SEQUÊNCIA DIDÁTICA SOBRE GESTAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA E MÉTODOS CONTRACEPTIVOS PARA ALUNOS DO 1º ANO DO ENSINO MÉDIO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

DIDACTIC SEQUENCE ON ADOLESCENT PREGNANCY AND CONTRACEPTIVE METHODS FOR STUDENTS OF THE 1ST YEAR OF HIGH SCHOOL: AN EXPERIENCE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10028963


José Sérgio Herculano Gomes da Silva1
Elton Santos Guedes de Morais2
Mariza Brandão Palma3
Anísio Francisco Soares4


Resumo

A adolescência, entre 10 e 19 anos, é dividida em três fases: pré-adolescência, adolescência e juventude. Este período complexo de crescimento biopsicossocial, com mudanças anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais, desperta nos adolescentes a atração romântica e a iniciação sexual. Entretanto, novas condutas adotadas sem as informações necessárias podem se transformar em comportamentos de riscos capazes de comprometer sua saúde e bem-estar, como a gestação precoce. Este estudo busca sensibilizar a comunidade escolar sobre a importância da prevenção da gravidez precoce e não planejada e suas consequências na vida dos adolescentes. Também explora métodos contraceptivos, seu funcionamento e particularidades. A pesquisa foi desenvolvida na Escola de Referência em Ensino Médio Dantas Barreto (EREM – Dantas Barreto), onde após o esse período de observação, foram desenvolvidas e aplicadas sequências didáticas em duas aulas. Na primeira aula, foi desenvolvida uma sondagem, o aprofundamento sobre a gestação na adolescência, e ainda discutiu-se a responsabilidade paterna. Na segunda aula, houve a abordagem dos métodos contraceptivos. Os estudantes demonstraram ter conhecimento sobre os métodos anticoncepcionais, elencando físicos, hormonais e cirúrgicos. Além disso, demonstraram diferentes perspectivas futuras, mas alguns nunca pensaram como uma gestação precoce poderia mudar seus planos; os adolescentes presentes encontraram na intervenção um momento para se nutrir de informações a respeito da temática abordada, pois também trouxeram perguntas pessoais ou por pura curiosidade. A gestação na adolescência, embora não seja um problema recente, demanda ações constantes devido à sua complexidade e as diferentes consequências na sociedade. Uma abordagem integrativa, como a sequência didática proposta, visa conscientizar os alunos sobre seus riscos e a importância dos contraceptivos. Ademais, políticas públicas e ações em escolas adequadamente planejadas, com a capacitação de professores e profissionais de saúde, são fundamentais para fortalecer a educação sexual, tornando-a eficaz e acessível a um número cada vez maior de jovens.

Palavras-chave: Aprendizagem significativa, ISTs, Puberdade, Sequência didática.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) (1986), a adolescência é definida como o período que abrange as idades entre 10 e 19 anos, que pode ainda ser subdividida em três fases: pré-adolescência, a adolescência propriamente dita e a juventude. O Estatuto da Criança e do Adolescente, peça fulcral da legislação brasileira, discorre que tal fase do desenvolvimento humano engloba indivíduos com idade entre 12 e 19 anos (BRASIL, 1990). Entretanto, é necessário cautela ao reduzir esta etapa unicamente à uma perspectiva cronológica, visto a quantidade considerável de fatores que possuem ampla influência, conforme o contexto sociocultural analisado, para a conceituação deste período (ASSIS et al., 2020).

Para além dos números, é necessário tomar conhecimento de que é na adolescência onde ocorre um processo intrincado de crescimento e desenvolvimento biopsicossocial que se reflete em amplas transformações nas dimensões anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais do indivíduo (WHO, 1986; GARCIA, 2010). A puberdade, por sua vez, apresenta-se num lugar de destaque entre os temas correlatos à adolescência, já que simboliza o início da capacidade reprodutiva e pode ser identificada pelas mudanças biológicas que se manifestam neste período, como a secreção de hormônios e o desenvolvimento das características sexuais primárias e secundárias (NEINSTEIN, 2002). Nesse sentido, o que se obtém como resultado da combinação entre essas mudanças biopsicológicas é o desejo por vivenciar novas experiências, a atração romântica e, eventualmente, o início da vida sexual (FILIPINI et al., 2013). Por outro lado, à medida que se sentem aptos a conquistarem sua autonomia e promoverem seu próprio desenvolvimento psicossocial por meio do enfrentamento de desafios, estas novas condutas adotadas sem as informações necessárias podem se transformar rapidamente em comportamentos de riscos capazes de comprometer sua saúde e bem-estar a curto, médio e longo prazo (ZAPPE etal., 2018). Entre as principais consequências encontra-se a gestação precoce.

No Brasil, segundo os dados disponibilizados no DATASUS/SINASC, somente em 2020, mães com idade entre 10 a 14 anos deram à luz a 17.579 crianças, enquanto as de idade entre 15 e 19 anos deram à luz a 364.074 filhos. Além disso, ao olhar as regiões do Brasil separadamente, observa-se que o Nordeste lidera a lista entre ambas as faixas etárias analisadas. A idade das gestantes é um fator crucial, pois exige abordagens específicas para gestações entre meninas de 10 a 14 anos, em oposição às de jovens de 15 a 19 anos. A relação entre abuso sexual e gestação de meninas menores de 14 anos é um fenômeno de grande magnitude, e existem fortes indícios de que muitas das relações sexuais entre adolescentes nesse grupo não ocorrem de maneira consensual (CABRAL & BRANDÃO, 2020).

Segundo Darroch et al., (2016), a gestação é a causa primária de mortalidade entre jovens com idades entre 15 e 19 anos em nações subdesenvolvidas, afetando cerca de 21 milhões de indivíduos do sexo feminino. Desse quantitativo total, quase metade (49%) configura-se como gestação não planejada e apenas 12 milhões resultarão num parto de fato. A gestação precoce pode ser influenciada por diversos fatores, como o baixo grau de educação dos pais, escassez de orientação adequada sobre anticoncepção e fertilização, uso de substâncias ilegais por familiares próximos, baixa renda familiar, local onde se mora, etnia, ausência de base familiar e alteração nos costumes sexuais (HOLNESS, 2015; WELLINGS etal., 2016).

A gestação na adolescência é um problema amplamente conhecido que pode resultar em dificuldades para o bebê recém-nascido, ao mesmo tempo em que aumenta significativamente as chances de complicações maternas, o que inclui riscos mais elevados para processos patológicos, como eclâmpsia, infecções generalizadas e endometrite puerperal (CAFFE et al., 2017; WHO, 2020). Igualmente preocupante é a situação dos filhos de mães adolescentes, uma vez que têm uma maior propensão a nascerem com baixo peso, prematuros e até mesmo dispondo de condições neonatais possivelmente fatais à sua saúde. Acrescenta-se a isso a presença de riscos sociais, a exemplo do abandono do recém-nascido (RN), a rejeição da mãe e do filho pela família ou mesmo a expulsão total do dois do âmbito familiar, a carência de apoio do cônjuge, condições econômicas precárias e situações de risco, como a vivência nas ruas (BRASIL, 2022).

Frequentemente se nota uma ligação estreita entre a gestação precoce e dificuldades na vida do adolescente, que podem resultar em problemas, atrasos ou desvios ao longo do tempo, incluindo o abandono escolar (ALVES et al., 2021). A evasão escolar, por sua vez, causada por uma gestação precoce interrompe toda cadência educacional do indivíduo, pondo em risco a capacidade de propiciá-lo direitos e saberes básicos, como o próprio exercício de sua cidadania, a entrada no mercado de trabalho ou mesmo uma possível ascensão social (SOUSA et al., 2018).

Visto que a influência da família na educação sexual muitas vezes é limitada, é dever da escola desempenhar seu papel educativo e fornecer informações relevantes e seguras sobre o assunto. Dentro desse contexto, a instituição tem responsabilidade de fomentar uma educação crítica que empodere os estudantes com autonomia e senso de responsabilidade. Isso implica fornecer recursos e informações que os habilitem a levar uma vida sexual consciente e segura, enquanto também os encoraja a ponderar sobre as implicações de suas escolhas, visando desenvolver a capacidade de evitar a gestação precoce e o contágio com ISTs (RODRIGUES et al., 2019).

Diante de todos esses aspectos, tornou-se pertinente a formulação de um plano de intervenção centrado numa sequência didática para discentes do primeiro ano do ensino médio que tivesse como peça fulcral a compreensão sobre as consequências da gestação na adolescência e como evitá-la, envolvendo na discussão o uso de métodos contraceptivos, que são essenciais para a prevenção da gestação durante a adolescência. A sequência teve como objetivo sensibilizar a comunidade acadêmica por meio do reconhecimento da importância da prevenção da gestação precoce e não planejada, bem como suas consequências para o plano de vida do adolescente e como prevenir essa problemática, identificando os métodos contraceptivos existentes, seu funcionamento e suas respectivas particularidades.

2. METODOLOGIA

A pesquisa foi desenvolvida na Escola de Referência em Ensino Médio Dantas Barreto (EREM – Dantas Barreto), que está localizada na Avenida PE-15, SN, em Paulista-PE. A EREM possui período semi-integral e recebe apenas discentes com faixa etária contemplada pelo Ensino Médio, contabilizando cerca de 613 alunos. Se tratando de um estudo qualitativo descritivo, visto que pesquisa qualitativa se preocupa com o nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, de motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO, 2014). Já a descritiva dispõe-se a clarificar a situação para o futuro planeamento e tomada de decisões, descrevendo fenômenos, condições e eventos existentes (GRESSLER, 2004).

Antes de se iniciar as atividades, foi necessário observar o contexto escolar, com a finalidade de identificar a melhor forma de dar início ao trabalho na instituição. Essa observação foi de suma importância para identificar a problemática, visto que foram notados alguns diálogos a respeito de casos de evasão escolar ocasionadas pela descoberta de uma gestação não planejada que eram, de certa forma, comuns e por vezes se repetiam, totalizando cerca de três casos distribuídos num período de seis meses. Além disso, foi decidido que sequência didática seria implementada numa turma de primeiro ano, justamente pela maior incidência de casos de evasão escolar num curto período de tempo, e que seria após o encerramento do conteúdo de processos reprodutivos, visando uma maior contextualização. Estabelecido o público alvo, o momento e a temática, foi determinada, então, que seria aplicada em duas aulas de 50 minutos, a seguinte sequência de passos:

2.1. 1º Momento da 1º aula: Exercício de Sondagem – Batata Quente

Nesse primeiro momento, foi feito um exercício de sondagem sobre os assuntos que seriam abordados na sequência. Os alunos foram organizados em círculo e foi realizada uma atividade com a utilização de uma bexiga cheia, que passa de mão em mão ao mesmo tempo em que uma música é tocada ao fundo. Toda vez que música era pausada, o aluno que ficou com a bexiga deveria dizer como é possível evitar uma gestação, se todos acreditassem que foi uma resposta satisfatória, a bexiga voltava a circular pelas mãos, mas caso não fosse, o aluno deverá ficar com a bexiga para si, simbolizando que estivesse “grávido”. No final da dinâmica, a fim de fomentar o debate e a reflexão sobre os assuntos, os alunos foram questionados sobre: 1) os planos que têm para o futuro, 2) se pretendem cursar a faculdade, 3) qual carreira gostariam de seguir, 4) se seus planos podem sofrer alterações com o advento da gestação não planejada, e 5) como sua família reagiria à descoberta dessa possível gestação.

2.3. 2º Momento da 1º aula: Aprofundamento de conhecimentos

Nessa etapa, os discentes tiveram uma aula expositiva dialogada sobre as consequências que uma gestação na adolescência pode trazer para a vida do aluno. O objetivo dessa etapa era viabilizar o conhecimento dos alunos sobre problemáticas como a falta de maturidade biológica e emocional para criar uma criança, o afastamento da escola, a inserção tardia ou mesmo sem qualificação adequada no mercado de trabalho, a possível falta de uma rede de apoio e os preconceitos enfrentados.

2.3. 3º Momento da 1º aula: Responsabilidade Paterna

Nessa etapa, foram expostas algumas frases de cunho machista e patriarcal para provocar o pensamento crítico dos discentes. O objetivo aqui foi demonstrar a responsabilidade equitativa que os adolescentes do sexo masculino também têm quando há uma gestação precoce, sua importância no acompanhamento do processo gestacional e, futuramente, para a vida da criança. Entre as frases utilizadas, encontravam-se as seguintes: 1) ‘‘Segurem suas cabritas que meu bode está solto!’’; 2) ‘‘O homem não tem maturidade para assumir um filho logo cedo’’; 3) ‘‘Abriu as pernas porque quis!’’; 4) ‘‘Ele é um ótimo pai porque fica com a criança quando consegue’’; 5) ‘‘Mulher só engravida se quiser’’.

2.4. 1º Momento 2º aula: Retomada dos métodos contraceptivos

Nesse momento, realizado numa segunda aula, primeiramente foi pedido para que os discentes relembrassem as formas de prevenção contra a gestação que foram citadas durante a dinâmica realizada na primeira aula. A partir disso, foram listados os métodos contraceptivos, bem como feita a pergunta se eles conhecem mais algum método que seja menos comum ou que já haviam ouvido falar, mas que não tinham muito conhecimento sobre.

Em seguida, foi exposta uma caixa de papelão contendo diversos métodos contraceptivos. O objetivo era que eles pudessem se familiarizar até mesmo com os meios de prevenção que não são tão divulgados na grande mídia. Além disso, essa familiarização também é importante para a construção de liberdade e de confiança, para que se sintam à vontade e se percebam num ambiente seguro e apropriado para fazer perguntas.

Exemplos de perguntas norteadoras utilizadas: 1) Qualquer um pode usar esses métodos?; 2) Existem métodos somente para as mulheres e somente para os homens?; 3) Como ter acesso a esses métodos contraceptivos?; 4) Todos esses métodos podem ser utilizados por adolescentes?

2.5. 2º Momento da 2º aula: Aprofundamento dos conhecimentos

Ocorreu, então, uma exposição sobre as diferentes formas de como prevenir a concepção, viabilizando a consolidação do conhecimento dos alunos sobre os agrupamentos de métodos que atuam de forma semelhante, bem como sua eficácia e a forma de acessá-los. Foram ouvidas as perguntas dos discentes e respondidas durante o decorrer da aula. Entre os métodos expostos encontravam-se: 1) métodos naturais, 2) métodos de barreira, 3) métodos hormonais, 4) métodos cirúrgicos e 5) métodos intra uterinos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com a execução do primeiro momento da sequência didática foi possível observar que a dinâmica proposta conseguiu cumprir seu objetivo de conectar os alunos ao tema proposto. Ao serem questionados sobre como evitariam uma possível gestação, foram apontadas uma série de métodos contraceptivos diferentes, tais como preservativos, anticoncepcional via oral, injeção, Dispositivo Intrauterino (DIU), laqueadura e vasectomia, coito interrompido, e o calendário do ciclo; tal quantidade de métodos citados surpreendeu positivamente a equipe. Logo de início os discentes já exibiram um bom nível de conhecimento dos assuntos a serem tratados ao ponto de apenas um único alunos ter ficado com o balão para si, mas não por não saber nenhum método contraceptivo, e sim porque todos que ele citou já haviam sido mencionados por alunos anteriores. Os métodos citados no presente estudo vão de encontro com os resultados descritos no trabalho executado por Jorge et al., (2017) e por Vieira et al., (2021), onde os discentes, quando questionados sobre quais anticoncepcionais tinham conhecimento, foram capazes de elencar uma vasta diversidade, incluindo físicos, hormonais e cirúrgicos. Por outro lado, foi observado que o nível de conhecimento pode variar conforme o contexto em que o aluno está inserido, pois Vieira et al., (2016), ao analisar os saberes entre adolescentes um município do Maranhão, revelou que aqueles oriundos da rede pública possuíam um maior compreensão sobre a função e variedade dos contraceptivos quando comparado aos alunos da rede privada.

Na sequência, os alunos demonstraram um vasto leque de perspectivas futuras, com várias profissões que precisavam de cursos superiores foram indicadas como seus objetivos de vida, bem como concursos que pretendiam fazer para se tornarem funcionários públicos. Ao serem inquiridos sobre como uma possível gestação precoce poderia mudar seus planos, os alunos tiveram um momento de reflexão, com alguns deles expressando notavelmente que nunca tinham pensado na possibilidade. Com o caminhar do debate, os alunos foram percebendo que alcançar suas metas não seria tão fácil assim, principalmente no caso das meninas, justamente porque entenderam as exigências de uma gestação na adolescência para um corpo biológica e psicologicamente não preparado para tal demanda. Para Domingues etal., (1999), a gestação não planejada durante esta fase do desenvolvimento humano é considerada como um grande empecilho, sendo capaz de ocasionar, consequentemente, possíveis desvios no delineamento do projeto de vida dos jovens. Ainda em suas palavras, há uma cisão inicial, onde alguns jovens mantêm a esperança de seguir com seus planos, enquanto outros são levados a reconsiderar ou até mesmo abandonar seus objetivos devido à nova situação com a qual se deparam.

Desde décadas atrás, não somente têm-se debatido sobre as consequências da gestação durante a fase da adolescência, mas também sua complexidade e todas as repercussões maternas relacionadas a esse processo, salientando o fato de se tratar de um problema de saúde pública que deve ser tratado de forma integral (OLIVEIRA et al., 2022). Num primeiro momento, a descoberta da gestação precoce por si só já é responsável por ocasionar um misto de mudanças praticamente instantâneas na saúde emocional e mental dos indivíduos envolvidos no processo. Com o passar do tempo, os fatores biopsicossociais tomam um local de destaque graças às novas responsabilidades assumidas de maneira praticamente impositiva (TABORDA etal., 2014). Ao analisar as discrepâncias vivenciadas por jovens de diferentes classes sociais, Taborda etal., (2014) relatou que aquelas pertencentes à classe A apresentaram uma maior estabilidade financeira, o que resultou numa manutenção mais adequada de sua rotina. Por outro lado, as adolescente da classes C e D enfrentaram mudanças drásticas em suas vidas, que dificultaram a conquista de sua própria autonomia e privacidade, tornando-as alvo de preconceito social e aumentando ainda mais necessidade já naturalmente elevada de ter um preparo físico, cognitivo e intelectual para arcar com as responsabilidades intrínsecas à gestação. Ao levar o contexto social em consideração, infere-se que a maioria dos estudantes da instituição são das classes socioeconômicas mais vulneráveis, e portanto, apresentam uma possibilidade mais elevada de sofrerem com as consequências mais severas.

A riqueza do que era debatido e o envolvimento dos alunos com a temática proporcionou a entrada no momento de aprofundamento dos conhecimentos de maneira continuada, sem uma interrupção brusca de suas linhas de raciocínio. A abordagem da parcela teórica do conteúdo sobre gestação na adolescência e temas correlatos, como a interrupção dos projetos de vida, desempenhou um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem dos jovens, pois foi um momento propício para que a equipe envolvida com a sequência didática pudesse viabilizar informações pertinentes, e ainda suplementar e concretizar a conscientização sobre os desafios, responsabilidades e consequências associados a decisões relacionadas à sexualidade trazidas à tona anteriormente.

Em seguida, sobre a importância da responsabilidade paterna, muitos alunos indicaram que já tinham ouvido falar pelo menos uma vez de boa parte das frases que foram expostas. Novamente os alunos demonstraram um alto nível de conhecimento sobre o tema machismo. O debate de temas polêmicos, como machismo e feminismo, gera uma forte vontade de expressar suas ideias, principalmente quando não se concorda com o que o outro diz, e isso não seria diferente nos alunos. Nessa parte, foi necessária a atuação da equipe como mediadores do debate, para que todos pudessem ser ouvidos. O debate acabou permeando até mesmo em outras questões, como a pensão alimentícia e sobre o valor diminuto pago pelos pais. O docente, ao conduzir uma atividade que se baseia unicamente ou que tem como uma de suas etapas o debate entre os discentes, precisa se envolver ativamente como mediador, uma vez que há uma grande quantidade de variáveis a serem consideradas. Quanto aos seus objetivos e deveres, lhe cabe acompanhar as intervenções dos alunos, fazer perguntas para promover o desenvolvimento da dinâmica, introduzir novos elementos para a conversa e demonstrar flexibilidade para lidar com situações inesperadas (ALTARUGIO etal., 2010).

No que diz respeito à relevância de discutir sobre as responsabilidade paternal, esta se torna ainda mais necessária quando se leva em consideração que, de maneira geral, as mulheres adolescentes não dispõe de muitas outras alternativas e acabam assumindo a gestação, com todos os ônus da maternidade, ao passo que os adolescentes do sexo masculino, nos casos em que não se esquivam totalmente, arcam apenas com as responsabilidades jurídicas da paternidade, ignorando outros encargos fundamentais relacionados à criação de um filho (LUZ & BERNI, 2010). Destarte, para que não se abandone crianças inocentes por aqueles que não desejam, não se interessam ou não têm condições para assumir o papel de pai/mãe, Menezes (2011) preconiza a necessidade de promover e disseminar o entendimento apropriado da paternidade responsável, para que essa compreensão sobre a função genuína do pai na educação de crianças e adolescentes resulte tanto na preservação do bem-estar de seus descendentes, quanto no estímulo de seu crescimento em um ambiente saudável e equilibrado.

Na segunda aula, os alunos foram questionados sobre as diferentes formas de contracepção citadas por eles mesmos anteriormente, ao mesmo tempo em que foi disponibilizada para a exibição a caixa com os diferentes métodos contraceptivos, que demonstrou ter sido de grande utilidade para chamar a atenção dos que estavam presentes na sala. Disponibilizar uma caixa com diversos métodos contraceptivos constituiu uma estratégia eficaz para tornar o aprendizado mais prático e tangível, visto que esta abordagem permitiu que os estudantes expandissem suas compreensões sobre as opções disponíveis, bem como suas características, eficácia e uso adequado. Ressalta-se aqui a importância primordial de garantir que essa atividade seja realizada de maneira sensível, com respeito pelas crenças individuais e os valores culturais dos alunos, além de que seja complementada por orientações e debates abertos sobre sexualidade, relacionamentos e consentimento.

Na sequência, foi reservado um momento para demandar que identificassem em quais agrupamentos se situavam, no qual os discentes conseguiram acertar a maioria, principalmente os mais conhecidos, como preservativo, injeção anticoncepcional e anticoncepcional por via oral. Além disso, no decorrer do momento os alunos ficaram assustados com a quantidade de métodos que atuavam contra a concepção, mas que não tinham serventia contra as infecções sexualmente transmissíveis (IST’s), um tema periférico aos abordados, mas de forte relevância e contribuição para o que estava sendo abordado. Abordar temas relacionados à sexualidade durante a fase da adolescência, como a gestação indesejada e as próprias IST’s possibilita a criação e a execução de medidas capazes de prevenir os problemas sociais e de saúde decorrentes desses temas (SCALDAFERRI et al., 2019).

O conhecimento prévio dos alunos sobre boa parte dos métodos permitiu fazer questionamentos, que juntos somavam-se e davam origem a novos outros saberes, efetuando um processo de ensino-aprendizagem que não considerou o aluno uma tábula rasa, mas sim um indivíduo com suas respectivas vivências e um conjunto de concepções ricas e que puderam gerar bons frutos. De acordo com o psicólogo estadunidense Ausubel (1968), determinados conhecimentos que o aluno já possui, também chamados de ideia-âncora, são o ponto chave para a formulação de novos saberes através da reorganização tanto de suas estruturas mentais, quanto da elaboração de outras novas.

Ademais, observou-se que os adolescentes ali presentes encontraram na intervenção um momento em que puderam se nutrir de informações verídicas, haja vista que houveram perguntas de cunho mais pessoal ou apenas dotadas de pura curiosidade, mas de igual importância, uma vez que talvez não pudessem fazer em outros âmbitos que frequentam. A discussão sobre sexualidade é um desafio e até mesmo desconfortável para muitos jovens, pois algumas famílias optam por não abordar esse assunto em casa, ignorando o desenvolvimento natural e inevitável que todo ser humano é obrigado a passar. Por outro lado, culpabilizar os pais sobre a ausência de uma comunicação aberta sobre o tema não é o caminho a ser seguido, visto que essa falta de preparo geralmente é ocasionada pelo próprio histórico repressivo pelo qual eles mesmo passaram. Devido à falta de educação adequada na juventude, nem todos os responsáveis foram expostos a essas informações, o que torna essa uma questão tradicionalmente encarada com sensibilidade, permeada por tabus, com forte resistência, preconceitos e até mesmo a falsa ideia de que abordar o tema da sexualidade com os filhos server para induzir o engajamento numa relação sexual precoce. (GONÇALVES; FALEIRO & MALAFAIA, 2013; FREIRE et al., 2017). Conforme as palavras de Nascimento etal., (2017), é urgente e imprescindível viabilizar aos jovens um espaço para discutir abertamente sexualidade e vulnerabilidades, sem que haja julgamentos que os deixem acuados, uma vez que isso possibilita a construção de conhecimento que apoie a busca por uma saúde sexual e reprodutiva segura e saudável.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A gestação na adolescência, ainda que não seja considerada um problema recente entre as principais pautas debatidas entre as políticas públicas, o meio comum e na literatura acadêmica, justifica-se o combate ininterrupto contra esse processo pela sua natureza multifacetada. Essa complexidade está intrinsecamente ligada a diversos fatores, como as implicações emocionais e psicológicas para os jovens pais, as ramificações econômicas e sociais para a família, comunidade e o sistema de saúde, bem como as consequências de longo prazo para o desenvolvimento educacional e profissional desses adolescentes.

Para lidar eficazmente com esse desafio é essencial uma abordagem integrativa, incluindo alcançar o público-alvo por meio dos processos de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, aponta-se a sequência didática descrita no presente trabalho como uma alternativa para promover a conscientização dos alunos sobre as implicações de uma gestação precoce, a importância do uso apropriado dos métodos contraceptivos e das responsabilidades que ambos os progenitores devem assumir. No entanto, para que essa educação sexual seja ainda mais eficiente e abranja um número cada vez maior de jovens, é fundamental que as políticas públicas e as ações de educação em saúde nas escolas sejam estrategicamente planejadas e amplamente difundidas. Investir na capacitação de professores e profissionais de saúde, promovendo parcerias entre instituições de ensino, órgãos de saúde e instituições de ensino superior é um passo fundamental para aprimorar a qualidade da educação sexual e saúde reprodutiva, uma vez que profissionais bem treinados são a espinha dorsal de qualquer programa educacional bem-sucedido neste campo.

5. AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi realizado graças ao apoio da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e a equipe que compõe o Laboratório de Fisiologia e Cirurgia Experimental |(LAFICE).

REFERÊNCIAS

ALTARUGIO, M. H.; DINIZ, M. L.; LOCATELLI, S. W. O debate como estratégia em aulas de química. Química novana escola, v. 32, n. 1, p. 26-30, 2010.

ALVES, R. S. Sousa et al. Gravidez na adolescência: Contribuições dos profissionais de saúde frente à educação sexual e reprodutiva. Research, Society and Development, v. 10, n. 2, 2021.

ASSIS, S. G.; AVANCI, J. Q.; SERPELONI, F.. O tema da adolescência na saúde coletiva: revisitando 25 anos de publicações. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 12, p. 4831-4842, 2020.

AUSUBEL, D. P. et al. Educational psychology: A cognitive view. 1978. Nova Iorque: Holt, Rinehart & Winston, 1968.

Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 14 jul.

Brasil. Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em Saúde. 1 a 8/02 – Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência. Brasília-DF: Ministério da Saúde; 2022

CAFFE, S. etal. Looking back and moving forward: can we accelerate progress on adolescent pregnancy in the Americas?. Reproductivehealth, v. 14, n. 1, p. 1-8, 2017.

CABRAL, C. S.; BRANDÃO, E. R. Gravidez na adolescência, iniciação sexual e gênero: perspectivas em disputa. Cadernosde SaúdePública, v. 36, p. e00029420, 2020.

DATASUS/TABNET. [S. l.], 2022. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def. Acesso em: 27 ago. 2022.

DOMINGUES, J. S. J.; MOTA, M. S. F. T.; BRANCO, V. C. Fatores etiológicos relacionados à gravidez na adolescência e vulnerabilidade à maternidade. In: Cadernos juventude, saúdee desenvolvimento. Brasil. Ministério da Saúde, 1999. p. 223-9.

FREIRE, A. K. S. et al. Aspectos psicossociais da sexualidade na adolescência: diálogos e aprendizagem na escola. Semina:CiênciasBiológicasedaSaúde, v. 38, n. 1, p. 3-14, 2017.

FILIPINI, C. B.; PRADO, B. O.; FELIPE, A. O. B; TERRA, F. S. Transformações físicas e psíquicas: um olhar do adolescente. Adolesc. Saúde (Online), p. 22-29, 2013.

GARCIA, C. Conceptualization and measurement of coping during adolescence: a review of the literature. Journal ofNursing Scholarship, v. 42, n. 2, p. 166-185, 16 dez. 2010.

GONÇALVES, R. C.; FALEIRO, J. H.; MALAFAIA, G. Educação sexual no contexto familiar e escolar: impasses e desafios. Holos, ano 29, v. 5, p. 252-257, 2013.

GRESSLER, L. A. Introdução à pesquisa: projetos e relatórios. 2º Ed. São Paulo: Loyola, 2004. 295 p.

HOLNESS, N. A global perspective on adolescent pregnancy. International journal of nursing practice, v. 21, n. 5, p. 677-681, 2015.

JORGE, S. A. et al. Conhecimento e comportamento dos adolescentes de uma escola pública sobre sexualidade e métodos contraceptivos. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 41, n. 1, 2017.

LUZ, A. M. H.; BERNI, N. I. O. Processo da paternidade na adolescência. Rev. Bras.Enferm., Brasília, v. 63, n. 1, feb. 2010.

MENEZES, D. B. Responsabilidade civil por abandono afetivo. Monografia (Especialização em Direito de Família, Registros Públicos e Sucessões). Universidade Estadual do Ceará, Escola Superior do Ministério Público, Fortaleza, 2011.

MINAYO, M. C. de S. (Org.). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. Rio de Janeiro: Hucitec, 2014. 408 p.

NEINSTEIN, L. S. (Ed.). Adolescent health care: a practical guide. Lippincott Williams & Wilkins, 2008.

OLIVEIRA, B. F. L. et al. Gravidez na adolescência. Promoção e proteção da saúde damulher, ATM 2025/1. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Medicina, 2022. p. 187-204, 2022.

RODRIGUES, L. S.; SILVA, M. V. O.; GOMES, M. A. V. Gravidez na Adolescência: suas implicações na adolescência, na família e na escola. Revista Educação e Emancipação, v. 12, n. 2, p. 228–252, 2019.

SCALDAFERRI, M. M. etal. Infecções sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência no contexto de escolas no município de Itapetinga/BA. Seminário Nacional e Seminário Internacional Políticas Públicas, Gestão e Práxis Educacional, v. 7, n. 7, 2019.

SOUSA, C. R. O. etal. Fatores preditores da evasão escolar entre adolescentes com experiência de gravidez. Cadernos Saúde Coletiva, v. 26, p. 160-169, 2018.

TABORDA, J. A. etal.Consequências da gravidez na adolescência para as meninas considerando-se as diferenças socioeconômicas entre elas. Caderno Saúde Coletiva Online(Rio J.), v. 22, n. 1, p. 16-24, 2014.

VIEIRA, E. L. et al. Uso e conhecimento sobre métodos contraceptivos de estudantes da rede de ensino pública e privada do município de Bacabal-MA. Rev Cientifica. ITPAC, v. 9, n. 2, p. 88-106, 2016.

VIEIRA, K. J. etal. Conhecimentos de adolescentes sobre métodos contraceptivos e infecções sexualmente transmissíveis. Revista Baiana de Enfermagem, v. 35, 2021.

WELLINGS, K. et al. Changes in conceptions in women younger than 18 years and the circumstances of young mothers in England in 2000–12: an observational study. The Lancet, v. 388, n. 10044, p. 586-595, 2016.

WORLD HEALTH ORGANIZATION etal. Young people’s health-a challenge for society: report of a WHO Study Group on Young People and” Health for All by the Year2000″[meeting heldin Geneva from 4 to 8 June 1984]. World Health Organization, 1986.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Adolescent pregnancy. Geneva: World Health Organization; 2020.

ZAPPE, J. G.; ALVES, C. F.; DELL’AGLIO, D. D. Comportamentos de risco na adolescência: revisão sistemática de estudos empíricos. Psicologia em Revista, v. 24, n. 1, p. 79-100, 2018.


1 Graduando em Licenciatura em Ciências Biológicas – UFRPE. herculanosergio.03@gmail.com;

² Graduando em Licenciatura em Ciências Biológicas – UFRPE. eltonsgmorais@gmail.com;

3 Docente do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal (DMFA) – UFRPE. mariza.palma@ufrpe.br;

4 Docente do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal (DMFA) e do Programa de Pós-Graduação em Biociência Animal – UFRPE. anisio.soares@ufrpe.br.