UMA ANÁLISE DA DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO NA ATUAÇÃO DOS JURADOS EM RELAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO DO RÉU

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11317372


José Maria de Alencar Freire1


RESUMO

As consequências da desnecessidade de motivação dos jurados diante da ampla defesa e do contraditório se dá de uma problemática que vem se arrastando por muito tempo, inclusive, atualmente há essa omissão no momento do veredito. Vale ressaltar a relevância do tema, vez que o Júri por se tratar de instituição, este está presente no cotidiano da sociedade e decidindo o rumo das pessoas que a ele são submetidas, levando em consideração o fator cultural e social. Dessa forma, deve-se compreender, ao passo que, toda vez que um indivíduo é submetido ao Tribunal do Júri, este é julgado pela sociedade, já que assim prevê a constituição, contudo, sem motivação do conselho de sentença acerca da condenação ou absolvição, destacando o fato de que o jurado pode julgar de acordo com seu entendimento, ou seja, se ele quiser absolver ou condenar porque simpatizou com o réu, nada o impedirá, bem como poderá condenar pela raça, cor, religião etc., já que o jurado não tem dever de motivar sua decisão. Salienta-se a necessidade de motivação dos jurados no momento do veredito, vez que assim, ficaria latente o motivo e a justificativa da condenação ou até mesmo da absolvição, tendo acesso ao menos as partes interessadas, para que assim possam embasar seu recurso no contraditório e na ampla defesa daquela justificativa decidida por cada jurado do conselho de sentença.

PALAVRAS-CHAVE: Jurados. Ampla Defesa. Contraditório. Tribunal do Júri.  

ABSTRACT

The consequences of the lack of motivation of the jurors in the face of the broad defense and the adversarial process arises from a problem that has been dragging on for a long time, including, currently, there is this omission at the time of the verdict. It is worth mentioning the relevance of the theme, since the Jury, as it is an institution, is present in the daily life of society and deciding the course of the people who are submitted to it, considering the cultural and social factor. Thus, it must be understood, whereas, every time an individual is submitted to the Jury Court, it is judged by society, since this is what the constitution provides, however, without motivation from the sentencing council about the conviction or acquittal, highlighting the fact that the juror can judge according to his understanding, that is, If he wants to acquit or convict because he sympathized with the defendant, nothing will prevent him, as well as he can convict by race, color, religion, etc., since the juror has no duty to motivate his decision. The need for motivation of the jurors at the time of the verdict is emphasized, since in this way, the motive and justification for the conviction or even the acquittal would be latent, with access at least to the interested parties, so that they can base their appeal on the adversarial process and on the broad defense of that justification decided by each juror of the sentencing council.

KEYWORDS: Jurors. Broad Defense. Contradictory. Jury trial.

1 INTRODUÇÃO

A instituição do Tribunal do Júri, consagrada pela Constituição Federal de 1988, desempenha um papel crucial no sistema jurídico brasileiro, particularmente nos crimes dolosos contra a vida. Nesse contexto, a figura dos jurados, cidadãos leigos selecionados para julgar, tem gerado discussões profundas sobre a necessidade (ou a falta dela) de motivação em suas decisões. Essa análise ganha especial relevância ao considerar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, pilares fundamentais do devido processo legal.

A desnecessidade de motivação das decisões dos jurados encontra amparo legal no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “c” da Constituição, que garante a soberania dos veredictos. Essa prerrogativa, contudo, levanta questionamentos acerca da transparência e da justiça do julgamento, visto que os jurados não são obrigados a fundamentar suas decisões, diferentemente dos magistrados togados, cuja motivação é uma exigência constitucional (art. 93, IX, CF/88).

A análise da desnecessidade de motivação na atuação dos jurados no Tribunal do Júri brasileiro envolve um exame crítico dos princípios fundamentais do direito processual penal, notadamente os princípios da ampla defesa e do contraditório. O Tribunal do Júri, previsto na Constituição Federal, é uma instituição destinada a julgar crimes dolosos contra a vida, e se caracteriza pela participação direta de cidadãos comuns na função de julgadores.

No contexto do Tribunal do Júri, os jurados decidem sobre a culpa ou inocência do réu através do veredito, sem a obrigação de fundamentar suas decisões. Essa peculiaridade suscita debates sobre sua compatibilidade com os princípios da ampla defesa e do contraditório. A ampla defesa assegura ao acusado todos os meios e recursos necessários para sua defesa, enquanto o contraditório garante o direito de contestar as provas e argumentos apresentados contra si.

A desnecessidade de motivação pelos jurados pode ser vista como um potencial desafio ao exercício pleno desses princípios, uma vez que a ausência de justificativas impede o réu de compreender os motivos que levaram à sua condenação ou absolvição, dificultando a possibilidade de questionar a decisão de maneira eficaz. No entanto, essa característica é também defendida como uma forma de proteger a independência e a imparcialidade dos jurados, evitando pressões externas e garantindo uma decisão mais autêntica e livre de influências.

A crítica central reside no argumento de que a ausência de motivação pode comprometer a defesa do réu, uma vez que impossibilita a contestação específica dos fundamentos que levaram à condenação. Sem conhecer as razões do veredicto, a defesa enfrenta dificuldades para formular recursos ou questionar eventuais violações de direitos, comprometendo a integridade do contraditório e da ampla defesa.

Portanto, a análise dessa desnecessidade de motivação requer um equilíbrio entre a preservação das garantias processuais do réu e a manutenção das características essenciais do Tribunal do Júri, refletindo sobre a forma como o sistema de justiça pode assegurar a transparência e a legitimidade das decisões judiciais.

2 UMA ANÁLISE DA DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO NA ATUAÇÃO DOS JURADOS EM RELAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO DO RÉU

A seguir será apresentado a análise sobre um tema bastante contra vesso que trata da atuação do conselho de sentença e a desnecessidade de motivar seus votos.

2.1 Histórico do Tribunal do Júri

O Tribunal do Júri hoje no Brasil é convocado para arbitrar nos julgamentos de crimes contra a vida, mas, nem sempre foi assim.

A criação do Tribunal do Júri remonta de muito tempo. Para Nucci (2014), o júri teve sua existência prevista a nível constitucional na Magna Carta na Inglaterra, no ano de 1215, mas o autor menciona que já havia conhecimento da instituição muito antes disso na Grécia e em Roma.

Em 1789, após a Revolução Francesa, o júri foi estabelecido na França e difundido por outros países da Europa. O autor refere que o Tribunal do Júri somente foi instalado no Brasil em 18 de junho de 1822, através de decreto pelo príncipe Regente. Na época, o Tribunal do Júri era composto por 24 (vinte e quatro cidadãos) de boa índole, com capacidade para julgar crimes que violavam o direito à liberdade de imprensa.

De acordo com Tasse (2008, p. 20), o júri foi implantado no Brasil pelo Príncipe Regente D. Pedro um pouco antes da Proclamação da Independência em 1822, composto por juízes de fato que se encarregaram de julgar exclusivamente os abusos quanto à liberdade de imprensa. A partir daí evoluiu bastante e passou por diversas transformações legislativas, enfrentando até mesmo o desprezo protagonizado pela Carta de 1937.

Basicamente, a Constituição de 1988 mantém, e reforça, as competências do Tribunal do Júri dada pela Carta Magna de 1946. Vale ressaltar que ambas as Constituições foram promulgadas depois de longos períodos de ditadura, a saber: O Estado Novo, de Getúlio Vargas, perdurando de 1937 até 1945, e o Governo Militar, de 1964 a 1985.

Curioso notar que o Tribunal do Júri surgiu como uma forma de repreensão do Estado contra a liberdade de expressão: era julgado pela sociedade (e aqui frisa-se que “a sociedade” era composta apenas de homens brancos com uma renda bastante elevada para a época) aquele que cometeu o crime de expor sua opinião de forma escrita contra o governo. Hoje, após anos de modificações e evoluções, o Tribunal do Júri é peça importante para a comunidade, momento em que o cidadão participa diretamente da Justiça.

2.2 O Tribunal do Júri no Brasil

Todos os dias ao ligar a televisão, assistir ou ler o jornal ou até mesmo ao acessar as redes sociais, a população brasileira se depara com inúmeros casos de homicídios, suicídios, infanticídios e abortos.

Esses crimes – do artigo 121 ao 126 do Código Penal – são contra a vida e quando ocorrem na modalidade dolosa, ou seja, “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”28 , de acordo com o artigo 5º, XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal de 1988, o Tribunal do Júri passa a ter competência para processar e julgar tais crimes.

A instituição no júri no Brasil, de acordo com sua localização topográfica, se deu na forma de cláusula pétrea, pois foi consagrada na atual Constituição da República no artigo 5º, XXXVIII. De acordo com Gilmar Mendes e Paulo Branco:

As cláusulas pétreas, portanto, além de assegurarem a imutabilidade de certos valores, além de preservarem a identidade do projeto do constituinte originário, participam, elas próprias, como tais, também da essência inalterável desse projeto. Eliminar a cláusula pétrea já é enfraquecer os princípios básicos do projeto do constituinte originário garantidos por ela.

O Júri é composto por pessoas da própria sociedade, e um dos fundamentos utilizados é a paridade intelectual entre o acusado e os julgadores, ou seja, pessoas leigas, pois não há necessidade de conhecimentos jurídicos vez que o acusado será julgado de acordo com a íntima convicção de cada julgador. Assim,

A ideia do tribunal popular é a de que os casos importantes sejam julgados por pessoas que formam a comunidade a qual pertence o acusado, tal como o acusado seja parte desta, vale dizer, a noção que se tem do júri popular é a de que o julgamento se dê pelos pares do réu.

Desse mesmo modo, defendem que, por ser o júri um instituto democrático, este “visa justamente a propiciar que a sociedade, através de uma análise sensível de um crime doloso contra a vida, possa expressar a moralidade social por meio da mais legítima sociabilidade do convencimento”.

2.3 Princípios Adotados Pela Constituição Brasileira De 1988

O júri brasileiro é regido pelos princípios constitucionais da plenitude de defesa, do sigilo das votações, da soberania dos veredictos e da competência para julgar os crimes dolosos contra a vida.

É sabido que no processo judicial deve ser assegurada a ampla defesa, conforme artigo 5º, caput, LV. Contudo, o tribunal do júri adotou o princípio da plenitude de defesa, ou seja, é exigida uma defesa absoluta, que de acordo com Nestor Távora “prevalece no júri à possibilidade não só da utilização de argumentos técnicos, mas também de natureza sentimental, social e até mesmo de política criminal, no intuito de convencer o corpo de jurados”, visto que se trata de um tribunal formado por pessoas do povo.

Apesar de ser um tribunal popular, o princípio do sigilo das votações defende que o momento da votação deve ser reservado, justamente para que os jurados possam ter tranquilidade para manifestar livremente suas convicções.

O princípio da soberania dos veredictos consiste na impossibilidade de outros órgãos do judiciário substituírem a decisão tomada pelos jurados, ou seja, a última palavra quanto ao mérito dos crimes de competência do júri é a do tribunal popular. E, por fim, compete ao júri julgar os crimes dolosos contra a vida, como já foi tratado.

2.4 Do Procedimento Especial

No processo penal brasileiro, o procedimento é dividido em ordinário, sumário, sumaríssimo e especial. O procedimento ordinário serve para os crimes com pena máxima em abstrato igual ou superior a 4 anos; o procedimento sumário ocorrerá tal como o ordinário, porém serve para os crimes com pena abstrata superior a 2 anos e inferior a 4 anos; já o sumaríssimo é adotado para as infrações penais de menor potencial ofensivo.

O tribunal do Júri se encontra no procedimento especial, o qual tem por competência julgar os crimes dolosos contra a vida, de acordo com o artigo 5º, XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, uma cláusula pétrea.

O procedimento do júri consiste na atuação de um juiz togado, que analisa as questões de direito, e dos jurados que julgam os fatos, em regra. A primeira fase é o ‘juízo de acusação”, definido no Código de Processo Penal nos artigos 406 a 421, “inicia-se no oferecimento da denúncia e termina com a decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação do crime”.

A decisão de pronúncia ocorre quando houver convencimento do juiz acerca da existência das provas necessárias para que o caso seja levado à segunda fase. Nela conterá a materialidade do fato e os indícios de autoria ou participação, bem como o dispositivo legal que o juiz achar que se enquadra ao caso concreto, além da explicação das qualificadoras, causas de aumento, causas de diminuição, entre outros.

No entanto, quando o juiz não ficar convencido quanto a materialidade do fato e os indícios de autoria ou participação proferirá a sentença de impronúncia, que possui natureza terminativa, pois encerra o processo, não havendo julgamento do mérito da denúncia do Ministério Público. Contudo, não impede que outra demanda seja ajuizada com o surgimento de novas provas.

Já a absolvição sumária, ao contrário da impronúncia, julga o mérito da ação penal antecipadamente e não pode ser proposta uma nova ação pelos mesmos fatos narrados na denúncia. As hipóteses de absolvição estão presentes no art. 415, CPP, quais sejam:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Por fim, a decisão de desclassificação consiste em uma decisão interlocutória de modificação de competência para julgar o caso concreto, uma vez que, ao interpretá-lo, é dada uma nova classificação jurídica aos fatos, diversa de um dos crimes dolosos contra a vida.

A segunda fase é chamada “juízo de causa”, “inicia-se com o requerimento de diligências da acusação e da defesa e termina com a sentença proferida pelo juiz presidente do Tribunal do Júri”.

2.5 Do Procedimento De Votação

Como dito anteriormente, o Tribunal do Júri é comporto por um Juiz Presidente e 25 jurados sorteados, que dentre estes serão novamente sorteados outros 7 para comporem o conselho de sentença para cada sessão de julgamento, de acordo com o artigo 447, CPP.

Conforme salienta Badaró, trata-se de uma “instituição democrática, e dele devem participar cidadãos de todas as categorias e classes sociais, sem qualquer discriminação”, devendo observar apenas o artigo 436, caput, do CPP que institui os requisitos da maioridade (18 anos) e da notória idoneidade.

A idoneidade exigida significa “aptidão”, “capacidade”, tanto moral, como intelectual. Na lista geral de jurados só deverá ser excluído o cidadão que tiver idoneidade moral e intelectual. Tanto vale dizer que o corpo de jurados se deve compor de cidadãos mais notáveis do município por seus conhecimentos, experiência, retidão de conduta, independência e elevação de caráter.

De acordo com o procedimento de votação estabelecido pelo CPP, os 7 jurados escolhidos para comporem o Conselho de Sentença serão questionados sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido com base nos seguintes quesitos elencados no artigo 483, do CPP:

I – a materialidade do fato;

II – a autoria ou participação;

III – se o acusado deve ser absolvido;

IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

§ 1º A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado.

§ 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação:

O jurado absolve o acusado?

§ 3º Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:

I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

§ 4º Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2º (segundo) ou 3º (terceiro) quesito, conforme o caso.

§ 5º Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito.

§ 6º Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas.

Tais quesitos serão elaborados de forma simples, para que os jurados possam responder de maneira precisa, e em consonância com a pronúncia, as alegações do réu e com as teses defendidas em plenário.

Antes da votação será distribuído aos jurados cédulas contendo “sim” e “não”, e ao serem questionados sobre cada quesito o Oficial de Justiça as recolherá em urnas separadas, para que seja garantido o sigilo das votações.

Após o término da votação, o juiz togado elaborará a sentença. Esta sentença é complexa e extremamente subjetiva, visto que possui atos decisórios de sujeitos distintos: o veredicto dos jurados e o pronunciamento do juiz.

2.6 A Vulnerabilidade Dos Jurados Diante Dos Fatores Internos E Externos Ao Processo

Vale salientar, que os jurados possuem certo grau de vulnerabilidade, visto que podem ser influenciados tanto pelos fatores internos do processo, como as provas e o discurso da defesa e da acusação, como fatores externos, por exemplo, a mídia, o estereótipo criado do réu, os pensamentos político-religiosos, entre outros.

Quanto a isso destaca-se o caso Nardoni: No dia 25 de março de 2008, Isabella Nardoni, de apenas 5 anos de idade, despencou de seis andares de um prédio em São Paulo, no qual foi condenado o casal Alexandre Nardoni (pai) e Anna Carolina Jatobá (madrasta).

Não se discute se houve erro quanto ao veredito, mas é sabido que a presença da mídia neste caso foi intensa, visto que há indícios que comprovam a influência da mesma no julgamento, seja ela direta ou indireta, gerando um “linchamento midiático” antes mesmo do encerramento do caso, tais como

A reprodução de expressões, termos (e até “chavões”) utilizados e/ou consagrados na redação jornalística a respeito do crime, criminoso ou processo; referências aos conceitos vagos do “clamor popular” e/ou da “garantia da ordem pública” para justificar a prisão provisória, dentre outros.

Desse modo, é preciso registrar que

O descompasso entre a pressa com a qual trabalha o jornalismo hoje e o rito processual que leva à (ponderada) decisão final no âmbito do Judiciário, conduz a uma evidente antecipação da pena para os suspeitos que, por obra predominantemente da mídia, já foram condenados em verdadeiro “linchamento midiático.

Portanto, é na fundamentação das decisões que é possível avaliar se esta reflete o que foi discutido durante o processo, pois não adianta garantir ao réu defesa técnica em sua plenitude se ao final, após toda carga probatória, após todas as teses apresentadas, os jurados podem decidir de acordo com sua convicção pessoal.

Ademais, é necessário destacar que o sistema da íntima convicção e a vulnerabilidade dos jurados influenciam a presença do direito penal do autor nos julgamentos, e não do fato, tendo em vista que a aplicação da pena se dá em razão do “ser”, da pessoa que praticou, e não em razão do ato praticado.

2.7 O Sistema Da Íntima Convicção

De acordo com Guilherme Nucci, a íntima convicção é utilizada como forma de avaliar as provas apresentadas em juízo por meio do livre convencimento do julgador, não havendo necessidade de apresentar os motivos que serviram de base para sua decisão. Isso, pois, no Tribunal do Júri os jurados não necessitam demonstrar as razões do voto pela condenação ou absolvição réu.

Dessa forma, a defesa pode utilizar tanto argumentos técnicos e jurídicos, como argumentos apelativos e emocionais para o convencimento dos jurados, pois estes decidem conforme a sua consciência. Destaca, Luiz Flávio Gomes que

O Júri propicia um julgamento que vai além da frieza da lei e da tecnicidade do processo, na medida em que os jurados, inclusive não podem fundamentar suas decisões e julgam conforme suas consciências, não ficando adstritos à severidade da prova nos autos.

Apesar dos jurados não demonstrarem os motivos do voto, isto não os isenta de decidir o caso de maneira coerente, visto que, havendo contradição entre as respostas dos quesitos e as provas que constam nos autos, cabe ao juiz presidente a utilização do artigo 490 do CPP, ou seja, a possibilidade de submeter novamente os jurados à votação dos quesitos.

Ocorre que, mesmo reconhecendo o compromisso dos jurados com a coerência do processo, é possível que ocorram injustiças e arbitrariedades nas decisões, posto que decidem de acordo com a sua consciência, com a própria concepção sobre ética e moral ou até mesmo experiências vividas, e em razão do princípio do sigilo das votações não é possível saber os reais motivos da decisão do conselho de sentença.

Alcides de Mendonça Lima, em sua obra de crítica ao Tribunal Popular afirma que este “cria a irresponsabilidade para o jurado, situação incompatível com a democracia”.

Dessa forma, tal sistema possui um viés antidemocrático, visto que não encontra amparo constitucional, além de não haver compatibilidade com o artigo 93, IX da Constituição Federal, que adota a fundamentação das decisões proferidas por todos os órgãos do Poder Judiciário, pois é direito do réu saber por quais motivos foi absolvido ou condenado (Braga, 2019).

2.8 O Tribunal do Júri no Brasil na atualidade

A competência do Tribunal do Júri está prevista no art. 5º, XXXVIII da atual Constituição Federal e garante ao réu o direito de defesa: Sua finalidade é a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares (CAPEZ, 2011, p. 632).

O Tribunal do Júri é um instituto presidido por um juiz togado e 25 (vinte e cinco) cidadãos maiores de 18 anos de idade e de boa índole que são eleitos por meio de sorteio. A publicação da lista geral dos jurados escolhidos deve ser publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e disponibilizada por meio de editais que ficarão afixados à porta do Tribunal. Até o dia 10 de novembro, quando a lista se torna definitiva, poderá ser alterada por meio de ofício ou reclamação junto ao juiz-presidente, conforme esclarece o art. 426, § 1º do Código 12 de Processo Penal, e, a partir da publicação da lista definitiva, não será mais possível propor recurso em sentido estrito (CAPEZ, 2011).

Art. 426. A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri. § 1° A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva.

Excepcionalmente, no momento da sessão, poderá haver a escolha de jurados suplentes ao ser constatado que não há o número mínimo de quinze para dar início ao trabalho. Portanto, deverão ser sorteados tantos suplentes quantos forem necessários para compor o grupo de, no máximo, vinte e cinco, designando-se assim nova data para o julgamento (NUCCI, 2014).

2.9 Do tribunal do Júri e os princípios do contraditório e da ampla defesa no Direito brasileiro

Os princípios da ampla defesa e do contraditório como predito são princípios jurídicos fundamentais, sendo derivado da frase latina Audi alteram partem (ou audiatur et altera pars), que significa “ouvir o outro lado”, ou “deixar o outro lado ser ouvido bem”.

Nucci (2014) ressalta que o princípio da ampla defesa concede vários direitos que são exclusivos do réu, citando, por exemplo, a possibilidade de postular a revisão criminal, que é vedada à acusação, além da oportunidade de solicitar a fiscalização referente à eficiência da sua defesa, e, também, a possibilidade da desconstituição do seu defensor e o magistrado nomear-lhe um dativo. A fim de proporcionar maior clareza ao tema abordado na presente monografia, a seguir será analisada a base principiológica do Tribunal do Júri.

Partindo da premissa de que é dever do Estado dá resposta a sociedade de forma mais pacífica e eficiente possível, sem qualquer deslize, devendo a lei organizar o procedimento, com fulcro no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal.

Todos os fatos alegados ou provas apresentadas dentro do processo por uma das partes possibilita o direito constitucional à parte contrária de manifestar sua defesa, estabelecendo, assim, equilíbrio entre a pretensão do Estado em punir e a liberdade e estado de inocência do réu. Cabe salientar que tal princípio serve para ambas as partes dentro do processo, ou seja, tanto para a acusação, como para a defesa (NUCCI, 2014). Logo, pode-se concluir que o princípio do contraditório trata do direito que o acusado tem de contestar as provas que estão sendo alegadas em seu desfavor dentro do processo.

Na verdade, os dois princípios derivam de um outro princípio, ainda mais básico, que é o da igualdade de armas, ou isonomia processual. Como em um processo todas as partes litigantes estão equidistantes do juízo processante, ou seja, estão em pé de igualdade, tudo o que uma parte afirma a outra poderá contraditar. Da mesma forma toda a oportunidade probatória deferida para uma, será deferida para a outra. Portanto, embora conceitualmente diferentes, esses dois princípios se completam, conspirando para o surgimento da única verdade que interessa para o processo: a verdade processualmente válida. Quando essa verdade surge e se materializa de forma definitiva (e isso acontece com a coisa julgada), já não importará a verdade do autor, a verdade do reú ou mesmo da opinião pública.

2.10 Da análise da desnecessidade de motivação dos jurados em detrimento dos princípios da ampla defesa e do contraditório do réu

A desnecessidade de motivação na atuação do conselho de sentença é um dos pontos que muito se discute, levando em consideração o próprio dispositivo constitucional, mais especificamente a norma prevista no art. 93, inciso IX, que prevê o princípio da motivação das decisões judiciais, ou seja, é o primeiro ponto controverso. Enquanto o art. 381, inciso III, do Código de Processo Penal leciona sobre a fundamentação da decisão, esta, conforme NUCCI (2008, p.676), é o âmago da sentença, visto que o juiz aplicará o direito ao caso concreto, aclamando o Princípio da livre convicção motivada, o qual só é exigido ao juiz de direito.

Entretanto, deve-se analisar que tais dispositivos tanto da Constituição quanto do Código de Processo Penal versam sobre o mesmo conteúdo, que é a fundamentação, contudo, há essa dicotomia quanto ao Júri, apesar de que estamos falando de um conselho de sentença formado por cidadãos a princípio leigos, sem conhecimento jurídico, que julgarão conforme sua íntima convicção.

Com relação à sentença proferida pelo Tribunal do Júri, há certa peculiaridade, visto que a decisão está diretamente relacionada com o veredicto dos jurados, os quais decidirão por sua livre convicção, ou seja, os jurados só precisam responder “sim” ou “não” aos questionamentos elaborados pelo juiz togado, dispensada qualquer fundamentação. (NUCCI, 2008).

A ratificar esse entendimento devemos levar em consideração o que diz respeito à positivação da Lei Natural, Finnis vale-se do pensamento de Tomás de Aquino para esclarecer que as leis positivas, são: “as implicações particulares partindo dos princípios morais mais elevados e gerais”. Portanto, conforme o mencionado autor as leis são princípios que devem ser desenvolvidos com racionalidade, levando em consideração o bem comum da coletividade. (FINNIS apud CAMARGO, 2014). A partir disso, entendamos que a instituição do tribunal do júri não é uma afronta a Constituição Federal de 1988, e sim uma legitimação da sociedade em participar e manter seus princípios e valores.

Finnis na verdade quis explicar e deixar de maneira cristalina a possibilidade de coexistência de Direito Natural e Direito Positivo, ao passo que ambos constituem uma conjuntura essencial da identidade cultural, social e, sobretudo, moral da sociedade, tendo assim, essa prerrogativa de julgar conforme seu entendimento, mais especificamente a sua íntima convicção referente os crimes dolosos contra a vida, fazendo com que tais valores sejam respeitados, não se submetendo a qualquer vício que queiram implantar no ordenamento, desvirtuando de cumprir o seu objetivo.

Como dito anteriormente, o júri constitui um procedimento diferenciado. O qual, dá-se em virtude de denotarmos a falta de harmonia do hodierno procedimento adotado pela sistemática do tribunal do júri com os ditames constitucionais, conforme aludido, inclusive na própria constituição federal de 1988, mais especificamente no art. 93, IX, no qual é possível aduzir comentários referente ao princípio da fundamentação das decisões judiciais, tendo essa dicotomia, já que no júri, os jurados quando estão atuando não são obrigados a fundamentar ou ainda, a motivar as suas respectivas decisões, seja condenando ou absolvendo.

Conforme relata Lopes (2014, blog online), é verdade que o Tribunal do Júri, cláusula pétrea da Constituição, art. 5º, XXXVIII, foi muito importante na transição para o sistema acusatório e sua consolidação, mas isso não desautoriza a crítica, até porque a Constituição consagra o júri, mas com a “organização que lhe der a lei”. Ao remeter a disciplina de sua estrutura à lei ordinária, permite uma ampla e substancial reforma (para além da realizada em 2008, destaque-se), desde que assegurados o sigilo das votações, a plenitude de defesa, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Noutra dimensão, aponta-se para a legitimidade dos jurados na medida em que são “eleitos”, como se isso fosse suficiente. Ora, o que legitima a atuação dos juízes não é o fato de serem “eleitos” entre seus pares (democracia formal), mas sim a posição de garantidores da eficácia do sistema de garantias da Constituição (democracia substancial). Ademais, de nada serve um juiz eleito se não lhe damos as garantias orgânicas da magistratura e exigimos que assuma sua função de garantidor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A desnecessidade de motivação na atuação dos jurados, característica dos tribunais do júri, está intrinsecamente ligada ao próprio modelo de justiça adotado, onde a participação popular é vista como uma garantia de justiça e um reflexo da soberania popular. No entanto, essa particularidade suscita debates acirrados sobre sua compatibilidade com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Os princípios da ampla defesa e do contraditório são pilares do devido processo legal, assegurando que o réu tenha pleno acesso aos meios e recursos necessários para contestar a acusação e influenciar a decisão judicial. A falta de motivação nas decisões dos jurados pode ser vista como uma limitação a esses princípios, uma vez que o réu e a defesa ficam impossibilitados de entender e, eventualmente, contestar os fundamentos da condenação ou absolvição.

Por outro lado, a ausência de necessidade de motivação preserva a genuína expressão da opinião popular, evitando que os jurados sejam obrigados a formalizar justificativas que possam ser artificiais ou induzidas. Essa característica do júri visa proteger a liberdade e a espontaneidade do veredicto popular, reforçando a confiança da sociedade no sistema de justiça.

A desnecessidade de motivação pode ser conciliada com os princípios da ampla defesa e do contraditório por meio de um sistema processual robusto, onde todas as etapas anteriores ao veredicto sejam rigorosamente observadas quanto ao direito de defesa e à produção de provas. Garantir um julgamento justo e transparente antes da deliberação dos jurados pode mitigar as preocupações relacionadas à falta de motivação.

Portanto, a análise indica que, embora a desnecessidade de motivação nas decisões dos jurados possa representar um desafio aos princípios da ampla defesa e do contraditório, ela também desempenha um papel crucial na manutenção da legitimidade e autenticidade do tribunal do júri. A chave está em fortalecer os direitos de defesa ao longo de todo o processo e considerar eventuais ajustes que permitam uma maior transparência, sem abdicar da característica essencial da participação popular no julgamento dos crimes mais graves.

Essa abordagem equilibrada pode assegurar que o sistema de júri continue a ser uma expressão legítima da justiça popular, ao mesmo tempo em que protege os direitos fundamentais dos réus, promovendo um julgamento justo e imparcial.

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro