SALAS MULTISSERIADAS: UM OLHAR SOBRE AS PRÁTICAS EDUCATIVAS CONSTRUÍDAS NA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO INFANTIL E FUNDAMENTAL VIRGEM MARIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11426930


Jaqueline Oliveira Viana1,
Orientador: Mílvio da Silva Ribeiro2


RESUMO

Este trabalho intitulado salas multisseriadas: um olhar sobre as práticas educativas construídas na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Virgem Maria busca discutir o contexto em que se encontram as classes multisseriadas nas escolas do campo. Bem como, refletir sobre as políticas públicas voltadas para a Educação do Campo, as dificuldades enfrentadas pelos professores das classes multisseriadas na sua formação, prática pedagógica, em especial, na metodologia utilizada em sala de aula. Dentre as quais destacamos a metodologia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que utiliza temas geradores e a interdisciplinaridade como ferramenta pedagógica para o desenvolvimento na aquisição do conhecimento. Para tanto, utilizamos as reflexões de Caldart (2002), Arroyo (2010), Freire (1996), Hage (2010), Fazenda (1979), Vygotsky (1988), entre outros. A pesquisa de campo foi composta por um questionário que foi preenchido pela professora da escola estudada. Como síntese, podemos destacar uma incursão na escola do campo e na sala de aula multisseriadas, verificando que ela ainda se encontra distante do que seria ideal para os sujeitos do campo, para as suas especificidades, onde as classes multisseriadas não atendem o básico para uma boa formação e inclusão dos indivíduos.

Palavras-Chave: Educação do Campo. Classes multisseriadas. Temas geradores. Interdisciplinaridade.

1. INTRODUÇÃO

O advento da primeira Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo em 1988 é um marco histórico da educação brasileira e um novo olhar sobre o povo que trabalha e vive no campo, passando a ser construído um novo paradigma em termos de educação rural, se consolidando a denominação de educação do campo e para o campo tendo como base uma educação popular. Mesmo com a mudança da denominação ainda hoje persistem traços da educação rural, como é o caso das classes multisseriadas.

As classes com ensino multisseriado ainda estão presentes nas práticas pedagógicas nas escolas do campo. Consiste em alunos de diversas séries com distorção de idades tendo aula com um único professor, que tem o papel de planejar e aplicar em sua prática conteúdos diferentes de ensino no único espaço.

A escolha do tema foi motivada pela falta de informação sobre o funcionamento deste tipo de escola, desconhecido das práticas escolares e apresentado como um modelo de pouca eficiência dos que tinham conhecimento sobre este método pedagógico, coerente sobre este assunto o pensamento negativo sobre o saber das pessoas do campo, o fato é que a multisseriação não é o maior obstáculo para o professor, mas a falta dos recursos necessários para que ele desenvolva um trabalho mais consistente, com resultados mais específicos no exercício do ensino da sala multissérie.

Por esta razão o cotidiano do professor e sua metodologia se tornam alvo desse estudo, uma vez que esta prática pedagógica é constituída tanto pelos saberes acadêmicos, quanto pelos saberes da prática, das experiências vividas em seu meio. É a união de fatores internos e externos ao sujeito, que vão se entrelaçando para a tessitura das suas práxis.

Compreender a prática docente depende da compreensão de como o sujeito constrói o conceito da docência, como realiza sua prática, como lida com as adversidades da sua profissão em meio às relações que estabelece com o meio rural e com os sujeitos, que são parte do mesmo. Enfim, temos como problema central deste trabalho investigar quais são as práticas educativas que são desenvolvidas no processo de ensino aprendizagem no cotidiano multisseriado da Escola Virgem Maria situada na ilha Itaúna de Cima em Cametá -PA.

Ao longo do processo histórico, várias mudanças sociais foram ocorrendo de acordo com os interesses dos setores dominantes, destacando desde o fim do período colonial até a instituição da república. Na educação, principalmente no meio rural pouco se fez. O método pedagógico jesuítico vigorou durante   o período de 1549 a 1759 até que os jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal. Os escravos não tiveram acesso à educação. Com a vinda da família real para a colônia algumas iniciativas referentes à educação foram efetivadas como: a criação de Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, entre outras.

Porém, ainda não foi implantado um sistema educacional de âmbito nacional, mesmo com a Proclamação da República, a educação continuava voltada para os interesses elitistas excluindo a maioria da população. Então, “… a educação destinada aos trabalhadores do campo só ocorreu de forma mais efetiva nos anos de 1930, surgindo de forma tardia e descontínua”. (CALAZANS, 1993, p.57).

Para início de contextualização é necessário entender o que hoje é chamado de Educação do Campo, desde a fundação do Estado Republicano se descrevia a educação do campo como educação rural, ou seja, uma educação urbana extensiva à zona rural.

Na Primeira República do Brasil, preexistiam duas classes dominantes, a antiga nobreza e a emergente classe burguesa, acrescida do coronelismo oriundo das oligarquias regionais que reforçava politicamente os governadores. Com a revolução de 1930 esse tipo de regime entra em crise, principalmente com a quebra da bolsa de Nova York que derruba o preço do café, trazendo grandes prejuízos para os fazendeiros. Sendo o Brasil um país agroexportador, problemas econômicos, inclusive com o aumento nos preços de produtos importados, justificou a implantação de um parque industrial, iniciando assim, um processo migratório do campo para a cidade, pela necessidade de mão-de-obra para alimentar esta atividade.

Na IV Conferência Nacional de Educação em 1931, os profissionais da educação tentaram formalizar suas ideias, defendendo um ensino laico, com acesso para todos, em contrapartida a igreja católica defendia a educação tradicional fortemente arraigada no ensino jesuítico. A educação dos jesuítas trouxe consigo a marca do ensino religioso católico, destinada aos índios e a elite, educação essa que copiava o modelo educacional europeu da época impondo uma submissão do domínio português.

Com a evolução do capitalismo, as classes dominantes sempre demonstraram desprezo sobre a importância da educação para a classe trabalhadora, assim a educação foi se construindo como uma política excludente e voltada para os interesses da classe hegemônica, que separava a educação das elites e das classes populares como nos mostra o documento do MEC/SECAD.

Entretanto, a separação entre a educação das elites e a das classes populares não só perdurou como foi explicitada nas Leis Orgânicas da Educação Nacional, promulgadas a partir de 1942. De acordo com essas Leis, o objetivo do ensino secundário e normal seria formar as “elites condutoras do país” e o do ensino profissional seria oferecer “formação adequada aos filhos dos operários, aos desvalidos da sorte e aos menos afortunados, aqueles que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho”. (BRASIL, 2007, p. 58.).

Nos anos do Estado Novo surgiu a ideia de uma educação adaptada ao meio rural, caracterizando um pensamento educacional conhecido como “ruralismo pedagógico” que foi argumentado no Oitavo Congresso Brasileiro de Educação, da Associação Brasileira de Educação (ABE) realizado em Goiânia, em 1942. Onde tinha o principal objetivo fixar o homem no campo, evitando o êxodo rural. Sem nenhuma assistência, o ruralismo pedagógico não solucionava a questão da educação, para manter o homem no campo, além da educação viriam outros segmentos como a posse da terra e melhorias socioeconômicas adequadas para suprir as carências no campo.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, em seu art.105, estabeleceu que “os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e entidades que mantenham na zona rural escolas capazes de favorecer a adaptação do homem ao meio e o estímulo de vocações profissionais”.

O que comprova que quando a educação chega ao campo leva as marcas dos interesses da classe dominante e excludente com traços urbanos e hegemônicos.

Em suma, a educação foi descrita na Carta Magna, (BRASIL, 2014), como um direito público do cidadão: “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” (Art.208). A Constituição, portanto, assegurou o fundamento jurídico constitucional sobre o qual a legislação ordinária regulamentaria e consolidaria a possibilidade do estatuto da educação do campo como constituinte do ordenamento jurídico educacional brasileiro vigente, contemplando a possibilidade   do reconhecimento da especificidade da educação do campo.

A LDB 9.394/ 96 coroou essa conquista, tornando-se um marco na educação do campo como parte integrante da política educacional brasileira, ao afirmar em seu artigo 28, que é possível adequar o currículo e as metodologias apropriadas ao meio rural e flexibilizar a organização escolar, com adequação do seu calendário.

A partir dessa legislação aprovada na LDB foi criado no país um processo de mobilização social em torno da construção de Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, devido a isso foi possível aprofundar a concepção de espaço rural e de campo, e a partir de várias experiências da sociedade civil   e de algumas do poder público, reafirmar a proposta de Educação do Campo que a sociedade deseja construir.

As políticas públicas educacionais garantem em nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, a “educação como um direito fundamental de natureza social, prevendo o pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho, bem como, o preparo para o exercício pleno da cidadania” (BRASIL, 1988). Assim, é preciso pensar em uma educação que garanta a redução das desigualdades sociais.

Nesse contexto, emerge a Educação do Campo, que passou a ser impulsionada durante o Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA), promovido a nível nacional por Movimentos Sociais do Campo (MSC), e algumas entidades sociais. Como fruto desta articulação, se inicia na preparação da Conferencia Nacional Por uma Educação Básica do Campo realizada em Luziânia – Goiás, de 27 a 31 de julho de 1998. Daí se articulou políticas públicas específicas e um projeto educativo para quem vive no campo, compreendendo que a educação e a escola do campo também é um direito humano. Tendo como objetivos, mobilizar os sujeitos que vivem no campo na organização para a construção de políticas públicas que garantam a educação e a escolarização em todos os níveis educacionais, partindo das práticas já existentes, propondo novas ações que ajudem na formação desses sujeitos.

A concepção de uma Educação a partir do Campo e no Campo substitui à Educação Rural, pois até então, pautava-se em políticas que se centravam em atividades urbanas – industrial não sendo pertinentes, investimentos em políticas que estruturassem esse espaço, priorizando apenas o latifúndio e atividades tipicamente agrícolas. De acordo com o decreto nº 7.352 de 4 de novembro de 2010, em seu Artigo 1º ressalta que:” A política de educação do Campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta.de educação básica e superior às populações do campo” (DECRETO LEI nº 7.352/2010 Art. 1º) .

Sendo assim, a Educação do Campo entende que o campo e a cidade não podem ser tratados de forma desigual, pois uma depende da outra. Deste modo, a Educação do Campo reivindica e abre espaço para a efetivação ao direito à educação.

A LDB de 1996 n° 9394/96, arts. 3ª, 23, 28 e 61 regulamenta o ensino escolar do campo, ampliando seu sentido de abrangência.

De acordo com as definições do Decreto 7.352/2010 em seu Art.º1, parágrafo 1º são considerados sujeitos do campo:

Os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzem suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural; (BRASIL, 2010).

Ou seja, os sujeitos do campo, são os que vivem e trabalham no campo, visto a realidade de desigualdades, opressão, analfabetismo, falta de escolas, salas multisseriadas, professores desqualificados, falta de políticas específicas para uma educação do e no campo. Caldart (2002) destaca: “É por isso que afirmamos que não há como verdadeiramente educar os sujeitos do Campo sem transformar as circunstâncias sociais desumanizantes, e sem prepará-los para ser os sujeitos destas transformações […]” (2002, p.32).

É preciso destacar que se busca uma educação dos e não para os sujeitos do Campo. A educação e a escola do Campo deverão estar comprometidas com um projeto de sociedade, de campo e de agricultura, valorizar a terra como um instrumento de vida, cultura e produção, engajar os sujeitos do campo a uma leitura crítica da realidade na perspectiva da transformação dela.

A escola deverá ser um lugar de formação humana, ou seja, deverá ir além dos conhecimentos formais, o calendário escolar deverá respeitar os ciclos produtivos de cada região. Afirmado no Decreto 7.352/2010, Art. 7º inciso III: “A organização do calendário escolar de acordo com as fases do ciclo produtivo e as condições climáticas de cada região” (DECRETO LEI nº 7.352/2010 Art. 7º inciso III).

A Educação do Campo, assim, garante que todas as pessoas do campo tenham acesso à educação pública, pensada nos interesses da vida no Campo. É necessária uma educação e escolarização onde a escola esteja no campo, que pedagogicamente seja planejada conteúdos que dispunham sobre a valorização da história e da cultura campesina. Esta educação no campo necessita ser comprometida com a formação para a participação social, formação para o trabalho, uma educação preocupada com o respeito ás diferenças culturais, diferenças étnicas, diferenças de gênero, preocupada também na construção de uma agricultura pautada no desenvolvimento sustentável, vinculada as necessidades humanas e sociais dos sujeitos do campo. Assim destaca Caldart (2002, p. 28):

Queremos participar diretamente da construção do nosso projeto educativo; queremos aprender a pensar sobre a educação que nos interessa enquanto ser humano, enquanto sujeitos de diferentes culturas, enquanto classe trabalhadora do campo, enquanto sujeitos das transformações necessárias em nosso país, enquanto cidadãos do mundo […].

Assim é possível reconhecer o campo e seus sujeitos não apenas reprodutores, mas, produtores de educação. E, que, reivindicam um currículo contextualizado com a realidade campesina.

A partir da década de 1990 os movimentos sociais do campo se organizam e lutam por uma política de educação que contemple as especificidades e diversidades dos povos do campo, assim a Educação do Campo passa a ser inserida no ordenamento jurídico das políticas educacionais com a definição de várias normativas da educação do campo, são eles:

Primeiro, o Parecer CNE/ CEB N° 36/2001 – Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, Resolução CNE/CEB, de 3 de abril de 2002 que institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo; Segundo, as Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo- Ministério da Educação; 

Terceiro, o Parecer CNE/ CEB N° 23/2007- orientações para o atendimento da Educação do Campo, Resolução nº 2 de 28 de abril de 2008 que estabelece diretrizes complementares normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação básica do campo;

Quarto, o Parecer CNE/ CEB N° 1/2006, que trata de dias letivos para a aplicação da Pedagogia da Alternância nos centros familiares de formação por Alternância;

Quinto, o Decreto nº 7.352 de 4 de novembro de 2010 que dispõe  sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária- PRONERA.

Outros documentos e Projetos de Lei (PLs) complementares e substitutivos tramitam em comissões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Alguns consubstanciam ideias e reivindicações dos movimentos sociais campesinos, no intuito de transformar em políticas públicas, direitos focados para os sujeitos do campo. Compreendemos que os movimentos sociais do campo por incluírem a importância da educação como parte de um projeto de emancipação social e política defendem a efetivação de políticas educacionais específicas para os povos do campo. A formação de educadores em nível superior é uma exigência para contribuir para a efetivação e melhoria da Educação Básica. Desde o século XX, a educação como um direito tem sido uma das principais reivindicações dos movimentos sociais no Brasil.

Com muitas lutas e esforço, os militantes dos movimentos sociais e educadores que lutam por uma Educação do Campo conseguiram conquistar alguns Programas voltados para a Educação do Campo, que contemplam as especificidades dos sujeitos do campo são eles: PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária em 1998, Saberes da Terra – Programa Nacional de Educação Integrada com Qualificação Social e Profissional para Agricultores em 2005, Projovem Campo – Saberes da Terra em 2007, Procampo – Cursos de Licenciatura em Educação do Campo para a formação de professores da educação básica nas escolas situadas nas áreas rurais.

Todos esses programas são realizados em parceria com universidades, órgãos públicos e movimentos sociais. Em especial podemos destacar o PRONERA que possibilitou cursos que vão desde a alfabetização de jovens e adultos até Pós- Graduações. Segundo Molina (2003) “Uma das maiores riquezas das experiências do PRONERA é a intensa participação dos movimentos sociais na sua concepção, implementação, mudanças e ampliação”.

Mais que o acesso ao direito à educação, o PRONERA significa o entendimento de redefinições nas concepções de direito e de educação que fundamentam as políticas publicas educacionais.

A Educação do Campo se identifica pelos seus sujeitos, não pode ser apenas uma soma de programas, se faz necessário uma luta no campo das políticas públicas porque essa é a única maneira de integrar o acesso de todos à educação, de forma a construir uma educação que forme as pessoas como sujeitos de direitos, capazes de fazer da luta permanente sua conquista.

No texto intitulado “Por uma escola camponesa” de Antonio Alberto Pereira mostra a luta dos movimentos sociais por uma Educação do Campo que contemple a diversidade e que contribua para o  desenvolvimento do campesinato e apresenta a escola sob o ponto de vista da família camponesa, a partir de pesquisa realizada com sujeitos do campo.

No texto ele ressalta o depoimento de Laura camponesa, moradora do acampamento Ponta de Gramame, no município de João Pessoa-PB:

“A escola que eu sonho pra minha comunidade, pros meus filhos, é uma escola onde houvesse uma pessoa da própria comunidade, uma pessoa que já lutou, que sofreu, que sabe o que é viver na vida, que ensinasse essa mesma vida. Não pessoas que vem de um outro mundo, que tem outra visão, que professam outra realidade pra misturar com a realidade do campo. Porque a educação tem que começar de casa, da família, da vivencia, do nosso dia-a-dia. E ela tem que resgatar a história, a nossa história. Uma escola que resgatasse a nossa cultura, as nossas brincadeiras. Eu sonho com uma escola aqui, uma fila de criança tudo brincando como se fosse no meu tempo passado”.

A fala dela esboça sua identidade com a cultura local, numa perspectiva que a escola, possa fazer parte desse pertencimento. Ao mesmo tempo em que, denota o que seria um ideal de escola do campo baseada nos princípios da educação popular pelos quais os movimentos sociais do campo lutam e almejam, escola voltada para os interesses dos sujeitos, levando em conta sua cultura.

2. TENDÊNCIAS EDUCACIONAIS NA ESCOLA DO CAMPO

O  papel da escola, em seu princípio pedagógico, enquanto formadora de sujeitos articulada a um projeto de emancipação humana é fundamentada na concepção de uma educação que respeita a cultura e a história de vida de cada camponês perpassando a construção de um círculo contextualizado.

Para a escola do campo esses saberes deverão constituir-se como conteúdos socialmente úteis e válidos uma vez que são construídos na interação entre seres humanos e a natureza, no cotidiano a partir da realidade vivida na busca de soluções para seus próprios problemas e desafios.

De acordo com a LDB, existe o respeito aos espaços e tempo de formação dos sujeitos da aprendizagem. A educação das pessoas não ocorre apenas no interior da escola, acontece também nas relações sociais. Portanto, a sala de aula sintetiza as aprendizagens e as experiências e é o espaço onde as diferenças são trabalhadas para superar, ver e conscientizar sobre o que ocorre no mundo que foge a compreensão mais crítica ou mais abalizada sobre o diálogo entre sujeitos constituídos.

FREIRE (1996) “O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História”.

Decorre então, nesta organização o direito dentro do espaço escolar o relacionamento com a terra, com a cultura, com a própria história para a construção de uma metodologia para o contexto escolar.

Conscientizados de que todos fazem parte da mesma estrutura circunstancial, mas com suas prioridades, torna-se imprescindível uma reavaliação a partir de uma perspectiva sobre a diversidade social, cultural e étnica dos indivíduos que estão no campo e atuar neste conjunto, dentro da concepção do homem como ser histórico e agente de transformações.

Os autores, em geral, concordam em classificar as tendências pedagógicas em dois grupos: as de cunho liberal – Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada e tecnicismo educacional; as de cunho progressista – Pedagogia Libertadora, Pedagogia Libertária e a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. Certamente existem outras correntes vinculadas a uma ou outra dessas tendências, mas essas são as mais conhecidas. Segue abaixo uma breve definição sobre as tendências pedagógicas de acordo com Libâneo (1985).

Nesse intuito, Libâneo (1985) contextualiza que a tendência liberal tradicional é viva e atuante em nossas escolas e consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade. O caminho cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos, desde que se esforcem. As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação. Os conteúdos são separados da experiência  do  aluno  e  das  realidades  sociais, valendo pelo valor intelectual. Os métodos baseiam-se na exposição verbal da matéria.

Ocorre ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização visando disciplinar a mente e formar hábitos.

No relacionamento professor-aluno predomina a autoridade do professor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer comunicação entre eles no decorrer da aula. O professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida, em consequência, a disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio. Seu principal representante é o capitalismo, onde predomina a divisão de classes sociais, cuja intenção não é formar sujeitos críticos e pensantes.

Na pedagogia liberal renovada,  o papel da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social, a ideia de aprender fazendo está sempre presente. As atividades são adequadas à natureza do aluno e as etapas do seu desenvolvimento. Não há lugar privilegiado para o professor, seu papel é auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo da criança. Aprender se torna uma atividade de descoberta, sendo o ambiente apenas o meio estimulador. Sua aplicação é reduzida se chocando com a pratica pedagógica tradicional, alguns métodos ainda são aplicados em escolas particulares, como o Montessori.

A tendência liberal renovada não diretiva relega à escola o papel de formar atitudes. Para isso, esta deve estar mais preocupada com os aspectos psicológicos do que com os aspectos pedagógicos ou sociais. A ideia de uma boa educação passa pelo propósito de favorecer a pessoa um clima de autodesenvolvimento e realização pessoal no sentido de bem estar próprio e do seu semelhante, onde o centro da atividade escolar não é o professor nem os conteúdos disciplinadores, mas sim o aluno ativo e curioso, visando formar sua personalidade através da vivência de experiências significativas. Na            concepção renovada não diretiva,  os conteúdos são dispensáveis, prioriza-se o desenvolvimento das relações e da comunicação, visando facilitar meios para que os alunos construam seu próprio conhecimento.

A tendência liberal tecnicista surge no século XX, com o objetivo de programar o modelo empresarial na escola, ou seja, aplicar na escola o modelo de racionalização típico do sistema de produção capitalista. Com forte influência das teorias positivistas e da psicologia americana behaviorista, o tecnicismo busca ensinar o aluno por meio do treinamento. O método de ensino consiste nos procedimentos e técnicas necessárias ao arranjo e controle nas condições ambientais que assegurem a transmissão de informações. O professor administra as condições de transmissão da matéria, conforme um sistema instrucional eficiente e efetivo visando resultados (LIBÂNEO, 1985).

Em se tratando de pedagogia progressista, esta se manifesta em três tendências: a libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire, a libertária que reúne os defensores da autogestão pedagógica e a crítico social dos conteúdos.

A pedagogia progressista libertadora,  prega a consciência da realidade para a transformação social, os conteúdos são denominados temas geradores que são extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Predomina o diálogo entre professor e aluno, onde professor e aluno são sujeitos do conhecimento. Caráter essencialmente político. A educação se dá a partir da codificação da situação problema, conhecimento da realidade. Processo de reflexão e crítica.

A progressista libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e auto gestionário. As matérias são colocadas à disposição dos alunos, mas não são exigidas. A ideia básica é introduzir modificações institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão “contaminando” todo o sistema. É um instrumento a mais, porque importante é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo, especialmente a vivência de mecanismos de participação crítica. O professor  é um orientador e um catalisador, ele se mistura ao grupo para uma reflexão em comum.

A pedagogia progressista , em si, tem um perfil “crítico social dos conteúdos” e valoriza a escola como instrumento de apropriação do saber. Seu serviço se presta aos interesses populares, já que a própria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la democrática. Se a escola é parte integrante do todo social, agir dentro dela é também agir no rumo da transformação da sociedade. Se o que define uma pedagogia crítica é a consciência de seus condicionantes histórico-sociais, a função da pedagogia “dos conteúdos” é dar um passo à frente no papel transformador da escola, mas a partir das condições existentes.

A educação brasileira foi norteada por essas tendências, inserida na composição hegemônica de sociedade dividida em classes sociais, estes mesmos modelos de educação também são aplicados nas escolas do campo, porém este modelo de educação para o campo foi questionado por pesquisadores, educadores e movimentos sociais interessados em uma educação apropriada para os sujeitos do campo, uma educação que considere as particularidades desses sujeitos.

Dentre os movimentos sociais mais iminentes podemos destacar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), preconizador de uma nova tendência em termos educacionais pedagógicos para inserção dos sujeitos nos seus direitos civis, políticos e, sobretudo na luta pela terra. A partir desses pressupostos, este movimento atua  como um sujeito pedagógico com capacidade de desenvolver ações organizativas para os sujeitos do campo que precisam de um novo modelo de educação.

Este caráter educativo que é uma marca importante do Movimento Sem Terra permite a formação dos sujeitos sociais com suas características identitárias, privilegiando este sujeito no seu espaço de vida, de relação com a natureza, com sua produção sustentável e com sua cultura. De acordo com Caldart:

Analisando, pois, a história da educação (escolar) nos acampamentos e assentamentos, é possível afirmar também que a relação entre os sem-terra e a escola é, ao mesmo tempo, geradora e produto do trabalho do MST nesse campo. Foi exatamente a existência dessa relação, já durante o processo de gestação do Movimento, que acabou exigindo que a organização coletiva a se assumir como tarefa (2012, p.23 

Uma escola que se organize a partir da realidade dos sujeitos que dela vão usufruir é a tendência educacional do MST. Os conhecimentos práticos dos estudantes  aliados aos conhecimentos teórico,  será aproveitado na melhoria da escola, da família, do próprio Movimento, diretamente com o seu mundo e seu país.

As práticas envolvidas são planejadas obrigatoriamente pelo coletivo da escola, neste caso, o currículo é pensado dentro da realidade do aluno e seu conteúdo colocado em experiências práticas.

O perfil que modela a educação no campo é um modelo curricular interdisciplinar, usado como estratégia de produção do saber e socialização do conhecimento, integrando e adequando cada disciplina a um tema gerador, possibilitando a comunicação e a interação disciplinar, lutando  contra a fragmentação do saber. 

Todo empenho deve ser concentrado no desenvolvimento do conhecimento em perfeita comunhão entre a escola e a comunidade, na troca dos saberes, respeitando a cultura, problematizando as situações pertinentes a gestão, ao projeto político pedagógico e os parâmetros curriculares que dinamizam o conhecimento, renovando saberes e as técnicas, para que sejam produtivas e cause efeitos na identidade dos sujeitos. Segundo Japiassu (1976, p.36): “A interdisciplinaridade é concebida como uma solução para o esfacelamento do saber instaurado pelo positivismo”.

O conhecimento deve buscar novos caminhos, pois, o conhecimento fragmentado pela ciência causa desequilíbrio, sendo necessária uma mudança curricular. Por ser um conceito novo, sua aplicabilidade requer tempo para se desvincular da ordem epistemológica consubstanciada nas ciências contemporâneas. A interdisciplinaridade parte primeiramente da observação e sensibilidade do indivíduo. Para Fazenda (1979, p.41): “A interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende apenas vive-se, exerce-se e por isso, exige uma nova pedagogia, a da comunicação”.

Uma metodologia nos termos de gradação estabelecida em nível de coordenação e cooperação entre as disciplinas, um novo método para ensinar e aprender dentro da concepção de um rápido e abrangente do conhecimento cientifico baseado na pesquisa.

Santomé (1998) menciona que: “É preciso superar o modelo linear de organização dos conteúdos pautados nas disciplinas, mas é preciso também não fazê-lo em prol do modernismo, mas da construção de um cidadão capaz de lidar com o mundo  globalizado”

Longe de modismos, a interdisciplinaridade é um novo modelo de construção para intervir nos velhos moldes metodológicos, tem como responsabilidade tornar as pessoas mais atentas as propostas pedagógicas e abertas a outras formas de aprender, contudo, múltiplos fatores intervêm na metodologia para que os professores fiquem propensos a trabalhar com os temas geradores e com a interdisciplinaridade nas escolas do campo, dentre as dificuldade, uma das mais importantes é o planejamento, que dentro de uma articulação com as disciplinas, precisa de elaboração no modo participativo, tarefa quase impossível, devido as múltiplas funções do educador.

A escola que tivemos como referência denota  bem este aspecto de conflitos entre, tentar se amoldar as novas metodologias apropriadas para o campo,   ou permanecer na tradicional forma de ensinar, nessa problemática esta implícita o conjunto geracional da escola em busca de qualidade de ensino para oferecer aos educandos. De modo tímido e incipiente estes pressupostos metodológicos estão sendo inseridos na gestão da sala de aula, necessita, no entanto de apoio sistemático, formação acadêmica e recursos que traria a esta gestão um melhor rendimento no desdobramento do tempo atribuído as séries agrupadas.

3. EMEIEF VIRGEM MARIA

A pesquisa foi realizada na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental VIRGEM MARIA , situada Na ilha Itauna de Cima localizado no município de Cametá.

A referida escola oferece o Ensino Infantil pela manhã e o Fundamental I à tarde,  sendo um total de 40 alunos e possui uma estrutura pequena, três salas de aula, uma cozinha, dois banheiros, um pequeno pátio onde são realizadas as brincadeiras no recreio e mais duas salas extras, onde funcionam diretoria e secretaria. 

As turmas de pesquisa, foram realizadas em duas salas de aula , num total de 40 alunos, sendo eles, do maternal ao 2º ano e 3º ao 5º ano .

A equipe pedagógica da escola,  é composta por uma professora responsável , um  coordenador, duas professores e dois funcionários distribuídos nos dois turnos.

Realizamos uma entrevista com a professora da referida escola, a qual se disponibilizou para as informações preliminares, preenchendo um questionário estruturado, preparado anteriormente para este fim. E, através do diálogo estabelecido, nos inteiramos mais sobre a sua dinâmica de sala.

Pelas informações que tivemos acesso, e a par do contexto onde estão inseridas as escolas do campo principalmente as que ainda têm classes multisseriadas, comi números fatores caracterizantes e determinantes, dentre eles, o perfil mais comum do educador que se encontra a frente da sala de aula, destas classes, é a ausência de uma formação básica, ou seja, de um preparo para realização do trabalho pedagógico, embasado em teorias e práticas, apropriadas para o trabalho docente.  

Notamos que o docente, não domina bem os conteúdos, desconhece as teorias educacionais e o tempo de experiência é insuficiente para conduzir o educando nos caminhos do conhecimento. 

Diante dos fatos, a escola e a sala de aula, percorrem um caminho incompleto na formação do educando, quando não conseguem transformá-lo em sujeito crítico e construtor da sua vida.

Tomamos conhecimento, através do questionário, que, um dos problemas enfrentados está no planejamento das aulas, cuja maior dificuldade encontra-se em trazer novos conteúdos para a classe multisseriada, comprometendo assim, o ensino aprendizagem, e isso, nos fez lembrar da inquietude de Freire:

Todo planejamento educacional, para qualquer sociedade, tem que responder às marcas e aos valores dessa sociedade. Só assim é que pode funcionar o processo educativo, ora como força estabilizadora, ora como fator de mudança. (…) para ser autêntico, é necessário ao processo educativo que se ponha em relação de organicidade com a contextura da sociedade a que se aplica. (FREIRE, 2001, p. 10).

No diálogo estabelecido, a docente relatou que faz quatro planejamentos, sendo um para cada turma, de forma diferenciada, e demonstrou, com isso, a ausência  de temas geradores ou interdisciplinaridade.

A metodologia utilizada pela docente tem um perfil tradicional, e com isso, percebemos que essa prática ainda é uma realidade na escola do campo, onde os conteúdos trabalhados nas escolas urbanas são apenas adaptados as escolas do campo, acrescidos talvez de alguns pressupostos apropriados para os misteres campesinos. 

Sabemos que, o ideal seria o professor ser capaz de construir o seu método, modificar conteúdos e reinventar o modo de ensinar respeitando a realidade do aluno.

Em se tratando das soluções para o enfretamento dos problemas do cotidiano na sala multisseriada, observamos, no entanto, uma tranquilidade na docência, pois entendemos que, a tranquilidade é um elemento essencial para que o professor possa agir com lucidez nos desafios do cotidiano escolar, desconstruindo o pensamento que a sala de aula seja um território de conflitos. 

Na verdade, a problematização dos elementos constitutivos do processo escolar é um campo propício as mudanças decorrentes de uma sociedade mais otimizada para debates, reivindicações para o exercício da democracia. 

Em relação, ao domínio de conteúdo e gerenciamento das atividades, a docente, divide o tempo para cada turma. Ela compartilhou conosco que a relação professor-aluno é ótima e contribui positivamente no andamento de sua aula.

O domínio dos conteúdos revela uma grande segurança para atuar na sala de aula, principalmente quando de forma consciente o professor sabe que os seus educandos estão progredindo na aprendizagem. 

Na sala multisseriada a regra é dividir os assuntos contidos nas séries. As atividades são aplicadas para cada turma de alunos no seu tempo mínimo com atendimento posterior para esclarecimentos individuais, havendo da parte do professor, um esforço para atender os alunos, cuja relação contribui para que o trabalho tenha resultados avaliativos dentro das expectativas do rendimento escolar.

Com relação ao acompanhamento do rendimento escolar dos alunos, a docente , deixando espaço para que possamos pensar se a realidade corresponde com a resposta dada, onde os indícios da precariedade da escola e o nível de despreparo do professor não conduzem resultados significantes no rendimento escolar, nos moldes em que estão inseridos os alunos das salas multisseriadas.

Nesse intuito, e a partir das reflexões de Lunas e Rocha (2009), podemos afirmar nesta análise , após o diálogo com os sujeitos da escola que: perpetua-se a ausência de planejamento didático-pedagógico,  baseado em pesquisas e censos em diferentes áreas temáticas. 

Além do mais, notamos que o trabalho escolar, está sem direcionamento pedagógico, ou seja, está ausente um projeto didático  que articule saberes e sujeitos, para que os resultados possam refletir na comunidade. 

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.

Nos remetemos a uma contextualização histórica sobre a Educação do Campo, a trajetória dos seus sujeitos, as lutas e os movimentos sociais, dialogando com autores sensibilizados com este cenário para focamos o ensino multisseriado, sua funcionalidade para agregar saberes dos sujeitos do campo e uma análise crítica sobre as políticas públicas, os marcos afirmativos em prol da educação do campo, as metodologias de ensino, seus conceitos, tipologias e características, passando pela gestão de ensino abordada pela professora da escola pesquisada, além de autores engajados na vertente pedagógica das classes multisseriadas.

Este trabalho, em si, se baseia na análise dos dados do questionário aplicado com a professora da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Virgem Maria.

Partindo dessa formulação, a metodologia do ensino seria, então, o estudo das diferentes trajetórias traçadas/planejadas e vivenciadas pelos educadores para orientar/direcionar o processo de ensino-aprendizagem em função de certos objetivos ou fins educativo-formativos.

O objetivo é analisar o processo de ensino-aprendizagem no cotidiano multisseriado da referida escola, identificando os fatores sócios educacionais que levaram a escola a adotar a alternativa multisseriada, investigando as práticas educativas (planejamento e metodologias de ensino) que as professoras da referida escola, desenvolvem e compreender a gestão do ensino enfrentadas na prática cotidiana da vivência multisseriada.

A metodologia qualitativa utilizou-se da investigação e pesquisa de campo, com aplicação de um questionário e diálogos com referidos professores.

Entendemos, com isso, que a problemática das classes multisseriadas necessita ser desvendada, desmistificada e conhecida em suas formas de atuação, para que tenhamos uma compreensão sobre sua funcionalidade e para quem ela se destina.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS                    

Como estratégias de superação,  a escola necessita urgentemente de um Projeto Pedagógico. Os professores carecem de uma formação continuada sobre novas metodologias para a educação do/no campo; as aulas campo precisam ser acompanhadas por profissionais especialistas em temáticas agrícolas e agrárias, além, de sujeitos da comunidade com mais conhecimento da história local. 

A escola necessita, de uma melhor infra-estrutura, e o município, por sua vez,  precisa realizar concurso público para regulamentar as condições trabalhistas no magistério. 

Gestores, professores, alunos e famílias precisam ser o centro da produção do conhecimento, para  que se tenha um mínimo de elevação da auto-estima de todos que fazem parte da Escola Virgem Maria .

Sobre a metodologia da sala  multisseriada, na educação do Campo, no processo educativo para obtenção de resultados, de fato, há necessidade de políticas públicas, formação específica para atuação deste docente e a efetiva responsabilidade da parte dos gestores a fim de atentar para esta modalidade de ensino com acompanhamento pedagógico no planejamento, nos recursos didáticos, redimensionando as habituais vertentes pedagógicas em algo mais aproximado do contexto campesino.

Ressaltamos a importância da escola no campo, como uma instituição onde os sujeitos educativos, historicamente constituídos,  se movimentem dentro das teorias pedagógicas e nas variantes políticas e econômicas, sendo estes últimos, considerados condicionantes na dinâmica social e como prática educativa presente nas relações entre educador e educandos.

Concebemos o pensamento de que, a sala de aula multisseriada,  pela sua composição e mesmo com toda sua precariedade, na verdade seja o ambiente propício às novas reflexões sobre o saber e o aprender coletivo, repensada e reavaliada naquilo que ela representa para a comunidade onde está inserida. 

Poderia ser o protótipo de uma nova escola, sem paredes, sem muros, sem a conotação de fábrica, onde os estudos compartilhados com alunos de diferentes níveis de aprendizagem colaboram entre si. Neste sentido,  a intencionalidade do professo, é motivar os  alunos para futuros empreendimentos, e os impulsionem às múltiplas facetas do fazer e aprender para a vida.

Certamente com políticas públicas, educação formadora para o professor, currículo apropriado para o campo, tendo como base os temas pertinentes a este contexto, teremos uma ação transformadora destes indivíduos culturalmente agregados pelos seus   valores, pela sua ética, linguagem e costumes.

Os desafios e propostas devem avaliar a escola como um todo, destacando a positividade de alguns aspectos, tanto na práxis como na aprendizagem para aumentar e valorizar as facetas de uma sala de aula com níveis diferenciados de conhecimento pela idade ou pela vivência, mas com a responsabilidade de educar, promover socialmente seus membros e, sobretudo inseri-los nas modernidades tecnológicas, na cidadania e no trabalho.

Redimensionar uma educação que valorize as raízes dos sujeitos orgânicos vai depender da vontade política, das subtrações do discurso do poder, estabelecendo uma nova filosofia emergente das camadas populares sobre os direitos socialmente construídos através de uma educação de qualidade.

A compreensão da dinâmica das relações sociais no cotidiano , representa uma importante ferramenta para se arquitetar um projeto novo de educação que possibilite a inserção social, o desenvolvimento igualitário que incremente o combate às desigualdades que dominam a sociedade brasileira.

Os desafios são inúmeros para transpor as angústias experimentadas pelos educadores da sala multisseriada,  estigmatizados no conteúdo e na forma da sua práxis, obrigados a se movimentarem em apertados parâmetros de ensino. 

Apesar do desempenho, a escola multisseriada prossegue com ganhos ínfimos e inconcebíveis no que determina a lei, contudo, ainda é o único recurso nas regiões mais afastadas do campo brasileiro. Nos  lugares mais distantes onde se encontra a escola, ela se torna a única esperança para quem quer se alfabetizar.

É fato conhecido, o fechamento das escolas no campo, pautados no discurso de que seja inviável , o processo ensino aprendizagem. A nucleação de algumas escolas tem sido a solução para este impasse, trazendo alguns problemas como: longas distâncias, precariedade nos transportes, afastamento da identidade campesina e a sazonalidade da produção do campo, fatores que contribuem para que o aluno desista de seguir seus estudos, abandonando a escola.

Portanto, acreditamos nas mudanças necessárias e urgentes nas salas multisseriadas, como: mais recursos, metodologia interdisciplinar utilizando temas geradores e professores capacitados. Além de, reformas que qualifiquem e melhore o ensino multisseriado para que os sujeitos do campo tenham acesso a uma educação de qualidade.

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1Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará-UFPA (2016). Especialista Práticas Pedagógica na Educação do Campo (2019). Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Educação pela Faculdade de Ciências Sociais Interamericana – FICS.

2Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará – PPGEO/UFPA. Professor na Faculdade de Teologia, Filosofia e Ciências Humanas Gamaliel – FATEFIG. Pedagogo; Geógrafo. E-mail: milvio.geo@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-00021118-7152