REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8187287
Alex Fernando Belinelli1
Samuel Ribeiro da Silva2
Resumo: Este artigo contempla a relevância da atuação da Polícia Militar na preservação da cadeia de custódia em procedimentos persecutórios criminais, tema abordado na lei Anticrime (Lei nº 13.964), sancionada em dezembro de 2019, bem como, suas alterações relacionadas à cadeia de custódia no sistema penal brasileiro. Embora a lei não trate especificamente desse tema, ela estabelece medidas para fortalecer a cadeia de custódia e preservar a integridade e a confiabilidade das evidências coletadas em investigações criminais. O objetivo do estudo mencionado no artigo é analisar a atuação da Polícia Militar diante da cadeia de custódia, investigando os procedimentos e diretrizes relacionados. Será realizada uma revisão bibliográfica sistemática, consultando bases de dados científicas, artigos, livros, legislações e normas técnicas pertinentes ao tema. Espera-se que a pesquisa contribua para um melhor entendimento da atuação da Polícia Militar na cadeia de custódia, identificando lacunas ou áreas que precisam ser aprimoradas. Além disso, pretende-se fornecer subsídios para o desenvolvimento de diretrizes e políticas internas que garantam a conformidade da Polícia Militar com as normas, fortalecendo a integridade do sistema de Justiça Criminal. Em resumo, o estudo visa analisar a atuação da Polícia Militar em relação à cadeia de custódia, identificar melhorias potenciais e fornecer recomendações para aprimorar os procedimentos adotados pela instituição na coleta, preservação, transporte, armazenamento e documentação das evidências.
Palavra-chave: Polícia Militar, preservação local do crime, cadeia de custódia.
1. Introdução
A Lei nº 13.964, também conhecida como “Lei Anticrime”, foi sancionada em 24 de dezembro de 2019, e trouxe diversas alterações ao sistema processual penal brasileiro. Embora não trate especificamente do tema cadeia de custódia, a lei traz em seu bojo alguns dispositivos relacionados a esse tema.
A cadeia de custódia se refere ao conjunto de procedimentos utilizados para garantir a integridade e a segurança das evidências coletadas em investigações criminais, desde o momento da sua apreensão até a sua apresentação em juízo. Esses procedimentos são fundamentais para preservar a autenticidade e a confiabilidade das provas e principalmente para garantia da ampla defesa e contraditória.
Na doutrina podemos citar as palavras do professor Gustavo Henrique Badaró que na sua obra sobre o Processo Penal conceitua a cadeia de custódia, o fazendo de maneira ampla, nos seguintes termos:
O conceito de cadeia de custódia surgiu originalmente na jurisprudência norte-americana, quase que como uma imposição natural da verificação da integridade da prova. Para garantir a fidelidade entre a prova e o fato histórico reconstruído, é indispensável a manutenção da cadeia de custódia, isto é, a história cronológica escrita, ininterrupta e testemunhada, de quem teve a evidência desde o momento da coleta até que ela seja apresentada como prova no tribunal’. Além disso, é necessário que cada uma dessas pessoas declare que a coisa permaneceu substancialmente na mesma condição durante todo o tempo que permaneceu sob sua posse. Trata-se, portanto, de um procedimento de documentação ininterrupta, desde o encontro da fonte da prova, até a sua juntada no processo, certificando onde, como e sob a custódia de quais pessoas e órgãos foram mantidos tais traços, vestígios ou coisas que interessam à reconstrução histórica dos fatos no processo, com a finalidade de garantia de sua identidade, integridade e autenticidade.
Na mesma esteira encontramos na jurisprudência, em seu voto, o Excelentíssimo Ministro Rogério Schietti Cruz, quando do julgamento do HC 160.662/RJ6, que se deu pela 6ª Turma do egrégio Superior Tribunal de Justiça, ainda no ano de 2014, delimitou o conceito de cadeia de custódia ao consignar que “O Estado tinha o dever de conservar à inteireza a prova essencial, pelo que parece, para a descoberta dos fatos.”
Já na legislação, pela inteligência da Lei nº 13.964, no caput do art. 158-A, o primeiro inserido pelo pacote anticrime no Código de Processo Penal, traz no seu bojo o conceito da cadeia de custódia: “Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.”
A Lei Anticrime estabelece algumas medidas para fortalecer a cadeia de custódia, visando evitar a contaminação, adulteração ou destruição das provas. Alguns dos principais pontos relacionados são:
- Alteração do Código de Processo Penal (CPP): A lei trouxe inovações no CPP, trazendo a obrigatoriedade de que o registro da apreensão de objetos, documentos e indícios ou vestígios sejam realizados em documento próprio, com a descrição minuciosa do que foi encontrado. Essa medida busca garantir a transparência e a rastreabilidade da cadeia de custódia.
- Advento da legitimação legal das audiências de custódia: A Lei Anticrime trouxe o dispositivo de forma expressa, após alteração, no Código Penal brasileiro, em seu artigo 310, o instrumento que não constava presente na legislação penal, nas quais os presos em flagrante são apresentados a um juiz em até 24 horas após a prisão. Essas mudanças tiveram o objetivo de garantir a integridade da cadeia de custódia, bem como os direitos fundamentais dos presos.
- Padronização procedimental das perícias criminais: A lei introduziu medidas para aperfeiçoar a qualidade das perícias criminais, incluindo o enaltecimento dos profissionais de perícia e a criação de um banco de dados nacional de perfis balísticos. Essas medidas têm em vista fortalecer a cadeia de custódia das evidências periciais, a partir de uma plataforma consultável para comparação em rede nacional.
Ressalta-se a importância do tema cadeia de custódia, tendo em vista sua complexidade e abrangência, já que é abarcado por diversas leis, normas e regulamentos específicos que podem ser aplicáveis a esse contexto, dependendo da natureza da investigação ou da natureza da evidência envolvida.
O legislador buscando maior transparência procedimental positivou na legislação o que já existe em outros países a décadas, ou seja, a cadeia de custódia, a qual visa desempenhar um papel fundamental na persecução criminal, na busca por assegurar a integridade e a rastreabilidade das evidências coletadas durante uma investigação. A correta preservação e acomodação dessas evidências são essenciais para garantir a validade e a confiabilidade das provas no processo judicial. Nesse contexto, a atuação da Polícia Militar ganha destaque, pois essa instituição desempenha um papel crucial na cadeia de custódia, desde a coleta inicial até o armazenamento seguro das evidências, pois é normalmente o primeiro órgão estatal a chegar nos locais de crime.
A Polícia Militar exerce um importante papel na segurança pública, atuando precipuamente na prevenção, com seu policiamento ostensivo, e no combate ao crime como forma de preservação da ordem pública como prescreve a Constituição Federal de 1988. Além disso, é frequentemente responsável pela primeira resposta em situações de infração penal, onde ocorre a coleta inicial e a preservação das evidências. No entanto, para que essas evidências possam ser admissíveis em um processo criminal, é imperativo que a atuação da Polícia Militar esteja perfeitamente alinhada com as diretrizes da cadeia de custódia.
A realização deste estudo se justifica pela importância de se compreender a atuação da Polícia Militar frente aos requisitos procedimentais da cadeia de custódia, levando em consideração as normas estabelecidas na legislação pátria. Assim, a garantia da integridade das provas é fundamental para a rastreabilidade e dos indícios e individualização das condutas nos processos criminais. Consequentemente, é basilar estudar se a Polícia Militar está adotando os melhores métodos e procedimentos para a preservação, coleta, transporte, armazenamento e documentação adequada das evidências.
O objetivo geral deste trabalho é entender a atuação da Polícia Militar diante da cadeia de custódia. Para alcançar esse objetivo, vamos pesquisar os procedimentos e diretrizes da cadeia de custodiados que abarcam a atuação da Polícia Militar.
Este trabalho será dirigido por meio de uma revisão bibliográfica sistemática, na qual serão consultadas bases de dados científicas, ou seja, artigos, livros, legislações e normas técnicas pertinentes ao tema que estabelecem os procedimentos da Polícia Militar nesse contexto.
Espera-se que essa pesquisa contribua para o debate e maior entendimento sobre a atuação da Polícia Militar frente a cadeia de custódia, possibilitando aprimoramento da metodologia procedimental utilizada atualmente. Além disso, pretende-se aprovisionar subsídios para o desenvolvimento de diretrizes internas que garantam a conformidade da Polícia Militar com a legislação, reforçando a probidade da persecução criminal.
A relevância deste estudo consiste na necessidade de se instituir uma atuação eficaz e padronizada da Polícia Militar no que diz respeito aos procedimentos da cadeia de custódia. A confiabilidade das provas e a aderência às metodologias estabelecidas são capitais para a justiça e a imparcialidade dos processos judiciais. Além disso, a análise da atuação da Polícia Militar, sob a ótica das normas procedimentais, permitirá identificar pontos para melhorar, apresentando subsídios para a efetivação de ações corretivas e preventivas.
Dessa forma, ao compreender a atuação da Polícia Militar frente a necessidade de respeitar os requisitos da cadeia de custódia, este estudo visa contribuir para o fortalecimento da persecução criminal, como forma de fortalecer a confiabilidade nas nos indícios apresentados, assim, assegurando a aplicação adequada da lei. A partir do entendimento do processo atrelado ao tema, espera-se fornecer recomendações práticas para o aperfeiçoar os procedimentos adotados pela Polícia Militar, visando a garantia da integridade, rastreabilidade e validade das evidências no contexto judicial.
2. Cadeia de Custódia
A cadeia de custódia é um conjunto de normas e procedimentos que visam garantir a integridade, rastreabilidade e a autenticidade das provas produzidas na persecução penal. O objetivo principal, referente ao tema, lastreado na lei está relacionado à capacidade de garantir a demonstração de autenticidade das provas produzidas no processo penal. Ela visa evitar a adulteração, contaminação ou destruição das provas, bem como a sua substituição por outras provas fraudulentas ou falsas. Dessa forma, os procedimentos corretos na cadeia de custódia são fundamentais para a garantia da justiça e para a proteção dos direitos fundamentais das partes envolvidas no processo penal, como o direito à ampla defesa, ao contraditório e à presunção de inocência.
A legislação busca garantir a eficácia do procedimento que deve ser observado desde a perfeita preservação do local do crime, até a devida apreensão da prova até a sua apresentação em juízo, passando pela sua identificação, acondicionamento, transporte, armazenamento e análise. Todos os envolvidos no processo, ou seja, todos que tiverem acesso aos vestígios ou indícios, devem seguir as normas e procedimentos estabelecidos pela lei, a fim de garantir a sua validade e a busca da verdade real no processo penal.
Além de garantir a integridade das provas coletadas, a lei também busca garantir a segurança dos envolvidos no processo, como os policiais militares, policiais civis, os peritos e os policiais penais, que devem seguir as normas procedimentais estabelecidas pela lei como garantia de sua probidade nos procedimentos.
Assim, a cadeia de custódia tem como objetivo garantir a integridade e respeitabilidade das provas produzidas no processo penal, assegurando que elas sejam autênticas e íntegras, e que possam ser utilizadas para a tomada de decisões justas e imparciais.
Nesse sentido, observamos do ensinamento professor Prado (2019):
A defesa, por sua vez, tem o direito de conhecer a totalidade dos citados elementos informativos para rastrear a legalidade da atividade persecutória, pois de outra maneira não haveria como identificar provas ilícitas. O conhecimento integral dos elementos colhidos ao longo da investigação é necessário para a defesa avaliar a correção do juízo do Ministério Público sobre a infração penal supostamente praticada pelo acusado e assim repudiar os excessos e/ou as acusações infundadas e, por derradeiro, para preparar-se para produzir a contraprova.
Os procedimentos e fases da cadeia de custódia podem alterar de acordo com a natureza da prova e com as normas e regulamentos de cada país. No entanto, de maneira geral, a lei anticrime trouxe que as etapas da cadeia de custódia incluem:
1. Identificação dos indícios: deve ser identificada e registrada, com informações como a data, hora, local, agentes da lei que coletaram e circunstâncias da apreensão.
1.1. Acondicionamento dos indícios: deve ser acondicionada em um recipiente adequado, que proteja a sua integridade e evite a sua contaminação, substituição ou adulteração.
1.2. Transporte dos indícios: devem ser transportados de forma segura e adequada, com a devida identificação e registro de todas as pessoas envolvidas no transporte ou tiveram acesso.
1.3. Armazenamento dos indícios: o armazenamento deve ocorrer em local seguro e adequado, que proteja a sua integridade e evite a sua contaminação, substituição ou adulteração.
1.4. Análise dos indícios: que pese o fato dessa fase normalmente não envolver a polícia militar, de forma didática, devemos entender que deve ser analisada por um perito ou especialista, que deve seguir os procedimentos e normas estabelecidos pela cadeia de custódia prevista nas diversas normas relativas ao tema.
1.5. Apresentação dos indícios em juízo: deve ser apresentada em juízo, com a devida identificação e registro de todas as pessoas envolvidas em todo o processamento e na sua apresentação.
É relevante ressaltar que todos os envolvidos no processo devem seguir as normas e procedimentos estabelecidos pela cadeia de custódia, a fim de garantir a sua validade e a busca da verdade real no processo penal.
Os órgãos de segurança têm responsabilidades fundamentais no contexto da cadeia de custódia. Essas responsabilidades são compartilhadas entre as diversas instituições envolvidas no processo de investigação e aplicação da lei. Entre os principais órgãos de segurança envolvidos, destacam-se:
a) Polícia Militar (PM): exerce um papel crucial na cadeia de custódia, especialmente nas fases iniciais do processo, já que habitualmente é o primeiro órgão estatal a chegar no local de crime. Suas principais responsabilidades incluem a preservação do local do crime, a coleta inicial de evidências, o registro de informações relevantes, a segurança e o transporte adequado das provas até ao órgão competente.
b) Polícia Civil: tem a responsabilidade de conduzir investigações mais aprofundadas e de longo prazo. Entre suas responsabilidades estão a coleta de depoimentos, a obtenção de mandados de busca e apreensão, a elaboração de inquéritos policiais e a manutenção da cadeia de custódia até a apresentação das evidências ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.
c) Instituto de Criminalística: é responsável pela realização de perícias técnicas e científicas em evidências, visando a análise, a interpretação e a produção de laudos periciais. Sua atuação é essencial para a correta interpretação das evidências coletadas, auxiliando na elucidação dos fatos e na identificação de autoria.
d) Instituto Médico Legal (IML): é responsável pela realização de exames de corpo delito e de necropsia em casos de morte violenta ou suspeita, bem como pela identificação de vítimas. Essas informações são importantes para a condução de investigações e para o estabelecimento de provas em processos criminais.
e) O Ministério Público exerce um papel de fiscalização e controle da aplicação da lei. Entre suas responsabilidades estão a análise das provas apresentadas, a promoção da ação penal, a participação em audiências e a busca pela correta aplicação das normas processuais.
f) Poder Judiciário: é responsável por julgar e tomar decisões com base nas evidências apresentadas. Cabe ao Judiciário analisar a validade das provas, ponderar sobre sua admissibilidade e utilizá-las como fundamento para as decisões judiciais.
É importante ressaltar que cada órgão possui atribuições específicas, mas todos devem atuar de forma coordenada, respeitando os princípios procedimentais da cadeia de custódia. A preservação da integridade das evidências e a garantia de sua rastreabilidade ao longo do processo investigativo são responsabilidades compartilhadas por todos os envolvidos, visando assegurar a justiça e a imparcialidade no sistema de justiça criminal.
É fundamental que os policiais militares, assim como os demais órgãos envolvidos, estejam devidamente capacitados e treinados para seguir os procedimentos estabelecidos, garantindo a validade e a confiabilidade das evidências.
3. Funções e responsabilidades da Polícia Militar na cadeia de custódia
É verdade que a Polícia Militar frequentemente é o primeiro órgão estatal a chegar ao local do crime. Isso se deve ao fato de que a Polícia Militar é responsável pela policiamento ostensivo e preservação do ordem pública no contexto da segurança pública e está constantemente patrulhando as ruas, prontamente disponível para atender chamados de emergência e ocorrências criminais, atrelado ao fato da capilaridade, uma vez que está presente em quase a totalidade dos municípios brasileiros.
A Polícia Militar possui uma presença ostensiva permanente nas comunidades e é acionada pela população por diversos meios, como por exemplo, por intermédio de chamadas telefônicas de emergência ou pelo simples apelo manual na via pública, para responder a situações de crime, violência ou necessidade de assistência policial. Devido a essa prontidão e proximidade com a comunidade normalmente é o primeiro órgão a se deparar com local de incidência de crimes.
Diante da premissa de que na esmagadora maioria dos locais de crime os militares estaduais são os primeiros a chegar, é relevante saber que o Código de Processo Penal (Decreto nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), no que tange ao local de crime, estabelece:
Art. 6º – Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
1) dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
2) apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
IV – ouvir o ofendido;
V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;
VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.
(…)
Art. 169 – Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único – Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Essa presença inicial da Polícia Militar no local do crime é crucial para a preservação da cena e a coleta das primeiras informações, evidências e identificação de testemunhas do fato. Desse modo, a PM tem a responsabilidade de garantir a segurança do local, isolar a área, prevenir a contaminação das provas e, quando possível, iniciar a coleta inicial de evidências de forma adequada, seguindo os protocolos estabelecidos, para evitar danos ou perda de informações cruciais para a investigação, até que outros órgãos especializados, como a Polícia Civil ou os peritos do Instituto de Criminalística, cheguem para assumir o local do crime.
Neste contexto, a Polícia Militar desempenha um papel fundamental na persecução criminal, atuando na prevenção e no combate ao crime como forma de preservação da ordem pública. Suas funções e responsabilidades incluem a manutenção da ordem pública, a proteção da população, as diligências preliminares de crimes e a coleta de evidências iniciais.
A coleta e a preservação adequada das evidências são etapas cruciais para garantir a validade e a confiabilidade das provas no processo criminal. Por esse motivo a Polícia Militar deve estar treinada e capacitada para identificar, coletar e preservar as evidências de forma adequada, evitando contaminação, alteração, substituição ou destruição das mesmas.
É essencial que a Polícia Militar siga os procedimentos estabelecidos para cada tipo de evidência, utilizando técnicas apropriadas e materiais adequados. Isso inclui o uso de luvas, embalagens adequadas, etiquetas de identificação, fotografias e anotações detalhadas sobre o local e as condições da coleta, materiais que devem ser fornecidos pelo órgão estadual de Segurança Pública.
Ademais, o art. 158-B, da Lei nº 13.964/2019, estabelece as fases da cadeia de custódia enquanto procedimento de rastreio de vestígios. Vejamos:
I – reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;
II – isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestí gios e localde crime;
III – fixação: descrição detalhada do vestí gio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;
IV – coleta: ato de recolher o vestí gio que será submetido à análise pericial, respeitando suas caracterí sticas e natureza;
V – acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;
VI – transporte: ato de transferir o vestí gio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veí culos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas caracterí sticas originais, bem como o controle de sua posse;
VII – recebimento: ato formal de transferê ncia da posse do vestí gio, que deve ser documentado com, no mí nimo, informaçõ es referentes ao nú mero de procedimento e unidade de polí cia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestí gio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestí gio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
VIII – processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada à s suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;
IX – armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao nú mero do laudo correspondente;
X – descarte: procedimento referente à liberação do vestí gio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.
A correta coleta, acondicionamento e preservação das evidências são etapas cruciais da cadeia de custódia, assegurando que as provas não sejam comprometidas ou contaminadas, e que possam ser apresentadas de forma confiável no processo penal.
Partindo do pressuposto que a Polícia Militar está inserida nesse contexto, após contatar outros órgãos que são responsável pela coleta e na sua negativa em deslocar até o local, é responsabilidade residual recai sobre a PM, assim, apresentamos algumas das principais responsabilidades:
a) Identificação e documentação das evidências: deve identificar e documentar as evidências encontradas no local de um crime. Isso envolve anotar detalhadamente as peculiaridades das evidências, como localização, data, hora, condições ambientais, além de realizar fotografias e anotações precisas.
b) Coleta adequada das evidências: Os policiais recebem treinamento em técnicas adequadas de coleta de evidências, considerando a natureza específica de cada tipo de indício. Isso pode incluir a utilização de luvas, ferramentas individualizadas, embalagens apropriadas, entre outros procedimentos, para evitar a contaminação, substituição ou degradação das evidências.
c) Registro e etiquetagem das evidências: Após a coleta, as evidências devem ser devidamente cadastradas e etiquetadas, atribuindo a elas numeração de identificação único. Isso permite a rastreabilidade da evidência ao longo da persecução penal e garante sua autenticidade e integridade.
d) Segurança e armazenamento das evidências: A Polícia Militar é encarregada por garantir a segurança e o armazenamento adequado das evidências sob sua custódia. Isso pode envolver a utilização de salas ou armários apropriados, com controle de acesso, para evitar substituição, perdas, danos ou contaminação das evidências.
e) Registro dos responsáveis pela manipulação das evidências: É primordial que a Polícia Militar mantenha um registro detalhado de todos que tiveram contato ou acesso com as evidências ao longo de todo o percurso da cadeia de custódia. Isso inclui os nomes dos policiais responsáveis pela localização, coleta, acondicionamento, transporte, armazenamento e entrega das provas, bem como quaisquer alterações de custódia que venham a ocorrer.
f) Colaboração com outras instituições: Em muitos casos, a Polícia Militar trabalha em conjunto com outras instituições, como o Instituto de Criminalística, o Instituto Médico Legal e o Ministério Público. A cooperação entre essas entidades é fundamental para garantir a continuidade e a probidade da cadeia de custódia.
É relevante ressaltar que a Polícia Militar vem aderindo, assim, como outros órgãos, às diretrizes procedimentais estabelecidas pela legislação pátria, para as instituições responsáveis. Além disso, é recomendável investir em treinamento contínuo para os policiais, a fim de atualizá-los sobre novas técnicas e desenvolver capacidades específicas imperativas para a coleta e salvaguarda apropriada das evidências.
Nesse contexto, a exemplo de outras instituições, a Polícia Militar do Estado do Paraná editou a Diretriz nº 028/2022 – PM/3, cuja qual versa sobre: “Procedimentos em situações de intervenção policial com uso de força letal e preservação de locais de crime que demandam a realização de exames periciais”. Demonstrando a preocupação das instituições militares estaduais em manter o treinamento constante e principalmente atualizado, para deixar seus efetivos prontos para qualquer demanda.
Além da preocupação, justificada, com o isolamento do local do crime, a polícia militar deve desenvolver procedimentos padronizados para coleta e transporte de evidências. Já que a Polícia Militar é responsável pelo translado das mesmas até a delegacia ou laboratório responsável pela análise em grande percentual das ocorrências policiais. O transporte das evidências deve ser feito de maneira segura, garantindo sua integridade e evitando danos ou perdas durante o percurso.
A utilização de embalagens adequadas, que protejam as evidências de danos físicos, bem como a adoção de procedimentos de segurança, como escolta quando necessária, são medidas fundamentais para garantir o transporte adequado das evidências.
Além do armazenamento físico, a documentação adequada das evidências é primordial. A Polícia Militar deve manter registros pormenorizados de todas as evidências coletadas, e qualquer dado relevante. Essa documentação é importante para garantir a rastreabilidade das evidências ao longo da cadeia de custódia.
A atuação da Polícia Militar no processamento adequado da cadeia de custódia requer treinamento e capacitação apropriados dos policiais. É capital que os policiais recebem instruções claras sobre os procedimentos de coleta, preservação, transporte, armazenamento e documentação das evidências, de acordo com o que preconiza a legislação pertinente ao tema.
A capacitação deve abranger aspectos teóricos e práticos, proporcionando aos policiais o conhecimento necessário sobre os procedimentos da cadeia de custódia, a relevância da integridade das evidências e as técnicas apropriadas para a realização de cada etapa do processamento. Bem como, também deve incluir a conscientização sobre a importância da preservação da cadeia de custódia como um elemento essencial para a justiça e a imparcialidade. Além disso, é importante promover a atualização periódica dos policiais, para que estejam sempre familiarizados com as mudanças nas normas procedimentais e garantir que compreendam a relevância de seu papel.
Além disso, é interessante que haja o estabelecimento de programas de supervisão e controle internos, que consistem na avaliação contínua da conformidade da atuação dos policiais no que tange aos protocolos regulamentares de ações. Isso pode ser feito por meio de auditorias internas, revisões periódicas de casos e ações corretivas quando identificados desvios.
Em resumo, o treinamento e a capacitação dos policiais militares são basilares para garantir uma atuação eficaz e em conformidade com as normas da cadeia de custódia, assim como, a criação de um procedimento padronizado, que deve ser amplamente divulgado ao efetivo. Além do fornecimento de material adequado, necessário à execução deste trabalho. Através dessas medidas, se busca assegurar a confiabilidade das evidências coletadas, a preservação dos direitos dos envolvidos e a integridade da persecução criminal.
Para tanto a sugestão de criação de um curso permanente de capacitação dos Policiais Militares, na modalidade presencial, híbrida e ou EAD por meio da plataforma própria da instituição pode ser considerada de grande valia no processo de institucionalizar os procedimentos.
Na mesma esteira, seria relevante a criação de um grupo de estudos destinado ao desenvolvimento de procedimentos padrões e documentação específica para que todo o efetivo policial tenha acesso às informações e a importância de sua atuação frente a preservação da ordem pública. Como forma de demonstrar o que já vem sendo aplicado no 18° Batalhão de Polícia Militar do Estado do Paraná em parceria com a Promotoria local, deixamos em anexo os modelos de formulários que vêm sendo utilizados atualmente como parâmetro para outras unidades e até mesmo para a instituição Polícia Militar do Estado do Paraná.
4. Considerações Finais:
Neste artigo, exploramos múltiplos aspectos inerentes à cadeia de custódia, principalmente em relação à atuação da Polícia Militar, ressaltando sua importância na coleta e preservação das evidências durante a persecução criminal. Ao recapitular os pontos essenciais debatidos, torna-se manifesto que a cadeia de custódia exerce uma função substancial na salvaguarda, integridade e validade das evidências como elementos probatórios, contribuindo, assim, para a busca da verdade real e a efetivação da justiça.
Não obstante, identificamos que a Polícia Militar enfrenta desafios significativos nesse processo. A capilaridade da instituição gera desafios de todas as ordens, como por exemplo da logística, além de necessitar de recursos adequados para ambientes de alto risco, podem impactar negativamente a preservação das evidências. Portanto, é de extrema relevância investir em treinamento e capacitação contínuos dos policiais militares, aprimorar os recursos logísticos e tecnológicos disponíveis, e estabelecer parcerias com outras instituições envolvidas na cadeia de custódia.
Ademais, vislumbramos algumas possibilidades promissoras de estudos futuros. A aplicação de novas tecnologias, como a utilização de blockchain1, pode fortalecer a integridade e rastreabilidade da cadeia de custódia. A análise da efetividade de protocolos padronizados em diferentes contextos e a avaliação dos impactos da adoção de boas práticas na resolução de casos dão maior confiabilidade à persecução criminal, aumentando assim, a confiança nas instituições.
Em conclusão, a atuação da Polícia Militar na cadeia de custódia é de suma importância para assegurar a confiabilidade e a legitimidade das evidências em um processo legal. Melhorias contínuas, baseadas em procedimentos reconhecidos internacionalmente, atrelados a estudos de casos, são essenciais para aprimorar a eficácia de todo o processamento. Portanto, é primordial o engajamento de outras instituições e pesquisadores nesse tema, visando promover discussões e avanços no processamento das adequações das evidências, vislumbrando uma cadeia de custódia adequada e transparente, contribuindo efetivamente para uma justiça mais eficaz e equitativa.
1Blockchain é um livro de registros, compartilhado e imutável, que facilita o processo de gravação de transações e rastreamento de ativos em uma rede de negócios. Um ativo pode ser tangível (uma casa, um carro, dinheiro, terras) ou intangível (propriedade intelectual, patentes, direitos autorais e marcas). Praticamente qualquer item de valor pode ser rastreado e negociado em uma rede de blockchain, o que reduz os riscos e os custos para todos os envolvidos.
Referências Bibliográficas
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, pp.506.
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Ao final, para constar, houve a lavratura deste auto que segue assinado com as testemunhas qualificadas abaixo, as quais tudo presenciaram e assistiram.