REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6613788
Autores:
José Isaque Paula Pirett
Victor Hugo Sandoval Sousa
RESUMO
Este artigo faz um estudo bibliográfico acerca da vivência da mulher em uma sociedade e sistema machista que propaga todas as formas de violências contra as mulheres, sendo priorizado a violência sexual e moral, bem como, o relacionamento abusivo e como isso pode causar efeitos na saúde mental das mulheres. São discutidos temas de como a violência sexual é propagada na sociedade, tornando-se um fenômeno causador de uma cultura de estupro, que silencia e culpabiliza a vítima da agressão sexual sofrida, tal como, os direitos das mulheres que são negligenciados pela violência sexual e os dispositivos legais que são presente no ordenamento jurídico brasileiro que objetiva proteção à dignidade sexual, por fim, uma breve síntese de como a violência sexual afeta a saúde mental da mulher e contribui para o aparecimento de distúrbios e o impacto da violência moral e de um relacionamento abusivo na vida da mulher.
Palavras-chave: Violência sexual; Saúde mental; Estupro.
ABSTRACT
This article makes a bibliographic study about the experience of women in a sexist society and system that propagates all forms of violence against women, prioritizing sexual and moral violence, as well as, the abusive relationship and how it can cause effects on health mental health of women. Themes of how sexual violence is propagated in society are discussed, becoming a phenomenon that causes a culture of rape, which silences and blames the victim of the sexual assault suffered, such as the rigths of women who are neglected by sexual violence and the legal provisions that are present in the Brazilian legal system that aims to protect sexual dignity, finally, a brief summary of how sexual violence affects mental health and contributes to the appearance of disorders and the impact of moral violence and a abusive relationship in the woman’s life.
Keywords: Sexual violence; Mental health; Rape.
1. INTRODUÇÃO
1.1 Qual o impacto da violência sexual na saúde mental da mulher?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência sexual como “todo ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou insinuações sexuais indesejadas; ou ações para comercializar ou usar de qualquer outro modo a sexualidade de uma pessoa por meio da coerção por outra pessoa, independentemente da relação desta com a vítima, em qualquer âmbito, incluindo o lar e o local de trabalho”. Segundo as Nações Unidas, a coerção pode ocorrer de diversas formas e por meio de diferentes graus de força, intimidação psicológica, extorsão e ameaças. A violência sexual também pode acontecer caso a pessoa não esteja em condições de dar seu consentimento, por estar sob efeito do álcool e outras drogas, dormindo ou mentalmente incapacitada. A violência sexual abrange o estupro dentro de um relacionamento, por pessoas desconhecidas ou até mesmo conhecidas; tentativas sexuais indesejadas ou assédio sexual, que podem acontecer na escola, no local de trabalho e em outros ambientes; Abuso de pessoas com incapacidades físicas ou mentais; estupro e abuso sexual de crianças; formas “tradicionais” de violência sexual, como casamento ou coabitação forçada; e outras formas de violência, como a fertilização forçada, comuns em situações de conflito armado.
Infelizmente, a ocorrência de casos de violência sexual contra a mulher são subnotificados. Dentre as razões pelas quais as mulheres não denunciam a violência sexual estão a falta de apoio, vergonha, medo de represálias, sentimento de culpa, temor de serem maltratadas ou marginalizadas socialmente, e receio de que duvidem ou não acreditem nela.
As consequências da violência sexual para a saúde podem ser comportamentais, sociais e de saúde mental, podendo resultar em abortos inseguros, suicídio, ou até mesmo, em morte cometida pelo agressor. Dentre outras, estão a gravidez não planejada; disfunção sexual; infecções sexualmente transmissíveis (IST’s/DST’s), incluindo HIV; depressão; estresse pós-traumático; ansiedade; dificuldade para dormir; transtorno de pânico, entre outros. Desta forma, os melhores métodos para enfrentar a violência sexual, situação tão corriqueira em nosso país, requer a cooperação de vários setores, como saúde, ampliando as políticas públicas, educação, assistência social e justiça criminal. A saúde pública enfatiza a prevenção e busca ampliar a atenção e a segurança a toda a população, para garantir que as vítimas de violência tenham apoio e acesso a serviços adequados.
1.2 Violência Sexual
De acordo com o entendimento da Organização Mundial de Saúde, a noção de violência sexual deve ser entendida como:
Qualquer ato sexual, tentativa de obter um ato sexual, comentários ou investidas sexuais indesejadas, ou atos direcionados ao tráfico sexual ou, de alguma forma, voltados contra a sexualidade de uma pessoa usando a coação, praticados por qualquer pessoa independentemente de sua relação com a vítima, em qualquer cenário, inclusive em casa e no trabalho, mas não limitado a eles. (OMS, 2002).
Isso permite inferir que a abrangência da discussão sobre violência de gênero envolve toda a sociedade civil e tem no Estado a instituição que deve implementar políticas públicas de prevenção e repressão à violência sexual.
Dessa maneira, no âmbito das relações horizontais entre os indivíduos, a partir da compreensão da OMS, a violência sexual é caracterizada por qualquer ato sexual dirigido contra alguém sem o seu consentimento, sendo o sujeito ativo qualquer pessoa, que utilize de coerção, ameaça, chantagem e uso de influência ou poder para violar a sexualidade de uma pessoa, independentemente se já possui uma relação de afeto com a vítima.
Dentro desse contexto, de forma mais específica, pode-se observar que a violência sexual inclui:
O estupro dentro do casamento ou namoro; estupro cometido por desconhecidos; estupro sistemático durante conflito armado; tentativas sexuais indesejadas ou assédio sexual, inclusive exigência de sexo como pagamento de favores; abuso sexual de crianças; aborto forçado; prostituição forçada e tráficos de pessoas com fins de exploração sexual; negação do direito de usar métodos anticoncepcionais e atos violentos contra a integridade sexual das mulheres, inclusive mutilação genital feminina e exames obrigatórios de virgindade (OMS, 2002.)
Como foi mencionado no parágrafo anterior, são vários atos que qualificam uma violência sexual, e infelizmente, são comuns na vida das mulheres. Dentro dessas práticas estão o estupro, assédio sexual, importunação sexual e exploração sexual, todos tipificados no Código Penal brasileiro, Título VI- Dos crimes contra a dignidade sexual. O estupro, é a conduta mais grave da violência sexual, tipificado pelo artigo 213 do Código Penal, e consiste no constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar outros atos libidinosos, sendo agravado quando a vítima é menor de 14 anos, considerado estupro de vulnerável, qualificado no artigo 217-A do Código Penal.
O assédio sexual, previsto no artigo 216-A do Código Penal, com a conduta de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Em uma pesquisa realizada pela Organização Think Eva e LinkedIn, no início de 2020 e com 414 participações, colheram dados que 47,12% das participantes já foram vítimas de assédio sexual em algum momento. A pesquisa viabiliza que a cultura do assédio é presente na vida das mulheres, gerando diversas sequelas, principalmente o silêncio das vítimas, visto que, regularmente a responsabilidade e as consequências recaem para a mulher.
A importunação sexual, é um tipo penal recente previsto no artigo 215-A do Código Penal, sendo a prática contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Sendo bem rotineiro a conduta de certos indivíduos em ambientes públicos, que tocam, friccionam ou ejaculam no corpo de outras pessoas, em especial de mulheres, o objeto desse crime é proteger a liberdade sexual, assegurando à mulher o direito de não ser importunada, de modo que ofenda sua dignidade sexual.
A exploração sexual, tipificada no artigo 228 do Código Penal, consiste em induzir ou atrair alguém à prostituição ou de outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone, as formas mais comuns da exploração sexual no Brasil são o tráfico de pessoas e o turismo sexual, ocorrendo, principalmente com as crianças e adolescentes, em um levantamento realizado pelo “Out of the Shadows Index”, sobre como os países estão respondendo à ameaça da exploração sexual envolvendo crianças e adolescentes, o Brasil ocupou a 13ª posição, com 62,9 de pontuação.
Com efeito, nota-se que a violência sexual é um ciclo na vivência da mulher em sociedade, ocorrendo de diversas formas e rebaixando na como um mero objeto, retirando a liberdade sexual e o direito de escolha. No Brasil isso se torna ainda mais preocupante, visto que a presença do machismo e a soberania patriarcal é excepcional em todas as esferas de convivência, incluindo setores políticos.
Em decorrência disso, os dados sobre a violência sexual são alarmantes, principalmente quando se trata do estupro, de acordo com materiais coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado em 2015, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil, mostrando a naturalização do abuso sexual no país e criando uma cultura do estupro na sociedade.
Em que pese, antes de falar sobre uma cultura do estupro, se faz necessário explicar o que seria uma cultura, que no entendimento de Carmem Hein, Lia Zanotta, Jordana Klein e Alexandra dos Reis:
O termo “cultura”, no seu uso costumeiro, tem uma dupla perspectiva: a de apontar a diversidade de valores que envolvem as relações sociais nas mais distintas sociedades, e a de reificar, endurecer e enrijecer o entendimento da dinâmica das relações sociais. Essa segunda acepção pode levar a entender, equivocadamente, que, em cada sociedade, todos acreditam igualmente nos mesmos valores, todos têm a mesma posição e não há conflitos nem mudanças. Valores culturais são dinâmicos, uns de longa duração, outros de curta duração e as relações dos sujeitos com o vasto repertório simbólico dependem de suas posições nas relações de poder. (HEIN et al, 2017)
Assim, a cultura do estupro é uma ideia do movimento feminista desenvolvida pelas norte-americanas nos anos de 1970, que faz ligação do estupro com o machismo estrutural que permeiam a sociedade civil, fazendo corriqueiro a inferioridade feminina em todos os âmbitos de suas vivências e criando uma culpabilização da mulher vítima de abuso sexual (HEIN et al, 2017).
Todavia, essa culpabilização da mulher no crime de estupro é uma construção cultural histórica, visto que anteriormente da Lei 12.015/2009, eram imprescritíveis o recato e a moralidade sexual da mulher em situação de violência sexual, ou seja, se não houvesse essas qualidades era errôneo colocar a mulher em status de vítima (SOMMACAL, 2016).
Outrossim, mesmo com essas modificações, nota-se ainda uma exigência de um padrão moral sexual da mulher, desde o preconceito sofrido na sociedade até ao julgamento do delito, que é muito impregnado pela defesa contrária o endeusamento da mulher honesta e que as vestes, relações pessoais e a liberdade sexual são colocadas como pautas para deslegitimar a palavra da vítima, levantando uma idealização de que as mulheres que fogem do recato têm culpa por terem sido abusadas (SOMMACAL, 2016).
No tocante a isso, a violência contra a mulher vai além do ato, sendo que, a vida da vítima será exposta e os preconceitos vão aparecer junto com críticas a sua moralidade sexual, que será colocada como tabu para justificar o ocorrido, a título de exemplo, uma mulher sendo profissional do sexo e vítima de violência sexual não terá o mesmo apoio da sociedade como uma mulher com os ditames de recatada.
Nesse âmbito, nas relações sociais de uma sociedade patriarcal é criado a cultura do estupro, porque estimula e impulsiona o julgamento da vítima do abuso sexual e dissemina o machismo estrutural, normalizando os comportamentos agressivos dos homens e criando um sistema que propaga a violência sexual contra a mulher.
Com efeito, constata-se que o abuso sexual é um acontecimento de origem histórico-cultural, impetrado pela violência de gênero que é vivida desde os tempos primórdios, resultando em uma agressão simbólica (SOMMACAL, 2016).
1.3 Violência sexual à luz do direito brasileiro
Como visto no tópico anterior, a violência sexual é um fenômeno que assombra a vida das mulheres na sociedade, porém de forma significativa as negras e jovens se tornam as mais vitimadas, evidenciando que a violência contra a mulher não é homogênea e persiste com mais intensidade nas mulheres negras, jovens, periféricas, com grau baixo de escolaridade e menor acesso aos seus direitos e serviços públicos.
Além do mais, se faz presente na vida das mulheres negras e periféricas a dificuldade no ingresso aos programas de combate à violência de gênero, seja pelo descaso público ou medo de retaliação do agressor, salientando o silenciamento das mulheres em grupos mais vulneráveis e a impunidade dos agressores.
Assim, permite inferir que essa crueldade que assola a vida das mulheres, se faz ainda mais pertinente quando analisado juntamente com o aspecto racial e socioeconômico da vítima, causando uma mitigação na dignidade da pessoa humana da mulher em sociedade, principalmente daquelas que completam os grupos mais vulneráveis.
A dignidade da pessoa humana, foi inserida em vários ordenamentos jurídicos e documentos internacionais após a Segunda Guerra Mundial, entre eles a Carta da ONU e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (BARROSO, 2010). No Brasil, foi incorporada com a Constituição Federal de 1988, no Título I- Dos Princípios Fundamentais, sendo um parâmetro para os direitos fundamentais.
Na compreensão do Luís Roberto Barroso:
Em verdade, dignidade humana e direitos humanos são duas faces de uma só moeda, ou, na imagem corrente, as duas faces de Jano: uma, voltada para a filosofia, expressa os valores morais que singularizam todas as pessoas, tornando-as merecedoras de igual respeito e consideração; a outra, voltada para o Direito, traduz posições jurídicas titularizadas pelos indivíduos, tuteladas por normas coercitivas e pela atuação judicial. Em suma: a moral sob a forma de Direito (BARROSO, 2010).
Seguindo ainda o pensamento de Barroso (2010), a dignidade da pessoa humana demanda a inviolabilidade a integridade física, moral, psíqua e a capacidade de autodeterminação. À vista disso, a mulher vitimada pela violência sexual tem a sua dignidade abalada quando a sua autonomia pelo próprio corpo é violada pelo abusador.
Cabe salientar, que os direitos que asseguram a dignidade da mulher em sociedade são recentes, visto que o histórico das disposições normativas tratava a mulher como um mero objeto, especificamente o Código Civil de 1916, no qual as mulheres casadas eram consideradas como relativamente incapazes (SOMMACAL, 2016).
A mudança no tratamento da legislação brasileira com à mulher aconteceu de forma lenta e com muita luta feminista. Apenas com o advento da Constituição Federal de 1988, que as mulheres alcançaram sua plena autonomia, importante frisar, que uma das maiores modificações que a Constituição estabeleceu foi a criação de mecanismos para impedir a violência no âmbito familiar (SOMMACAL, 2016).
Entretanto, mesmo após a promulgação da Constituição de 1988, se fez necessário continuar lutando para a garantia de direitos. À luz disso, foi introduzido no ordenamento jurídico a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), com o objetivo de coibir a violência doméstica e a implantação da Lei 12.015/2009, que modificou a redação do artigo 213 do Código Penal, compreendendo uma maior gama de atos como abusos sexuais, criminalizando não somente a conjunção carnal e substituindo a expressão mulher pela palavra alguém no polo passivo, com essa mudança os homens também passam a ser vítimas de atos contra sua dignidade sexual (SOMMACAL, 2016).
Além do principio constitucional da dignidade da pessoa humana, a violação do corpo da mulher também destitui sua dignidade sexual, sendo um direito assegurado pelo Título VI do Código Penal, que apresenta as devidas punições para os crimes de estupro, estupro de vulnerável, violação mediante fraude, assédio sexual e importunação sexual.
Atualmente, além da Constituição Federal e do Código Penal também possui outras leis esparsas que protegem os direitos das mulheres vitimadas pela violência sexual, entre elas estão: A Lei Maria da Penha, Lei do Minuto Seguinte e Lei Joanna Maranhão.
A Lei 11.340, ocorreu em homenagem a Maria da Penha, mulher que ficou paraplégica após sofrer agressões de seu marido, a lei busca assegurar os direitos das mulheres no âmbito doméstico e compreende a violência sexual como:
A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos Lei 11.340/2006, artigo 7º, III).
A Lei do Minuto Seguinte (12.845/2013) busca a desburocratização do atendimento à vítima de violência, estabelecendo um atendimento integral e imediato realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a medicação da pílula do dia seguinte em casos de estupro. (JuniorA. D. de A.; SilvaR. A. da, 2019)
Ademais, a lei visa o controle e tratamento dos agravos físicos e psíquicos que decorreram da violência sexual e encaminhamento aos serviços sociais. (Lei 12.845/2013). Cabe ressaltar, que anteriormente a lei, era previsto o decreto Nº 7.958/13, em que, os profissionais do atendimento do Sistema Único de Saúde e da segurança pública seguiam um longo e burocrático protocolo, que consequentemente, dificultava o atendimento as vítimas (JUNIOR; SILVA, 2019).
A Lei Joanna Maranhão (12.650/2012), alterou a contagem do prazo de prescrição para os crimes sexuais praticados contra os menores de dezoito anos. Sendo assim, a lei determina:
Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
V – nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. objetivando a punibilidade do agressor.
A lei objetiva a punibilidade do agressor, independentemente se houve silenciamento por parte da vítima durante anos, importante frisar, que a coleta de provas após um significativo decurso de tempo torna-se impossível. Com isso, é relevante a análise de laudos psicológicos da vítima como forma de prova processual (EMERIM, 2014).
1.4 Saúde mental da mulher vitimada pela violência sexual
Como exposto nos tópicos anteriores, a violência sexual é um acontecimento pertinente na vivência das mulheres em sociedade, e infelizmente, traz muitas consequências para a vida das mulheres que são vitimadas por essa barbaridade, entre muitas, está a saúde mental, que se torna fragilizada e acarretam na formação de distúrbios.
No entendimento da OMS, a saúde mental deve ser compreendida como:
Um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz de dar uma contribuição para sua comunidade (OMS, 2014).
Com base na compreensão da OMS, a saúde mental é mais que a ausência de distúrbios, sendo uma parte fundamental e essencial para a saúde do indivíduo e suas habilidades coletivas e individuais, como o pensar, emocionar, relações interpessoais e afetivas (OMS, 2014).
No que tange as mulheres vítimas de violência sexual, a saúde mental é um fator preocupante, visto que podem ocorrer a desencadeação de quadros de depressão, ansiedade, transtornos alimentares, distúrbios sexuais, de humor e transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) (SOUZA et al, 2013).
De acordo com os mesmos autores, o estresse pós-traumático é o mais comum em mulheres vítimas de abusos sexuais e são associados com dois principais sintomas: a evitação e repetição, nos quais podem levar a mulher a evitar contatos sexuais ou colocar-se em situações na qual pode ocorrer uma revitimização (SOUZA et al, 2013).
Ademais, outras consequências podem ocorrer na vida de mulheres devido a agressão sexual sofrida, como o abuso de álcool e drogas, problemas de saúde, redução da qualidade e insatisfação com a vida, corpo, atividade sexual e relacionamento interpessoais (SOUZA et al, 2013).
Com efeito, as mulheres que são vitimas dessa barbaridade podem desencadear uma relação negativa com a própria imagem e autoestima, o que afeta suas relações afetivas e consequentemente traz sentimentos de medo, vergonha, culpa e sensação de solidão para a vivência dela na sociedade (SOUZA et al, 2013).
Além disso, o medo que permeiam as mulheres que sofreram uma agressão sexual vai além do momento da agressão, visto que, envolve a probabilidade de adquirir doenças ou uma gravidez, cabe ressaltar que casos de gravidez advinda de uma violência sexual possui autorização legal para realizar o procedimento do aborto (VIANNA et al, 2006).
Desta forma, conclui que as mulheres que são vitimadas pelo estupro ou qualquer outra violação de seu corpo, desencadeiam distúrbios e traumas que podem durar o resto de suas vidas, como também podem viver com base no medo e adquirir uma visão deturbada de si própria, como consequência, criam um sentimento de culpa pela violência sofrida e em casos mais graves podem levar a mulher a cometer um suicídio (SOUZA et al, 2013).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que a violência sexual sofrida pela mulher decorre da inserção de uma sociedade patriarcal que emprega com extremismo o machismo, resultando em uma violência de gênero que intensifica qualquer tipo de violência sofrida pela mulher. No presente artigo, enfatizou a agressão sexual, que resulta em um estupro a cada 11 minutos, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado em 2015.
Em vista disso, a violência sexual é uma problemática presente no Brasil, pois, além de violar o corpo da mulher, retira sua dignidade da pessoa humana, bem como sua dignidade sexual e seu poder de escolha. Se faz presente no ordenamento jurídico, leis esparsas e previsões no Código Penal e Constituição Federal que asseguram os direitos das mulheres ou que geram punições para possíveis violações de sua liberdade sexual.
Se faz necessário, a noção que em uma sociedade patriarcal é criado uma cultura do estupro, pois o mesmo sistema que pune e repudia uma agressão sexual é o mesmo que dissemina ações que geram as violações sexuais e normaliza comportamentos agressivos dos homens, criando uma culpabilização da mulher vitimada.
Ademais, é pertinente frisar que a mulher violada pela violência sexual pode desencadear vários distúrbios, sendo os mais comuns o estresse pós-traumático, ansiedade e depressão, além de criar uma imagem deturpada de si própria que prejudica sua autoestima e como consequência, aumenta as chances de vícios em drogas e bebidas alcoólicas, bem como de transtornos alimentares. Cabe ressaltar, que a violência de sexual só irá acabar quando houver uma mudança no patriarcado que é presente na sociedade, visto que, tudo começa na conscientização e respeito, e as mulheres possuem o direito de terem o poder de escolha e decidirem sobre seus próprios corpos sem a interferência de terceiros.
“Não ensinem mulheres como não ser estupradas, ensinem homens a não estuprar”.
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