

É bem verdade que as expressões da violência que ocorrem hoje no Brasil são muito mais complexas, não se limitam à questão dos crimes que ocorrem nas áreas pobres das grandes cidades. No entanto, é sobre as condições e as circunstâncias da escassez de oportunidades e perspectivas – principalmente no caso da juventude bombardeada pelos apelos de consumo e pela falta de reconhecimento e de chances sociais – que se constroem as taxas de criminalidade e as consequências da violência, particularmente, nas regiões metropolitanas.

3. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA

A escola consiste num espaço de formação intelectual e cidadã e, como tal, espera-se que esta seja um lugar de proteção e segurança, contudo, o atual cenário brasileiro evidencia outra realidade. 

Observa-se, que a violência está na sociedade e não apenas na escola, que a reproduz.

A violência escolar diz respeito a todos os comportamentos agressivos e antissociais, incluindo os conflitos interpessoais, danos ao patrimônio e atos criminosos ocorridos no ambiente escolar. Registre-se que muitas dessas situações dependem de fatores externos, cujas intervenções podem estar além da competência e capacidade das entidades de ensino e de seus integrantes. Assim, a violência, tão presente no meio escolar, ainda hoje, tende a prejudicar os vínculos existentes entre os jovens, tornando-os apáticos à existência dos próximos e excluídos do meio em que vivem. A violência geralmente ocorre quando não existe espaço para a escuta ou a palavra ou quando não existem meios de canalizar a agressividade, resultando em conflito mal administrado (Lopes Neto, 2005; Sales, 2004).

Fante (2003, 2005) aponta que a violência escolar nas últimas décadas adquiriu crescente dimensão em todas as sociedades. É uma questão preocupante, considerando a grande incidência de sua manifestação em todos os níveis de escolaridade.

Carreira (2005), em sua dissertação de mestrado, salienta que a expressão da violência possui raízes profundas que vão além das aparências e de tudo aquilo que é palpável e visível aos nossos olhos. “É preciso que gestores educacionais e profissionais da área educacional tomem consciência da importância de se estudar o tema, suas implicações, características, conceitos e expressões, livres de preconceito, alarmismos ou redundantes retóricas” (p. 16).

A consequência da violência escolar tem influência sob todos, visto que tem se instalado de diversas formas, afetando a qualidade de vida tanto pessoal como social, ocasionando males a saúde física e psicológica.  

Para além disso, considerando que o que se passa no ambiente escolar, em grande parte, é reflexo das vivências familiares ou do ambiente socioeconômico em que se encontram, tem-se que analisar/pesquisar as muitas violências que ocorrem no cotidiano da escola, quer as institucionais, quer as interpessoais, quer as físicas, e, especificamente, as psicológicas.

São os professores que tem uma rotina puxada, e, muitas vezes, atuam sem as condições de trabalho adequadas, que garantam tempo e espaço para se dedicar à complexidade educacional, alguns, não são autoridades legitimadas pelos alunos. Assim, como alunos   com distúrbios comportamentais.  E, pais, alguns, não participativos.

A violência nas escolas, é um tema difícil, e que deve ser analisada com a seriedade necessária. E, corresponde ao uso da força e/ou agressividade dentro do contexto/ambiente escolar e pode se manifestar, também, na sociedade, como reflexo.

As consequências e as estratégias destas ações de combate a violência têm efeitos em todos os envolvidos, alunos, professores, diretores, coordenadores, supervisores, etc.

4. ESTRATÉGIAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA ESCOLAR/CORRESPONSABILIDADE

Para além disso, corroborando com o pensamento da corresponsabilidade, os casos de violência escolar devam ser tratados por uma rede de proteção social, a fim de adotar a medida mais adequada, formada por: professores/educadores da escola, psicólogos, assistentes sociais, policiais, Ministério Público e Poder Judiciário, ou seja, por todos que compõem a sociedade.

Registre-se que o Ministério da Educação (MEC) propôs a criação de um grupo interministerial para tratar de ataques nas instituições de ensino, após o caso do estudante de 13 anos que matou uma professora a facadas em São Paulo e feriu mais quatro pessoas (caso amplamente divulgado nas mídias).

Segundo o ministro da educação, Camilo Santana,a proposta da criação desse grupo tem como objetivo elaborar um programa de combate à violência e terá a participação dos municípios e das unidades da Federação.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi iniciado no mês de março, um diálogo com escolas e comunidade para o incentivo de práticas não violentas. Projeto estratégico e social STJ nas Escolas: Círculo de Apoio à Educação, de iniciativa da Secretaria de Serviços Integrados de Saúde (SIS), realizado pela Comissão da Primeira Infância do Tribunal, subgrupo do programa Humaniza STJ,cujo objetivo da iniciativa é incentivar práticas respeitosas e não violentas de educação a professores de escolas públicas e à comunidade.

É imprescindível a aproximação da família com a escola neste processo de minimização da violência, uma vez que a formação de valores tem origem e se consolida verdadeiramente na família. Segundo Candau (1999, p.35):

A família pode contribuir para aumentar ou minimizar os efeitos da violência com os filhos. Pois se os pais forem participativos e preocupados podem diminuir a violência, mas se forem do tipo que não ligam para ajudar seus filhos tudo pode está perdido, a violência voltará a prevalecer na rua e na escola

Compreende-se com isso que as intervenções e planos de superação da violência nas escolas devem ter como ponto de partida o reconhecimento do fenômeno e o diálogo, uma vez que:

[…] uma ação de estado sozinha não pode combater a violência escolar; tal feito requer a participação efetiva de toda a comunidade escolar e da sociedade, mas cabe aos poderes públicos articular as contribuições, realizar os estudos e formular políticas públicas para atuar no caso da inexistência de prática educativa. Assim se existirem práticas educativas eficazes que oportunize melhorar o respeito humano, o resgate dos valores e como resultado e também, a diminuição da violência, a política pública seria um apoio à instituição escolar (PRIOTTO, 2008, p. 11140).

As políticas e programas devem propiciar a construção coletiva das ações incentivando relações sociais mais democráticas mediadas pelo respeito e pelo diálogo, somente desta forma será possível a estruturação de intervenções que sejam realmente significativas e impactantes.

É preciso questionar o papel da Justiça, do Estado e da sociedade na garantia do direito fundamental à educação, bem como da prevenção dos diversos problemas, que o tema engloba. E, nesse cenário, especificamente, como consequência, da problematização da violência, discutir os limites para a atuação de todos os envolvidos.

Foi pensando nesse contexto (de violência) que o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu reforçar a atuação do Judiciário no contexto escolar, aprovando a inclusão do CNJ como um fomentador de programas e ações de Justiça Restaurativa nesses ambientes, em parceria com os tribunais, a comunidade e as redes de garantia de direitos locais.

Para além disso é interessante registrar que o CNJ (Resolução nº 400/2021), com base na Agenda 2030 (Plano global para em 2030, atingirmos um mundo melhor), esta que contempla os objetivos do Desenvolvimento Sustentável – econômica, social, ambiental e institucional – de forma integrada, indivisível e transversal para o atingimento das metas associadas.

Segundo esta Resolução, no artigo 3º, I – ações de sustentabilidade, consiste em práticas institucionais que tenham como objetivo a promoção de comportamento éticos e que contribuam para o desenvolvimento ambiental, social, cultural e econômico, melhorando, simultaneamente, o meio ambiente e a qualidade de vidas do quadro de pessoal e auxiliar do Poder Judiciário, da Comunidade local e da sociedade como um todo.

Evidencia-se que, o foco desta agenda seria sensibilizar as pessoas, as empresas, os governos e as nações para a necessidade de uma mudança, alegando:

  • acabar com a pobreza;
  • acabar com a violência em suas diversas dimensões;
  • a proteção do meio ambiente;
  • garantir que todos possam ter o direito assegurado de paz e prosperidade.

Ao todo, na Agenda 2030 foram estabelecidos 17 Objetivos pela Organização das Nações Unidas (ONU):

ODS 1 – Erradicação da pobreza: acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.

ODS 2 – Fome zero e agricultura sustentável: acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável.

ODS 3 – Saúde e bem-estar: assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.

ODS 4 – Educação de qualidade: assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

ODS 5 – Igualdade de gênero: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.

ODS 6 – Água potável e saneamento: garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos.

ODS 7 – Energia limpa e acessível: garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos.

ODS 8 – Trabalho decente e crescimento econômico: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos.

ODS 9 – Indústria, inovação e infraestrutura: construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação.

ODS 10 – Redução das desigualdades: reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles.

ODS 11 – Cidades e comunidades sustentáveis: tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

ODS 12 – Consumo e produção responsáveis: assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.

ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima: tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos.

ODS 14 – Vida na água: conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.

ODS 15 – Vida terrestre: proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da Terra e deter a perda da biodiversidade.

ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

ODS 17 – Parcerias e meios de implementação: fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”.

A sociedade necessita perceber que a justiça não consiste apenas na rotina de julgamentos. É o que se pode deduzir do ODS 16. Necessário também destacar que esses objetivos estão interligados (não há justiça sem educação, e com a pobreza, a fome, a saúde, entre outras, tão patentes).

O Poder Judiciário, de um modo geral, tem ampliado suas ações, seus programas de inclusão social, difundindo cada vez mais os ideais da justiça, ainda, que pareça incipientes.

Como a nova realidade da violência no mundo e no Brasil, podemos dizer que o papel da Justiça tem se ampliado, de forma expressiva. 

O sistema educacional no contexto globalizado em que vivemos continua sendo pauta de inúmeras reflexões.  Tendo como objetivo maior a formação de pessoas com habilidade e competência para a realidade social e de trabalho.

Necessário se faz debater estratégias para cessar essa onda de violência, para que a escola possa de fato cumprir o papel de ambiente socializador e de inclusão, onde as diferenças possam ser respeitadas.

Para além disso, é primordial orquestrar ações que auxilie e oriente os estudantes a lidar com as próprias emoções, com as dificuldades, respeitando e convivendo com as diferenças, socializando, dividindo e compartilhando vivências para que possam se relacionar de forma mais saudável, sem agressividade com inclusão. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência escolar sem sombras de dúvida constitui um fenômeno histórico e social, muito complexo. Exige uma perspectiva interdisciplinar entre as diversas áreas do conhecimento de modo a abarcar a sua amplitude, mensurar seus impactos e construir estratégias de intervenção, por isso é imprescindível a corresponsabilidade, pois, sem dar atenção às questões que perpassam o cotidiano escolar, o “surto” de violências será, continuamente, aumentado.

Salientando que, como o fenômeno da violência é multifacetado, todos os setores da sociedade precisam se envolver, e, parcerias e ações conjuntas são primordiais.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARREIRA, D. B. X. Violência nas escolas: qual é o papel da gestão? Dissertação de Mestrado, Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF.2005.

FANTE, C. A. Z. Fenômeno bullying: estratégias de intervenção e prevenção entre escolares (uma proposta de educar para a paz) São José do Rio Preto, SP: Ativa. 2003.

FANTE, C. A. Z. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz Campinas, SP: Versus Editora.2005.

LOPES NETO, A. A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, 81(5), 164-172. 2005.

MINAYO, M.C.S. Um olhar sobre a violência social brasileira. In: Violência e saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006. Temas em Saúde collection, pp. 31-36. ISBN 978-85-7541-380-7. Available from SciELO Books.

Organização Mundial da Saúde (OMS) – Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde. Genebra; OMS; 2002, 357 p. Livrotab, graf.

Organização das Nações Unidas (ONU). Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Nova York: Organização das Nações Unidas, 2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-
content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf . Acesso em 29 de março de 2022.

PRIOTTO, E. P. Características da violência escolar envolvendo
adolescentes. In: EDUCERE. Congresso de Educação da PUCPR, 6,
2006. Curitiba. Anais… Curitiba: Champagnat, 2006. p 16-28

PRIOTT0, E.P. Violência escolar: políticas públicas e práticas educativas. 2008. 200 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, Curitiba, 2008.

SALES, L. M. M.  Justiça e mediação de conflitos Belo Horizonte: Del Rey.2004.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11 ed. Campinas- SP: Autores Associados, 2011.


¹Mestranda do Programa de Pós-graduação em  Ciências da Educação pela   Veni Creator Christian University – United States -EUA.
²Docente do programa de Pós-graduação em Ciências da Educação pela Veni Creator Christian University – United States – EUA.