PRINCIPAIS ALTERAÇÕES OCULARES DETECTADAS PELO TESTE DO REFLEXO VERMELHO NO PERÍODO NEONATAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11167741


Ingrid Moojen de Albuquerque Meira, Thalia Reis Pereira, Aline Andrade Lopes, Lorena Garcia da Fonseca Tavares, Edmundo Frota de Almeida Sobrinho


RESUMO

A visão é um dos mais importantes e complexos sentidos no desenvolvimento físico e cognitivo normal da criança. No Brasil, a estimativa é que existam cerca de 35 mil crianças cegas e, aproximadamente, 140 mil com baixa visão. De acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, cerca de metade das crianças cegas do mundo possuem cegueira decorrente de causas evitáveis, destas 15% tratáveis e 28% preveníveis, e cegueira esta devido às patologias oculares que poderiam ter sido corrigidas ou evitadas de forma mais precoce. Nesse contexto, o objetivo deste estudo é identificar as principais alterações encontradas nos recém nascidos submetidos ao teste do reflexo vermelho (TRV) no Brasil no período de 2013 a 2023. Para tanto, foram utilizados 10 artigos que estavam disponíveis em domínio público e contidos nos critérios de inclusão, sendo guiados pela pergunta norteadora “quais as principais alterações encontradas no teste do reflexo vermelho?” e pelos seguintes descritores: teste do reflexo vermelho, recém-nascido e oftalmopatias. Assim, foi possível identificar as principais alterações associadas ao TRV, bem como descrever a importância da sua realização o mais precocemente possível na criança, e do manejo adequado, evitando-se sequelas, as quais muitas vezes são irreversíveis.

Palavras-chave: Teste do reflexo vermelho, teste do olhinho, doenças oculares neonatais, triagem oftalmológica do recém-nascido.

ABSTRACT

Vision is one of the most important and complex senses in a child’s normal physical and cognitive development. In Brazil, it is estimated that there are around 35 thousand blind children and approximately 140 thousand with low vision. According to the Brazilian Council of Ophthalmology, around half of the world’s blind children are blind due to preventable causes, of which 15% are treatable and 28% are preventable, and blindness is due to eye pathologies that could have been corrected or avoided prematurely. In this context, the objective of this study is to identify the main changes found in newborns undergoing the red reflex test in Brazil from 2013 to 2023. To this end, 10 articles were included. They are  available in the public domain and contained in the inclusion criteria, being guided by the guiding question “what are the main changes found in the red reflex test?” and by the following descriptors: red reflex test, newborn and ophthalmopathy. Thus, it was possible to identify the main changes associated with the red reflex test, as well as to describe the importance of carrying it out as early as possible in the newborns, and with appropriate management to avoid further serious visions repercussions, which are often irreversible.

Keywords: Red reflex test, neonatal eye test, eye diseases, newborn ophthalmological screening

1 INTRODUÇÃO

A visão é um dos mais importantes e complexos sentidos no desenvolvimento físico e cognitivo normal da criança. Ao nascimento, os elementos anatômicos essenciais para a processamento da visão já existem, mas só podem se desenvolver plenamente com crescimento e estimulação adequados, pois o sistema visual está associado ao desenvolvimento neurológico (ZIMMERMANN et al., 2019). O desenvolvimento motor e a capacidade de comunicação são prejudicados na criança com deficiência visual porque gestos e condutas sociais são aprendidos pela reação ao estímulo visual (BRASIL, 2016).

No ocidente, estima-se de 1 a 6 casos de baixa visão por 10 mil habitantes atribuídos a causas congênitas. E no Brasil, a estimativa é que existam cerca de 35 mil crianças cegas e, aproximadamente, 140 mil com baixa visão. De acordo com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia, cerca de metade das crianças cegas do mundo possuem cegueira decorrente de causas evitáveis, destas 15% tratáveis e 28% preveníveis, e apresentam cegueira principalmente devido às patologias oculares que poderiam ter sido corrigidas ou evitadas de forma mais precoce. Com isso, a idade adequada para detecção e possível tratamento dessas deficiências oculares está entre 0 a 6 anos, quando se conclui o processo de desenvolvimento visual (CBO, 2017; VIEIRA JK et al., 2018; CAGINIC et al., 2017).

O Teste do Reflexo Vermelho (TRV), Teste de Brückner ou “Teste do Olhinho” é a triagem oftalmológica padrão aplicada ao recém-nascido para as patologias oculares. Geralmente é realizado com oftalmoscópio direto e consiste na visualização do reflexo retiniano (vermelho-alaranjado) a partir da adequada projeção da luz do oftalmoscópio no globo ocular, cujo objetivo é a detecção precoce de problemas oculares congênitos que comprometem a transparência dos meios oculares e que podem impedir o desenvolvimento visual cortical. É um teste de triagem a partir de um exame simples, rápido, indolor e de baixo custo para identificar patologias que podem levar à cegueira, que ainda têm grande impacto social e econômico nas famílias e na saúde pública (SBP, 2022; DIAS et al., 2021).

Nesse sentido, o TRV faz parte da Triagem Neonatal e pode ser realizado em consultório nas consultas de puericultura ou diretamente na maternidade antes da alta do recém-nascido por pediatras, oftalmologistas, e profissionais da enfermagem treinados em oftalmologia (NASCIMENTO et al., 2020; NAZ, 2016).

Tendo em vista esse cenário, dentre um dos principais objetivos do TRV neonatal está a detecção de malformações de estruturas oculares (íris, retina, coróide, nervo óptico, etc) e o rastreamento das principais doenças oculares neonatais, como a toxoplasmose congênita, glaucoma congênito, catarata congênita, e tumores como o retinoblastoma; além também de outras alterações visuais como estrabismo e altas ametropias (BRASIL, 2016).

No resultado do TRV consideram-se três respostas possíveis: reflexo presente, ausente/alterado ou duvidoso. Se o reflexo for ausente/alterado em um ou ambos os olhos ou duvidoso, a criança deverá ser encaminhada ao oftalmologista para realização de exames oftalmológicos complementares (biomicroscopia, retinoscopia, e mapeamento de retina) a fim de elucidar o diagnóstico e o seguimento necessário (SBP, 2018).

2 MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa realizada se caracteriza em uma revisão de literatura qualitativa que abrange um período de 11 anos por meio de levantamento bibliográfico em fontes secundárias. O recorte temporal utilizado fundamentou-se em captar um número maior de artigos que fossem pertinentes ao tema.

Foi feito levantamento de artigos disponíveis em fontes secundárias, sendo guiado pela pergunta norteadora “quais as principais alterações encontradas no teste do reflexo vermelho?” e utilizado os seguintes descritores: teste do reflexo vermelho, recém-nascido e oftalmopatias. A pesquisa foi realizada por meio da coleta de dados bases da Biblioteca Virtual da Saúde: Lilacs, PubMed e Scielo, além do google acadêmico.

Foram incluídos na pesquisa todos os artigos que possuíam aderência ao objetivo proposto, realizados no Brasil e posteriores ao ano de 2013. Foram excluídos da pesquisa artigos que não possuem aderência ao objetivo proposto, artigos duplicados/que tangenciam o tema e anteriores ao ano de 2013.

A pesquisa foi desenvolvida com embasamento na análise das informações fornecidas pelos dados bases da Biblioteca Virtual da Saúde sobre as principais alterações do teste do reflexo vermelho. Os dados foram registrados e organizados nos Softwares Microsoft Office Word 2019, Microsoft Office Excel 2019 e Microsoft Office PowerPoint 2019.

Assim, foram avaliadas as principais alterações encontradas no teste do reflexo vermelho, estimulando um reconhecimento precoce de possíveis alterações e, consequentemente, melhor prognóstico.

3 RESULTADOS

Houve a seleção de 10 artigos que estavam contidos nos critérios de inclusão do presente trabalho, além de estarem condizentes com a pergunta norteadora e com os descritores específicos apresentados, sendo esses artigos submetidos à análise crítica. Dessa forma, ao ler meticulosamente os trabalhos selecionados, verificou-se os pontos mais relevantes no que diz respeito ao tema abordado.

É válido ressaltar que as informações obtidas em todos os artigos selecionados se somam, evidenciando pouca divergência entre si. Assim, foram divididos por meio do título, autor, perfil epidemiológico e conclusão. Elencou-se na figura abaixo para facilitar a visualização e o entendimento.

TítuloAutorPerfil epidemiológicoConclusão
Perfil    do    teste            do olhinho: estudo em instituição de referência no Estado da ParaíbaFINIZOLA, R. et al., 2020Pesquisa documental em prontuários de 418 RN nascidos em um hospital maternidade da Paraíba e submetidos ao TRV em 2018.Todos os avaliados não tiveram alteração no TRV e foram feitos 29 dias após o nascimento.
Programa nacional de triagem neonatal: achados em exames de recém-nascidos de uma maternidade escolaMENDONÇA, L. B.A. et al., 2019Avaliação de 219 prontuários de RN admitidos na referida maternidade escola.Apenas um RN teve o TRV alterado (leucocoria presente), sem demais alterações em quantidade de pré natal, peso, termo, idade gestacional, apgar e demais exames de triagem neonatal.
Testes de triagem neonatal no Brasil:              taxas de prevalência e desigualdades regionais e socioeconômicasMALLMANN, M. B. et al., 2020Pesquisa Nacional de Saúde com 5231 crianças menores de 2 anos de idade no ano de 2013.Ressalta-se desigualdades               nos testes de triagem neonatal realizados no Brasil e no tempo previsto nas diretrizes do governo federal.
Resultado do teste reflexo vermelho em recém-nascidosRODRIGUES, E. C. et al., 2018Realizado com 32 recém-nascidos atendidos na Estratégia Saúde da Família.Da    amostra, 6% tiveram resultado suspeito (cor acinzentada/opaco), sendo encaminhados precocemente  ao especialista.
Alterações ao teste do reflexo vermelho em recém-nascidos internados na unidade de terapia intensiva de um          hospital filantrópico em Vitória/ES, BrasilDORSCH, F. L. V. et al., 2017Foram avaliados 190 recém-nascidos em UTI, além dos portuários                                 e condições maternas.Apenas 2 tiveram alteração no TRV, sendo encaminhados e posteriormente descartadas doenças oculares. 30% dos prontuários                             não tinham informações completas acerca do teste.
Alterações encontradas no teste do olhinho em recém-nascidos do município de rio Verde-GOGALVÃO, S. S. et al., 2021Avaliação de 4668 prontuários de RN do SUS em Rio Verde-GO.216 RN tiveram alterações, sendo: catarata em 8 casos, retinopatia em 15, tumor em 4, retinopatia da prematuridade em 1, obstrução do canal lacrimal     em   150, infecções em 45 e outras afecções em 16.
Teste do reflexo vermelho na          maternidade: resultados de um hospital terciário e variáveis associadas a um teste duvidosoBALDINO, V. M. C. L. et al., 2020Avaliação de 11.833 prontuários em um hospital de clínicas.Houve TRV duvidoso em 121 recém-nascidos, sendo confirmado em 16.
Sífilis congênita diagnosticada através do teste do reflexo vermelhoACÁCIO, R.S. et al., 2019Relato de caso de uma criança com diagnóstico tardio de Sífilis Congênita (SC) precoce, realizado através da detecção de alterações oculares na criança encontradas no Teste do Reflexo Vermelho.Na triagem neonatal realizada na maternidade, o TRV teve o resultado alterado. Sendo encaminhado para avaliação oftalmológica que detectou lesão cicatricial em olho esquerdo sugestiva de doença congênita. Aos 5 meses e 5 dias foi internada com diagnóstico de SC precoce.
Intercorrências gravídicas                      e resultados   do Teste do Reflexo Vermelho em recém-nascidosPINTO, A.A.R. et al., 2020Avaliação de 79 mães e seus recém-nascidos, realizada em Mossoró, RN. Tendo como instrumento de coleta de dados um formulário estruturado com perguntas objetivas.49 mães apresentaram intercorrências,   com maior prevalência da infecção do    trato urinário. Os resultados dos testes nos respectivos recém-nascidos mostraram  reflexo vermelho normal, não apresentando associações significantes entre as intercorrências maternas.
Incidência                           e Avaliação do Fluxo de Recém-Nascidos com o Teste do Reflexo Vermelho Alterado nos Departamentos Regionais de Saúde II, VI, IX e XI do Estado de São PauloMADI, A.C.G., 2017Foram analisados dados referentes ao resultado do Teste do Reflexo Vermelho (normal, duvidoso ou alterado) no período de outubro de 2015 a setembro de 2016, das Maternidades e Hospitais que realizam parto, dos Centros de Reteste (destino 1) e dos Centros Especializados (destino 2), da região que tem como destino 2 o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (HCFMB).Observou-se que 257 RN tiveram o TRV classificado por médicos não oftalmologistas como alterado/duvidoso. E dos 236 RN que passaram pelo reteste, sete (2,96%) tiveram o teste alterado. Desses, 3 descontinuaram o acompanhamento sem diagnóstico e 1 faleceu. Os três RN atendidos tiveram os seguintes diagnósticos: catarata, membrana inflamatória retiniana e coriorretinite bilateral por toxoplasmose.  
FIGURA 1 – Resumo dos artigos selecionados.
FONTE – Autoras.

4 DISCUSSÃO

O Teste do Reflexo Vermelho faz parte da triagem neonatal e pode ser realizado nas consultas de puericultura na própria atenção primária à saúde [APS] (RODRIGUES et al., 2018; BRASIL, 2016). Dessa forma, foi verificado que a APS tem papel fundamental no reconhecimento de prováveis alterações oculares, colaborando para detectar, precocemente, essas alterações, para melhorar o prognóstico e para reduzir o risco da cegueira logo durante a primeira infância, que é um momento crucial para o desenvolvimento infantil.

É importante ressaltar que a recomendação inicial é a realização do TRV quando o recém-nascido ainda se encontra na maternidade, preferencialmente ao nascimento. No entanto, estudos demonstram que muitos recém-nascidos (RN) têm alta hospitalar sem a realização desse exame (NASCIMENTO et al., 2020; RODRIGUES et al., 2018; NAZ, 2016). Quando isso ocorre, é essencial fazê-lo antes dos primeiros 30 dias de vida, reforçando, assim, o papel da APS nesse contexto e a importância da incorporação desse teste na atenção básica, sendo fundamental a capacitação dos profissionais.

Além disso, é essencial a investigação do TRV em RN associada com fatores da história materna, neonatal e de parto. Existem diversos fatores que constituem riscos para essas alterações visuais e consequentemente fonte de alterações no exame, como: doenças infecciosas durante a gestação, condições de prematuridade e hipóxia grave (MENDONÇA et al., 2019; RODRIGUES et al., 2018; KENNER, 2001). Por isso, antes da realização do exame é importante conhecer a história pregressa materna e do RN, a fim de elucidar o caso e elencar fatores de risco para agir de maneira adequada mais precocemente.

Outras variáveis e fatores maternos que podem implicar alterações no recém-nascido relacionadas à saúde dos olhos, são infecções intrauterinas, como a toxoplasmose, que além do risco de prematuridade para o feto, pode ocasionar cegueira e coriorretinites (inflamação da coróide e da retina); a infecção por sífilis também é responsável pelo parto prematuro e representa a infecção congênita que mais pode causar anomalias oculares (KENNER, 2001).

No relato de caso apresentado por Acácio (2019) foi descrito um caso de Sífilis Congênita diagnosticado pelo TRV, onde a mãe havia apresentado VDRL positivo na 16ª semana de gestação, realizou o tratamento corretamente estando com VDRL negativo no intraparto, no entanto o RN apresentou alterações oculares no TRV na maternidade, que ao serem investigadas posteriormente com exame de fundo de olho atestaram coriorretinite, concluindo o diagnóstico presumido de sífilis congênita mesmo com o VDRL do RN negativo no sangue periférico e no líquor. Após isso, o paciente foi então tratado corretamente e seguiu em acompanhamento pela equipe especializada.

Outra infecção de importante destaque é a toxoplasmose congênita, que pode ser exclusivamente ocular ou estar acompanhada de alterações sistêmicas ou do sistema nervoso central. Ao exame de fundo de olho, é comum observar uma lesão branco-amarelada e suas repercussões envolvem principalmente a perda de acuidade visual uni ou bilateral e uveítes – inflamação da úvea, camada intermediária do olho, que pode ser classificada em anterior, intermediária, posterior e panuveíte (RODRIGUES, 2018). No estudo de Madi (2017) um RN apresentou coriorretinite bilateral por toxoplasmose e outro foi diagnosticado como membrana inflamatória retiniana, quadro em que há chances de ter sido causado também por infecção pelo toxoplasma; porém outras infecções mais raras como toxocaríase, citomegalovírus, herpes simples, herpes zoster e sífilis também podem cursar com o quadro (RUSSEL-EGGITT e LIGHTMAN, 1992).

Além disso, de acordo com Silva e Furtado (2016) a prevalência dessa doença no Brasil pode chegar a 1:770 nascidos vivos; e apesar da maioria das alterações do TRV serem detectadas na maternidade, a toxoplasmose pode ser subclínica em 85% dos casos. Nesse sentido, a forma de prevenção da progressão para cegueira é o diagnóstico precoce por meio do teste do olhinho e o acompanhamento regular da visão do lactente nascido de mãe com sorologia IgG negativo para toxoplasmose com o médico oftalmologista ou com o pediatra.

Além das infecções, uma condição encontrada em um paciente no estudo de Galvão (2021) foi o glaucoma congênito que se mostrou mais prevalente neste estudo brasileiro (2:10.000) comparativamente com outros países ocidentais onde essa doença é mais rara (média de 1:10.000 a 1:20.000). O envolvimento ocular no glaucoma ocorre com mais frequência de forma bilateral, mas cerca de 25-30% dos casos podem acometer apenas um olho (VIEIRA et al., 2022). Essa oftalmopatia causa uma atrofia no nervo óptico pela deficiência de desenvolvimento da malha trabecular e do ângulo da câmara anterior do olho, assim não há saída do humor aquoso, o que causa um aumento progressivo na pressão intraocular; e as principais consequências dessa alteração são a baixa acuidade visual e a cegueira (MOCAN et al., 2019).

Já dentre as malformações importantes detectadas pelo teste do olhinho, destaca-se principalmente o Coloboma, que segundo Scott (2020) é conceituado como um defeito congênito na estrutura da pálpebra ou do olho, podendo se manifestar isoladamente ou acompanhado de anormalidades cromossômicas que afetam outras partes do corpo. Esse tipo de malformação pode envolver a íris, o cristalino, a retina ou o nervo óptico. No estudo conduzido por Galvão (2021) foram encontrados 3 casos dentre os 4668 prontuários analisados (0,06%) onde um foi de nervo óptico e dois de íris. No caso de Coloboma da íris, a visão pode estar preservada e haver apenas um aumento de sensibilidade luminosa. Já quando envolve a retina e o nervo óptico, o que é bastante raro, os colobomas podem vir acompanhados de descolamentos na retina e baixa visão.

No estudo de Baldino (2020), em um período de 5 anos, na aplicação da pesquisa de TRV em 11.833 prontuários, em um Hospital de Clínicas, 121 RN apresentaram TRV duvidosos, necessitando de avaliação oftalmológica, confirmando 16 alterações, dentre elas a catarata congênita. Para os autores, apesar de serem obtidos um pequeno número de anomalias, ressalta a importância do TRV como método diagnóstico precoce e indicam que mais estudos sejam realizados sobre a sensibilidade do teste.

A catarata congênita consiste em opacidades do cristalino, que dificultam a passagem da luz até a retina. Quanto à alteração do TRV, pode apresentar-se como um reflexo escuro, irregular, ausente ou leucocoria (branco), achado mais frequente. Pode provocar uma obstrução do eixo visual e é a forma mais grave de catarata devido ao seu potencial para impedir o normal desenvolvimento da visão podendo levar a casos de ambliopia e/ou perda completa do normal funcionamento do córtex visual (RODRIGUES, 2018). É, sobretudo, de difícil diagnóstico, com taxa de prevalência de 1-4:10.000 casos em RN, sendo responsável por até 39% dos casos de cegueira infantil (BOLIO-MOLINA et al., 2020).

O Retinoblastoma é um tumor maligno intraocular neuroblástico e uma das neoplasias mais prevalentes da infância, correspondendo 15% dos tumores até o primeiro ano de vida, se tornando fatal se não tratado precocemente (BELL et al., 2013). Estima-se que em países desenvolvidos a taxa de sobrevida é de 95%, comparado com o resto do mundo que é uma taxa de 30% de sobrevida (LIMA et al., 2021). Em, aproximadamente, 60% dos casos, é de origem esporádica, e o restante por mutações gênicas ou hereditárias (ROCHA et al., 2022).

Em relação à obstrução do canal lacrimal, é uma das patologias oculares mais comum nas crianças, foram encontrados 150 casos no estudo de Galvão et al, em 2021, sendo 3,2% do total e destes 13 eram pré termos, ou seja, 8,7% dos casos. Além disso, foram encontrados 1 ceratite e 1 catarata associada. Compara-se com a prevalência geral que vai dos 6% a 20% de todos os recém-nascidos, é a causa mais frequente de epífora. Em cerca de 90% dos casos, resolve espontaneamente durante o primeiro ano de vida, sendo, posteriormente, necessário adotar medidas interventivas, caso haja persistência dos sintomas (CARVALHO e CASTELA, 2018).

Desse modo, o diagnóstico precoce de doenças, um tratamento efetivo e um programa de estimulação visual precoce podem permitir que a criança possa ter uma integração maior com seu meio, uma melhor qualidade de vida e reduzir o impacto social e econômico para as famílias e a saúde pública (DIAS et al., 2021, LEDESMA et al., 2018). Por esse motivo, é de importância incontestável a necessidade da realização do TRV o mais precocemente possível na criança, especialmente pela efetividade nos diagnósticos precoces de diversas patologias congênitas ou infecciosas, possibilitando o tratamento adequado e evitando-se sequelas muitas vezes irreversíveis (MUÑOZ et al., 2022).

Por fim, Mallmann (2020) destaca a discrepância socioeconômica na prevalência dos testes de triagem realizados, sendo o teste do pezinho mais realizado em relação ao do olhinho e do coraçãozinho. Indo além, a maior quantidade de realização do TRV provém dos residentes das regiões sul e sudeste, de cor branca, cujas mães tinham planos de saúde e suporte financeiro. Portanto, é nítido que existem desigualdades socioeconômicas que impactam negativamente no acesso à saúde e o alcance de uma cobertura universal dos testes de triagem neonatal são um desafio contínuo no Brasil, principalmente no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS).

5 CONCLUSÃO

A partir dos objetivos propostos, dos estudos analisados, os resultados apontam que a realização do teste do reflexo vermelho no período neonatal para detectar as principais alterações oculares nos recém nascidos, demonstrou-se um uma forte estratégia para diagnóstico e, posteriormente, intervenção precoce. Dentre as principais patologias observadas nos estudos, se destacaram a catarata congênita, as malformações oculares, as infecções como toxoplasmose e sífilis congênita, tumores como o retinoblastoma e a obstrução do canal lacrimal. Dessa forma, é possível perceber que além de obter as alterações do reflexo retiniano, outras alterações também foram observadas com o teste do reflexo vermelho. Assim, o teste do reflexo vermelho apresenta uma importante ferramenta para melhorar a qualidade de vida de recém nascidos e para reduzir a cegueira no primeiro ano de vida.

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