UM ESTUDO ACERCA DO ENSINO RELIGIOSO PARA INDÍGENAS SURDOS NO BRASIL

A STUDY ON RELIGIOUS EDUCATION FOR DEAF INDIGENOUS PEOPLE IN BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7877407


Avaetê de Lunetta e Rodrigues Guerra1
Michel da Costa2
Mariangela Camba3
Jelson Budal Schmidt4


RESUMO: A pesquisa tem como objetivo geral, contribuir de forma significativa para o engajamento do ensino religioso para os surdos indígenas, auxiliando-os nos aspectos linguísticos e culturais, fazendo com que os povos nativos conheçam a si próprio, estudando suas tradições religiosas, além de preservar sua cultura, concomitante ao processo educacional religioso tradicional. Foram analisados materiais já existentes na literatura em uma perspectiva bibliográfica, concluindo-se que existem estudos nas áreas, (Libras/Religião), (Religião/Povos Indígenas) e (Libras/Povos Indígenas), porém essa tríade atuando em conjunto interdisciplinar ainda é pouco explorada, sendo fundamental um aprofundamento maior para estabelecer futuros diálogos sobre a temática, fortalecendo as comunidades indígenas brasileiras que também dependem da Língua de Sinais atrelada ao sistema religioso nas comunidades. 

Palavras-chave: Povos indígenas. Surdos. Religião. Libras.

ABSTRACT: The general objective of the research is to contribute significantly to the engagement of religious teaching for indigenous deaf people, helping them with linguistic and cultural aspects, making native peoples know themselves, studying their religious traditions, in addition to to preserve their culture, concomitant with the traditional religious educational process. Materials already existing in the literature were analyzed from a bibliographical perspective, concluding that there are studies in the areas, (Libras/Religion), (Religion/Indigenous Peoples) and (Libras/Indigenous Peoples), but this triad acting together interdisciplinary is still little explored, being fundamental a greater deepening to establish future dialogues on the subject, strengthening the Brazilian indigenous communities that also depend on the Sign Language linked to the religious system in the communities.

Keywords: Indigenous peoples. Deaf. Religion. Pounds.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como meta propor que os indígenas com surdez tenham acesso aos conhecimentos da educação religiosa de forma clara, com intérpretes e professores qualificados. Através da educação, estes povos precisam ter acesso a um conjunto de conhecimentos, no entanto, sem perder as características tradicionais de sua organização social, crenças e hábitos, bem como memórias e histórias constituídas no decorrer do tempo.

Ainda existem dificuldades para a adequada implementação da educação religiosa indígena, como a existência de profissionais qualificados para atuação junto aos povos das comunidades; carência de infraestrutura em algumas regiões do país; falta de políticas para ingresso e principalmente permanência dos indígenas na escola e sobretudo na Educação Superior. 

A pesquisa tem como objetivo geral, contribuir de forma significativa para o engajamento do ensino religioso para os surdos indígenas, auxiliando-os nos aspectos linguísticos e culturais, fazendo com que  os povos nativos conheçam a si próprio, oferecendo aos alunos condições para estudarem as tradições religiosas presentes na sociedade, preservando sua cultura concomitante ao processo educacional religioso tradicional.

Os objetivos específicos buscam: a) oferecer aos alunos indígenas com deficiência auditiva, ensino religioso de qualidade, seja nas escolas ou aldeias; b) analisar como os profissionais Tradutores/Intérpretes de Libras atuam no contexto da educação religiosa indígena; c) verificar as relações existentes entre o ensino religioso e as práticas educacionais na comunidade indígena e surda do Brasil.

O intuito do presente trabalho é obter resultados favoráveis relacionados a educação religiosa indígena para alunos surdos, coletando dados que possam contribuir para um maior engajamento e produtividade na educação brasileira, permitindo que estes povos obtenham conhecimento religioso de qualidade, mantendo suas tradições e ao mesmo tempo integrando-se a sociedade. Espera-se colaborar de forma ativa para a temática proposta, com conhecimentos que possam ser colocados em prática na sociedade e que não restrinjam-se apenas ao meio acadêmico. 

METODOLOGIA

A pesquisa em questão dará ênfase aos aspectos educacionais do ensino religioso para alunos surdos indígenas. Analisaremos materiais já existentes na literatura em uma perspectiva bibliográfica:

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem a uma análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvida quase exclusivamente mediante fontes bibliográficas. (GIL, 2002, p.3).

Também serão realizados estudos referentes a dados etnográficos sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), religião, hábitos etc, além das manifestações materiais de suas atividades englobando as religiões indígenas, trabalhos desenvolvidos dentro dos espaços sagrados das comunidades indígenas voltados ao contexto educacional inclusivo.

As pesquisas etnográficas objetivam descrever e analisar ideias, crenças, significados, conhecimentos e práticas de grupo, culturas e comunidades. Elas podem, inclusive, ser bem amplos e abranger a história, a geografia e os subsistemas socieconômicos, educacional, político e cultural de um sistema social (rituais, símbolos, funções sociais, parentesco, migrações, redes e uma infinidade de elementos). Assim como descrever os significados que dão a esse comportamento realizado sob a circunstâncias comuns ou especiais. (SAMPIERE; COLLADO; LUCIO, 2013, p. 14).

Trabalharemos tendo como base algumas das importantes obras da área, a exemplo da produção bibliográfica Estudos Surdos II de Ronice Müller de Quadros e Gladis Perlin (2007), que versa sobre metodologias para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem de educandos surdos, Diários índios: Os urubus-kaapor, de Darcy Riberio (2020), além de outras obras que servirão de referência para o presente estudo.

EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL

É evidente a influência exercida no meio religioso em relação à educação, seja no que diz respeito aos surdos, que muitas vezes participam de atividades educacionais nos espaços sagrados, e também aos próprios ouvintes, que em diversas ocasiões iniciam seus trabalhos de forma voluntária e em seguida tornam-se profissionais da área inclusiva.

O desenvolvimento da disciplina de Ensino Religioso deve levar aos estudantes o respeito à diversidade religiosa, superando todas as formas de preconceitos, discriminação e intolerância. Partindo desta perspectiva, existe um duplo desafio que é trabalhar com as minorias indígenas excluídas e acima de tudo portadores de deficiência auditiva. 

A questão da inclusão, bem como as manifestações religiosas indígenas são pertinentes e precisam ser trabalhadas no processo de ensino e aprendizagem. Entretanto, alguns desafios e cuidados precisam ser levados em consideração quando se planeja o trabalho em sala de aula, pelo fato de existir uma pluralidade religiosa e cultural indígena no Brasil com poucas fontes de pesquisas confiáveis, além de políticas públicas recentes relacionadas a inclusão e acessibilidade. 

Mesmo com estes desafios é fundamental ressaltar que existem legislações que asseguram o trabalho com a cultura indígena nas disciplinas escolares contribuindo com o fortalecimento da sua identidade. Pensar o trabalho com a disciplina pressupõe um constante repensar das ações, pois é necessário abordar cada expressão do sagrado do ponto de vista laico com foco no conhecimento.

Existem obstáculos em construir uma síntese a respeito do fenômeno religioso dos indígenas no Brasil. Isto em decorrência da pluralidade de manifestações religiosas, pela diversidade social e cultural dos povos e pela existência de inúmeros mitos e rituais de caráter unicamente religioso, transcendental ou subjetivo.

Ainda que sejam apresentados poucos estudos sobre a religiosidade dos povos indígenas, o sociólogo e pesquisador Emile Durkheim, em sua obra “As formas elementares da vida religiosa”, destaca a importância da religiosidade dos povos indígenas. Ele destaca que as religiões das sociedades indígenas: “[…] não são menos respeitáveis do que as outras. Elas respondem às mesmas necessidades, desempenham o mesmo papel, dependem das mesmas causas; portanto podem perfeitamente servir para manifestar a natureza da vida religiosa” (Durkheim, p.31). 

No caso do Brasil, não se pode afirmar que existe somente uma religião indígena. Por ser extenso, no território brasileiro encontram-se diversas nações indígenas, de múltiplas culturas, e de diferentes costumes e, portanto, com crenças que podem sofrer contínuas variações ao longo do tempo. 

Avanços e debates na área de educação indígena se iniciaram e estão em constante desenvolvimento tanto no aspecto jurídico quanto na esfera administrativa. Porém, ainda não se organizou um sistema que possa suprir as necessidades no plano educacional e social dos povos indígenas de acordo com seus interesses, respeitando seus modos, estilo e ritmos de vida, salvaguardando o papel da comunidade indígena na decisão e na atividade do tipo de escola que desejam. A impressão que se dar é que a educação indígena caminha a passos gradativos: avança-se em direção a algumas conquistas, mas diversos obstáculos se apresentam a cada instante. 

Assim, uma observação deve ser feita: a educação escolar dos indígenas tornou-se uma pauta politicamente relevante no Brasil. Deixou de ser um tema secundário, ganhou destaque à medida em que mobiliza a mídia, instituições e as organizações financeiras. Encontros, reuniões e congressos acadêmicos têm se tornado recorrentes para abordar pautas referentes à legislação educacional, de projetos curriculares para a educação indígena, de formação continuada de professores das comunidades, do direito de obterem uma educação de qualidade e que atenda a suas necessidades e direitos. Atualmente, não mais se discute se os indígenas devem ou não que ter acesso à educação, mas sim que tipo de escola deve ser ofertada.

A legislação que aborda a educação escolar indígena tem apresentado propostas que permitem a construção de uma escola que, inserida no sistema educacional nacional, sustente características particulares como por exemplo, a utilização da língua indígena, a sistematização de conhecimentos e saberes tradicionais, o uso de materiais adequados preparados pelos próprios professores índios, um calendário que se adapte ao ritmo de vida e nas atividades cotidianas, a elaboração de currículos diferenciados e a participação efetiva da comunidade na definição dos objetivos e rumos da escola. 

A legislação também tem colocado os índios e suas comunidades como os principais responsáveis da escola indígena, resguardando a elas o direito de terem seus próprios líderes indicados para a função de professores a partir de programas próprios de formação e titulação acadêmica. Todavia, essas definições no plano jurídico ainda encontram-se mais como princípios do que como práticas que norteiam os processos de efetivação da escola no meio indígena, gerando diversos debates.

É necessário diferenciar educação escolar indígena de educação indígena. A educação indígena envolve as culturas e os conhecimentos de cada povo, que são passados dos mais velhos para os mais novos no cotidiano, de acordo com a realidade e a vivência de cada comunidade. Já a educação escolar indígena está associada à criação de escolas voltadas estritamente para esses povos, respeitando suas línguas, tempos histórico, culturas e particularidades em geral.

Afinal, para garantir um trabalho de educação escolar de qualidade, é necessário levar em consideração o contexto em que os estudantes estão inseridos, seus modos de vida e os instrumentos aos quais eles têm acesso, não dá para usar o mesmo livro didático utilizado na capital paulista para estudantes indígenas que vivem no meio de uma floresta. Portanto, para pensarmos em uma educação escolar indígena de qualidade, é importante ter em mente que existem centenas de povos indígenas no Brasil. Assim, a imensa diversidade cultural entre esses povos é um fato, e consequentemente, os processos de educação escolar também precisam ser revistos e atualizados.

Sancionada em 10 de março de 2008, a Lei nº 11.645 exige que as escolas devem incluir elementos da cultura indígena no currículo escolar, determinando que os sistemas normativos das culturas indígena e afro-brasileira integrem o conteúdo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, oferecendo destaque às áreas de Artes, História e Literatura, tanto na rede particular quanto na pública. Tal exigência é observada como uma iniciativa poderosa que traz uma questão importante para a educação, oferecendo aos alunos excelentes oportunidades de colaborar com o processo de construção e desenvolvimento do país, além de compreender a história indígena do passado e do presente, tendo acesso a questões culturais relevantes para sua trajetória educacional. A lei busca beneficiar a formação curricular, inovando em relação à história educacional indígena.

Vale ressaltar que essa nova lei oferece ao aluno a oportunidade de reconhecer as matrizes culturais que fizeram parte da história do seu país, pois a abordagem realizada nas escolas estava voltada para a história europeia, sendo desprezadas as sociedades africanas e sul-americanas que apresentam uma íntima relação com a história do Brasil. 

Assim, é essencial que os professores procurem meios de se qualificar na cultura indígena, buscando desenvolver com seus alunos trabalhos de qualidade em sala de aula. Trabalhar a temática indígena nas instituições de ensino é fazer com que a nação conheça a si própria, ofertando ao estudante condições para estar em constante acesso às tradições culturais do seu país, em especial o Brasil que possui uma rica base cultural, buscando sua valorização, respeito e preservação.

INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INDÍGENA

A cultura presente na escolarização das crianças e jovens indígenas os prepara para a vida em comunidade, conforme os seus valores, crenças e significados. Além de ajudá-los na construção da sua identidade. No entanto, novos processos de diferenças culturais permeiam as suas vidas, bem como situação de hibridismo cultural (GARCÍA CANCLINI, 2008). Hoje, os estudantes e professores estão nos “entre-lugares” que apresentam “[…] novos signos de identidades e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade” (BHABHA, 1998, p. 20). Isto é, eles fazem a experiência de “viver nas fronteiras”. 

Nesse aspecto fronteiriço da cultura, é preciso haver tradução cultural para operar nos interstícios de uma gama de práticas sociais e conseguir transitar entre as diferenças sociais e culturais. Esse processo de tradução é de suma importância para as escolas que atendem a crianças indígenas com deficiência, pois, elas estão tendo acesso à educação recentemente, tendo em vista que diferentes atividades no passado eram práticas da cultura Guarani- -Kaiowá, pois quando essas crianças nasciam, eram sacrificadas, por serem vistas como uma “maldição” ou castigo de Deus. 

Nesse sentido, a Educação Escolar Indígena precisa ser reavaliada, atualmente, na sua modalidade dentro da Educação Especial. Trata-se de uma interface que está começando  seu processo de construção, pois ainda há pouco diálogo e trabalhos sobre essas duas modalidades de ensino. Essa interface precisa ser debatida entre os docentes e as comunidades indígenas, uma vez que as culturas devem ser compreendidas pelos símbolos e significados construídos coletivamente de forma interdisciplinar.

A Política Nacional da Educação Especial traz como finalidade dessa interface “[…] assegurar que os recursos, serviços e atendimentos educacionais especializados estejam presentes nos projetos pedagógicos construídos com base nas diferenças socioculturais desses grupos” (BRASIL, 2008, p. 22-23). 

Quanto à organização e ao gerenciamento do AEE nas escolas indígenas, o Ministério da Educação – MEC, apresentou avanços recentes nas estratégias de normatização das garantias e das obrigações para o direito à educação da modalidade Educação Especial, na Educação Escolar dos Índios. Contudo, não dialogou sobre a forma como aconteceria tal atendimento num contexto diferenciado e específico, que respeitasse os elementos básicos para a organização, a estrutura e o funcionamento da escola indígena previstos nas Diretrizes, em seu art. 4, inciso I a V (BRASIL, 2012). Ou melhor, não apresentou orientações claras capazes de garantir o direito à educação aos indígenas com deficiência, bem como a elaboração de diretrizes para a construção da interface entre Educação Especial e Educação Escolar Indígena. 

LIBRAS – LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

Primeiramente, é muito importante a definição do termo língua de sinais para posteriormente entendermos o significado da palavra Libras. A língua de sinais é uma estrutura linguística espacial-visual utilizada pelas comunidades surdas no Brasil e no mundo, e tem organização gramatical complexa da mesma forma das línguas orais (português, inglês, alemão). 

Linguas de sinais – São línguas que são utilizadas pelas comunidades surdas. As línguas de sinais apresentam as propriedades específicas das línguas naturais, sendo, portanto, reconhecidas enquanto línguas pela Lingüística. As línguas de sinais são visuais-espaciais captando as experiências visuais das pessoas surdas (QUADROS, 2004, p. 8). 

A Libras (Língua Brasileira de Sinais) é a língua de sinais utilizada no Brasil e foi baseada na língua de sinais Francesa, sendo oficialmente reconhecida pela lei 10.436/2002 como meio legal de comunicação e expressão dos surdos no nosso país e possui alguns parâmetros no seu processo de comunicação: configuração de mão, ponto de articulação, movimento, expressão facial e corporal e orientação/direcionalidade. 

Como uma língua percebida pelos olhos, a língua brasileira de sinais apresenta algumas peculiaridades que são normalmente pouco conhecidas pelos profissionais. Perguntas sobre os níveis de análises, tais como, a fonologia, a semântica, a morfologia e a sintaxe são muitos comuns, uma vez que as línguas de sinais são expressas sem som e no espaço (QUADROS, 2004, p. 20).

Cada país possui sua língua de sinais, a Libras é utilizada no Brasil, a American Sign Language (ASL) nos Estados Unidos, A Língua de Sinais Francesa (LSF), entre outras. 

ACESSIBILIDADE PARA OS INDÍGENAS SURDOS

O profissional intérprete apto a atuar na educação precisa intermediar a relação professor-aluno, além de transmitir a mensagem da língua fonte para a língua alvo, articulando a tradução entre os estudantes surdos e seus pares (estudantes, profissionais), com o objetivo de interpretar o mais fiel possível essas relações. É muito importante que fiquem claras as responsabilidades e deveres dos TILS5, pois não é raro que sejam dadas atribuições diferenciadas que não condizem com o perfil do profissional, como ensino dos alunos surdos, tarefa que deve ser exclusiva dos professores, de acordo com Quadros (2004 p. 60) “No entanto, as competências e responsabilidades destes profissionais não são tão fáceis de serem determinadas”. No ano de 2010, foi sancionada a Lei 12.319/2010, com o objetivo de oficializar a profissão, tornando a categoria mais forte perante a comunidade surda.

São várias as estratégias que podem ser utilizadas em sala de aula, com o fim de obter uma tradução/interpretação cada vez mais clara e de qualidade, com o objetivo de propiciar ao aluno uma boa informação adaptada à língua alvo. 

Traduzir um texto em uma língua falada para uma língua sinalizada ou vice-versa é traduzir um texto vivo, uma linguagem viva. Acima de tudo deve haver um conhecimento coloquial da língua para dar ao texto fluidez e naturalidade ou solenidade e sobriedade se ele for desse jeito (QUADROS, 2004, p.73).

Os TILS precisam ter bastante atenção no momento da atuação, desde o adequado posicionamento em sala, até questões éticas, como evitar chamar a atenção dos outros alunos. Também é de fundamental importância convencionar os sinais específicos das disciplinas, visto que a Libras possui regionalismos, já que trata-se de um idioma, sendo imprescindível este diálogo previamente com o aluno surdo. 

Cabe aos professores, formarem parceria junto ao Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE) ou setor responsável de acessibilidade da escola, procurando estabelecer um elo de atenção com os alunos surdos da instituição, criando materiais adaptados, como vídeos, uso de imagens e provas adaptadas, que podem ser respondidas em Libras pelo aluno e repassada para o professor em versão voz pelo intérprete. 

É de suma importância que o TILS não se ausente da sala de aula em momento algum, trabalhando sempre em dupla com outro colega, pois o aluno não pode em momento algum ficar sem comunicação, pois haverá uma perda de informações, causando prejuízo ao mesmo. É necessário o profissional ter em mente que outras situações podem ocorrer e ficar atento ao cumprimento do código de ética que norteia todas as obrigações, sendo responsável pelas atitudes que venha a praticar, podendo sofrer sansões legais, desde punições mais brandas, até a perda do cargo.

Embora a formação dos TILS comece a caminhar de um contexto mais informal e assistencialista, rumo à formação universitária e sua atuação comece a ser regulamentada e prevista por documentos jurídicos, como apresentado, muito ainda precisa ser feito quanto à presença do intérprete de Libras no contexto da educação de surdos indígenas – e, mais ainda em relação à formação de profissionais também, indígenas na área em questão. A esse respeito, Araújo (2018) salienta que “a interface entre a Educação Especial e a educação escolar indígena é um campo novo e complexo de investigação e delineia situações ainda não definidas entre dois campos de conhecimento em composição” (p. 23). Para esse autor, é preciso considerar que 

A escola indígena, como um espaço de interface cultural, tem o desafio de acolher os conhecimentos indígenas, possibilitando sua continuidade e valorização, permitindo, ainda, o acesso aos conhecimentos proporcionados pelo avanço da ciência que são necessários para o diálogo das comunidades nativas com a sociedade envolvida (ARAÚJO, 2018, p. 44). 

Assim, para atender o que prevê o decreto e para oferecer uma educação mais abrangente aos alunos surdos indígenas, a formação de intérpretes de Libras indígenas faz-se fundamental – seja para a educação de surdos nos moldes da educação inclusiva, seja na educação bilíngue. Porém, apesar da legislação sobre a educação de surdos e sobre a educação escolar indígena existir no Brasil, a realidade nas comunidades indígenas para esses alunos ainda está bastante distante de uma educação significativa.

O modelo assistencialista que é prejudicial para a educação de surdos indígenas e não indígenas, abre a necessidade de um novo olhar para a educação de surdos no Brasil, descentralizando as pesquisas que são realizadas em grande maioria no Sul e Sudeste e trazendo também para o cenário de educação e escolarização indígena. Também ao pensar sobre a formação de intérpretes de Libras indígenas, busca-se refletir sobre como essa formação está sendo contemplada nos cursos de formação da profissão, apresentando a importância de novas pesquisas e trabalhos futuros com essa temática. 

Se no Brasil a língua oral é o Português e a língua de sinais Libras, qual a língua de sinais utilizada por alguns grupos indígenas espalhados pelo Brasil? Temos o exemplo da língua de sinais chamada de Urubu-Ka’apor. Urubu-Ka’apor é o nome de uma tribo indígena que vive no estado do Maranhão, no Brasil. Também são conhecidos pelos nomes: Kambõ, Urubu-Caápor, Urubu-Kaápor, Kaapor e Urubu.

Os Ka´apor surgiram como povo distinto há cerca de aproximadamente 300 anos, ao que tudo indica na região entre os rios Tocantins e Xingu. Provavelmente devido a conflitos com colonizadores luso-brasileiros e com outros povos nativos, começaram uma longa migração que os levou, por volta de 1870, do Pará, através do rio Gurupi, ao Maranhão. Colonizadores brasileiros que atacaram e acabaram com aldeias Ka’apor, por volta de 1900, ficaram surpresos ao descobrirem lindos cocares de penas coloridas dentro de minúsculos baús de cedro, que os sobreviventes, em fuga, teriam deixado para trás. 

Quando as autoridades brasileiras tentaram a pacificação pela primeira vez, em 1911, os Ka’apor, como os Nambiquara no Mato Grosso, eram tidos como um dos povos nativos mais hostis no país. Tal pacificação, tanto dos Ka’apor quanto dos karaí (não índios), aconteceu em 1928 e durou quase setenta anos. Invasões recentes da terra dos Ka´apor pelos Karaí, entretanto, acarretaram novas hostilidades e estão colocando a sobrevivência da etinia dos Ka´apor novamente em perigo. A população atual é de aproximadamente oitocentos indivíduos.

Eles dependem da mandioca-brava, que é consumida principalmente na forma de farinha. Armazenam frutos e caçam cervos no pantanal, porcos-do-mato, pacas, cutias, jabutis, jacarés, mutuns, queixadas, bugios, jacus, aracuãs e inhambus. 

A língua Ka’apor é uma língua da família Tupi-Guarani, não falada por nenhuma outra tribo ou povo, exceto como segunda língua. É mais atrelada à língua oiampi, falada a uma distância de 900 Km, do outro lado do Rio Amazonas. Ao que parece, teve influência da língua geral amazónica, pela língua oiampi e pelas línguas caribes setentrionais.

Possuem uma elevada taxa de surdez, de 1 surdo para cada grupo de 75 ouvintes, superior à média de outros povos. Por isso, a tribo possui uma língua de sinais própria (a Língua de Sinais Ka’apor Brasileira – LSKB), utilizada tanto pela comunidade surda do povo, como também por membros ouvintes pertencente a comunidade.

Entre 1949 e 1951, Darcy Ribeiro, um dos maiores antropólogos brasileiros, fez duas expedições para conhecer os Ka’apor. Darcy foi o autor de um dos primeiros documentários sobre uma tribo indígena no Brasil, chamado “Os índios Urubu: um dia na vida de uma tribo da floresta tropical”. Darcy Ribeiro também escreveu o livro “Diários Índios – Os Urubu Ka’apor”. Toda a riqueza cultural desse povo está registrada nesta obra, com o auxílio de um riquíssimo material iconográfico. 

Legitimar as experiências de colonização, opressão e discriminação dos primeiros povos é extremamente relevante, assim, ao reconhecer e legitimar danos históricos e contínuos, a sociedade é capaz de discutir e decretar formas de mudar sistemas e valores opressores. As comunidades surdas também experimentaram e continuam a experimentar colonização, discriminação e opressão, no entanto, o dano causado às comunidades surdas e aos povos surdos indígenas (bem como outras identidades minoritárias que se cruzam) permanece amplamente não reconhecido na sociedade em geral. 

Essa ignorância serve como uma barreira para mudar os sistemas médicos, educacionais e jurídicos, sendo necessário retirar as “variadas camadas” dos sistemas coloniais que prejudicam os membros dos primeiros povos e das comunidades surdas. Como seres humanos inseridos na sociedade, é de suma importância estabelecer diálogos para entender essas experiências diferentes das cotidianas, reconhecendo erros e ouvindo pontos de vista alternativos. 

Portanto, é necessário envolver-se em discussões robustas sobre como proceder sistematicamente para remover essas barreiras da inclusão educacional indígena em uma parceria colaborativa para se aproximar da verdade, da equidade e do respeito.

CONCLUSÃO

Foi desenvolvido na presente pesquisa um paralelo entre educação e religião nas comunidades indígenas, mostrando como se dá todo esse processo que envolve a comunidade surda, desenvolvendo a temática ao abordar cultura, inclusão e acessibilidade. Também foi observado questões de conhecimento jurídico da Libras e dessemelhanças de ações em relação à surdez, problemática que está cada vez mais presente na sociedade atual, cabendo aos pesquisadores, unir conceitos e áreas com o objetivo de contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à inclusão e educação religiosa para indígenas.

Assim, conclui-se que existem estudos nas áreas, (Libras/Religião), (Religião/Povos Indígenas) e (Libras/Povos Indígenas), porém essa tríade atuando em conjunto interdisciplinar ainda é pouco explorada, sendo fundamental um aprofundamento maior para estabelecer futuros diálogos sobre a temática, fortalecendo as comunidades indígenas brasileiras que também dependem da Língua de Sinais atrelada ao sistema religioso nas comunidades. 

Interdisciplinaridade quer dizer propriedade de ser interdisciplinar. Interdisciplinar está exposto como o que estabelece relações entre duas ou mais disciplinas ou ramos do conhecimento; que é comum a duas ou mais disciplinas. Esses significados apontam para uma atividade de investigação que coloque disciplinas em relação umas com as outras (HOUAISS, 2001, p.17) 

Portanto, conseguir trabalhar de maneira interdisciplinar exige vontade, prática e reflexão sobre o método, além de humildade para admitir que não se entende o que o outro fala, quando esse outro vem de outra realidade e de diferente contexto teórico. É preciso que pesquisadores amadurecidos se disponham trabalhar em conjunto, abordando temas mais abrangentes e diferentes da sua área específica, valorizando a intersubjetividade nas áreas em questão.

REFERÊNCIAS

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5Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais.


1Doutorando em Ciências da Educação – UNADES (PY), Mestre em Filosofia – UFPB.

2Doutor em Educação Matemática  – UNIAN.

3Doutora em Educação – Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP.

4Mestre em Educação – UNIVILLE.