STATE RESPONSIBILITY AND INEFFECTIVENESS OF THE LEGAL RESERVE FOR THE CONSERVATION OF THE CERRADO BIOME
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7953261
Geovanna Costa De Lima¹
Marina Teodoro²
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo geral demonstrar como a Reserva Legal tem sido ineficaz para a conservação do bioma Cerrado e qual é a responsabilidade do Estado diante disso. A Reserva Legal é um instrumento utilizado para garantir a preservação e conservação da biodiversidade nativa e frear o desmatamento, ela incide sobre propriedades privadas de todo o território nacional. O Cerrado é um bioma biodiverso, porém muito desmatado, e a Reserva Legal tem se mostrado ineficiente quanto a sua função de conservar a vegetação nativa. Foram utilizados como base para a construção do estudo normas, dados disponibilizados por entidades federais, pesquisas bibliográficas e de campo realizadas por outros autores. As motivações que levaram à realização da pesquisa se embasam na necessidade de identificar e entender o modo como o Estado tem sido negligente quanto a conservação do Cerrado por meio da Reserva Legal, e suas consequências para o bioma e seu ecossistema. Foi encontrado que há uma relação entre a ineficácia da Reserva Legal e a responsabilidade estatal. O Cerrado, mesmo sendo mais desmatado que a Amazônia, apresenta uma porcentagem de área de Reserva Legal inferior e possui uma fraca fiscalização. Conclui-se que o Código Florestal vigente (2023), que dispõe sobre a vegetação nativa, tem se mostrado um retrocesso para legislação ambiental e tem afetado o Cerrado negativamente, o que mostra como o Estado tem faltado com suas responsabilidades impostas pela Constituição Federal, de tal modo que tornou-se uma preocupação para as gerações futuras.
Palavras-chave: Desmatamento. Meio Ambiente. Código Florestal. Savana Brasileira. Hotspots.
INTRODUÇÃO
A Reserva Legal é uma medida administrativa que busca conservar os recursos naturais da propriedade privada. De acordo com a Lei nº 12.651, a propriedade situada no Bioma Cerrado deve manter uma área com cobertura de vegetação nativa de 20%, com exceção das propriedades em áreas de Cerrado localizadas na Amazônia Legal, que devem manter uma cobertura de 35% em relação à área total. Porém essa medida, que é um dos instrumentos utilizados pelo Estado para controlar a exploração e preservar o meio ambiente não foi eficiente, e isso reflete na forma como o Cerrado é explorado.
É significativo o modo como a Reserva Legal tem falhado em seu objetivo principal em relação a esse bioma através da legislação, com exceções, alterações, inexigibilidade, flexibilidade e exploração, e as consequências que isso traz na vida e dignidade da pessoa humana e dos seres vivos.
As motivações que levaram à escolha do tema da presente monografia se embasam na necessidade de identificar e entender o modo como o Estado tem sido negligente para com a conservação do bioma Cerrado por meio da Reserva Legal, que possui natureza jurídica de limitação administrativa e em teoria tem como objetivo contribuir para um ambiente sustentável, e como tal negligência tem gerado consequências como a extinção de espécies da fauna e flora, a perda da biodiversidade, e gerado impactos nos recursos hídricos no bioma.
O presente trabalho tem como objetivo geral demonstrar como a Reserva Legal está sendo ineficaz para a conservação do bioma Cerrado e sua relação com a responsabilidade estatal. E busca o alcance dos seguintes objetivos específicos: verificar como a ação humana influenciou na fragmentação de habitats do bioma Cerrado ao longo dos anos e suas consequências; associar a degradação ambiental do Cerrado à flexibilização da composição de reserva legal prevista na legislação ambiental; identificar a responsabilidade do Estado quanto a preservação do ecossistema nativo do bioma Cerrado.
Os métodos utilizados no presente estudo são de quali/quantitativas, sendo de caráter qualitativo a fenomenologia da pesquisa, que busca examinar e interpretar o modo como a Reserva Legal vem sendo tratada e o bioma Cerrado negligenciado; e de caráter quantitativo o apanhado de dados relacionados a degradação do bioma Cerrado, com base Sistema no PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e dados recolhidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Outros métodos de pesquisa também são utilizados visando melhor compreensão do tema abordado, como pesquisas bibliográficas, através de trabalhos académicos utilizados de forma sistemática, tendo como base, principalmente, as obras de Renato de Carvalho Batista (2019), Ivan Valente (2012) e Pedro Austregesilo Scussel (2014). Também foram feitas pesquisas jurídicas, utilizando como base a Constituição Federal de 1988, o Código Florestal de 2012, legislações revogadas e outros tipos de leis relacionadas à organização administrativa.
Sendo assim, busca-se compreender as características, o processo de ocupação humana e exploração econômica do bioma Cerrado; os conceitos, características e histórico de normatização da Reserva Legal; e a responsabilidade do Estado perante o meio ambiente e o modo como o Cerrado tem sido negligenciado.
1- CERRADO, CARACTERIZAÇÃO E HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO
O Cerrado se encontra nos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Pará, Paraná e Distrito Federal, ocupando 1.983.017 km², aproximadamente 23,3% do território brasileiro, sendo o segundo maior bioma do país e também da América do Sul (IBGE, 2019). Também conhecido como savana brasileira, é considerado um dos biomas mais biodiversificados do planeta, abrigando aproximadamente 33,3% da biodiversidade brasileira e 5% da fauna e flora global (SANTOS, 2010).
Os termos “grande caixa d’água do Brasil”, “o pai das águas do Brasil” e “o berço das águas” são utilizados para se referir ao bioma Cerrado, pois em razão de onde se encontra no espaço geográfico, em regiões de altitudes elevadas, esse bioma desempenha o fenômeno conhecido como “efeito guarda-chuva”, que faz com que este seja responsável por grande parte da atividade de distribuição de recursos hídricos do Brasil (LIMA, 2011). Mais especificamente, esse bioma contribui com oito de doze bacias brasileiras (SOUZA, 2019).
Além disso, por conta de sua vegetação, que possui raízes profundas, que é conhecida como “floresta subterrânea”, o Cerrado brasileiro possui uma grande parcela contributiva no que se refere a capacitação de absorção e armazenamento de carbono na atmosfera. Ainda sobre a vegetação do Cerrado, este possui diversas fisionomias que são influenciadas por fatores edáficos, como a fertilidade do solo, textura, saturação do solo e teor de alumínio (SANTOS, 2010).
Quanto ao solo do bioma em questão, ele é conhecido por ser profundamente distrófico, ou seja, ácido, e por consequência impróprio para o desenvolvimento da agricultura. Porém, por ser conhecido pela sua superprodução de grãos, sabe-se que tal obstáculo foi superado, com a mudança do pH através da adubação e calagem, que consiste basicamente em introduzir calcário e nutrientes ao solo (BURGAN, 2013).
Ao lado da Mata Atlântica, o Cerrado é um bioma brasileiro que compõe os hotspots, que são regiões biogeográficas que, apesar das riquezas naturais, são ameaçadas de destruição por ações antrópicas, porém, diferente da Mata Atlântica, o bioma Cerrado não foi denominado pela Constituição Federal/88 como patrimônio nacional, tornando-o vulnerável para maior exploração e desmatamento, visto que o mesmo não possui proteção constitucional prevista (BATISTA, 2019).
O processo de exploração do bioma Cerrado brasileiro, em que a relação entre o homem e a natureza passou a ser menos harmoniosa, se deu a partir do século XVII, por causa da busca de matéria prima, riquezas e mão de obra escrava pelos colonizadores portugueses. Foi a partir de então que pequenas comunidades se instalaram na região, praticando atividades como criação de gado, mineração, e, posteriormente, agropecuária e agricultura (BURGAN, 2013).
Após as dificuldades relacionadas ao acesso da região Centro-Oeste e invasão do Mato Grosso, o atual Mato Grosso do Sul, na Guerra do Paraguai (1864-1870), houve um encorajamento por parte da Guarda Nacional para a ocupação dessa região, visando maior segurança do país e, posteriormente, também houve incentivo por parte do governo de Vargas que visava potencializar o desenvolvimento econômico e populacional (SANTOS, 2010).
Porém, oi a partir da construção de Brasília e a implementação do Plano de Metas por Juscelino Kubitschek, que objetivava potencializar o desenvolvimento do Brasil em várias áreas, que o Cerrado passou a possuir maior ocupação e ser mais explorado. A construção de rodovias que facilitou o acesso aos grandes centros foi marcante para o andar desse processo, bem como a mudança da capital para o centro oeste do Brasil. (BURGAN, 2013).
Em pouco tempo, as finalidades regionais da agricultura sofreram mudanças para atender as necessidades nacionais, assim como a agropecuária regional que passou a contribuir ativamente com grande parte da produção de carne bovina do Brasil. Com todos esses incentivos ocupacionais e agrícolas, e seu desenvolvimento ocorrendo de forma intensa e rápida, o Cerrado sofreu grande degradação, contabilizando cerca de 48% de sua cobertura desmatada, de acordo com a Metodologia da Detecção do Desmatamento no Bioma Cerrado, que utiliza-se de imagens adquiridas pela Divisão de Geração de Imagens do INPE e pela NASA (BRITO, 2018).
De acordo com Goulart, Passos e Nucci (2015) a situação, de acordo com sua avaliação mais recente, encontra-se da seguinte forma: a região localizada no planalto central é cada vez mais fragmentada e substituída por plantações de soja; da mesma forma, a região sul e sudeste desmata sua vegetação natural para a plantação da canade-açúcar; cerca de 60 milhões de hectares são utilizados para cultivo de braquiária, normalmente destinadas para bovinos, caprinos e ovinos; além de grandes áreas e crescente comércio de espécies florestais exóticas, como eucaliptos (Eucaliptus spp.) e pinus (Pinus spp.). A atividade de mineração também se destaca por ser predominante na região desde a época da colonização e também por seus altos impactos ambientais relacionados à poluição do ar, água, sonora e subterrânea, colocando em risco a saúde pública (FERNANDES, PESSÔA, 2011).
Em cerca de quatro décadas, acredita-se que houve a modificação da vegetação natural do bioma Cerrado em mais da metade de seu território, e, de acordo com previsões, considera-se que, caso a taxa de desmatamento atual se mantenha, em 2030 a fauna e flora presentes na savana brasileira estarão restritas às áreas protegidas, e em 2050 será conhecido como o bioma com a maior taxa de extinção de espécie em todo o globo terrestre (LAGOS, 2017).
2- RESERVA LEGAL, HISTÓRICO DE NORMATIZAÇÃO E O NOVO CÓDIGO FLORESTAL
A Reserva Legal é um fragmento de habitat que compõe uma parcela da propriedade ou posse rural, no qual o proprietário tem o dever de cumprir a exigência normativa de conservar os recursos naturais, sendo permitido sua utilização econômica de modo sustentável, além de ter a função de abrigar a fauna e a flora que residem naquele espaço, conservar a biodiversidade e auxiliar na manutenção e no funcionamento do ecossistema, conforme prevê o Código Florestal, Lei nº 12.651, 2012. Essa limitação administrativa, que se trata de uma restrição ao direito de propriedade e está prevista no Código Florestal, baseia-se no princípio da Função Social da Propriedade, que é recepcionado pelo art. 5º, XXIII, da Constituição Federal/88 e também ressalvado no art. 12 do Estatuto da Terra, Lei nº 4.504 de 1964, determina que, além de seus interesses particulares, o uso da propriedade privada está condicionado ao bemestar da coletividade (AYRES, SOUSA, TOBIAS, 2012; BRASIL, 1964; BRASIL, 1988; BRASIL, 2012).
A porcentagem exigida varia de acordo com a região no qual está situada, sendo, conforme localizados na Amazônia Legal: 80% para imóveis em áreas de floresta, 35% para imóveis em áreas de Cerrado, 20% para imóveis em áreas de campos gerais; e, para aqueles que não estão situados na Amazônia Legal, a porcentagem exigida é de 20%, conforme o art. 12 do Código Florestal. É importante destacar essa especificação legislativa quanto às áreas de Cerrado situadas na Amazônia Legal, diferenciando-a do bioma Cerrado em si. Essa distinção resulta em prejuízos para o bioma de savana brasileira, pois, em relação aos enclaves de Cerrado, o bioma Cerrado possui uma proteção inferior de 15% em relação às áreas situadas na Amazônia Legal (BATISTA, 2019; BRASIL, 2012).
Desse modo, a localização e delimitação da área de proteção da Reserva Legal não é feita de acordo com a livre vontade do proprietário da propriedade, devendo passar por aprovação do órgão ambiental competente, que tem o dever de definir os limites de acordo com os atributos da região, como os minerais, fauna e flora, levando em consideração a qualidade e quantidade, além das áreas verdes próximas para que possa haver a efetiva formação dos corredores ecológicos, que diminuem os efeitos derivados da fragmentação e permitem o fluxo gênico entre espécies (LEHFELD, CARVALHO, BALBIM, 2015).
É obrigatório que o imóvel rural seja cadastrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR), para que haja um controle de dados, além de monitoramento e planejamento para evitar a falta de regularização e frear o desmatamento. Sendo assim, esse cadastro exige uma série de documentos de identificação, comprovação e localização das áreas destinadas à proteção da vegetação nativa, incluindo a da Reserva Legal, que deve ser aprovada por entidade associada ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), sendo este um órgão estadual integrante ou instituição habilitada (COIMBRA, KARVAT, 2017).
Foi através do Decreto nº 23.793, na tentativa de ordenar e normatizar o uso dos recursos naturais, que foi instituído, em 23 de janeiro de 1934, o primeiro Código Florestal, prevendo, entre várias medidas disciplinares, o limite de direito de uso da propriedade, em que proibia o proprietário de abater mais de 75% da vegetação presente em terras cobertas com matas originais, salvo exceções. Deste modo, a precursora da Reserva Legal tinha uma cobertura protegida de 25% (BRASIL, 1934; QUEROL, 2010).
Conhecida como “Reserva Florestal” essa área poderia ser modificada e transformada em floresta plantada. Porém esse Código sofreu uma série de alterações até a sua revogação, em 1965 (FILHO et al., 2015).
Em 15 de setembro de 1965, foi criado o segundo Código Florestal, através da Lei Federal nº 4771. Houve alteração quanto aos limites estabelecidos, sendo 20% para as áreas situadas nas regiões do Leste Meridional, centro-oeste e sul, e 50% para áreas incultas, o que na época se referia a região Norte e ao norte do Centro-Oeste. O Código também determinou que fosse mantida e preservada na propriedade parte da vegetação nativa, de modo que essa não pudesse ser alterada ou substituída por outra vegetação não original daquele espaço. Foi definido que o não cumprimento do Código Florestal caracterizava uso pernicioso da propriedade (BRASIL, 1965).
Esse Código também sofreu uma série de mudanças, como a determinação da averbação ou registro da Reserva Legal na matrícula da propriedade, e estipular o mínimo de 20% de RL para áreas de Cerrado. Nos anos de 1994 e 1995, foram divulgadas pesquisas feitas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em que os dados apresentavam uma taxa de desmatamento da Amazônia com um aumento de 95%. Diante dessa situação, foi estabelecido que 80% da propriedade que estivesse situada nas regiões Norte e Norte do Centro-oeste deveria possuir área de vegetação nativa protegida, enquanto as demais regiões permaneciam com o limite estabelecido de 50% (BRASIL, 1965; QUEROL, 2010).
Essa mudança foi vista de forma negativa pelos produtivistas, e entre a metade do ano de 1996 até o final de agosto de 2001, foram editadas cerca de 67 medidas provisórias, que alteraram tanto a reposição quanto a dimensão das áreas a serem protegidas nas propriedades rurais (OLIVEIRA, 2015).
A medida Provisória 1.956-50 de 2000 efetuou mudanças ainda vigentes (BRASIL, 2023) como: a definição do Norte e Norte do Centro-oeste como Amazônia Legal; também definiu a porcentagem das RL’s situadas no Cerrado localizado na Amazônia Legal para 35%; determinou RL de 20% para áreas de Campos Gerais; admitiu, em casos específicos, a integração das Áreas de Preservação Permanente na Reserva Legal; permitiu que, em áreas de pequenas propriedades, a RL fosse constituída de espécies exóticas, enquanto as demais propriedades ainda dependiam de regulamentação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (BRASIL, 2000; CONAMA, 2006; CUNHA, 2013).
Foi apenas em 2010, como resultado da pressão causada pelos setores do agronegócio, que o Deputado José Aldo Rebelo Figueiredo apresentou à Câmara o relatório com uma proposta de nova legislação. Esse relatório, além de acusar a legislação vigente da época de tornar a agricultura irrealizável e servir apenas para agradar a interesses multinacionais, ele afirma que a degradação do meio ambiente é um processo necessário e natural, e ainda questiona sobre a veracidade das mudanças climáticas e pesquisas relacionadas a elas (REBELO, 2010). Em nenhum momento é enfatizado a importância que tem os recursos naturais e sua preservação, ou como sua degradação implica em consequências diretas e indiretas para os ecossistemas brasileiros e para os seres humanos. Então, em maio de 2012, foi promulgado o Novo Código Florestal, Lei 12.651, atualmente vigente (BRASIL, 2012; OLIVEIRA, 2015).
Com o relatório de proposta não versando sobre o dever e a importância de preservar e conservar o bem nacional mais valioso, que são os recursos naturais, a reformulação do Código Florestal através da Lei 12.651 de 25 de maio de 2012, houve mudanças relacionadas a diminuição do nível de proteção ao meio ambiente e flexibilização das normas destinadas a preservação ambiental, beneficiando os interesses ruralistas e violando o Princípio da Vedação ao Retrocesso Ambiental, que, como garantidor das medidas de proteção já adotadas, visa impedir a supressão ou redução destes. (BRASIL, 2012; NASCIMENTO, VALE, 2017).
Entre as principais mudanças do Novo Código Florestal, estão as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal. Antes da vigência desta lei, só era autorizado a sobreposição da APP e RL quando a soma das duas ultrapassasse a percentagem estabelecida de 80% em propriedades situadas na Amazônia Legal, 50% para áreas situadas nas demais regiões, e 25% para as propriedades rurais pequenas (VALENTE, 2012). Com as alterações, é permitida que o regime de Reserva Legal seja substituído pela Área de Preservação Permanente ao aceitar que APP seja computada a porcentagem da RL, o que interfere e impossibilita que a função da Reserva legal seja atingida, visto que ambas possuem funções diferentes, como mencionado anteriormente, além de diminuir o número de áreas protegidas nas propriedades, e, consequentemente, no regiões do país (BRASIL, 2012; SCUSSEL, 2014).
o Novo Código também dispensa a complementação da RL em áreas rurais inferiores a 4 módulos fiscais cuja área de vegetação nativa possui a porcentagem inferior à exigida por lei, em áreas rurais consolidadas (SCUSSEL, 2014). A definição de área rural consolidada se refere a áreas de imóveis rurais que já possuíam ocupação antrópica com benfeitorias, edificações ou atividades de lavoura e pecuária, antes de 22 de julho de 2008 (RODRIGUES, 2013). A escolha dessa data em específico se deve ao Decreto nº 6.514 promulgado em 22 de julho de 2008 e ainda vigente, que trata sobre infrações administrativas contra o meio ambiente e suas sanções, além de estabelecer o processo administrativo federal para que se possa apurar estas transgressões, e dá outras providências (MAIA, 2013). O tamanho de um módulo fiscal pode variar de 5 a 110 hectares de acordo com a área na qual está situada (BRASIL, 2012; BRASIL, 2008; INCRA, 2012).
Além disso, a Reserva Legal deixa de exercer sua finalidade com a concessão do plantio intercalado entre espécies nativas e exóticas, tendo em vista que essas espécies introduzidas possuem a capacidade de alterar o solo de forma física e química, modificar o ecossistema e diminuir a biodiversidade da região, podendo também alterar sua paisagem natural (SCUSSEL, 2014).
O novo texto normativo dá permissão aos proprietários rurais de renunciar da obrigação de possuir uma área de conservação destinada a Reserva Legal, desde que o proprietário mantenha tal área de conservação com a porcentagem exigida em qualquer outra parte do bioma na qual sua propriedade se localize. Apesar do objetivo de manter uma área conservada e tentar diminuir o impacto no bioma em questão, a falta de obrigação em garantir a Reserva Legal na mesma microbacia causa consequências para o território e para as pessoas que nele residem, pois a falta de áreas verdes afetam a temperatura, o solo e até o balanço hídrico da região (JÚNIA, 2022).
Outro fator importante que traz questionamentos por parte do ambientalistas, como forma de compensação da Reserva Legal, ou seja, substituindo os métodos de recomposição ou regeneração em áreas com porcentagem de Reserva legal insuficiente ou inexistente pela doação de área de domínio público situada no interior de uma Unidade de Conservação. Deste modo, ao invés de restaurar ou recompor a vegetação nativa, o proprietário tem a opção de adquirir uma área que já é protegida, dependendo apenas de regulamentação fundiária. Esse instrumento de compensação não gera benefício ambiental, além de entrar em desacordo com o art. 225, § 1º, incisos I e VII, da Constituição Federal, que tratam sobre a restauração e preservação dos processos ecológicos, a utilização de manejos ecológicos, a proteção da fauna e flora, a proibição de ações ou omissões que coloquem risco a função ecológica ou resultem em crueldade ou extinção de espécies (BRASIL, 1988; CUREAU, 2010).
Desse modo, procedimentos adotados atualmente não são suficientes para efetiva proteção do meio ambiente, e consequentemente, do Cerrado. A situação do bioma savana brasileira seria favorável se este dispusesse dos 20% obrigatoriamente protegidos pela Reserva Legal por todo o território e em todas as propriedades rurais, sejam elas pequenas, médias ou grandes, e da mesma forma a efetiva proteção das Áreas de Proteção Permanente, o que não é o caso (RIBEIRO, OLIVEIRA, AQUINO, 2011).
O Brasil passou pela tutela de três normas federais brasileiras dispostas sobre a proteção da biodiversidade, os Códigos Florestais de 1934 e 1965 revogados, e o vigente de 2012, objetivando estabelecer limites quando a usufruto do homem em relação ao meio ambiente, e fazer com que o dono de uma propriedade rural respeitasse a vegetação vigente, com o intuito de um bem maior e interesse comum do povo brasileiro. Porém, levando em consideração os retrocessos da norma vigente, a anistia a crimes cometidos e a diminuição de áreas protegidas, fica evidente que o Código Florestal de 12012 não suprido as necessidades para conservação da vegetação nativa e para os ecossistemas que ela abriga (BRASIL, 1934; BRASIL, 1965; BRASIL 2012; GOMES, 2014).
3- RESPONSABILIDADE ESTATAL E BIOMA CERRADO
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a dedicar um capítulo específico ao meio ambiente, dedicando-se à sua proteção. Além de estabelecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, também determina a obrigação da coletividade e do Estado de conservá-lo. O art. 225 da Constituição é considerado o texto-base do sistema protetivo constitucional ambiental brasileiro, estabelecendo limites quando a sua exploração e prevendo exigências quanto a preservação e restauração não só do ambiente, mas também dos seres vivos que nele residem. Sendo assim, a CF não tutela somente a vida humana, mas também a rica biodiversidade do país, de modo que busca assegurar a preservação do complexo sistema ecológico dos biomas brasileiros (BRASIL, 1988; PADILHA, 2010).
A tutela do meio ambiente busca a garantia da qualidade de vida humana, uma vez que o equilíbrio ecológico está inerentemente ligado a elementos como saúde, cultura e segurança. O ser humano depende das interações com a natureza para sua subsistência, dessa forma, garantir a conservação e equilíbrio do meio ambiente é a maneira mais eficaz de proporcionar a dignidade da pessoa humana (REIS, 2013).
O meio ambiente, ao possuir caráter constitucional, faz com que a Administração Pública tenha o dever de levá-lo em consideração em suas decisões e formulações de políticas públicas, com o objetivo de buscar alternativas menos danosas ao equilíbrio ambiental, conforme o art. 225, caput e § 1º, da CF/88 (BRASIL, 1988).
É notório a evolução dos textos normativos em relação à abordagem da temática do meio ambiente como algo a ser preservado e protegido. Porém, em contrapartida, a exploração dos recursos naturais e degradação do meio ambiente cresceu ao longo das décadas. O Estado fez alterações nas normas conforme mudava a necessidade da sociedade e do meio ambiente, porém nem todas compactuam com o discurso de assegurar um ambiente saudável, limpo e equilibrado para a sociedade atual e muito menos para as gerações futuras, em que pode ser visto o desrespeito e ambição perante a biodiversidade (OTTONI, 2021).
O Estado tem falhado em proteger o ecossistema, tanto de forma ativa quanto de forma omissa, e o Cerrado é um grande exemplo disso. O bioma vem sendo alvo de grandes práticas predatórias quanto a exploração de recursos naturais, e sua vegetação, tão contributiva absorção e armazenamento de carbono na atmosfera, é cada vez mais substituída por áreas destinadas à agropecuária, e suas nascentes, que tanto contribuem para o abastecimento do país e de outras regiões da América do Sul, vem sofrendo com o desmatamento agressivo e constante (SANTOS, 2010).
A Administração Pública tem a responsabilidade incumbida a ela por cláusula pétrea, porém ela tem sido omissa quanto a forma que o Cerrado é tratado. Desde o início, quando foi pensado na necessidade que havia de preservar o meio ambiente, o Cerrado foi excluído de proteção, pois por bastante tempo, a savana brasileira não era considerada uma floresta, e as primeiras legislações apenas asseguravam proteção sobre estas (NASCIMENTO, VALE, 2017).
Ao invés de haver um fortalecimento quanto à consciência ambiental e a prática de princípios da sustentabilidade, o país tem sido dirigido por lideranças ruralistas, e a aprovação do Código Florestal de 2012 é a prova disso. De acordo com Valente (2012):
O sentido do novo Código Florestal Brasileiro é, infelizmente, o de redução da proteção ambiental e de regularização de infrações já cometidas contra a lei que até então estava em vigor. Infelizmente, o período final de aprovação do projeto não foi marcado pelo resgate do caráter de preservação ambiental que deveria ser o eixo de sustentação do Código Florestal, mas por uma tentativa tímida de conter o avanço desmedido das propostas da bancada ruralista (VALENTE, 2012, p. 14).
Desse modo, o Cerrado conta com ainda menos áreas verdes legalmente protegidas, com a anistia de crimes relacionados à regularização da Reserva Legal e a falta de obrigação na recomposição da mesma. De acordo com Mendes (2020), tal diminuição da proteção da RL tem a capacidade de chegar a 12% em relação ao mínimo previsto no art. 12 do Código Florestal (BRASIL, 2012).
Além disso, o Código Florestal de 2012, ao apresentar um retrocesso em relação à lei anterior, fez com que surgissem questionamentos quanto à sua constitucionalidade, pois ele vai contra o Princípio da Vedação do Retrocesso. Tal princípio tem como objetivo impedir flexibilização in pejus, ou seja, que ocorra mudanças e flexibilização da norma de tal forma que represente um prejuízo para o meio ambiente em relação à norma anterior (COSTA, 2015). Apesar de ter havido ações diretas de inconstitucionalidade sobre o Código Florestal julgadas pelo STF que alteraram alguns artigos, ele ainda representa um risco para os biomas nacionais, e sua vigência ainda representa uma negligência do Estado. A ADIN é um instrumento utilizado para verificação da validade da norma, prestando-se à defesa da ordem constitucional (BRASIL, 2012; CLÈVE, 2008).
Por consequência da variabilidade prescritiva da norma quanto a composição da Reserva Legal prevista no Código Florestal, há uma dificuldade tanto na compreensão pelo proprietário do qual a norma é destinada quanto na fiscalização de sua aplicação. Com a aprovação da Lei nº 12.651 de 2012, tornou-se um desafio para o próprio Estado e seus órgãos e entidades, no que se refere a identificação sobre o regime jurídico a ser aplicado em cada propriedade rural, o que favorece a situação de irregularidade da Reserva, e consequentemente da vegetação que deveria estar sendo protegida. Como já foi mencionado, além de prever uma variação percentual em função de uma maior proteção sobre a Amazônia Legal, podendo variar de 20 a 80% de acordo com a localização da propriedade, os artigos 12, 13, 67 e 68 preveem exceções e alterações nessas porcentagens (BRASIL, 2012; MENDES, 2020).
Desse modo, a própria Administração Pública encontra-se com dificuldades de disciplinar e regulamentar as previsões dessa lei, que é sua obrigação imposta pelo art. 225, § 1º, V, da Constituição Federal, o que resulta na baixa quantidade de propriedades e posses rurais que apresentam os percentuais estabelecidos pela norma infraconstitucional, como afirmam Pacheco et al. (2017) (BRASIL, 1988).
Apesar do projeto do Código Florestal ter sido criado em 2010, e promulgado em 2012, a pressão feita pelo setor agrário ainda permanece e a bancada ruralista faz com que não sejam aprovadas mudanças que beneficiem o meio ambiente. Tanto é que o projeto de emenda à Constituição para incluir o Cerrado como patrimônio nacional ainda permanece em tramitação (SILVA, 2012).
Essas decisões representam um regresso quanto a proteção ambiental mostra como o Poder Legislativo se afastou dos princípios ambientais, como é o caso da Declaração de Princípios de Estocolmo (1972). A partir do momento em que o desenvolvimento deixou de ser compatível com as necessidades a proteção e preservação do meio ambiente, houve uma falta de compromisso prestado para com a Assembleia Geral das Nações Unidas, elevando a falta de comprometimento do Estado para a qualidade de vida que tanto depende o meio ambiente ecologicamente equilibrado, à nível internacional (SILVA, 2012).
De acordo com Machado e Meinerz (2020) “O Estado detém, quase que exclusivamente, o controle do meio ambiente, pois o poder público é quem, nas atribuições dos três poderes republicanos, formula as políticas públicas ambientais […]”. Isso mostra que, apesar do desmatamento não ser exclusivamente resultado de ações do Estado, ou falta delas, as decisões tomadas até o momento contribuíram e facilitaram a situação atual de degradação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Bioma Cerrado é uma riqueza nacional que contribui de várias formas para a manutenção da vida e para a sobrevivência de outros biomas, porém seu desmatamento é acelerado e ele é pouco tratado pela norma, tanto infraconstitucional quanto constitucional, o que só tem contribuído para a sua devastação.
A Reserva Legal tem como função fundamental proteger a vegetação nativa na propriedade privada, e, por consequência, o ecossistema que dela depende, porém, uma série de fatores tem desfavorecido o seu cumprimento efetivo, como sua flexibilização, falta de fiscalização e variabilidade prescritiva da norma.
Fica claro a forma como o Estado tem sido negligente com o bioma Cerrado, apesar da responsabilidade constitucional de preservar e proteger o meio ambiente e os biomas que compõem o país. Tal negligência tem afetado o cumprimento da Reserva Legal nas propriedades privadas, em ênfase no Cerrado que já possui um número menor de áreas verdes protegidas em relação aos outros biomas. A baixa porcentagem da área de Reserva Legal do Cerrado a ser conservada em relação a localizada na Amazônia Legal, a aprovação do Código Florestal de 2012 e a falta de fiscalização tem sido empecilhos que fragilizaram a composição da Reserva Legal e a conservação do bioma Cerrado.
Diante do exposto, conclui-se que, caso não haja mudanças no posicionamento do Estado perante a Reserva Legal e o bioma Cerrado, o desmatamento continuará avançando e o país sofrerá consequências futuras, outros biomas serão afetados e espécies serão extintas.
ABSTRACT
This research aims to demonstrate how the Legal Reserve has been ineffective for the conservation of the Cerrado biome and what is the responsibility of the State in this regard. The Legal Reserve is an instrument used to ensure the preservation and conservation of native biodiversity and stop deforestation, it focuses on private properties throughout the national territory. The Cerrado is a biodiverse biome, but very deforested, and the Legal Reserve has proved inefficient in its function of conserving native vegetation. Standards, data made available by federal entities, bibliographic and field research carried out by other authors were used as the basis for the construction of the study. The motivations that led to the research are based on the need to identify and understand how the state has been negligent about the conservation of the Cerrado through the Legal Reserve, and its consequences for the biome and its ecosystem. It was found that there is a relationship between the ineffectiveness of the Legal Reserve and the state responsibility. The Cerrado, even being more deforested than the Amazon, has a lower percentage of Legal Reserve area and has a weak control. It is concluded that the current Forest Code (2023), which provides for native vegetation, has shown a setback for environmental legislation and has affected the Cerrado negatively, which shows how the State has been lacking with its responsibilities imposed by the Federal Constitution, so that it has become a concern for future generations.
Keywords: Deforestation. Environment. Forest Code. Brazilian Savannah. Hotspots.
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