RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO À LUZ DO CDC E JURISPRUDÊNCIA DO STJ

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11238172


Matheus Martins Monteiro Nascimento1;
Co autora: Fernanda Matos Fernandes de Oliveira Jurubeba2.


RESUMO

O presente estudo busca compreender os efeitos da responsabilidade civil das instituições financeiras à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC), aliando um debate doutrinário com jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), principal uniformizador da jurisprudência consumerista do país. Aborda-se alguns conceitos e sua base doutrinária e jurisprudencial para melhor compreensão do objeto em estudo.  A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, sendo levantado dados e informações sobre o material abordado. Por fim, a pesquisa concluiu que a aplicação do CDC nas fraudes bancárias e demais casos de fortuito interno, não basta somente à existência da fraude, sendo analisada a conduta do consumidor e o grau de conhecimento a respeito da fraude sofrida.

Palavras-Chave: Instituições Financeiras; Relações de consumo; Responsabilidade Civil.

ABSTRACT

This study seeks to understand the effects of the civil liability of financial institutions in the light of the Consumer Protection Code (CDC), combining a doctrinal debate with recent case law from the Superior Court of Justice (STJ), the main unifier of consumer jurisprudence in the country. Some concepts and their doctrinal and jurisprudential basis are addressed in order to better understand the object under study.  The methodology used was bibliographical research, gathering data and information on the subject. Finally, the research concluded that the application of the CDC in bank fraud and other cases of unforeseeable circumstances is not enough if the fraud exists, but the consumer’s conduct and level of knowledge about the fraud suffered must be analyzed.

Keywords: Financial institutions; Consumer relations; Civil liability.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo busca identificar e explicar os efeitos da responsabilidade civil das instituições financeiras à luz do CDC, aliando um debate doutrinário com jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), principal uniformizador da jurisprudência consumerista do país. Serão apresentados alguns conceitos, a sua base doutrinária e jurisprudencial para melhor compreensão do objeto em estudo. Neste contexto, será discutida a importância de se analisar a responsabilidade das instituições financeiras pelos danos causados aos seus clientes, falhas nos serviços prestados, informações incorretas ou enganosas, bem como vícios ou defeitos nos produtos financeiros. Será ressaltada a relevância dos fundamentos legais e pressupostos da responsabilidade civil, bem como as possíveis excludentes de responsabilidade. 

Inicialmente, o estudo visa analisar a tônica da responsabilidade civil, o seu conceito e a importância do seu papel nas mais diversas relações comerciais. No capítulo seguinte, tem-se a abordagem das relações de consumo com as instituições financeiras e como os Tribunais têm trabalhado e determinado práticas para reestabelecer o equilíbrio na relação consumerista. No tópico seguinte, analisar-se-á a responsabilidade civil das instituições financeiras em casos de maneira objetiva, assim como em situações em que se faz necessário averiguar a conduta do consumidor para a atribuição ou não da reparação do dano. Por fim, serão explorados os procedimentos para buscar reparação, a jurisprudência sobre o tema e a conclusão do estudo. 

Para fundamentar o presente estudo, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, por meio da análise de dados e informações sobre o assunto estudado a partir de livros e artigos, buscando principalmente uma reflexão sob o aspecto jurídico do tema em questão.            

2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

O artigo 927 do Código Civil preconiza que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Ou seja, o dispositivo em alusão prevê que o ato ilícito praticado enseja a obrigação de indenizar.

Lucena (2020) afirma que a responsabilidade nada mais é que a reparação de um dano causado a outrem, pela prática de ato ilícito, que ocasionou um prejuízo moral ou material.

Souto (2015) define a responsabilidade civil como aquela que se destina a assegurar a obrigação de indenizar daquele que causa danos a outrem, envolvendo a aplicação de medidas que se prestam a obrigar determinada pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em consequência de atos por si praticados ou pessoa sob sua responsabilidade. 

O tema responsabilidade é vasto por ser pertencente a todos os ramos do direito, não apenas no direito civil, portanto não é bem estruturado, sendo considerado um desafio a todos.

Na atualidade a responsabilidade civil tem grande importância, pois se dirige à restauração do equilíbrio moral e patrimonial desfeito e à redistribuição da riqueza de conformidade com os preceitos da justiça. Pressupõe uma relação jurídica entre a pessoa que sofreu o prejuízo e a que deve repará-lo, transferindo o ônus do dano por parte do lesado para outra pessoa que deverá suportá-lo perante a lei (Souto, 2015).

2.1 Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor

No tocante ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e às instituições financeiras, Pereira e Silva (2020) explicam que as relações entre cliente e instituição financeira são regidas pela lei consumerista, previstas expressamente no CDC. 

Houve, durante muito tempo, certa divergência entre os operadores do direito quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações bancárias, tema que atualmente está superado, sendo certa a aplicabilidade da Lei Federal. Logo, todo amparo que o consumidor tem na lei é aplicável quando o banco estiver na relação, tais como: responsabilização objetiva, inversão do ônus da prova, dentre outras.

O CDC foi sancionado no dia 12 de setembro de 1990 pelo então Presidente Fernando Collor, sendo fruto de determinação constitucional constante do art. 48 das Disposições Finais e Transitórias da Constituição Federal de 1988. Essa ordem constitucional determinava a elaboração de um código do consumidor no prazo de cento e vinte dias a contar da promulgação da Constituição.

Longe de especificar regras gerais, o CDC visa primordialmente tutelar as relações consumeristas, no seu aspecto material e processual, estando situado no campo da especialidade. Tartuce e Neves (2018) afirmam que, como norma vigente, o Código de Defesa do Consumidor situa-se no campo da especialidade, segunda parte da isonomia constitucional, retirada do art. 5º, caput, da CF/1988. Ademais, o conteúdo do código consumerista demonstra tratar-se de uma norma adaptada à realidade contemporânea da pós-modernidade jurídica.

No campo da especialidade, o CDC é conhecido pela doutrina por sua normatividade principiológica, diante da proteção constitucional dos consumidores, como corolário do previsto no art. 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988, ao enunciar que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (Amorim; Tartuce, 2018).

Nas palavras da ministra Nancy Andrighi (2010), a introdução do CDC no ordenamento jurídico brasileiro visou um processo de humanização das relações de consumo, principalmente entre consumidor e fornecedor O CDC, conduzido pela Lei n 8.078/90 ao ordenamento jurídico inaugurado pela Constituição cidadã de 1988, vem atingindo o seu escopo em termos de efetividade normativa.

Para Andrighi (2010), a lei consumerista buscou semear a harmonia e a civilidade nas relações entre os agentes econômicos consumidor e fornecedor que outrora digladiavam-se na aridez de um consumo em massa desregrado. Sem hesitar, faz-se mister anotar que essa novel codificação sempre aspirou a um processo de humanização das relações de consumo e, por assim dizer, à efetivação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana pela aplicação de institutos próprios e específicos disciplinados em seus dispositivos legais.

Um tema que inovou no ordenamento jurídico através do CDC foi a atribuição presumida de vulnerabilidade ao consumidor, nos termos do art. 4″, que ao estabelecer a Política Nacional das Relações de Consumo, enumerou entre seus objetivos o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.

Tartuce e Neves (2018) entendem que essa disposição do CDC veio como forma de proteção à realidade social do consumidor, sendo possível constar através da leitura do art. 4º, I, do código consumerista, a clara intenção do legislador em dotar o consumidor, em todas as situações, da condição de vulnerável na relação jurídica de consumo. 

De acordo com a realidade da sociedade de consumo, não há como afastar tal posição desfavorável, principalmente se forem levadas em conta as revoluções pelas quais passaram as relações jurídicas e comerciais nas últimas décadas. Tartuce e Neves (2018) discorrem sobre essas desigualdades, demonstrando que estas não encontram, nos sistemas jurídicos oriundos do liberalismo, resposta eficiente para a solução de problemas que decorrem da crise de relacionamento e de lesionamentos vários que sofrem os consumidores, pois os Códigos se estruturaram com base em uma noção de paridade entre as partes, de cunho abstrato. Diante da vulnerabilidade patente dos consumidores, surgiu a necessidade de elaboração de uma lei protetiva própria, caso da Lei 8.078/1990.

Os autores entendem também que, para se reconhecer a vulnerabilidade, pouco importa a situação política, social, econômica ou financeira da pessoa, bastando a condição de consumidor, enquadramento que depende da análise dos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/1990. Desse enquadramento, decorrem todos os benefícios legislativos, na melhor concepção do Código Consumerista.

3 AS RELAÇÕES DE CONSUMO COM AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

O brocardo jurídico segundo o qual “o direito não socorre aos que dormem” pode ser considerado um bom indicativo do quão o direito pode ser dinâmico e estático. Stocco (2017) afirma que a dinâmica da evolução do direito é avassaladora em algumas searas. No campo da responsabilidade civil é um fenômeno visível e perceptível.

Pereira (2018) entende que a Responsabilidade Civil prevista no CDC tem por base a Teoria da Qualidade, que é fundada no dever de qualidade e quantidade dos bens de consumo colocados no mercado, o que engloba tanto a segurança como a adequação dos produtos e serviços.

Tartuce e Neves (2018) ensinam que, no âmbito do CDC, a responsabilidade civil representou uma superação do modelo dual anterior, contratual e extracontratual, unificando a responsabilidade civil. Os autores explicam, ainda, que, na verdade, pela Lei Consumerista, pouco importa se a responsabilidade civil decorre de um contrato ou não, pois o tratamento diferenciado se refere apenas aos produtos e serviços, enquadrando-se nos últimos a veiculação de informações pela oferta e publicidade.

Por oportuno, destaque-se que, sem qualquer distinção a respeito da responsabilidade civil, a Lei 8.078/1990 se aplica à atual problemática dos contratos coligados e dos deveres deles decorrentes, tão comuns no mercado de consumo. Tais negócios estão interligados por um ponto ou nexo de convergência, seja direto ou indireto, presentes, por exemplo, nos contratos de plano de saúde, na incorporação imobiliária ou outros negócios imobiliários, bem como em contratos eletrônicos ou digitais.

Dentre as particularidades da responsabilidade sob o manto do CDC – que podem ser diferidas da responsabilidade civil sob a égide do Código Civil – está a ideia da teoria do risco-proveito, segundo a qual todo aquele que fornece produto ou serviço obtendo, em razão deste fornecimento, proveito ou vantagens, responde por eventuais danos, independentemente de culpa ou dolo. Em outras palavras, aquele que expõe aos riscos outras pessoas, determinadas ou não, por dele tirar um benefício, direto ou não, deve arcar com as consequências da situação de agravamento. (TARTUCE; NEVES, 2018, p. 157-158).

Com efeito, essa mudança nos termos da responsabilidade, frente ao que vinha sendo aplicado conforme os termos civilistas, provocou algumas desconfianças nos setores comerciais, que seriam os principais atingidos pela mudança legislativa. Como justificativa para essa forma de responsabilidade, José Geraldo Brito Filomeno (apud TARTUCE; NEVES, 2018, p. 158) apresenta os seguintes pontos fundamentais para justificar a responsabilidade objetiva prevista na Lei 8.078/1990: (a) a produção em massa; (b) a vulnerabilidade do consumidor; (c) a insuficiência da responsabilidade subjetiva; (d) a existência de antecedentes legislativos, ainda que limitados a certas atividades; (e) o fato de que o fornecedor tem de responder pelos riscos que seus produtos acarretam, já que lucra com a venda.

Outro fator que contribui para a formação desse tipo específico de responsabilidade seria a vulnerabilidade do consumidor, expresso no artigo 4º, inciso I, do CDC. Lucena (2020) afirma que nessa perspectiva da vulnerabilidade, o legislador definiu no corpo normativo consumerista quatro situações básicas de responsabilidade civil: Responsabilidade pelo vício do produto; Responsabilidade pelo fato do produto (defeito); Responsabilidade pelo vício do serviço; e Responsabilidade pelo fato do serviço, no caso, defeito.

Existem diferenças claras e importantes no tocante ao fato e ao vício do produto. Antes de se demonstrar tais decorrências, é preciso diferenciar o vício do fato ou defeito. No vício, seja do produto ou do serviço, o problema fica adstrito aos limites do bem de consumo, sem outras repercussões (prejuízos intrínsecos). Por outra via, no fato ou defeito, seja também do produto ou serviço, há outras consequências, como é o caso de outros danos materiais, de danos morais e danos estéticos (prejuízos extrínsecos). De outra forma, pode-se dizer que, quando o dano permanece nos limites do produto ou serviço, está presente o vício. Se o problema extrapola os seus limites, há fato ou defeito, presente, no último caso, o acidente de consumo propriamente dito.

Outro aspecto importante é a solidariedade em relação aos fornecedores. Cabe ressaltar que, das responsabilidades supracitadas, não são todas que aderem a solidariedade entre os envolvidos. Tartuce e Neves (2018) afirmam que em três delas, há a solução da solidariedade, respondendo todos os envolvidos com o fornecimento ou a prestação. Em uma delas, a solidariedade não se faz presente. A diferenciação não é claramente difundida perante o público jurídico nacional. Tanto isso é verdade que muitos erros são cometidos na prática. A exceção à solidariedade atinge o fato do produto ou defeito, pelo que consta dos arts.12 e 13 da Lei 8.078/1990. Isso porque ambos os comandos consagram a responsabilidade imediata do fabricante ou de quem o substitua nesse papel e a responsabilidade subsidiária do comerciante.

3.1 Responsabilidade civil objetiva no código de defesa do consumidor

Apesar de figurar de forma especial no CDC, a responsabilidade civil objetiva não escapa à regra das excludentes também. Preconiza o artigo 12, §3º do CDC que o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Prescreve também o § 3°, do artigo 14, do Código em comento que “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.” 

Pereira (2018) explica que, nesses casos, não há que se falar em Responsabilidade Civil, pois constituem óbices do nexo causal, pressuposto da responsabilidade, que determina uma relação de causa e efeito entre a conduta e o dano, se aplicando a qualquer modalidade de responsabilidade, seja ela subjetiva ou objetiva. Lado outro, a respeito das hipóteses últimas, a doutrina critica o uso do termo “culpa”, afirmando ser mais adequado falar em “fato exclusivo” de terceiro ou da vítima. 

Ademais, também afirma Pereira (2018), a respeito da culpa exclusiva de terceiro, que, quando a lei diz “terceiro” está se referindo à pessoa completamente estranha à relação jurídica estabelecida. Assim, não haverá exclusão da responsabilidade se esse indivíduo possui uma relação de confiança ou de pressuposição com o fornecedor/prestador. Desse modo, se esse “terceiro” integra a cadeia produtiva, ainda que remotamente, não se pode reputar estranho à relação de consumo, sendo ele, na verdade, um fornecedor solidário. 

Favoni (2011) defende que o princípio basilar dos referidos dispositivos legais não é outro senão o de que ninguém pode responder por aquilo que não tenha efetivamente dado causa, bem como por aquilo que não estava obrigado por qualquer vínculo contratual, seja ele subjetivo ou objetivo. 

Quanto à aplicabilidade da responsabilidade objetiva consumerista em certas classes de fornecedores, Favoni (2011) destaca que prepondera atualmente na doutrina, assim como nos Tribunais, entendimento segundo o qual a responsabilidade dos Bancos deve ser objetiva, respondendo pelos danos independentemente de culpa. 

Mas antes de adentrar no debate sobre a responsabilidade objetiva das instituições financeiras, convém tecer breves considerações sobre o que vêm a ser essas instituições. 

Pereira e Silva (2020) apontam que as primeiras instituições bancárias no Brasil ganharam expressão a partir de 1808, com a criação do primeiro Banco do Brasil. O sistema bancário seria composto pelas instituições financeiras que prestam serviços aos consumidores, no qual se incluem as casas bancárias responsáveis pela oferta de crédito para os clientes pessoas físicas e pessoas jurídicas, compostas de forma quase que total por organizações privadas. 

Favoni (2011) explica que frente à consolidação das empresas bancárias de fato, fez-se necessária a participação efetiva do Estado brasileiro para estabelecer normas regulamentadoras de tais atividades. O autor (2011) continua e afirma que vários foram os diplomas legais produzidos para disciplinar a matéria bancária, a começar pelo Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850, o qual inclui entre os atos de comércio as operações bancárias. Depois dele, ainda seguiram diversos outros Decretos e Leis, merecendo destaque a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, a qual continua em vigor até hoje, dispondo sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias do Brasil. 

Lucena (2020) também explica que, diante do aumento de negócios realizados, surgiu a necessidade de regulação e controle dessa atividade. Todavia, além dessas relações serem regulamentadas pelo Código Civil e pela Constituição Federal, também passaram a ser regulamentadas pela Lei 8.078/90, ou seja, pelo Código de Defesa do Consumidor, com a finalidade de regular e assegurar os interesses coletivos da relação de consumo.

Havia uma certa divergência na doutrina sobre qual lei aplicar nas relações bancárias, ao passo que parte da doutrina sustentava que a maioria das atividades bancárias são incompatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o dinheiro ou crédito fornecidos pela instituição não são utilizados pelo destinatário final, pois, circulam na sociedade, conforme descrevem Pereira e Silva (2020). 

Pereira e Silva (2020) também apresentam que outra hipotética incompatibilidade doutrinária ocorria com base na hierarquia das normas. O Código de Defesa do Consumidor é considerado lei ordinária, limitado a tutelar as relações de consumo, e a Constituição Federal menciona, no artigo 192, que somente a União através de lei complementar poderia legislar sobre o sistema financeiro nacional, pois, possui tratamento legislativo diferente da lei ordinária (Pereira; Silva; 2020). 

Contudo, houve uma modificação de entendimento quando o Supremo Tribunal Federal determinou a plena aplicabilidade do CDC nas operações e contratos bancários. Petersen apud Pereira e Silva (2020) explica que, em 07/06/2006, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão entendendo que deve ser aplicado, nas operações e contratos bancários, o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não há conflito entre o art. 2º do CDC e o art. 192 da Constituição, entretanto, retirou do campo da lei consumerista as ações que versam sobre juros, sendo responsabilidade do Banco Central controlar os abusos. 

No dia 12 de maio de 2004, o Superior Tribunal de Justiça editou o enunciado de súmula 297, na qual consolidou o entendimento no âmbito infraconstitucional da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Dessa forma, mesmo as instituições financeiras pleiteando o afastamento da aplicabilidade da lei consumerista, há entendimento pacificado no sentido de sua aplicabilidade (Pereira e Silva, 2020). Registre-se, ainda, o teor do enunciado 479 do STJ, segundo o qual “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS À LUZ DO CDC E STJ

O CDC tem um papel muito importante nas relações consumeristas, pois tem o papel de equilibrar essa relação.  Para Oliveira e Anjos Simões (2023), o objetivo do legislador, ao instituir o CDC, foi conceder certos privilégios ao consumidor, objetivando buscar o equilíbrio entre as partes contratantes, vez que o consumidor é a parte hipossuficiente da relação consumerista. Para efetivar tais privilégios, o legislador estabeleceu que o fornecedor de bens e serviços responde objetivamente pelos fatos e vícios resultantes de sua atividade, mas para isso, o consumidor deverá comprovar alguns pressupostos, quais sejam: a ação ou omissão do prestador de serviço ou fornecimento de bens, a existência do nexo causal e, por fim, o dano sofrido.

A partir do enunciado da súmula 297 pelo STJ, houve a consolidação do entendimento no âmbito infraconstitucional da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Apesar de ter editado súmula indicando a aplicação do CDC no âmbito das instituições financeiras, restava consolidar qual responsabilidade seria aplicada, principalmente aquelas ocasionadas por situações internas: a consumerista ou a civilista. 

Com o intuito de reduzir as controvérsias geradas sobre qual responsabilidade aplicar nas resoluções dos conflitos, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça publicou em 2012 súmula de número 479 com os seguintes dizeres: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”, indicando a aplicação do CDC. 

Os bancos foram inseridos no círculo da responsabilidade objetiva e diversas razões conspiram para aceitabilidade do entendimento. Primeiro, o disposto no art. 14 da lei 8.078/90 (CDC) que dispensa a prova da culpa para proteger o consumidor vítima das operações bancárias e, depois, pela própria gestão administrativa das agências, pois mirando atender bem para conquistar ou manter a clientela, finaliza providências planejadas com esse desiderato sem executá-las com o cuidado exigido para a segurança dos envolvidos, direta ou indiretamente. 

Nesse contexto, pode-se exemplificar a abertura de conta-corrente com documentos falsos, onde, embora os estelionatários tenham atingido uma performance quase perfeita na apresentação dos documentos exigidos, a conta é aberta com entrega de diversos talonários para aquele que, sem provisão de fundos, sai do banco inundando o comércio de cheques frios emitidos em nome de um terceiro inocente (o titular dos documentos utilizados). Com a devolução das cártulas sem a compensação, duas vertentes nocivas acontecem. (Zuliani, 2012). 

O devedor não responde quando o dano é provocado pela própria vítima ou quando não poderia prever e evitar uma ocorrência avassaladora, como um terremoto, rotulado de fortuito externo (fora da empresa). Responderá, contudo, quando o caso, que poderia ser caracterizado como fortuito, decorre da própria empresa ou ao modo com que realiza a atividade que desenvolve para obtenção de lucro. O delito ou a fraude cometida por um terceiro que usa documentos falsificados ou que se apresenta com perfil falso não isenta o banco de pagar o prejuízo porque isso é considerado fortuito interno, isto é, não está incluído o requisito da externalidade (estranha à atividade). 

Para fins didáticos, imperioso apresentar a diferenciação entre fortuito interno e fortuito externo. Tartuce e Neves (2018) ensinam que fortuito interno e fortuito externo. O primeiro é aquele que tem relação com o negócio desenvolvido, não excluindo a responsabilização civil. O segundo é totalmente estranho ou alheio ao negócio, excluindo o dever de indenizar. Conforme enunciado doutrinário aprovado na V Jornada de Direito Civil, evento de 2011, “O caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida” (Enunciado n. 443). 

4.1 Entendimento da jurisprudência em relações de consumo envolvendo instituições financeiras 

No tocante a responsabilidade civil dos bancos pela subtração de bens que estavam guardados em seus cofres, Pereira (2018) esclarece que o aluguel de cofre em uma instituição bancária é uma alternativa utilizada por pessoas que, não pretendem manter em suas residências a guarda de objetos de alto valor econômico (ou sentimental) como moedas estrangeiras, documentos familiares, jóias, itens colecionáveis ou peças de arte, por exemplo. Além da questão da segurança, procura-se evitar a deterioração desses itens, fazendo parte do serviço bancário oferecer as condições ideais, como a climatização, para garantir que os bens depositados permanecerão intactos. Nesse caso especificamente, a responsabilidade é objetiva dos bancos em casos de subtração de bens enquanto sob guarda do Banco.

Borges, Andrade e Castro (2023) ensinam que a doutrina e a jurisprudência majoritária vêm entendendo que os banqueiros respondem contratualmente perante os clientes pela sua deficiência na vigilância e na custódia dos bens, inclusive nos casos de subtração ilícita de objetos e valores depositados pelos clientes em seus cofres, sendo consideradas nulas quaisquer cláusulas que exonerem ou atenuem a responsabilidade da instituição do fornecimento de serviço no que tange ao dever de fiscalização e vigilância em atenção ao cofre de segurança. Os autores explicam, ainda, que como a obrigação do banco e identificada como de resultado, neste caso a sua obrigação só é excluída diante de uma situação de força maior, como pode ser destacada no art. 14, § 3º, incisos I e II do CDC, A respeitável Corte vem decidindo no sentido de que o caso fortuito ou força maior são suficientes para afastar a responsabilidade objetiva da instituição financeira quanto aos prejuízos experimentados pelos seus clientes, mas não no caso do “roubo” ou “furto”, pois a jurisprudência entende que se trata de um evento previsível, diante da natureza da atividade bancaria, de guarda e movimentação de vultosos valores.

Nesse sentido, os autores citam o seguinte trecho do REsp nº 1.163.137-SP como título de exemplificação do que foi debatido: […] anota-se que os eventos “roubo” ou “furto”, ocorrências absolutamente previsíveis, a considerar os vultosos valores mantidos sob a guarda da instituição financeira, que, como visto, assume profissionalmente todos os riscos inerentes à atividade bancária, não consubstanciam hipóteses de força maior, mantendo-se, por conseguinte, incólume o nexo de causalidade existente entre a conduta negligente do banco e o prejuízo suportado por seu cliente.

Quanto à responsabilidade no caso de cheque falso ou falsificado, a doutrina e o STJ afirmam que os bancos possuem responsabilidade objetiva pelo pagamento de cheque falso, falsificado ou alterado, a qual somente é elidida pela culpa exclusiva do próprio correntista, do endossante ou do beneficiário.

Além de toda doutrina já apresentada, a jurisprudência também dispõe a Súmula 28 do Supremo Tribunal Federal: “O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista”.

A doutrina é majoritária ao reconhecer que qualquer fraude que resulte no pagamento realizado pelo banco a um falsário, configura-se como fraude contra o próprio banco e não contra o correntista. O dinheiro, nesse caso, está na posse direta da instituição financeira, que o entregará ao estelionatário, e segundo o princípio res perit domino, quem deve arcar com os prejuízos é o banco, pois ele quem sofreu o dano. Mesmo nos casos de falsificação sofisticada do cheque (“falso hábil”), ou seja, quando a falsidade só pode ser percebida por aparelhos especializados de grafotécnica, o STJ não tem afastado a responsabilidade das instituições financeiras. 

Ademais, Pereira (2018) entende que se há culpa concorrente do cliente, ainda sim a instituição financeira arcará com os prejuízos, porém, isso será levado em consideração no momento de se estipular o valor com que o banco arcará para reparar o dano. Todavia, se houve culpa exclusiva do correntista, a responsabilidade da instituição financeira é eliminada por força do artigo 39, da Lei do Cheque combinado com o artigo 14, §3º, II, do CDC. Sendo que nos últimos dois casos o ônus da prova fica a cargo do banco.

Outro grande exemplo de fraude bancária é com o internet banking, termo utilizado para se referir a uma variedade de serviços bancários que podem ser realizados através do ambiente virtual. Seja através de navegadores de internet ou de aplicativos em dispositivos móveis (smartphones e tablets, por exemplo) o cliente pode movimentar sua conta bancária, efetuando transações como o pagamento de contas, consulta de saldo, entre outras, sem ter que ir a uma agência física.

As fraudes no ambiente do internet banking podem ocorrer por alguns meios, um deles é quando o computador da vítima é infectado por um malware, ou seja, um software destinado a se infiltrar em um computador alheio de forma ilícita, com o intuito de causar algum dano ou “roubo” de informações. Para realizar essa infecção, na maioria dos casos, os criminosos se utilizam de métodos como scam, phishing e pharming (PEREIRA, 2018).

Muitas decisões da Corte Superior mantêm o entendimento de que a ocorrência dessas fraudes no meio eletrônico são casos de fortuito interno, questionando ainda a adequação dos sistemas de segurança utilizados pelos bancos. Entretanto, resiste uma parcela de magistrados que ao verificar que não há comprovação de falha no sistema operacional online, afastam a Responsabilidade Civil. O fundamento dessas decisões é a culpa exclusiva do consumidor, que não observou as instruções fornecidas pelo banco para o acesso seguro ao sistema, sem falar que faltaram com o dever de guarda do cartão magnético e da senha pessoal, que é de seu uso exclusivo, e por isso, deram causa ao prejuízo, não cabendo ao banco indenizar (PEREIRA, 2018).

Recentemente, o Brasil implantou o sistema pix, uma espécie de pagamento instantâneo brasileiro. É o meio de pagamento criado pelo Banco Central (BC) em que os recursos são transferidos entre contas em poucos segundos, a qualquer hora ou dia” (Bacen, 2021). Alguns tribunais estão aplicando a súmula 479 do STJ nos casos de fraudes cibernéticas efetivadas via pix:

INDENIZAÇÃO – SEQUESTRO RELÂMPAGO SOFRIDO FORA DA AGÊNCIA BANCÁRIA – TRANSAÇÕES QUE FOGEM INTEIRAMENTE AO PERFIL DO CORRENTISTA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR DO SERVIÇO, CONSIDERADA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – RESSARCIMENTO DO DANO MATERIAL – DANO MORAL CONFIGURADO – AÇÃO PROCEDENTE – APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJ-SP – AC: 10140436920218260007 SP 1014043-69.2021.8.26.0007, Relator: Matheus Fontes, Data de Julgamento: 02/12/2021, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/12/2021).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DESCONTO INDEVIDO EM CONTA CORRENTE. AÇÃO DE “HACKERS”. DEVER REPARATÓRIO EVIDENCIADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. – Cumpre à instituição bancária, ao prestar serviços, por meio da internet, zelar pelo sistema se segurança de seus programas, impossibilitando a atuação de meliantes invasores, que possam gerar prejuízos aos seus clientes. Desta feita, evidencia-se falha na prestação de serviços quando o cliente tem a sua conta invadida por hackers que se apropriam de numerário disponível na conta corrente – O fornecedor de serviços responde objetivamente pelos danos causados ao Consumidor, que não apenas se viu privado de valores disponíveis em sua conta corrente, mas também teve o seu nome negativado indevidamente, em razão da falha no serviço de segurança do canal eletrônico da instituição bancária. (TJ-MG – AC: 10000200063683001 MG, Relator: Luiz Carlos Gomes da Mata, Data de Julgamento: 17/04/2020, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/04/2020)

Na Jurisprudência, um exemplo da aplicação da súmula 479 no âmbito dos bancos pode ser extraído do julgado onde foi definida a prescrição em cinco anos da pretensão de correntista de obter reparação dos danos causados por instituição financeira decorrentes da entrega, sem autorização, de talonário de cheques a terceiro que, em nome do correntista, passa a emitir várias cártulas sem provisão de fundos, gerando inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito. 

A ementa do julgado continua a tese de que a Instituição Financeira é responsável por não zelar e garantir a segurança esperada por seu cliente correntista. O fato em si ocorreu pelo fato de que houve falha do banco em permitir que o talão de cheque foi retirado por pessoa diferente do titular.

O judiciário brasileiro corrobora cada vez mais em suas decisões sobre a responsabilidade objetiva das Instituições Financeiras, seja através de Decisões de Sentenças Judiciais ou através de Súmulas. O consumidor, ao assinar um contrato de abertura de relacionamento, espera a manutenção da segurança e sigilo bancário, conforme Súmula 479 do STJ. 

4.2 Responsabilidade em casos de culpa exclusiva do consumidor de acordo com o STJ

É importante ressaltar que o STJ, para aplicar a súmula 479, vem analisando cada caso concreto para não incidir em manifesta injusta. Um exemplo ocorreu em 2017, onde por unanimidade de votos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a responsabilidade de um banco por danos decorrentes de operações bancárias realizadas com o uso de cartão magnético com chip e senha pessoal, mas que foram contestadas pelo correntista (STJ, REsp 1633785, 2017).

O caso envolveu pedido de indenização de danos morais e materiais feito pelo correntista em razão de movimentações realizadas em sua conta corrente sem o seu conhecimento ou autorização. Laudo pericial, no entanto, concluiu que as operações foram feitas com o uso do cartão do titular e de sua senha pessoal, supostamente por ele próprio ou por alguém próximo  (STJ, REsp 1633785, 2017).

O relator, ministro Villas BôasCueva, reconheceu que o entendimento jurisprudencial da corte é de que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por vício na prestação de serviços, mas que a situação é ressalvada pela prova da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros (STJ, REsp 1633785, 2017).

Em outro julgado, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, considerou-se que o banco não é responsável por fraude em compra on-line paga via boleto quando não se verificar qualquer falha na prestação do serviço bancário. Veja-se a ementa do julgado:

As instituições financeiras são consideradas objetivamente responsáveis por danos decorrentes de sua atividade bancária, compreendida como o conjunto de práticas, atos ou contratos executados por instituições bancárias. Além disso, nos termos da Súmula 479/STJ, ‘as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias’. No caso, contudo, o comprador foi vítima de suposto estelionato, pois adquiriu um bem de consumo que nunca recebeu, nem iria receber se outro fosse o meio de pagamento empregado, como cartão de crédito ou transferência bancária. Em outras palavras, o banco não pode ser considerado um ‘fornecedor’ da relação de consumo que causou prejuízos ao consumidor, pois não se verifica qualquer falha na prestação de seu serviço bancário, apenas por ter emitido o boleto utilizado para pagamento. Assim, não pertencendo à cadeia de fornecimento, não há como responsabilizar o banco pelos produtos não recebidos. Ademais, não se pode considerar esse suposto estelionato como uma falha no dever de segurança dos serviços bancários prestados (STJ, REsp 1.786.157-SP,2019).

Outro temperamento quanto à aplicabilidade da súmula ocorreu em 2020, quando a Quarta Turma do STJ negou recurso em que se buscava responsabilizar um banco pelo pagamento de danos morais em razão de fraude praticada pela irmã de duas sócias da empresa vítima (STJ, REsp 1463777, 2020).

Embora as instituições financeiras respondam objetivamente por danos relativos a delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias – nos termos da Súmula 479 do STJ –, o colegiado levou em conta que, segundo as instâncias ordinárias, a autora da fraude foi contratada pela empresa e era parente de pessoas que integravam a sua direção, além de ter apresentado ao banco documentos com características suficientes de credibilidade (STJ, REsp 1463777, 2020).

Diante das particularidades do caso, o relator, ministro Marco Buzzi, concluiu ter havido culpa exclusiva da empresa. Para ele, o banco não poderia cogitar fraude, pois, além do parentesco, as assinaturas não eram grosseiramente falsificadas; ao contrário, tinham grande semelhança com a rubrica da representante legal (STJ, REsp 1463777, 2020).

Quanto à responsabilidade civil das instituições financeiras, frente ao CDC, Stocco (2017) defende que pode ser tomada uma visão acerca de responsabilidade civil distorcida no tocante ao fato de o banco ser a parte mais forte da relação processual a ser instaurada, haja vista os lucros exorbitantes auferidos por tais empresas. Porém o que deve ser analisado, não é o fato de qual parte é a hipossuficiente, mas, sim, de quem tem razão ou não no litígio em questão.

Favoni (2011) defende que a responsabilidade civil dos Bancos não deve ser analisada apenas sobre um enfoque, mas, sim, sobre a teoria que representa no caso concreto, maior grau de eficiência quanto à correta identificação do dano e seu causador. 

Por fim, se por um lado, o Judiciário aplica o Código de Defesa do Consumidor nas fraudes bancárias e demais casos de fortuito interno, por outro, não basta somente a existência da fraude para que a instituição financeira indenize com base na responsabilidade objetiva. É analisada a conduta do consumidor e o grau de conhecimento a respeito da fraude sofrida.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilidade civil é um tema em constante evolução, possuindo seu espaço de relevância no mundo jurídico, pois é necessário um estudo aprofundado para saber quem deve ser responsabilizado ao causar dano a outrem. Por meio dos elementos constitutivos da responsabilidade civil, as excludentes de ilicitude, e até mesmo suas espécies, é possível identificar aquele que deve ser responsabilizado pelos danos causados, que nem sempre, será aquele que praticou diretamente o ilícito. 

Dado o exposto, o presente estudo buscou estudar os efeitos da responsabilidade civil das instituições financeiras à luz do CDC, aliando um debate doutrinário com jurisprudência recente do STJ, principal uniformizador da jurisprudência consumerista do país. Foram apresentados alguns conceitos e sua base doutrinária e jurisprudencial para melhor compreensão do objeto em estudo.

Viu-se que a responsabilidade objetiva se apresenta como regra nas atividades bancárias. Apesar de ter sido necessária a edição de uma súmula para dirimir controvérsias quanto à sua aplicabilidade, a realidade é que a intenção do legislador sempre foi abarcar o CDC nas relações entre consumidor e instituições financeiras.

Inclusive, conforme citado no decorrer do vertente estudo, a estrutura das instituições financeiras se apresenta como prestação de serviços bancários, de modo que tal atividade atrai para si os riscos próprios de tal serviço, não sendo possível dissociá-la da responsabilidade objetiva. 

O CDC, em seu artigo 14, prevê a aplicação desta responsabilidade, alicerçado pelas súmulas expostas e pelo posicionamento do STJ, a qual independe de culpa da instituição financeira. Contudo, a sua aplicação merece temperamentos, à luz do caso concreto, conforme demonstrado nos julgados citados alhures.

Finalmente, verificou-se que, se por um lado, o Judiciário aplica o CDC nas fraudes bancárias e demais casos de fortuito interno, por outro, não basta somente a existência da fraude, para que a instituição financeira indenize com base na responsabilidade objetiva. A conduta do consumidor é analisada, assim como o seu grau de conhecimento a respeito da fraude sofrida. 

Dessa forma, a pesquisa conclui que a aplicação do CDC nas fraudes bancárias não se vale apenas da existência da fraude, sendo analisado também o conjunto probatório, que inclui a postura do consumidor e a noção a respeito da fraude sofrida.

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1 Acadêmico do 9º período do curso de Direito da Universidade do Tocantins – UNITINS.
2Professora do curso de Direito da Universidade do Tocantins – UNITINS.