TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL: IMPLICAÇÕES LEGAIS, SOCIOECONÔMICOS E CULTURAIS

INTERNATIONAL TRAFFICKING IN WOMEN FOR THE PURPOSE OF SEXUAL EXPLOITATION: LEGAL, SOCIOECONOMIC AND CULTURAL IMPLICATIONS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11225784


Elzivane Emanuelle da Rocha Teles1;
Eudilene Neiva Caminha2;
Orientadora: Wirna Maria Alves da Silva3.


RESUMO

Nos dias de hoje de forma global, rentável e silenciosa, inúmeras pessoas são submetidas a condições análogas à escravidão. Segundo dados produzidos pela ONU no Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, do ano de 2018, as mulheres representam a maior parcela de vítimas de tráfico humano no mundo. O principal instrumento internacional que aborda o assunto é a Convenção contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como “Convenção de Palermo”. O Brasil é signatário de tal convenção e de todos os seus protocolos. Entretanto, por muito tempo a legislação brasileira permaneceu ultrapassada em relação a tal instrumento, mantendo normas incompatíveis ao mesmo. Tem-se por problema de pesquisa: como questões legais, socioeconômicas e culturais podem contribuir para o tráfico internacional de mulheres em situação de vulnerabilidade? Oobjetivo desse estudo é analisar as questões legais, socioeconômicas e culturais na influência do tráfico internacional de mulheres em situação de vulnerabilidade. A pesquisa foi conduzida qualitativamente, através do método dedutivo. É uma pesquisa básica, exploratória, classificada como bibliográfica e documental. Decerto, o estudo aponta que a legislação brasileira traz evidências de que o tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual tem impactos significativos nos domínios legais, socioeconômicos e culturais, contribuindo para a perpetuação desse crime e resultando em consequências prejudiciais para as vítimas, bem como desafios complexos para a sociedade e os sistemas jurídicos.

Palavras-Chave: Tráfico de mulheres. Exploração sexual. Vulnerabilidade. Protocolo de Palermo.

ABSTRACT

Nowadays, in a global, profitable and silent way, countless people are subjected to conditions similar to slavery. According to data produced by the UN in the Global Report on Trafficking in Persons, from 2018, women represent the largest proportion of victims of human trafficking in the world. The main international instrument that addresses the issue is the Convention against Transnational Organized Crime, known as the “Palermo Convention”. The Brazil is a signatory to this convention and all its protocols. However, for a long time Brazilian legislation remained outdated in relation to this instrument, maintaining standards that were incompatible with it. The research problem is: how can legal, socioeconomic and cultural issues contribute to the international trafficking of women in vulnerable situations? The objective of this study is to analyze the legal, socioeconomic and cultural issues influencing the international trafficking of women in vulnerable situations. The research was conducted qualitatively, using the deductive method. It is basic, exploratory research, classified as bibliographic and documentary. The study certainly points out that Brazilian legislation provides evidence that the international trafficking of women for the purposes of sexual exploitation has significant impacts on the legal, socioeconomic and cultural domains, contributing to the perpetuation of this crime and resulting in harmful consequences for the victims, as well as complex challenges for society and legal systems.

Keywords: Trafficking in women. Sexual exploitation. Vulnerability. Palermo Protocol.

1 INTRODUÇÃO

Não é difícil se notar, que nos dias de hoje de forma global, rentável e silenciosa, inúmeras pessoas são submetidas a condições análogas à escravidão. Nesse contexto, o tráfico de pessoas é considerado uma modalidade de escravidão moderna, fundada na vulnerabilidade da vítima (BARBOZA, 2020). Segundo dados produzidos pela ONU no Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas (2018), as mulheres representam a maior parcela de vítimas de tráfico humano no mundo, que são aliciadas para exploração sexual ou mão de obra escrava. Ao analisar historicamente o tráfico internacional de mulheres para fim de exploração sexual, nota-se que sua presença está intrínseca desde o período colonial (SOUZA, 2019).

Ao longo dos últimos anos e com cada vez mais frequência e intensidade, a comunidade internacional e, particularmente, algumas Organizações Não Governamentais (ONG) e governos têm se preocupado cada vez mais com o fenômeno, muitas vezes argumentando que o tráfico de pessoas está se expandindo de forma tão significativa que passou a representar um dos problemas mais prementes no Brasil e no mundo de violação dos direitos humanos (BASSIOUNI et al., 2010). 

O Brasil é exportador e importador de mulheres em situação de tráfico humano, sendo muitas aliciadas por promessas em busca de melhores condições de vida, e até de um sonho que se torna armadilha e escravidão humana, ferindo a dignidade prevista no artigo 5º, da Constituição Federal de 1988 (RORIZ, 2021). Os grupos envolvidos nessa prática buscam mulheres que estejam vulneráveis, em situações de desigualdade, áreas pobres ou zonas rurais (FARIA, 2021).

Os tratados internacionais são grandes aliados e fundamentais no combate ao tráfico de pessoas, isso porque são baseados nos direitos universais solidificados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os países signatários se propõem a cumprir o que lhe foi determinado pela livre manifestação de sua vontade e de acordo com o exercício da sua soberania (FARIA, 2021).

O principal instrumento internacional que aborda o assunto é a Convenção contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como “Convenção de Palermo”. O Brasil é signatário de tal convenção e de todos os seus protocolos. Entretanto, por muito tempo a legislação brasileira permaneceu ultrapassada em relação a tal instrumento, mantendo normas incompatíveis ao mesmo (BALBINO, 2017).

O estudo  analisa as questões legais, socioeconômicas e culturais que influenciam o tráfico internacional de mulheres em situação de vulnerabilidade. Para tanto, a discussão é construída em três momentos. Primeiramente,foram mapeados os principais marcos legais que moldaram a evolução da legislação sobre o tema ao longo do tempo, destacando mudanças significativas. 

Logo em seguida, foi realizada uma análise da legislação brasileira relacionada ao tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual, desde sua origem até os dias atuais, identificando as principais leis, decretos e regulamentos envolvidos nesse aspecto. Por fim, foram apresentadas as políticas públicas voltadas para o combate dessa forma de tráfico, visando proteger e amparar as mulheres em situação de vulnerabilidade. 

Na pesquisa utiliza abordagem qualitativa e dedutiva, com base a análise de dados bibliográficos e documentais, incluindo tratados internacionais, leis nacionais e estudos acadêmicos relevantes.È uma pesquisa básica, quanto aos objetivos de cunho exploratória, visando identificar, revisar e compilar a literatura existente, explorando conceitos, teorias e hipóteses.

O trabalho sobre o tráfico de mulheres é de extrema relevância, dada a magnitude do problema e seus impactos multidimensionais, buscando não apenas aprofundar o entendimento do tráfico internacional de mulheres para exploração sexual, mas também aprimorar o campo do Direito no que diz respeito a esse crime. 

Esse artigofornece informações complementares sobre os desafios enfrentados na luta contra o tráfico de mulheres, apoiando a formulação de políticas mais eficazes e a promoção de medidas de prevenção e intervenção.Assim, o presente estudo tem o intuito meramente laudatório , sem intenção de esgotar o assunto, que merece atenção crescente da academia tendo em vista o atual cenário que se desenha.

2 OS PRINCIPAIS MARCOS LEGAIS PARA A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA QUE INFLUENCIARAM A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE O TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES

O aspecto legal desempenha um papel fundamental na compreensão e combate ao tráfico internacional de mulheres. As leis nacionais e internacionais são essenciais para responsabilizar os traficantes e proteger as vítimas. O estudo dessas implicações legais é crucial para melhorar os esforços de prevenção e justiça.

2.1 Abordagem da Legislação Internacional sobre o tráfico de mulheres

O “Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas” e a “Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças” são tratados internacionais destinados a combater o tráfico de mulheres e crianças, especialmente para exploração sexual. O primeiro foi criado em 1904 e ratificado pelo Brasil em 1951, e o segundo foi estabelecido em 1921 e aceito pelo Brasil em 1934 (FARIA, 2021). 

Além disso, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) foi adotada pela ONU em 1979 e legalizada pelo Brasil em 1984, porém com discrições.Esses tratados internacionais desempenharam um papel importante na promoção dos direitos das mulheres e na prevenção do tráfico de seres humanos, especialmente mulheres e crianças, para fins de exploração.

Em 13 de setembro de 2002, houve uma mudança importante, em que o primeiro acordo foi substituído pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, estabelecida no Decreto nº 4.377. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como “Convenção de Belém do Pará,” foi criada em 1994 e adotada pelo Brasil por meio do Decreto nº 1.973 em 1996.

A substituição do “Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas” pela “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher” em 2002 marcou um avanço significativo na abordagem internacional dos direitos das mulheres. Essa mudança refletiu um compromisso em não apenas reprimir o tráfico de mulheres, mas também abordar as várias formas de discriminação de gênero.

Além disso, a adesão à “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,” conhecida como “Convenção de Belém do Pará,” demonstrou o compromisso do Brasil em proteger os direitos das mulheres em toda a região e foi uma ferramenta valiosa para enfrentar a violência e a discriminação contra as mulheres, promovendo a igualdade de gênero e a segurança das mulheres.

Essas mudanças legais e compromissos internacionais foram passos importantes na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde as mulheres ainda são vítimas de várias formas de exploração e violência. No entanto, ainda é fundamental que essas convenções sejam implementadas de maneira eficaz para garantir a promoção dos direitos das mulheres e a erradicação do tráfico de pessoas e da violência de gênero.

O lapso temporal no que tange a evolução da legislação brasileira em relação ao combate ao tráfico internacional de mulheres, decorre da precária busca em resguardar os direitos das mulheres na época. Dessa forma, elas eram vistas como indivíduos sem privilégios e sem liberdades, vivendo as margens da sociedade daquele tempo, sendo assim, a legislação  evoluíalentamente ao decorrer da história.

Segundo Balbino (2017, p. 53), “antes da criação do Protocolo de Palermo em 2000, não havia tratados ou convenções que definissem o tráfico de pessoas ou formas de combatêlo, apesar de existirem vários documentos sobre o tráfico, especialmente de mulheres”. 

O comentário de Balbino (2017) ressalta a importância do Protocolo de Palermo como um marco significativo no combate ao tráfico de pessoas. Antes desse tratado, a ausência de definições claras e mecanismos de combate tornava o tráfico de pessoas um desafio complexo de enfrentar. Embora existissem documentos sobre o tráfico, especialmente de mulheres, a falta de uma definição e abordagem global limitava os esforços para prevenir e combater esse crime.

2.2 O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Palermo) de 2000 e sua notabilidade no âmbito legal

O Protocolo de Palermo, também chamado de “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças,” foi estabelecido em 2000 em Nova Iorque e entrou em vigor em 2003. O Brasil o ratificou em 12 de março de 2004, através do Decreto nº 5.017, tornando-o parte de sua legislação.

O artigo 3º, alínea “b” do Protocolo estipula que o consentimento para qualquer forma de exploração é considerado irrelevante se for obtido por meio de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, situação de vulnerabilidade ou através de pagamentos ou benefícios. Em consonância com a alínea “c” do mesmo artigo, o transporte, alojamento ou acolhimento de menores de 18 anos não requer a aplicação desses mecanismos para que o tráfico de pessoas seja configurado.

O artigo 5º estabelece que cada país deve adotar as medidas legislativas que considerar necessárias para definir as infrações penais relacionadas ao tráfico de pessoas. Quanto ao artigo 6º, ele aborda medidas de proteção para as vítimas, que podem incluir alojamento adequado, assistência médica e psicológica, bem como garantias de sua segurança física.

Dessa forma, os artigos do Protocolo estabeleceram princípios fundamentais, incluindo a irrelevância do consentimento quando obtido por meios coercitivos, o que é vital para proteger as vítimas que muitas vezes são submetidas a situações de grande vulnerabilidade. Além disso, o Protocolo exige que os países adotem medidas legislativas para definir as infrações penais relacionadas ao tráfico de pessoas, contribuindo assim para a harmonização das leis em nível internacional.

A ênfase nas medidas de proteção às vítimas, como alojamento adequado, assistência médica e psicológica, bem como a garantia de segurança física, reflete a importância de tratar as vítimas com dignidade e cuidado. Em resumo, o Protocolo mencionado representa um avanço significativo no combate ao tráfico de pessoas, uma vez que não apenas promove medidas de prevenção, punição e proteção, mas também fornece uma definição internacionalmente reconhecida desse crime.

2.3 A Legislação Brasileira sobre o tráfico internacional de mulheres

No âmbito da legislação brasileira, o Código Penal de 1890 apresentou, em seu Capítulo III – Lenocínio, as primeiras disposições legais relacionadas ao tráfico de pessoas, conforme estipulado no seu artigo 278. Em 25 de setembro de 1915, a Lei n° 2.992 alterou esse artigo, modificando a pena de prisão para um período de 1 a 3 anos. Além disso, abordou em relação ao consentimento, que até então era taxado como desnecessário somente para o menor. 

A alteração desse artigo pela Lei n°  2.992, em 1915, foi um passo significativo, uma vez que aumentou a pena, demonstrando uma maior preocupação em reprimir o tráfico de pessoas para exploração sexual, e, o desenvolvimento legal relacionado ao consentimento, refletiu a evolução da abordagem do sistema jurídico brasileiro em relação ao tráfico de pessoas e à exploração sexual.

O Código Penal de 1940, em sua seção geral, continha o artigo 231 que tratava do crime de tráfico de mulheres. Essa disposição permaneceu em vigor até a promulgação da Lei nº 11.106 de 2005. Posteriormente, em 2009, a Lei n° 12.015 introduziu alterações significativas a esse artigo, resultando no seguinte texto:

Art. 231: Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 1° Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferila ou alojá-la. § 2° A pena é aumentada da metade se: I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. § 3° Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa (BRASIL, 2016).

As mudanças nesse artigo incluíram a substituição de “mulher” por “pessoa” e a ampliação do escopo para abranger a prostituição e a exploração sexual. Passou a ser causa de aumento de pena quando a vítima for menor de 18 anos, sem um limite mínimo de idade. Além disso, a Lei n°12.015 de 2009 alterou o bem jurídico protegido, passando a enfatizar a dignidade sexual em vez dos costumes.

Essa ampliação do artigo demonstrou o reconhecimento das várias formas em que o tráfico de pessoas pode ocorrer, indo além da exploração sexual de mulheres. Essa abordagem mais abrangente teve a finalidade de permitir uma resposta legal mais eficaz às diversas situações de tráfico.

A Lei n°11.106 de 2005 introduziu o artigo 231-A, que tratava do tráfico nacional de pessoas, e esse artigo foi novamente alterado em 2009 pela Lei n° 12.015. A Lei n° 13.344, promulgada em 6 de outubro de 2016, abordou o tráfico internacional de pessoas, revogando os artigos mencionados do Código Penal. Essa lei trouxe várias modificações significativas relacionadas ao crime de tráfico de pessoas no Brasil, afetando não apenas o Código Penal, mas também o Código de Processo Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

2.4 A lei nº 13.344/2016 no âmbito brasileiro

Em 6 de outubro de 2016 entrou em vigência a Lei nº 13.344, que trata sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas, bem como as medidas de atenção às vítimas, alterando assim o Código de Processo Penal e o Código Penal. Em seu artigo 1º, no parágrafo único, fica especificado que “O enfrentamento ao tráfico de pessoas compreende a prevenção e a repressão desse delito, bem como a atenção às suas vítimas” (Brasil, 2016).

Logo, o artigo 4º lida com as ações destinadas à prevenção do tráfico de pessoas. O artigo 5º, por sua vez, aborda as medidas de repressão a esse crime, enquanto as disposições relativas à proteção e assistência às vítimas podem ser encontradas nos artigos 6º e 7º. No contexto das medidas de proteção e assistência às vítimas, o inciso VI do artigo 6º enfatiza a importância de proporcionar um atendimento humanizado às pessoas afetadas.

É importante salientar que o artigo 9º está relacionado a questões processuais: “Aplica-se subsidiariamente, no que couber, o disposto na Lei n° 12.850, de 2 de agosto de 2013” (BRASIL, 2016). Essa lei trata de organizações criminosas e dos métodos de investigação aplicados a essas organizações, incluindo recursos como a infiltração de agentes. Portanto, se determinado mecanismo previsto na norma deve ser aplicado subsidiariamente, isso implica que os métodos de investigação utilizados para combater o crime organizado também podem ser aplicados ao tráfico de pessoas, uma vez que esta prática está frequentemente associada a organizações criminosas.

Com a introdução da nova lei, como mencionado anteriormente, houve a revogação dos artigos 231 e 231-A do Código Penal. Em substituição a esses artigos, foi inserido no Código Penal, mais especificamente no Capítulo I do Título I, que trata dos crimes contra a liberdade individual, o seguinte dispositivo no artigo 149-A:

Art. 149-A: Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III – submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV – adoção ilegal; ou V – exploração sexual. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. § 1° A pena é aumentada de um terço até a metade se: I – o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; II – o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; III – o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou IV – a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. § 2° A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa (BRASIL, 2016).

Com o  artigo 149-A em vigor, o crime de tráfico internacional e interno de pessoas é passível de punição não apenas no que se refere à exploração sexual, mas também quando envolve atividades como agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher uma pessoa com a intenção de remover órgãos, tecidos ou partes do corpo dela, submetê-la a condições de trabalho análogas à escravidão, impor qualquer tipo de servidão, ou facilitar adoção ilegal, tudo isso mediante o uso de grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso. 

O artigo 149-A é abrangente e considera que o agente pode cometer o delito ao praticar qualquer uma das ações listadas. O bem juridicamente protegido por esse artigo é a liberdade individual da vítima, visto que está inserido na seção referente aos “Crimes Contra a Liberdade Individual”. Diferente dos artigos revogados, o art. 149-A tem por elemento principal a finalidade, não necessariamente de exploração sexual, mas também a de remoção de órgãos, o trabalho escravo e a servidão ou de adoção ilegal. Ele fica consumado independente da concretização da vontade específica, sendo apenas necessária a realização de um dos tipos mediante violência física ou moral, fraude ou abuso. 

As penas também foram atualizadas em conformidade com as mudanças na legislação. O antigo artigo 231 previa pena de reclusão de 3 a 8 anos, enquanto o 231-A previa pena de reclusão de 2 a 6 anos. No novo artigo 149-A, a pena foi aumentada para reclusão de 4 a 8 anos, além de multa, de forma cumulativa. As circunstâncias agravantes também foram modificadas, resultando em um aumento de um terço a metade da pena nos casos em que o crime é cometido por um funcionário público no exercício de suas funções, ou sob o pretexto de exercê-las, contra criança, adolescente, pessoa idosa ou com deficiência. Além disso, a pena pode ser agravada quando o agente se aproveita de relações de parentesco, coabitação, hospitalidade, dependência econômica, autoridade ou superioridade hierárquica inerentes a seu emprego, cargo ou função, bem como quando a vítima é retirada do território nacional.

Por fim, destaca-se o parágrafo 2º do artigo 149-A, que prevê uma causa de diminuição de pena que não estava presente nos artigos revogados. Nesse contexto, a pena pode ser reduzida de um a dois terços se o agente for réu primário e/ou não fizer parte de uma organização criminosa. Isso demonstra a preocupação em diferenciar as diversas situações envolvendo o tráfico de pessoas e aplicar penas proporcionais às circunstâncias individuais de cada caso.

2.5 A Perspectiva do tráfico internacional de mulheres no Código de Processo Penal

Com a modificação introduzida pela Lei nº 13.344/2016, houve consequências que afetaram o Código de Processo Penal, levando à alteração do seu artigo 13-A, que passou a apresentar o seguinte texto: 

Art. 13-A. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). O membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder públicos ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.

 Nesse prisma, o artigo estabelece uma lista específica de crimes nos quais as autoridades públicas podem acessar os dados cadastrais durante investigações. As infrações contempladas incluem cárcere privado e sequestro, tráfico de pessoas, redução a condição análoga à de escravo, extorsão mediante sequestro e extorsão qualificada. No entanto, é fundamental observar que a invasão da vida privada do investigado não é permitida, sendo necessário um equilíbrio na adoção de medidas por parte do membro do Ministério Público ou delegado de polícia.

De acordo com Sanches e Pinto (2017, p. 116), “a mera divulgação de informações relativas a dados cadastrais não implica em violação de sigilo”. Essa prática é aceita tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência e, atualmente, é expressamente permitida por lei. No entanto, para realizá-la, é necessária uma autorização judicial prévia que conceda permissão para tal ato, em conformidade com o princípio constitucional de reserva de jurisdição. Essas mudanças refletem avanços no equilíbrio entre a investigação eficaz e a proteção dos direitos individuais.

3 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO COMBATE AO TRÁFICO DE MULHERES

É importante compreender que o tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual ocorre no Brasil desde muito tempo, vindo a ser primeiramente tipificado através do Código Penal de 1890. Este foi promulgado na Sala das Sessões do Governo Provisório, durante a 2ª República. Tendo em seu Capítulo III – Lenocídio (termo utilizado na época para definir uma prática criminosa que consistia em explorar, estimular ou facilitar a prostituição sob qualquer forma, no intuito de auferir lucro), tendo no artigo 278 a especificação do crime de tráfico de mulheres.

Art. 278. Induzir mulheres quer abusando de sua fraqueza ou miséria, quer constrangendo-as por intimidações ou ameaças, a empregarem-se no tráfico da prostituição; prestar-lhes, por conta própria ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistência, habitação e auxílios para auferir, direta ou indiretamente, lucros desta especulação. 

Penas – de prisão celular por um a dois anos e multa de 500$ a 1:000$ (BRASIL, 1890).

Por conseguinte, em 25 de setembro de 1915, no governo de Deodoro da Fonseca, o artigo destacado foi alterado através da Lei nº 2.992/1915, que modificou a pena, que antes era de um ano, passando a se tornar de 3 anos.

Decorridos anos, foi elaborado o Código Penal de 1940, que carregava no artigo 231 o Tráfico de Mulheres. No entanto só existia punição para os casos onde ocorria exploração sexual e não para outras modalidades de tráfico. É importante salientar que para esse Código, só a mulher poderia se tornar a demandante da reclamação. Porém o que ocorria era que não só as mulheres sofriam com o tráfico, ambos os sexos eram atingidos. 

Em 2005, passou a vigorar a Lei nº 11.106, vindo mais uma vez a modificar a tipificação do crime para Tráfico Internacional de Pessoas. Foi inserido o artigo 231-A que elencava sobre o Tráfico Interno de Pessoas. Seguiu-se 4 anos, e em 2009, mais uma alteração ocorreu, na tipificação do artigo 231 da Lei nº 12.015, passando a ser tipificado como Tráfico Internacional para Fins de Exploração Sexual e o artigo 231-A mudou para abarcar o Tráfico Interno para Fins de Exploração Sexual, conforme transcrito abaixo:

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2º A pena é aumenta da metade se:

I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;
III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou
IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplicase também multa (BRASIL, 2016).

Em continuidade à transformação legislativa, a Lei nº 13.344/16, trouxe uma inovação ao tratar da prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas. Tendo ainda o

cuidado na atenção às vítimas, trazendo mudanças tanto no Código Penal quanto no Código de Processo Penal. Assim sendo, o artigo 1º, parágrafo único da Lei estabelece que o enfrentamento ao tráfico de pessoas compreende à prevenção e a repressão desse delito, bem com a atenção às suas vítimas (BRASIL, 2016).

A Lei acima citada causou grande mudança no tratamento que o Brasil destina ao tráfico de pessoas, até mesmo às Convenções Internacionais. Isso ocorreu por que havia um descompasso entre o recente ordenamento e com o que o Brasil tinha se comprometido, face aos documentos internacionais.

Isso se deu por que os documentos internacionais não faziam restrição do crime de tráfico de pessoas a tão somente questões de exploração sexual, mais ainda observava outras modalidades de exploração.

Destarte, a Lei nº 13.344/16, revoga os artigos 231 e 231-A da Lei nº 12.015/2009, e estabelece o artigo 149-A, que trata exatamente de uma forma mais ampla, o Tráfico de Pessoas, percebendo-o como crime contra a liberdade individual e não tão somente à exploração, ou seja, exprimi o Tráfico de Pessoas e o Tráfico Internacional, passando este último a ser uma causa de aumento da pena, é a Transnacionalidade que ocorre ao ser a vítima apartada do território nacional.

Nesse prisma, a nova contextualização traz o crime de tráfico de pessoas como a viabilidade de punição, no que tange a exploração sexual, bem como, com o intuito de enganar as vítimas, com fins de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoas com a intenção de remover os órgãos, tecidos ou partes do corpo, de submeter a vítima a trabalho em condições análogas à de escravo ou submeter a qualquer outra servidão, e ainda os que possuem intuito de adoção ilegal. Tendo como recursos para tal, grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso (BRASIL, 2016).

Em relação às penas, o artigo 231 antes de sua revogação trazia a pena de reclusão de três a oito anos, a do artigo 231-A, era pena de reclusão de dois e a seis anos. Já o artigo 149A modificou essa pena para de quatro a oito anos e multa (BRASIL, 2016).

No que concerne as agravantes, também houveram mudanças, contidas no § 1º do artigo 149-A, onde a pena poderá ser aumentada de um terço até a metade caso o crime seja cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência, se o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função, ou se a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional (BRASIL, 2016).

Assim como observamos as causas atenuantes, contidas no §2º do artigo 149-A, que traz que a pena poderá ser reduzida de um a dois terços se o agente for réu primário e não integrar organização criminosa (BRASIL, 2016).

3.1 O Tráfico Internacional de Mulheres e a Convenção de Palermo

Divulgada como Convenção de Palermo, a Convenção das Nações Unidas contra o crime Organizado Transnacional, foi outorgada na Assembleia Geral da ONU, no dia 15 de novembro de 2000, sendo ratificada no Brasil, por meio do Decreto nº 5.017. A Convenção de Palermo, é um dispositivo completo inovador e necessário que possibilitou abrir caminhos para o enfrentamento ao crime transnacional e que possui várias facetas do tráfico de pessoas, dando origem a instruções concretas de cooperação internacional, com o propósito de completar uma falha que havia no Direito Internacional, deliberando sobre a feitura de políticas incorporadoras e programas de prevenção e proteção às vítimas pelos países signatários.

Para tanto foi constatado que seria preciso um instrumento que permitisse a cooperação entre países no combate ao crime organizado, atribuindo a estes, a competência para legislar e efetivar de forma eficaz o que foi combinado nos documentos.

Essa convenção é o principal dispositivo completo de combate ao crime organizado e foi um divisor de águas orientador para todos os países signatários. Todavia, a legislação penal foi ajustada ao consenso internacional, o procedimento para extradição foi proporcionado de forma mais ágil, com assistência jurídica e apoio policial.

Nesse diapasão, como notamos a Convenção de Palermo, oportunizou um protocolo contra o crime Organizado Transnacional buscando: prevenir e combater o tráfico de pessoas, tendo o devido cuidado e atenção para com as mulheres e crianças; respeitar os direitos humanos; promover a cooperação internacional entre os países signatários, buscando de forma vinculante, alcançar os objetivos supra elencados.     

4 POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE AO TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES

O enfrentamento ao tráfico de mulheres é uma das temáticas que consegue unanimidade no que diz respeito à perplexidade e revolta coletiva.

Ocorre que a análise de uma norma de forma limitada ao texto legal se dá como insuficiente na compreensão de sua base. Sob a ótica da Teoria Tridimensional visualizada pela doutrina de Miguel Reale, o Direito, partindo de vários sentidos do termo, é composto de três opções basilares e perceptíveis em todos os momentos da vida jurídica, são eles: o contexto fático, o axiológico e o normativo. Assim sendo:

Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor; tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados uns dos outros, mas coexistem numa unidade concreta; mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo de tal modo que a vida do Direito resulta da integração dinâmica e dialética dos três elementos que a integram (REALE, 2002, p. 65). 

Assim, o Direito Penal é uma área do Direito Público que tem início da ideia de que as normas podem vir a ser violadas, como resultado o Estado urge como um poder-dever de sanção ao infrator. Dessa forma, o Direito Penal analisa as normas confeccionadas pelo legislador para então preservar a sociedade. Sendo de importância a análise dentro da conduta do delito praticado. Pois, o Crime tem sua origem na conjuntura histórica de cerceamento de direitos sociais e valores morais, atacados pelo preconceito. Uma vez que, a proteção à moral, sempre esteve indevidamente colocada em um grau mais elevado do que o direito das mulheres.

Em vista disso, essas mulheres são negligenciadas moralmente, não sendo considerado essencial o resgate de mulheres prostitutas, coagidas ou não. Isso não importa para o senso comum, e, por uma perspectiva contraditória, a religião favorece para a continuidade da estigmatização das mulheres, que são as vítimas, e desencorajam a ajuda às políticas públicas que as favorecem.

No contexto brasileiro, o Governo Federal estabeleceu dois documentos nacionais específicos, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e os Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil, tais documentos devendo ser incorporados transversalmente a outras políticas e programas, como o Plano Nacional de Violência Contra a Mulher, o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e outras políticas públicas que vinculem criança e adolescente, direitos humanos e migrações (TERESI, 2012, p.93).

Por se tratar de um crime transnacional, é imprescindível que ocorram políticas nos países de origem e destino, operando como uma conexão participativa, só assim poderá o crime de tráfico de mulheres ser eliminado. Ocorrendo sem distinção, uma vez que, não é pelo fato de ser ou ter sido prostituta que se carece de deixá-la sem amparo na ocasião de quando capturadas por aliciadores.

Acontece que por esse motivo, encontra-se o Serviço de Assistência Consular, tendo como objetivo conceder assistência às brasileiras no exterior. Assim qualquer mulher vítima do tráfico para fins de exploração sexual consegue procurar os serviços com propósito de assistência nas embaixadas brasileiras nos países onde se acham. 

Em 1994, através da Resolução da assembleia Geral da ONU, conceituou-se o tráfico de seres humanos como a manifestação ilícita e clandestina de pessoas que ultrapassam fronteiras nacionais e internacionais, no Brasil e na Espanha, com o objetivo de forçar as mulheres a circunstâncias de coação e exploração sexual ou econômica, para beneficiar traficantes e organizações criminosas (PNETP, 2008, p.9).

Sendo assim a ONU incessantemente se preocupou e se preocupa com o referido tema, haja vista que, ampliou pelo mundo distintos órgãos com o intuito de socorrer e instruir as pessoas sobre os riscos e perigos do tráfico. Ademais, ocorrem inúmeras campanhas, dentre elas, destaque para a campanha Coração azul que possui o objetivo de sensibilizar a opinião pública no que tange o combate ao tráfico de pessoas. Tendo como seu símbolo, o Coração Azul, demonstra e representa a desolação das vítimas do crime de tráfico e identifica a indiferença dos que compram e vendem outros seres humanos.

São diretrizes de enfrentamento recomendadas: promoção e proteção dos direitos humanos; identificação das pessoas traficadas e dos responsáveis pelo tráfico de seres humanos; pesquisa, análise e disseminação de informações e experiências referentes, ao tráfico de seres humanos; asseguração dos parâmetros normativos adequadas; asseguração de respostas adequadas de aplicação e legislação; prevenção ao tráfico; acesso a recursos adequados e efetivos; deveres da equipe da manutenção da paz, polícia civil, de ajuda humanitária e corpo diplomático; cooperação, coordenação entre Estados e regiões (PIOVESAN, KAMIMURA, 2013, p.114-115).

Tais serviços de apoio e assistência precisam ser oferecidos de modo não discriminatório, tratando em uma óptica de respeito e promoção no que se refere aos direitos humanos das mulheres traficadas. Esses serviços precisam ter alcance para qualquer pessoa traficada, independente da categoria do crime, e precisam ocorrer de forma autônoma, de possível colaboração da vítima, decorrendo do sistema de justiça.

De acordo com o Balanço de 2022 das atividades de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, pode-se observar no que tange a Política Nacional de enfrentamento ao tráfico de Pessoas (Decreto nº 5.948/2006) e o III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto nº 9.440/2018), em sua pauta do enfrentamento ao tráfico foi adicionada à agenda política do Brasil em 2004, quando o Brasil aderiu formalmente ao Protocolo de Palermo. Vários órgãos formaram um vasto grupo de trabalhos, tendo como coordenados pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, da Secretaria de Direitos Humanos, da Secretaria de Políticas para as mulheres, ficando este grupo com a tarefa de elaborar e aprovar a Política Nacional de Enfrentamento ao tráfico de Pessoas, de acordo com o Decreto nº 5.948/2006.

Dessa maneira, a PNETP criou no país, uma política de estado que constitui princípios, diretrizes e ações de prevenção, repressão e responsabilização por este crime transnacional, além do atendimento às vítimas.

O I Plano Nacional foi aprovado em 2008 para viger por 2 anos, o II Plano Nacional em 2013, para viger por 4 anos e o III Plano Nacional em 2018, para viger por 4 anos. Sendo este último vigente até Julho/2023, ainda considerado um importante orientador para ações e projetos do Estado até que venha a ser aprovado um novo Plano Nacional.

No momento, 16 estados da Federação possuem Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, são eles: Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Realizado em 2022, o lançamento do edital de Chamamento nº 02/2022, “Fomento a Projetos de Fortalecimento e Expansão da Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas”, teve como objetivo a seleção de projetos voltados ao fortalecimento e ao aumento da Rede de Núcleos de Enfrentamento ao tráfico de Pessoas e Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao migrante.

É importante citar o comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONATRAP), órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que tem como missão, a articulação e atuação dos órgãos e entidades públicas e privadas no enfrentamento ao Tráfico de pessoas.

O CONATRAP permaneceu ampliando seu mandato institucional, e por ser importante, mesmo em decorrência da transição do governo iniciada em dezembro de 2022/ janeiro de 2023, não teve seu decreto de criação revogado.

Vislumbrando dados de qualidade em 2021, uma parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública foi conseguido desenvolver um protótipo de um Sistema de Informações de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (SISETP).

O sistema será utilizado primeiramente por Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETPs), Postos de Atendimento Avançado e Humanizado para Migrantes (PAAHMs) e pela Coordenação Geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CGETP). Ele permitirá o registro de informações detalhados sobre as vítimas de tráfico de pessoas atendidas. Serão registrados: dados pessoais, quadro de saúde, perfil socioeconômico, detalhamento sobre o aliciamento e a exploração, e outras informações. Dessa forma o sistema gerará relatórios estatísticos.

A ideia é o sistema graduar a atuação do governo federal, estadual e municipal no enfrentamento ao tráfico de pessoas, de acordos com os três pilares: prevenção, repressão e assistência à vítima.

No que se refere a dados sobre a judicialização do tráfico de pessoas, na esfera federal em andamento, de acordo com atualização de 31/12/2022, pode se observar: 6 procedimentos extrajudiciais; 88 inquéritos policiais; 75 processos judiciais em 1ª instância e 18 processos judiciais em 2ª instância.

Percebidos como um importante fundamento da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas (Decreto nº 5.948/2006) e da lei do Tráfico de Pessoas (Lei nº 13.344/2016), a proteção e assistência às vítimas de tráfico de pessoas é a base para os programas.

Lembrando que a assistência a vítima do tráfico de mulheres não se exaure no atendimento e no fornecimento das necessidades emergenciais das vítimas, ela excede, alcançando o conjunto de políticas, que atendem de forma integral os direitos da vítima assegurando-lhe a cidadania.

Assim sendo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, iniciou em 2021 um plano para elaboração de um fluxo nacional de atendimento às vítimas de tráfico. Dessa forma, em 2022 foi publicada a “Cartilha de Orientação para a Construção de Fluxos de Atendimento às

Vítimas de Tráfico de Pessoas”, com o objetivo de disponibilizar um encaminhamento mais específico e sistematizado a vítimas e sobreviventes do crime.

As orientações contidas na Cartilha objetivam fortalecer o planejamento e desenvolvimento de fluxos de atendimento a vítimas de tráfico. Proporcionando assim, um encaminhamento mais especializado e sistematizado a vítimas e sobreviventes do crime.

É certo que, além das políticas públicas mais eficientes no combate ao tráfico de mulheres, faz-se necessário uma maior sensibilização da sociedade brasileira em relação a esse crime hediondo.

Existem muitos atores envolvidos no crime do tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual: empresários, clientes, cafetões e cafetinas, servidores públicos e até Estado. Isto significa que a exploração sexual de mulheres brasileiras não pode ser vista apenas como comportamento individual de homens que pagam mulheres para fazer sexo. Fala-se de uma rede mundial que lucra bilhões.

Ocorre ainda à vinculação popular mundialmente da imagem da mulher brasileira como objeto sexual, o que também reforça a manutenção destas práticas. Através do turismo sexual muitos estrangeiros vêm para encontrar essa mulher brasileira idealizada.

A mulher brasileira é reduzida a objeto num sentido muito peculiar, o de objeto sexual, mas isso não somente nos países afora, dentro do Brasil também. No seu próprio país, a mulher brasileira ainda luta para descobrir a sua identidade própria. O Brasil ainda se revela como um país predominantemente machista e conservador e, para muitos (tanto homens quanto mulheres), o lugar da mulher é do tanque para o fogão. A manutenção clássica do patriarcado.

Dessa forma não só os estrangeiros, mas os próprios brasileiros praticam o mesmo fomento a discriminação de gênero, vangloriando mídias sexuais baixas, e possuindo a clara incapacidade de enxergar o preconceito que vem de dentro e é vendido para fora.

Para que o tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual seja derrotado, não se deve levar em conta que a migração foi feita por vontade própria da envolvida. E sim, as condições que levaram essas mulheres a aceitarem, ou por meio de promessas irrecusáveis, ou pelo desconhecimento da situação que irão vivenciar nos países que foram enviadas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual é uma realidade alarmante que transcende fronteiras e atinge milhares de vítimas em todo o mundo. No contexto internacional, tratados como o “Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas,” a “Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças” e, posteriormente, o “Protocolo de Palermo,” representaram avanços significativos ao estabelecerem diretrizes e princípios fundamentais para a prevenção, punição e proteção das vítimas. O compromisso do Brasil com esses tratados evidencia a importância de uma abordagem global para combater o tráfico de mulheres.

No cenário nacional, a evolução da legislação brasileira reflete uma conscientização crescente sobre a gravidade do tráfico de mulheres. Desde as disposições iniciais do Código Penal de 1890 até as alterações mais recentes trazidas pela Lei nº 13.344/2016, observamos uma ampliação do escopo legal para abranger diferentes formas de exploração e uma ênfase na proteção das vítimas. Destaca-se a substituição do conceito restrito de “mulher” por “pessoa”, evidenciando o reconhecimento da diversidade de vítimas desse crime.

A pesquisa também revelou a importância do Protocolo de Palermo, estabelecendo definições claras e mecanismos de combate ao tráfico de pessoas. Além disso, a Lei nº 13.344/2016, ao abordar o tráfico interno e internacional, representou um marco importante na legislação brasileira, consolidando medidas de prevenção, repressão e assistência às vítimas.

Assim, a concretização da visão delineada pelo Protocolo de Palermo por meio desta norma não se resume a assegurar a liberdade individual do sujeito; ela revigora a abordagem aos direitos humanos das vítimas de tráfico, que sofrem perdas que vão além da mera liberdade de movimento, sendo objetificadas. Nesse contexto, a lei é interpretada como uma salvaguarda essencial para proteger as vítimas em um delito que as converte em mercadoria, despojando-as de sua dignidade.

O sistema brasileiro de combate ao tráfico de pessoas, entendido principalmente pela Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e pelos Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, mostrou configurar uma soma de ações desencadeadas pelo Estado brasileiro, especialmente na área federal, com o fim de criar princípios, diretrizes e ações de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e de atendimento às vítimas, conforme as normas e instrumentos nacionais e internacionais de direitos humanos e a legislação brasileira.

No entanto, a legislação no Brasil apresenta indícios de que a disseminação do tráfico internacional de mulheres para propósitos de exploração sexual acarreta efeitos substanciais nos âmbitos legais, socioeconômicos e culturais, promovendo a continuidade desse delito e acarretando repercussões danosas para as vítimas, além de representar desafios intricados tanto para a sociedade quanto para os sistemas jurídicos.

Portanto, a abordagem integrada desta pesquisa, que analisou não apenas aspectos legais, mas também as influências socioeconômicas e culturais no tráfico de mulheres, proporcionou uma compreensão mais abrangente do fenômeno. A exploração sexual está profundamente enraizada em desigualdades de gênero, normas culturais prejudiciais e vulnerabilidades socioeconômicas.

Nesse prisma, políticas públicas e ações de combate devem considerar essa complexidade para serem eficazes.A pesquisa sobre o tráfico de mulheres é crucial devido à grandeza do problema e aos seus efeitos abrangentes. O estudo atual busca apenas agregar sem a pretensão de esgotar o tema, que requer cada vez mais atenção acadêmica diante do cenário em evolução.

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¹Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Email: rochaelzivane@gmail.com
²Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA), Email: eudileneiva@gmail.com
³Doutora em Ciências Criminais – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestra em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB-DF). Especialista em Direito e Processo Tributário pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professora e Orientadora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). E-mail: wirnaalves@unifsa.com.br