REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7664174
Elisania Arndt
Heleninha Souza
Simone Cruz
Orientadora: Profa. Dra. Marluce Zacariotti
Resumo: A juventude se molda pela sociedade da mesma maneira que ajuda a moldar a sociedade, portanto uma noção dialógica. No modo de vida capitalista, onde a vida do sujeito é determinada pela sua ocupação trabalhista, a perspectiva de que a juventude é apenas uma etapa transitória de preparação para a produção e reprodução se faz presente. É nessa lógica que as políticas públicas para os jovens são pensadas, sobretudo aquelas voltadas à educação. Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo discutir as políticas públicas brasileiras para as juventudes. Adotando o método de revisão bibliográfica, este artigo está dividido em três seções, nas quais serão tratados os conceitos de juventude, as políticas públicas brasileiras existentes voltadas à este grupo e as alternativas possíveis visando as condições sócio-históricas das juventudes.
Palavras-chave: Juventudes; Políticas públicas; Neoliberalismo.
Introdução
As definições de juventude se moldam pela sociedade da mesma maneira que ajudam a moldar a sociedade, portanto uma noção dialógica. A complexidade da significação do conceito implica na sua transformação à medida que a sociedade é alterada. Assim, a noção de juventude é impossibilitada de ter um sentido unívoco, visto que há vários modos de se conceituar: desde a noção por faixa etária, mais usual para fins das políticas públicas, até autores que privilegiam aspectos sócio-históricos. Dessa forma, Trancoso e Oliveira (2014) reafirmam a necessidade de considerar os aspectos biológicos, psíquicos, sociais e culturais que permeiam a definição de juventude.
No modo de vida capitalista, onde a vida do sujeito é determinada pela sua ocupação trabalhista, a perspectiva de que a juventude é apenas uma etapa transitória de preparação para a produção e reprodução se faz presente. É nessa lógica que as políticas públicas para os jovens são pensadas, sobretudo aquelas voltadas à educação. As políticas públicas relacionadas à juventude no Brasil são frutos do século XXI: apenas em 2005 o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) foi criado, com o objetivo de “formular e propor diretrizes da ação governamental voltadas à promoção de políticas públicas de juventude, fomentar estudos e pesquisas acerca da realidade socioeconômica juvenil e o intercâmbio entre as organizações juvenis nacionais e internacionais” (Brasil, 2005, não p.). Em 2013, o Estatuto da Juventude foi estabelecido através da Lei nº 12.852, cujo artigo segundo versa sobre as diretrizes do estatuto:
I – promoção da autonomia e emancipação dos jovens;
II – valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações;
III – promoção da criatividade e da participação no desenvolvimento do País;
IV – reconhecimento do jovem como sujeito de direitos universais, geracionais e singulares;
V – promoção do bem-estar, da experimentação e do desenvolvimento integral do jovem;
VI – respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude;
VII – promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade e da não discriminação; e
VIII – valorização do diálogo e convívio do jovem com as demais gerações (BRASIL, 2013, não p.).
Ainda que atualmente haja políticas públicas voltadas à juventude, elas estão inseridas na lógica do capitalismo de preparar o jovem para a vida adulta produtiva e, além disso, falham em definir conceitualmente seu público. Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo ponderar sobre políticas públicas para a juventude voltadas para fora da noção neoliberal e meritocrática. Para este empreendimento, os objetivos específicos foram definidos como: 1) discutir conceitos de juventude que não passem pela ideia de preparação para o trabalho; 2) levantar políticas públicas voltadas à juventude e seu bem-estar, afastadas da noção de transitoriedade e; 3) pensar alternativas às políticas públicas considerando as condições sócio-históricas das juventudes.
Conceito de Juventude: buscando noções não-capitalistas
A construção de conceitos é um âmbito de disputa simbólica e política, de acordo com Vygotsky (apud TRANCOSO e OLIVEIRA, 2014). É em suas condições concretas e objetivas que as construções possíveis devem ser analisadas, havendo uma relação interdependente entre abstração e materialidade na produção destas noções. Os postulados de Vygotsky foram escolhidos para abrir esta seção por sua proximidade com o método materialista-dialético e o pensamento marxista moldado pelo contexto geopolítico no qual o autor estava inserido, que é por si só, uma oposição ao sistema capitalista. A construção sócio-histórica do conceito de juventude para o autor soviético se dá de forma endógena, ou seja, o jovem se socializa em um próprio grupo juvenil, excluindo o adulto do processo.
É importante notar que a formação sócio-histórica da juventude acontece independente da adolescência. Isto porque enquanto a adolescência marca o período onde o indivíduo está em auto-imersão, ocupado com as mudanças psíquicas e biológicas que marcam o fim do período infantil, na juventude, o sujeito se envolve em questões sociais e políticas comunitárias e societárias, deixando o âmbito familiar de ser sua principal comunidade (TRANCOSO & OLIVEIRA, 2014). No entanto, Trancoso e Oliveira (2014) afirmam que há um entrelaçamento de períodos entre a fase final da adolescência e o início da juventude. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece no artigo segundo que “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990) e a Política Nacional de Juventude (PNJ) delimita que “a juventude é uma condição social, parametrizada por uma faixa etária, que no Brasil congrega cidadãos e cidadãs com idade compreendida entre os 15 e os 29 anos” (NOVAES, CARA e MOREIRA, 2006, p. 05).
Isto não impede que a idade seja objeto de definição social e que, sob esse ângulo, o conflito de gerações seja estabelecido em torno de limites de idade. As expectativas que se formam com relação à atuação dos indivíduos, no que diz respeito à idade, representam um poderoso vínculo entre a personalidade e o sistema social. Esse tipo de vinculação não é suficientemente ressaltado ao se assumir a perspectiva da luta de gerações, pois nela se destaca, predominantemente, o acervo de vivências sociais que compõe uma individualidade, mas é decisivo para a proposição objetiva dos problemas da juventude na sociedade moderna (FORACCHI, 1972, p. 25).
No entanto, queremos argumentar que a juventude é caracterizada como uma maneira ontológica de estar no mundo, independente das questões físicas ou biológicas e suas delimitações etárias. Foracchi (1972, p. 27, grifo original) argumenta que o que define a juventude como diferente da adultez é a própria “rejeição da condição adulta”. Além disso, a rebelião característica dos jovens antes de impor uma diferenciação, apresenta uma continuidade, isto é, um padrão que se repete de forma semelhante, salvo os contextos sócio-históricos peculiares de cada geração. O que caracteriza a juventude diz respeito aos indivíduos
Terem posturas intrínsecas do ser jovem, advindas da sua condição juvenil, o identificam tanto globalmente, posto que há um ethos jovem, como em uma sociedade específica, posto que as questões culturais, sociais e econômicas é que vão dar os contornos da situação juvenil em uma determinada sociedade (TRANCOSO e OLIVEIRA, 2014, p. 143-144).
Para os já considerados adultos, a posição do jovem é fundamentalmente paradoxal, visto que ao mesmo tempo que se espera que eles sejam capazes de modificar o mundo através do seu descontentamento e condição energética de inserção recente nos problemas comunitários, são considerados como semi-sujeitos, definidos pelos seus “problemas sociais”. Há uma dificuldade “de incorporá-los como capazes de formular questões significativas, de propor ações relevantes, de sustentar uma relação dialógica com outros atores, de contribuir para a solução dos problemas sociais, além de simplesmente sofrê-los ou ignorá-los” (ABRAMO, 1997, p. 28).
Nesta condição paradoxal, a juventude nunca é ditada ou definida pelos seus representantes, em problemas elencados por eles próprios, mas são vistos como problemas para a sociedade e para si mesmos, quase sempre relacionados à contracultura, movimentos sociais, delinquência e desprezo pelas normas e leis (ABRAMO, 1997). Abramo (1997) localiza a raiz deste paradoxo no fato de não haver imbricações entre atores juvenis e figuras de autoridade política.
Consequentemente, o jovem, sendo agente de transformação social e com sua força geradora de mudança no mundo, enfrenta dilemas sociais por estar intimamente ligado a uma dimensão significativa e contraditória do processo de construção de sua identidade. Ao entrar em contato com a base material estabelecida socialmente, o jovem o faz carregado de suas próprias características e valores e, neste momento, ocorrem conflitos, o confronto cultural e ideológico com a sociedade dominante, que não aceita o risco de perder a condição de “poder”. Contudo, o enfrentamento dos jovens é fundamental para a reprodução da sociedade, porque o jovem não é um dado, mas uma construção, por ser humano. Os jovens estão pautados na busca do novo, de uma nova cultura e no espírito de justiça social. (FERNANDES, 2015, s.n.p.)
A juventude, quando associada ao período da adolescência, é cunhada como uma fase turbulenta e problemática, demandando atenção dos adultos e o dever de “tutorar” os jovens para que estes encontrem formas de integração “normais” – ditadas pelos adultos – à sociedade. Dessa maneira, o jovem é visto como um problema para a sociedade, incapaz de se auto-gerenciar e se auto-definir, desqualificado em suas atuações como sujeitos independentes, o que impede o entendimento completo e devidamente complexificado deste período.
[…] paradoxalmente, ao mesmo tempo que a sociedade ressalta positivamente algumas características próprias dessa etapa, como a “rebeldia”, a energia e vitalidade dos jovens, suas possibilidades e capacidades (especialmente em termos profissionais) e sua postura “espontânea” e “verdadeira” frente à realidade, tenta limitar o potencial crítico da juventude, incutindo-lhe modos de ser, de pensar e de se expressar, conduzindo-a a formas de participação social padronizadas, calculadas e definidas ideologicamente, com fins ao atendimento dos apelos consumistas, tão incisivos na sociedade administrada (BATISTA, 2008, p. 01).
Assim, a juventude é vista como um período de domesticação para as funções capitalistas, consumistas e trabalhistas. Além disso, a cultura na qual estão sendo inseridas comercializa todos os aspectos da vida jovem, o que se intensificou após a introdução da tecnologia no cotidiano destes sujeitos, na forma da Internet, redes sociais e smartphones. Isto, pode-se argumentar, também garante a domesticação dos jovens, cujas relações interpessoais dependem cada vez mais das tecnologias e cujo tempo de descanso, ou seja, aquele não disponibilizado para o estudo ou o trabalho, é completamente dominado pelo uso de telas (BAUMAN, 2013).
Assim, argumenta o sociólogo polonês, os outros assuntos relacionados à experiência da juventude são desprezados e secundarizados, ou ainda, completamente eliminados das agendas sociais, culturais e políticas, de forma a menorizar e subjugar a voz dos próprios jovens no processo de criar novos grupos e padrões de consumo. Bourdieu (1983) classifica que a definição da juventude se dá, dentro de uma inspiração marxista, entre a luta simbólica e sociológica entre jovens e adultos. Os jovens, de um lado, tentando se fazerem ouvidos e os adultos, do outro, desprezando os discursos da juventude numa posição em partes etarista e de superioridade narcisista, em partes amedrontada.
Assim, o temor suscitado pelo jovem, o sentimento de insegurança a ele frequentemente associado no imaginário adulto, constituem a outra face dessa moeda. Já não se trata aí do jovem cujo desvio é necessário prevenir ou mesmo punir, mas daquele que ameaça o adulto indefeso, encarnando tudo aquilo que, em sua vida, este já não consegue controlar (PERALVA, 1997, p. 19).
Urge, então, a necessidade da juventude de se auto-definir, auto-gerir e ser encarada como um grupo de sujeitos completos. Dessa forma, a noção de juventude se imporia como categoria histórico-social, produzida a partir de seus próprios membros, que por sua vez, estão introduzidos nos contextos culturais de seus tempos (FORACCHI, 1972).
Há, na juventude, um significado que a transcende. Ela se afirma como uma etapa de arrogante sacrifício, sendo a resposta da própria sociedade à incapacidade adulta de construir uma vida mais plena e mais rica. As gerações mais velhas estão comprometidas com causas já condenadas e falidas que vão do imperialismo à inibição sexual. Mas não há virtude especial em ser jovem. Acontece apenas que chegou o momento dos jovens entrarem na história (FORACCHI, 1972, p. 33).
Assim, a definição de juventude é definida socialmente e portanto, variável. A duração, conteúdo, significados e implicações sócio-culturais são modificadas à medida que as relações intergeracionais se tensionam ou se afrouxam (FERNANDES, 2015).
Políticas públicas e bem-estar da juventude
Os jovens, enquanto grupo que se auto-determina, embora tenham acesso à informação facilitada pela familiaridade com os dispositivos digitais, não ocupam posições de poder em nenhum âmbito social ou político. Embora estejam presentes em movimentos sociais e estejam organizados institucionalmente em alas partidárias, sua atuação ainda é insignificante para a construção de políticas públicas, que são pensadas, planejadas e aplicadas por adultos.
Em 2004, entretanto, à convite da União Nacional dos Estudantes, 24 entidades juvenis reuniram-se na Câmara dos Deputados, em Brasília e assinaram em comum acordo um documento intitulado “Carta Aberta do 1º Diálogo Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis”, que versa sobretudo à necessidade da presença institucional dos jovens na formulação de suas próprias políticas públicas. A carta, que afirma que a “rebeldia deve continuar sendo a sua [da juventude] marca e que essa geração encontrando o seu consciente, será fundamental para a transformação de nosso país” (BRASIL, 2005, p. 4). Destaco a diretriz geral nº 7:
Constituição de um espaço ligado ao Poder Executivo (Presidência da República), como forma de coordenar e articular junto aos demais órgãos governamentais competentes, nos diferentes níveis de governo, as políticas de juventude a serem implementadas em âmbito nacional;
No ano seguinte, tendo o Governo Federal acatado as proposições da carta e criado o Conselho Nacional da Juventude, outra reunião foi realizada, desta vez em São Paulo, e sua segunda carta versa principalmente sobre a participação dos movimentos juvenis neste órgão e sua a atuação e formação. “Temos ainda um longo caminho a percorrer na afirmação de mais direitos, na melhor qualidade das políticas públicas e na garantia de uma participação efetiva da juventude neste processo”, afirma a carta. Uma série de novas diretrizes, desta vez centradas no próprio conselho, foi estabelecida. Destaco a diretriz nº 2:
O Conselho tem que ser um espaço de concertação política, de debate e pactuação em torno de uma agenda comum na arena das políticas públicas. Não pode ser entendido com um mero instrumento de pressão da sociedade sobre o governo (papel reservado aos movimentos sociais em sua ação autônoma e cotidiana), nem como um espaço de homologação das iniciativas governamentais e, muito menos, como órgão de “representação” da juventude (papel de destinado ao movimento juvenil em seu conjunto) (BRASIL, 2005, p. 1).
As entidades estudantis encerram a carta rejeitando o modelo “adultocrata” de política e ressaltando a necessidade de organização da juventude em suas nove formas, elencadas no próprio documento:
Partidos políticos; Movimento Estudantil; Entidades sindicais e associações profissionais; Pastorais, redes e movimentos; Ong´s juvenis; Identidades específicas (negros, mulheres, homossexuais, indígenas); Grupos que fazem ação local (bairros, favelas, periferias); Cultura, Lazer (skate, torcidas organizadas, esporte, etc); Causas ou campanhas (ambientalistas, paz, acampamento da juventude) (BRASIL, 2005, p. 2).
Um processo característico à juventude e intrinsecamente ligado à existência capitalista diz respeito aos laços familiares, que nos jovens vão se abrandando, criando no indivíduo a necessidade de emancipação, que vem atrelada à construção de um lar próprio, e portanto, da constituição de vínculo empregatício. Isto converte-se num processo paradoxal de constituir uma identidade que seja não domesticada na mesma medida que o indivíduo se vê necessitado de ceder às aspirações capitalistas destinadas à ele. A prolongação dos laços familiares, segundo Pais (2003), pode transformar-se em conflitos intra e interpessoais.
O problema habitacional é socioeconômico e fundamental na vida dos jovens atualmente, cuja geração foi apelidada de “canguru”. No relatório publicado em 2016, o IBGE apontou os seguintes dados:
Um grupo que tem sido estudado é o de pessoas de 25 a 34 anos de idade que viviam na casa dos pais. A proporção de pessoas nesta faixa etária que estava na condição de filho na unidade domiciliar apresentou ligeiro aumento no período de 2005 a 2015, chegando a 25,3% no último ano […]. Em 2015, o nível de ocupação, de 71,7%, das pessoas que viviam com o(s) progenitor(es), foi semelhante ao das demais pessoas que não viviam com os pais (75,1%), o que sugere que a permanência na casa dos pais não esteja diretamente associada com a falta de trabalho. No entanto, as pessoas que viviam com os pais eram mais escolarizadas, uma vez que 35,1% tinham ensino superior incompleto ou nível mais elevado; a média de anos de estudo foi de 10,7 anos; e 13,2% no grupo ainda estudavam. Para aqueles que não residiam com os pais os indicadores apresentaram valores mais baixos: 20,7% tinham ensino superior incompleto ou nível mais elevado; a média de anos de estudos era de 9,8 anos; e somente 7,2% ainda estudavam […] (IBGE, 2016, não p.).
Neste ponto, relacionando as teorias de Pais (2003), que afirma que a estadia prolongada na casa familiar pode causar atritos e problemas de identidade, e as especulações do relatório do IBGE, que aponta que aqueles que escolhem manter-se morando com os pais têm escolaridade mais alta, pode-se pensar que os jovens, por necessitarem incluir-se no mercado de trabalho, acabam deixando a busca de identidade própria em segundo plano. Especula-se também que a própria condição capitalista – que traz consigo problemas de inflação e especulação imobiliária – adia a moradia individual dos jovens.
Ainda, aqueles que desejam construir uma vida individual na juventude inserida no capitalismo, são forçados a se afastar dos centros urbanos, em busca de aluguéis mais baratos. Isto dificulta o acesso ao local de trabalho, estudo e demais atividades de lazer, causando também um problema público de transporte e superpopulação periférica.
Em termos de políticas públicas voltadas à moradia da juventude, as Casas de Estudantes Universitários são exemplos de locais de localização central e/ou próximos aos campi universitários que, estando atrelados a uma matrícula no Ensino Superior, fomentam uma inserção educacional e geográfica da juventude no espaço urbano. No entanto, tais acomodações ainda são limitadas e seus subsídios governamentais são insuficientes para promover uma maior abrangência e qualidade de vida.
A formação do indivíduo durante a juventude depende da sociabilidade e do acesso a obras culturais diferentes daquelas às quais os jovens são expostos durante a infância. Parte deste processo de (re)conhecimento cultural é realizado na escola e universidade, como elemento do programa didático dos professores, que expõem seus alunos a novos textos, pinturas, esculturas, músicas e filmes constantemente. Outra parte do processo vem da própria descoberta do indivíduo por meio de amigos, curiosidades individuais e outras referências.
No entanto, a cultura, em seu sentido mais limitado, é elitizada e de difícil acesso. Museus, Teatros, Cinemas e Casas de Shows e Arenas de Esporte cobram ingressos que limitam o acesso de uma grande parte da população, impedindo-a de expandir horizontes. Nesse sentido, o programa de meia-entrada para jovens é fundamental. A Lei nº 12.933 (BRASIL, 2013, não p.) assegura
aos estudantes o acesso a salas de cinema, cineclubes, teatros, espetáculos musicais e circenses e eventos educativos, esportivos, de lazer e de entretenimento, em todo o território nacional, promovidos por quaisquer entidades e realizados em estabelecimentos públicos ou particulares, mediante pagamento da metade do preço do ingresso efetivamente cobrado do público em geral […] Também farão jus ao benefício da meia-entrada os jovens de 15 a 29 anos de idade de baixa renda, inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e cuja renda familiar mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos […]
Esta modalidade de ingressos culturais ainda é disponibilizada, como rege a lei, para idosos e pessoas com deficiência. No entanto, a percentagem de ingressos na forma de meia-entradas resume-se a apenas 40% do total. O IBGE, em seu Censo de 2010, aponta que os jovens entre 15 e 29 anos correspondem a 23% da população brasileira, idosos a 7,4% e pessoas com deficiência a 24% da população. Ainda, deve-se contabilizar a quantidade de estudantes acima dos 29 anos. Sabendo que nem todos os grupos aqui estabelecidos são mutuamente excludentes, é perceptível que a porcentagem de ingressos destinada a estas faixas da população são insuficientes.
Retomando a Carta Aberta do 2º Diálogo Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis, as políticas públicas “tem que ter um caráter de política de Estado e não de Governo” (BRASIL, 2005, p. 2), isto é, independentes das vertentes políticas que possam porventura fortalecer um ideal meritocrático e neoliberal – capitalista – de sociedade. Nesse sentido, o foco desta seção foi realçar políticas que reforcem a conquista de identidade da juventude. Seria possível discorrer sobre outros programas como a tarifa zero para jovens e estudantes no transporte público de algumas cidades e o próprio projeto Jovem Aprendiz, que escolhi não tratar pois as condições de emprego deste programa estão condicionadas à precariedade comum ao setor trabalhista de modo geral.
Políticas públicas: melhorias para uma autonomia da juventude
Transitando por este caminho atravessado por noções de sociedade voltadas ao reforço do capitalismo, identifiquei 3 referências de políticas públicas que permitem a independência e autodeterminação juvenil. No entanto, tais políticas, ainda que positivas, são limitadas e/ou insuficientes. Nesta seção, serão propostas novas políticas públicas que beneficiariam os jovens a adquirir autonomia e senso de identidade.
Em uma comunidade cada vez mais voltada à produção e reprodução capitalista, as mazelas psicológicas da juventude são secundarizadas e desprezadas pelas gerações adultas como “drama”, “vitimização”, “frescura”, ou ainda, como forma de “chamar a atenção”. Também, o acesso ao amparo psicossocial na forma de psicoterapia é difícil e os preços dos atendimentos, ainda que no chamado “valor social”, sobem ano a ano. Com isso, a medicalização e a manicomialização da juventude impedem a formação completa e bem estabelecida. Nesse sentido, o Sistema Único de Saúde oferece nos CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial) atendimentos de qualidade voltados para o público em geral.
No entanto, os CAPS IJ (Infantojuvenis) estão espalhados de forma errática pelo país. Quando muito, há um por cidade. Este tipo de atendimento, embora certamente parte do escopo da gestão de Saúde, é interesse do sistema educacional também. Assim, a ampliação do sistema de assistência psicossocial para abranger as escolas e universidades do país seria benéfica no sentido de priorizar o bem-estar psicológico dos jovens, uma vez que estes constantemente não possuem tempo, condição financeira ou apoio familiar para frequentar os CAPS. Ainda, a formação de profissionais especializados em atenção psicossocial juvenil pode ser fomentado através de subsídios governamentais para educação continuada (pós-graduações e especializações) na área.
Um dado alarmante levantado pelo Atlas das Juventudes (2021) é que em 2019, 51,6% das vítimas de crimes letais eram jovens até 29 anos. O documento também traz o relato de um jovem que afirma que “ser um jovem brasileiro é ser um sobrevivente, um grande desafio, pois infelizmente nossa geração vem sendo exterminada pouco a pouco pela violência letal” (p. 39). Este é um problema interdisciplinar que aponta falhas no sistema de saúde, educação, lazer e cultura, psicossocial e empregatício, além de realçar as desigualdades de gênero, etnia, raça e classe social.
Contudo, igualmente complexas são as soluções para este problema, pois a multifatoriedade da questão exigiria uma reformulação completa e inflação do aparato Estatal, o que vai contra os princípios neoliberais que atualmente regem o país. O que deve ser pontuado, entretanto, é que a solução não está no aumento do sistema prisional ou judicial ou na legislação de maioridade penal. A insuficiência dos amparos juvenis, a ineficiência e desconfiança da polícia, mídia e política é que precisam ser revisados rigorosamente.
Considerações finais
A juventude – ou melhor, as juventudes – está submetidas à um processo educacional fragilizado, assistência psicossocial insuficiente, dificuldades de transitar pelos meios urbanos e rurais (e de um a outro), condições empregatícias sucateadas, apoio financeiro inexistente, acesso à cultura, lazer e esportes secundarizado, além de serem desprezadas constantemente nas tentativas de se fazerem ouvir na sociedade. Junto a isso, um sistema punitivo e disciplinar aos moldes foucaultianos que preocupa-se mais em ajustar o sujeito à sociedade a qualquer custo.
Nesse sentido, ainda que o país possua um certo aparato de apoio juvenil, este é recente e não recebe o devido financiamento para a autodeterminação das próximas gerações e igualmente, suas políticas públicas ainda partem de um modelo de sociedade adultocrata e ultrapassado que busca manter um sistema de modo de vida incapaz de produzir igualdades. Assim, o etarismo se faz presente, impedindo as juventudes de produzirem um novo sistema que esteja de acordo com suas próprias necessidades.
As juventudes, tratadas nos planos pessoal, institucional e societário – que estão interligados –, trabalham em dobro para serem vistas com a devida atenção, sem contudo terem o suporte adequado para tal. Este trabalho, portanto, revelou um longo caminho a ser traçado dentro e fora do escopo acadêmico.
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