SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO INSTRUTÓRIA COMPARTILHADOS NO CPC/15 

SHARED CASE MANAGEMENT AND EVIDENTIARY ORGANIZATION IN THE BRAZILIAN CODE OF CIVIL PROCEDURE 

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11221919


Camila Yuri Almeida Watanabe1 


RESUMO 

O presente artigo objetiva fazer uma análise do procedimento do saneamento e organização instrutória compartilhados sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, à luz do dever de cooperação estabelecido em seus art. 6º. 

Palavras-chave: 

Processo Civil. Saneamento. Organização Instrutória. Fase Ordinatória. Dever de Cooperação. Audiência de Saneamento. Negócio Jurídico Processual. Atos Conjuntos. 

ABSTRACT 

This article aims to analyze the shared procedure of sanitation and instructional organization under the aegis of the 2015 Brazilian Code of Civil Procedure, pursuant to the duty of cooperation established in its 6th article. 

Keywords: 

Civil Procedure. Sanitation. Instructional Organization. Ordinary Phase. Duty of Cooperation. Sanitation Hearing. Procedural Legal Transaction. Joint Acts. 

1. INTRODUÇÃO 

O presente artigo se debruça sobre um tema de grande relevância e atualidade para a comunidade jurídica: o “Saneamento e Organização Instrutória Compartilhados no CPC/15”. Este é um tema que, embora muito discutido nos círculos acadêmicos e práticos do Direito, ainda demanda maior aprofundamento, sobretudo diante das complexidades decorrentes da sua aplicação na realidade processual brasileira.  

O estudo deste tema se justifica pela necessidade de se compreender melhor o papel e a funcionalidade do saneamento e da organização instrutória compartilhados no cenário atual do direito processual civil brasileiro. O CPC/15 trouxe inovações substanciais em relação ao CPC/1973, entre elas a consagração do princípio da cooperação (art. 6º) e a possibilidade de realização de uma audiência de saneamento compartilhado (art. 357, § 2º). Estes dispositivos, como veremos, têm o potencial de alterar significativamente a maneira como o processo civil é conduzido e resolvido. 

O primeiro capítulo deste artigo, “Dever de Cooperação no Novo CPC”, abordará a importante novidade introduzida pelo Código de 2015 que impõe um dever de colaboração entre as partes, seus advogados e o juiz para que se atinja uma solução justa e efetiva da lide. O segundo capítulo, “Saneamento e Organização Instrutória do Processo”, trata dos fundamentos e do propósito dessas duas fases processuais sob a perspectiva do CPC/15.  

Em sequência, no capítulo “Audiência de Saneamento”, será realizada uma análise detalhada dessa fase processual, destacando sua finalidade, seus procedimentos e sua relevância para a efetividade do processo, levando sempre em consideração a comparticipação.  

Por fim, o último capítulo, “Art. 357, § 2º do CPC, Sob a Luz dos Atos Conjuntos”, trará uma análise do artigo em questão, ressaltando a relevância desse dispositivo no contexto do saneamento e da organização instrutória compartilhados, fazendo uma análise dos motivos pelos quais referido dispositivo, apesar de guardar semelhança com o negócio jurídico processual, não se enquadra exatamente nas hipóteses de referido instituto, amoldando-se de maneira plena na hipótese de “atos conjuntos”, conforme lição de Antonio do Passo Cabral. 

Ao longo deste trabalho, esperamos contribuir para o debate em torno do CPC/15 e suas inovações, fornecendo uma análise sólida e aprofundada das questões relativas ao saneamento e à organização instrutória compartilhados e com-participativos. 

2. DEVER DE COOPERAÇÃO NO CPC 

O Art. 6º do CPC impõe, quase que de maneira principiológica, o dever de cooperação no processo civil, estabelecendo que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se alcance uma solução justa e efetiva do litígio. 

Esse dever de cooperação se aplica a todas as partes envolvidas no processo, sejam elas os próprios litigantes, seus advogados, o juiz e até mesmo terceiros que possam contribuir para a resolução do conflito. 

“O disposto no CPC 6º. se assemelha ao que consta do art. 266.º do ex-CPC port., segundo o qual existe um dever de cooperação judiciária entre todos os intervenientes processuais. (…) O atual CPC port., promulgado em 2013, também trata da cooperação, em sentido muito semelhante ao que consta deste CPC 6.º, prevendo que magistrados, mandatários judiciais e partes devem cooperar entre si, concorrendo para obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (CPC port. 7.º).”2 

O objetivo principal do dever de cooperação é promover uma cultura de diálogo, transparência e boa-fé processual, visando à celeridade, economia processual e efetividade da prestação jurisdicional. Algumas das principais manifestações desse dever no CPC incluem: 

  1. Dever de informação: As partes têm o dever de fornecer informações verdadeiras e relevantes sobre o caso, colaborando para que o juiz tenha uma compreensão completa dos fatos e das questões jurídicas envolvidas. 
  1. Dever de lealdade e boa-fé processual: As partes devem agir com honestidade, evitando manobras dilatórias, apresentando argumentos relevantes e não ocultando informações que possam ser prejudiciais ao seu próprio caso. 
  1. Dever de colaboração na produção de provas: As partes devem colaborar na produção de provas, comparecendo a audiências designadas, indicando testemunhas, apresentando documentos pertinentes e facilitando o acesso às informações necessárias para a instrução do processo. 
  1. Dever de buscar soluções consensuais: As partes são encorajadas a buscar soluções consensuais, como a mediação e a conciliação, antes e durante o processo judicial, sempre que possível. 

Além disso, o juiz também tem a responsabilidade de fomentar a cooperação entre as partes, orientando-as quanto às suas obrigações e buscando estimular a resolução consensual do litígio. 

Em suma, o dever de cooperação no CPC reforça a importância da colaboração, diálogo e boa-fé entre as partes e demais envolvidos no processo, e ele deve ser observado ao longo de todo o iter processual. 

Ao que diz respeito a este artigo, cabe analisar, à luz do dever de cooperação, o saneamento e a organização instrutória do art. 357 do CPC. 

3. SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO INSTRUTÓRIA DO PROCESSO 

“Sanear”, segundo o dicionário Michaelis é uma palavra derivada do latim e significa “Tornar são; curar, sanar, sarar” ou, especificamente quanto a seu significado jurídico, “Livrar um processo de nulidades, vícios ou defeitos; fazer com que as formalidades substanciais sejam seguidas”3

Ainda, a Professora Maria Helena Diniz define saneamento como: 

“1. Ato ou efeito de sanear. 2. Ato de expurgar vícios, falhas ou defeitos. 3. Regularização. 4. Aperfeiçoamento. 5. Aplicação de medida sanitária alusiva à questão de salubridade pública, visando melhorar as condições higiênicas de um local, tornando-o livre de doenças e próprio para ser habitado; salubrificação.”4 

É na fase ordinatória, que ocorre entre as fases postulatória e instrutória, o momento em que o juiz analisa os elementos trazidos pelas partes e verifica a presença de possíveis defeitos ou irregularidades que possam comprometer o desenvolvimento adequado do processo e, estando presentes os pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito, saneia o processo. 

Nessa fase, segundo lição de Cândido Rangel Dinamarco: 

“O autor já terá postulado uma tutela jurisdicional a seu favor, ao ajuizar a demanda inicial; o réu já haverá postulado na contestação uma decisão dessa demanda em sentido contrário ao pedido pelo autor.; e possivelmente haverá também postulado uma outra tutela a seu favor, ao deduzir uma reconvenção. Feito isso, terminada estará a fase postulatória e o juiz passará a tomar decisões e determinar providências destinadas a integrar efetivamente o contraditório, a eliminar possíveis vícios e a dar impulso ao procedimento, para que o processo possa receber a instrução mediante a prova e depois chegar à sentença de mérito.”5 

Portanto, é durante essa fase ordinatória que o juiz tem a responsabilidade de verificar se todas as partes estão devidamente representadas por advogados, se os pedidos formulados são legítimos, se há necessidade de produção de provas, se as questões processuais foram adequadamente discutidas, entre outros aspectos. 

Nesse sentido, o saneamento está previsto no art. 357, dentro do Capítulo do Código que trata “das providências preliminares e do saneamento” e ele é realizado naquelas causas em que não haja extinção do processo (art. 354 do CPC) ou julgamento antecipado do mérito, seja ele total ou parcial (arts. 355 e 356 do CPC). 

O saneamento do processo, de acordo com a doutrina, é uma etapa importante dentro do procedimento judicial que tem como objetivo organizar e estruturar o processo, identificando e solucionando eventuais irregularidades, vícios ou omissões existentes. 

Sobre o conteúdo da decisão de saneamento do processo, os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery dispõem: 

“(…) O juiz deverá examinar todas as questões arguidas pelo réu na contestação, como matéria preliminar (CPC 337). Além disso, deverá analisar se se encontram presentes os pressupostos processuais (CPC 485 IV), bem como apreciará os requerimentos de produção de provas deduzidos pelas partes. Havendo alguma irregularidade a ser sanada, o juiz determina a providência adequada. Serão deferidas provas pertinentes e o juiz poderá, desde logo, designar audiência de conciliação, instrução e julgamento. É, portanto, complexa a decisão de saneamento, sendo uma das mais importantes decisões interlocutórias do processo.”6 

Nesse momento, portanto, o juiz profere a decisão de saneamento e organização da instrução, na qual, nos termos do art. 357 do CPC, (i) resolverá as questões processuais pendentes, se houver; (ii) delimitará as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; (iii) definirá a distribuição do ônus da prova; (iv) delimitará as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e (v) designará, se necessário, audiência de instrução e julgamento. 

Após a fase de saneamento, o processo é considerado apto para prosseguir para as etapas seguintes, como a produção de provas, a realização de audiências e, por fim, a prolação da sentença. O saneamento do processo contribui para a organização e eficiência do procedimento judicial, buscando garantir o devido processo legal e o acesso à justiça de forma adequada. 

O professor William dos Santos Ferreira, distingue o saneamento em três espécies, sendo elas:7 

  1. saneamento solipsista, que é aquele proferido por escrito pelo juiz, de maneira solo, em seu gabinete; 
  1. saneamento cooperativo (ou compartilhado), que é aquele proferido em audiência com a presença das partes (artigo 357, § 2º, do CPC); e 
  1. saneamento e organização instrutória comparticipativa, em que impera a construção simultânea imediata em ato com a participação dos sujeitos. 

O saneamento com-participativo, pensado pelo Professor William, é uma forma de saneamento que vai além da ideia de cooperação que apenas pressupõe que uma parte colaborará com a outra. 

A com participação implica na efetiva participação de todas as partes, com a construção conjunta dos atos para saneamento e organização do processo. 

“Entendemos mais adequado saneamento e organização instrutória com-participativa, pois compartilhar se relaciona mais com oferecer o que um elaborou para o outro utilizar, em suma, seriam somas de atividades unilaterais reunidas, condensadas e até alteradas pelo juiz, enquanto que, na audiência de saneamento e organização instrutória com-participativa, a denominação enaltece a cooperação, que é empregada em mais intensidade, com técnica distinta das elaborações unilaterais em gabinete, o que se objetiva é a construção simultânea imediata em ato com a participação dos sujeitos (com-participação), em uma comunidade de trabalho em momento comum e concentrado, destacando não apenas a função saneamento, mas também a função organização, dirigida muito mais à fixação dos pontos controvertidos de fato e de direito e sua relação com o que necessário para serem devidamente esclarecidos por meios de prova específicos e eficientes.”8 

Esse entendimento vai ao encontro à intenção do legislador na criação do projeto desse Código de Processo Civil de 2015. Veja-se: 

“A redação final deste dispositivo procurou explicitar a cooperação como princípio processual. E não se trata e colaboração no sentido de fornecer informações ou simplesmente não atuar com má-fé: todos – juízes, demais operadores do direito, auxiliares da justiça e partes – devem estar atentos para efetivamente atuarem de forma colaborativa uns com os outros, para que o processo alcance seu objetivo. É preciso haver reciprocidade, o que fica evidenciado pela inclusão da expressão ‘entre si’ no texto deste CPC6.º. essa foi a intenção do legislador, ao que parece, tendo em vista o referido pelo relator do projeto de novo CPC na Câmara dos Deputados – ‘há uma má compreensão do princípio da cooperação: não se trata de uma parte ajudar a outra; trata-se, sobretudo, de uma parte colaborar com a outra e com o órgão jurisdicional para que o processo seja conduzido da melhor forma possível’ (RSCD, p. 194)”9 

Mas como fazer para que essa com participação, que tanto prestigia o dever de colaboração, seja efetivamente aplicada no processo durante a fase de saneamento? 

A resposta, dada pelo próprio Código de Processo Civil, é a realização da audiência de saneamento, prevista no art. 357, §3º, do CPC. 

4. AUDIÊNCIA DE SANEAMENTO 

A audiência de saneamento prevista no artigo 357, § 3º, CPC, tem como principais objetivos a promoção da organização e o adequado encaminhamento do processo, permitindo que o juiz e as partes identifiquem as questões controversas e estabeleçam os limites e parâmetros para o desenvolvimento do litígio, de maneira com-participativa. 

Durante a audiência de saneamento, são tratados os seguintes aspectos: 

Análise das questões processuais: O juiz verifica se todas as formalidades processuais foram cumpridas e se existem questões preliminares a serem decididas, como incompetência, ilegitimidade das partes, existência de litispendência ou coisa julgada, entre outras. 

Identificação e delimitação das questões de mérito: As partes apresentam suas alegações e argumentos quanto ao mérito do caso, ou seja, as questões de fundo que serão discutidas e decididas pelo juiz. Nesse momento, também são identificadas as provas que as partes pretendem produzir e os pontos em que há concordância ou discordância. 

Possibilidade de conciliação e mediação: O juiz busca incentivar a solução consensual do litígio, promovendo a conciliação ou a mediação entre as partes. Caso haja possibilidade de acordo, ele pode designar uma audiência específica para tentativa de conciliação ou encaminhar o processo para um centro de mediação ou conciliação. 

Fixação de pontos controvertidos e produção de provas: O juiz delimita os pontos que serão objeto de prova e determina os meios de prova admitidos. Ele também pode indeferir provas consideradas desnecessárias, protelatórias ou ilícitas. 

Ordenação do processo: O juiz e as partes estabelecem o calendário processual, fixando prazos para a realização das diligências necessárias, como perícia, produção de provas, apresentação de documentos, manifestação das partes, entre outros atos processuais. 

Outras questões relevantes: Durante a audiência de saneamento, podem ser tratadas outras questões relevantes para o encaminhamento adequado do processo, como a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito, a apresentação de questões prejudiciais ou a análise de pedidos de tutela provisória. 

Vale novamente ressaltar que todos esses atos realizados na audiência de saneamento são feitos de maneira com-participativa, aumentando a dinâmica do processo e fazendo com que as partes tenham a oportunidade de trazer ao juiz os elementos do processo que entendem ser relevantes. 

Essa dinamização também beneficia o juiz, na medida em que tira o processo do papel e, com isso, possibilita uma visão mais ampla dos fatos e elementos processuais, além de permitir que o magistrado sane eventuais dúvidas e questões sobre pontos específicos da demanda, com as partes e advogados. 

É nesse mesmo sentido o entendimento do Professor Cândido Rangel Dinamarco, sobre a benesse da audiência de saneamento: 

“O resultado final dessa audiência deve, em tese, ser o mesmo do saneamento lançado pelo juiz por escrito nos autos (supra, n. 1.345) mas o que a distingue é a preparação desse ato mediante o diálogo entre todos – e daí falar o Código em saneamento feito em cooperação com as partes. Nesse diálogo e nessa cooperação incluir-se-á a oportunidade de retificarem as partes as suas alegações, de complementá-las se for o caso, de pedir e obter esclarecimentos e, inclusive de delimitar consensualmente as questões de fato e de direito a serem consideradas na instrução e na decisão da causa (art. 357, §2º – supra, n. 1.345) etc. O objetivo em vista do qual essa audiência foi implantada no sistema brasileiro de processo civil é o de propiciar ao juiz um satisfatório contato com as partes e com a causa, preparando-se para conduzir adequadamente a instrução com o quê poderá decidir com maior aderência às realidades do conflito. Quando realizado de modo correto, esse contato pode ser rico de esclarecimentos, que lhe possibilitarão a elaboração de adequados e úteis quesitos para a perícia, o bom entendimento das respostas a eles, a participação mais efetiva na inquirição de testemunhas etc.”10 

Após a audiência de saneamento, o juiz profere a decisão saneadora, na qual são registradas todas as questões discutidas e as providências determinadas para o prosseguimento do processo e, ainda no espírito com-participativo, as partes podem, no prazo de 5 dias, pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes na decisão, que só se torna estável após esse prazo ou após realizados os ajustes ou feitos os esclarecimentos (art. 357, §1º, do CPC). 

Em resumo, a audiência de saneamento é uma fase processual importante, na qual o juiz e as partes organizam o processo, delimitam as questões a serem decididas e estabelecem os parâmetros para a produção de provas e os atos processuais subsequentes. Isso contribui para a eficiência e a justiça na condução do processo judicial. 

5. O ART. 357, § 2º, DO CPC, SOB A LUZ DOS ATOS CONJUNTOS 

Ainda, o art. 357, §2º, do CPC aborda a possibilidade de as partes apresentarem ao juiz uma delimitação consensual das questões de fato e de direito, em um esforço para simplificar o processo e economizar tempo e recursos. As questões de fato e de direito referidas pelos incisos II e IV do mesmo artigo tratam respectivamente da definição dos pontos controvertidos sobre os quais recairá a produção de provas e da delimitação das questões de direito relevantes para a decisão do mérito. 

Este dispositivo legal tem como finalidade contribuir para a celeridade e eficiência do processo, através do diálogo entre as partes e de sua com-participação, assemelhando-se a um negócio jurídico processual. 

É isso, inclusive, que dispõem os Professores Nelson e Rosa Nery em seus comentários ao Código de Processo Civil. Veja-se: 

“As partes podem, se o caso, determinar por conta própria o que entendem sejam os pontos que serão objeto de prova ao longo da instrução. Essa manifestação deverá ser apresentada no prazo dos esclarecimentos de que trata o parágrafo anterior. O CPC não indica o momento ou prazo em que isso deva ocorrer, mas é certo que deve ocorrer antes da fase de saneamento. A forma como o texto normativo do CPC 357 §2.º se apresenta, leva o intérprete a vislumbrar, na hipótese, a possibilidade de ocorrência de negócio processual de transação parcial, quanto à delimitação das questões de fato e de direito (CPC 357 I e II), a respeito das quais se impõe a atividade probatória e os meios de que as partes se valerão para demonstrar os fatos que afirmam. O juiz deve provocar as partes para o exercício dessa faculdade, que visa a otimizar a fase instrutória do processo.”11 

Ocorre que, a despeito da semelhança do quanto disposto nesse § 2º do art. 357 com o negócio jurídico processual, uma análise mais aprofundada sobre o tema nos permite chegar à conclusão diversa. 

Isso, porque essa delimitação consensual apresentada pelas partes precisa ser homologada pelo juiz, o que implica em um julgamento da sua adequação ao caso e à legislação aplicável. 

Nesse sentido, Antonio do Passo Cabral, em seu trabalho que trata sobre as convenções processuais, faz uma relevante análise sobre a diferença entre a convenção processuais e os atos conjuntos. 

Para o autor, as convenções processuais são atos determinantes que vinculam o magistrado à sua aplicação. Com isso, o magistrado está limitado a exercer o controle sobre a validade das convenções e recusar-lhes aplicação somente nos casos previstos no parágrafo único do artigo 190 do CPC, quais sejam: (i) nulidade; (ii) inserção abusiva em contrato de adesão; ou (iii) em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. 

A convenção processual não admite revogação unilateral, exceto se existir previsão legal ou contratual expressa em sentido contrário. 

Destaca-se, nesse contexto, o conceito de convenção processual de Antonio do Passo Cabral: 

“Convenção (ou acordo) processual é o negócio jurídico plurilateral, pelo qual as partes, antes ou durante o processo e sem necessidade de intermediação de nenhum outro sujeito, determinam a criação, modificação e extinção de situações jurídicas processuais, ou alteram o procedimento.”12 

Por outro lado, referido autor entende que os atos processuais conjuntos são atos estimulantes, cujos efeitos desejados estão condicionados à homologação pelo magistrado e que não são negócios jurídicos processuais, eis que não são suficientes para satisfação das vontades desejadas pelos sujeitos que os praticam por necessitarem de prévia homologação pelo Poder Judiciário. 

A homologação pelo Poder Judiciário não pode ser reputada como condição do negócio jurídico processual, uma vez que o artigo 121 do Código Civil prevê que “considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”. 

Diante disso, Antônio do Passo Cabral cita como exemplo de ato conjunto, dentre outros, justamente o saneamento compartilhado do art. 357, § 3º, do CPC. 

São duas as conclusões, portanto. 

A primeira delas é a de que sem dúvida o art. 357, § 3º, do CPC prestigia a com-participação, já que para que seja realizada a delimitação das questões de fato e de direito da forma como ali exposta, as partes devem entrar em consenso, cabendo, posteriormente, ao Poder Judiciário, a homologação desse ato processual. 

A segunda é de que o art. 357, § 3º, do CPC, apesar da sua semelhança com um negócio jurídico processual é, em verdade um ato conjunto. 

6. CONCLUSÃO 

Por todo o exposto, conclui-se que as principais vantagens do modelo cooperativo/comparticipativo do CPC são a promoção da cooperação entre os sujeitos do processo, o que pode levar a uma maior efetividade e celeridade na resolução dos conflitos, além de uma efetiva participação das partes no processo. Além disso, esse modelo permite uma construção simultânea imediata em ato com a participação dos sujeitos (comparticipação), em uma comunidade de trabalho em momento comum e concentrado, destacando não apenas a função saneamento, mas também a função organização, dirigida muito mais à fixação. 

A adoção do modelo cooperativo não apenas moderniza o sistema processual brasileiro, mas também proporciona um ambiente mais colaborativo e dinâmico, onde todos os envolvidos têm a oportunidade de contribuir de maneira significativa para o desenvolvimento do processo. Isso resulta em decisões mais fundamentadas e contextualizadas, que refletem de forma mais fiel a realidade dos fatos e dos interesses em disputa. A cooperação entre as partes e o juiz, nesse contexto, promove uma maior transparência e previsibilidade nos procedimentos, reduzindo o risco de surpresas processuais e aumentando a confiança no sistema judiciário. 

Ademais, a efetividade do modelo cooperativo/comparticipativo depende de uma mudança cultural e comportamental por parte dos operadores do direito. É necessário que juízes, advogados e partes adotem uma postura mais colaborativa e menos adversarial, compreendendo que a cooperação não compromete a imparcialidade, mas sim fortalece o processo decisório. Essa mudança cultural é fundamental para que os objetivos de celeridade e efetividade processual sejam plenamente alcançados, garantindo assim uma justiça mais acessível e eficiente para todos. 

Em última análise, o saneamento e a organização instrutória compartilhados, sob a égide do Art. 357, § 2º, do CPC, representam um avanço significativo na busca por um processo mais justo e eficiente. A interação e a participação ativa de todos os sujeitos processuais, em uma comunidade de trabalho, configuram um modelo de processo mais democrático e inclusivo, onde a resolução dos conflitos se dá de forma mais rápida e eficaz, beneficiando não apenas as partes envolvidas, mas toda a sociedade. 

REFERÊNCIAS 

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DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil: volume III. 8ª edição. São Paulo: Malheiros, 2019. 

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