PADRÕES DE BELEZA: UMA VISÃO PSICANALÍTICA SOBRE OS EFEITOS NA FEMINILIDADE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7241828


Ellen de Souza Fosqueano1
Raissa Leal Rosa de Souza2
Ana Carolina Gomes Teixeira3


RESUMO

O presente artigo refere-se a um estudo sobre a concepção da mulher e sua feminilidade, buscando investigar com base na teoria psicanalítica, como os ideais de beleza estão vinculados à cultura e como influenciam para construção da ideia de feminilidade. Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica acerca da estruturação dos conceitos sobre a mulher, sendo o corpo feminino elemento de análise. Com isso, para levar luz a essa questão foi encontrado na teoria de Joan Rivière a mulher mascarada e a teoria do A barrado proposta por Lacan, trazendo esse corpo com uma das formas de acessar o falo, porém, se por um lado se aproxima deste, por outro se distancia de si mesma. Depreende-se que feminilidade, portanto, em relação ao seu corpo, se torna um endereço à sua demanda em achar um significante do falo e para isso, esta deve se enquadrar nos padrões desejáveis, sacrificando o que não o é para atingir esse fim.

Palavras-chave: Mulher. Corpo. Psicanálise. Sexualidade.

ABSTRACT

This article refers to a study on the conception of women and their femininity, seeking to investigate, based on psychoanalytic theory, how the ideals of beauty are linked to culture and how they influence the construction of the idea of ​​femininity. For this, a bibliographic research was carried out on the structuring of concepts about women, with the female body being an element of analysis. Thus, to shed light on this issue, Joan Rivière’s theory of the woman as masked and the theory of the barred A proposed by Lacan were found, bringing this body as one of the ways to access the phallus, however, if on the one hand it approaches from it, on the other hand, it distances itself from itself. It appears that femininity, therefore, in relation to her body, becomes an address to her demand to find a signifier of the phallus and for that, she must fit the desirable standards, sacrificing what is not to achieve this end.

Keywords: Woman. Body. Psychoanalysis. Sexuality.

1 INTRODUÇÃO

Freud associava inicialmente, que o pênis e a ausência do mesmo biologicamente, definia o que seria homem e mulher, respectivamente. Aquele possuindo o falo, enquanto esta, a falta dele. (FREUD, 2016).

O campo da sexualidade do sujeito envolve como este se representa e se apresenta e possui relação com os objetivos e desejos do sujeito, em como ele se percebe, indo desde o conhecimento anatômico do seu corpo até como ele se identifica em sua autoimagem. 

Bonfim (2014), menciona que o fato de haver o pênis ou a ausência do mesmo não garante a identificação do sujeito com o gênero. Ademais, as objetificações e sentidos atribuídos ao que é próprio de ‘’ser coisa de menino ou de menina’’ são conceitos sociais impostos a cada época. Portanto, a construção acerca do que cada pessoa compreende de si, possuirá influência não só da sua sexualidade, bem como dos fatores culturais.

No que se refere ao campo feminino, segundo Jacques Lacan (1985), em seu aforismo ‘’a mulher não existe’’ prediz a noção que não há uma definição do que seria a mulher. Esta seria mãe, esposa, filha, ou seja, todos os sentidos atribuídos a ela, trazendo a resignação ao homem, não existindo um sentido próprio ao que ela é. 

Tomando isso por base, o que será analisado inclui o que até então foi construído sobre a definição da sexualidade feminina, tendo como observância o seu corpo sobre os pontos de vista tanto culturais, quanto o que a psicanálise aponta acerca da feminilidade. Se faz necessário pensar no que seria a mulher partindo do Real bem como observar o que na prática foi construído no campo Simbólico.

Essa temática justifica-se na medida que esse grupo para buscar uma definição de si, precisarão de definições construídas pelos outros, ou seja, pela cultura, sendo seu conceito de imagem corporal um dos pontos que mais atravessam-na quanto a percepção de si mesma. Portanto, é lícito observar que tanto a sua sexualidade pôde ser definida, ou melhor, começou a ser sedimentada tendo a mulher como sujeito passivo e não ativo do discurso. Neste sentido, entende-se que analisar sobre o assunto é entender sobre a particularidade que cada mulher traz em si, suas construções e percepções influenciadas ou não pela cultura. 

Neste sentido, ainda é lícito indagar se de fato sua feminilidade a leva à completude mediante o corpo desejado, se os sentidos encontrados e propostos culturalmente são suficientes ou se na verdade, quando pensa escolher uma imagem corporal para si, não está fazendo pelo outro. Pois ao não existir um significado representacional fixo para o significante mulher, esta buscará sentido para si mesma com base no discurso alheio.

Dessa forma, pretende-se analisar a construção da sexualidade feminina por meio de uma das interfaces que atravessam as mulheres: o corpo. De modo que sobre a ótica da abordagem psicanalítica será feito um paralelo ao se observar os significados construídos por meio da demanda do significante do falo, bem como as implicações disto para a mulher tanto no campo Simbólico, como também no Campo do Real.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Para a realização desse estudo levou-se em consideração trabalhos publicados que incluíam os termos: “sexualidade feminina”, “O corpo feminino” “psicanálise”,” padrões de beleza” por meio de plataformas de estudos científicos como SciELO e Pepsico. Assim, assuntos que desconsideravam estas temáticas eram tomados como critério de exclusão.

Em relação à classificação quanto a natureza do estudo, segundo Gil (1994), ela se define como básica por gerar conhecimentos científicos, porém, sem que haja aplicação prática prevista. Quanto forma da abordagem tratou-se de ser qualitativa por não trazer números e dados estatísticos, mas dados descritivos. Esse tipo de estudo ainda, conforme Freire & Pattussi (2005) busca explicar a realidade através de comportamentos, percepções, dados indutivos e avaliações.

A pesquisa do ponto de vista dos objetivos, caracterizou-se como exploratória pois a finalidade do estudo configurou-se em buscar conhecimento e familiaridade acerca do assunto. Assim, encontra-se o que mais se aproxima da realidade segundo a discriminação de um levantamento através de artigos, livros, periódicos e outros, conforme a necessidade para aprendizagem do tema.

3 A CONCEPÇÃO DA IMAGEM FEMININA PELA CULTURA

Conforme a época, as mulheres seguem a tendência para que sejam desejadas, e segundo Fregoneis (2018) o corpo é a apresentação e em parte, representação do seu Eu. Assim, existiu momentos da história em que as mulheres com sobrepeso eram consideradas como padrão de beleza pois indicavam a fartura e a bonança. A própria deusa Vênus de Botticelli, conhecida por ser referência da fertilidade e da beleza é pintada com quadril largo e abdômen saliente. Hodiernamente, o que prevalece é o corpo magro e definido, em que a indústria da moda e dos cosméticos auxiliam na formação deste molde. 

A percepção da mulher com o seu corpo, ou sobre sua imagem está sempre interligada ao homem, Colette Soller (2005, p.29) argumenta que a concepção “da mulher só é o falo no nível de sua relação com o homem. É sempre para um outro, nunca em si, que se pode ser o falo, o que nos reconduz a sua parceria com o homem.” Nascimento, Próchno, Camargo&Silva (2012) trazem a concepção de que esse corpo era definido e caracterizado conforme o desejo masculino e conforme os padrões sociais. No século XIX era comum e valorizado que a cortesia, os bons modos e a pureza fossem preservados na forma como a mulher devesse se apresentar, o contrário disso era mal-vista bem como prescindida. (PERROT, 2003).

Esse exemplo demonstra a forma dominante do atravessamento da cultura ao incidir no papel social dessa mulher, assim como ela deve se portar para estar dentro dos padrões esperados. Por isso, vale a pena analisar como esse contexto se forma e qual as implicações de fato na construção da sexualidade da mulher.

3.1 IDEAL DE BELEZA 

De acordo com Novaes (2006; p.23)), “historicamente, a imagem da mulher se justapõe à da beleza e, como segundo corolário, à de saúde (fertilidade) e juventude”, porém, com a evolução cultural ocidental esse conceito foi modificado com o passar dos anos. Vilhena, Medeiros e Novaes (2005; p.120) mencionam, durante a Idade Média a beleza feminina era vista como “armadilha do pecado, uma tentação do diabo (…), um encobrimento enganoso de uma essência impura, leviana e vil”.

Com o passar dos anos o percurso feito pela beleza feminina movimentou a posição da mulher na sociedade, deixando de ser alvo de algo maligno e se tornou valorizado e apreciado. Com isso “a beleza passa a sinalizar uma mulher mais autônoma, que trabalha e usufrui de uma liberdade conquistada e maior” (MORENO, 2008, p. 17).

A psicanalista e escritora Colette Soller, menciona que “o destino das mulheres se deve muito à época” (2005, p. 20), neste caso a autora dá o entendimento de como a figura da beleza feminina é atravessado pela influência cultural. Para Sant´Anna (2001) “ser bela significa então, aproximar-se de um ideal determinando de maneira universal”. Assim é possível identificar que “através de dessas imagens idealizadas, as mulheres buscam ser amadas, enquanto, para os homens, tais imagens são objetos de desejo sexual (RAMALHO, 2001).

Pimentel (2008; p.43) “hoje, o que conta é a aparência. As imagens dos corpos que desfilam assumem a forma padronizada vigente e o lugar de objetos de desejo (…). São muitas as ofertas para a mulher parecer diferente, mais bonita, mais desejável e ilusoriamente perfeita”.

Novaes (2006) traz em seu livro O intolerável peso da feiura, concordâncias com os autores acima. Para ela “os corpos são produzidos pelas sociedades em uma dialética sujeito/cultura. (…) a experiência do corpo é sempre modificada pela experiência da cultura” (p. 32). A autora acrescenta um fato importante para a discussão, a falta de beleza e o que ela pode acarretar na concepção do feminino para a mulher. A autora ainda conceitua que “um dos pontos mais enfatizados no discurso sobre a mulher é: ela pode ser bonita, deve ser bonita, do contrário, não será totalmente mulher” (p. 85). Dessa forma a autora ainda ressignifica como a feiura, corresponde ao contrário do conceito de feminino, pois a falta da beleza impacta socialmente, assim uma mulher feia é considerada menos feminina.

Nesse contexto as autoras Silva e Rey (2011) trazem a concepção freudiana sobre a beleza, contribuindo que “a representação do gênero feminino é dada pelo olhar desejante do outro. Dessa maneira, isso pode ser conquistado por meio da aparência bela, a qual, com seus recursos, possibilita a percepção do corpo da mulher”. 

A necessidade dessa percepção do olhar do outro sobre o corpo feminino, baseia-se na falsa concepção de identidade sobre o ser mulher, “pois é assim que seu corpo, incompleto pela ausência de falo, adquire a necessária concretude para sua existência” (FREIRE, 2002, p. 73)

Freire (2002, p. 72) ressalta que essa concretude pode ser “A revolta diante da castração, que leva a menina a investir esse corpo como sendo o falo e o coloca (o corpo) em primeiro plano, tanto na teatralização de seus sintomas quanto no exibicionismo desse corpo”.

Neste sentido, os autores aqui colocados apontam pontos em que a obsessão da mulher pela sua beleza corpórea, seria uma compensação sobre a ausência do seu falo. Pois de acordo com Jerusalinsky (2000, p. 31-39), “considerando que é no corpo que a mulher transportará a versão imaginária daquilo que lhe falta”. A mulher então investe em sua beleza, buscando não só o sentido de feminilidade, como também o olhar de desejo do outro, para que assim encubra que lhe falta no corpo, que “diante do vazio e do desamparo que assola a sua existência, ele se manifesta e cria formas de existir” (VIEIRA, 2006, p. 110)

A aparência corpórea se insere no campo diverso da sexualidade do sujeito e no que concerne às mulheres, se atribui mais valor esteticamente, do quem em relação aos homens. Neste sentido, Heinzelman (2011) contextualiza, “encontra-se no corpo feminino representatividade social já que outras características como a intelectual eram reprimidas. Portanto, a feminilidade (que diz respeito à mulher) buscará no corpo formas de validação do seu Eu em sua sexualidade.”

Este apontamento sobre a mulher buscar na beleza formas de existir e extinguir a falta do seu falo, também é baseado em uma das teorias de Lacan em O Seminário livro 11, os quatros conceitos fundamentais da psicanálise, onde o autor pontua, na infância a imagem corporal da criança não é o que ela vê em seu reflexo, e sim o que ela vê no outro, ou seja, ela fantasia que seu corpo é como o outro, ou deve ser. Ele cita “não faz muito tempo, uma menina me dizia gentilmente que já era hora de alguém se ocupar dela para que ela parecesse amável a si mesma” (LACAN;1964 p. 242) 

Nesta formulação, Lacan enfatizam que a imagem feminina está entrelaçada com a falta do falo, pois o desejo e a demanda feita ao homem, mantém uma definição do ser feminino que passa pela mediação obrigatória do sexo oposto. E Soller completa, “não admira, portanto, que tudo o que se diz da mulher seja enunciado do ponto de vista do Outro e mais se refira a sua aparência que a seu próprio ser, permanecendo este como o elemento “foracluído” do discurso”. (SOLER,2005 p.30)

3.2 A PSICANÁLISE E FEMININO

Em “A interpretação dos Sonhos”, Freud (1996) menciona o mito de Édipo como uma história que exemplifica uma verdade em que todo sujeito passará como algo constitutivo da formação da sexualidade. O processo em que consiste no apaixonamento do filho pelo sexo oposto e o desejo de competitividade em relação ao genitor do seu mesmo sexo, condiciona todos os seres humanos, e, portanto, o mesmo vale para a filha. Esta no caso, se apaixonará pela figura paterna, e este se torna seu objeto de desejo transformando a figura materna em alvo de competitividade. 

 Ainda se tem ideia inicial do Falo no menino como forma de organizar o sujeito em sua sexualidade, representado pelo pênis, e na menina é representado pela ausência do mesmo e a Castração é um divisor de etapas. No entanto, o mesmo autor rescreveu constantemente acerca desse processo na menina e ao fim chega ao ponto de que a mulher já nasce castrada por não possuir um falo e com isso, o busca primeiramente no pai, posteriormente em outros (FREUD, 1924).

Costa (2008, p. 304-314) diz “o falo – como significante da falta – funciona como um véu que encobre a castração e relança um mais além.” No caso da mulher como ela nasce sem o pênis ela está inserida em um não-todo gozo fálico, e com isso uma parte que escapa a esta condição será desconhecida, suplementar.

Com isto, a partir da busca desse significante da falta, define a concepção da figura da mulher como relativa ao homem, excluindo a possibilidade de ser vista como um ser seu, apenas observando o seu ser para ao outro. Lacan (1985, p.133) descreve em o Seminário: livro 20 que o sujeito só conhece seu corpo pelo olhar do outro, ele faz-se a função de espelho, refletindo para a mulher suas expectativas, ideologias e desejo, ele menciona “(…)se a libido é apenas masculina, a querida mulher, não é senão de lá onde ela é toda, quer dizer, lá de onde o homem a vê(…)”.

Para Safatle (2004, p. 11), a mulher possui “experiência de produzir uma imagem corporal considerada uma alienação de si, no sentido de submissão da referência-a-si a referência-a-outro”, ou seja, “se a imagem do corpo próprio é sempre a sedimentação heteróclita de imagens ideais socialmente desejáveis, então não há nada de próprio na imagem do corpo”. 

O corpo feminino ao mesmo tempo tem valor simbólico na proporção em que atribui ao sujeito sentido, seja o de ser desejado ou o de se sentir representado. Afinal ele é o que separa o mundo subjetivo do mundo externo, e ao mesmo tempo conecta ambos. Este recebe as demandas internas do sujeito para o mundo e por este também é demandado, no meio disto encontra-se o sujeito em sua sexualidade, 

Soler (2005), menciona que esse meio externo traz a mulher dentro da cultura como um conceito inventado para mobilizá-la ao encontro das demandas sociais como forma de alienação, por meio das imagens e símbolos, ela muda de feição, de corpo, de comportamento por meio da coerção cultural. Os complexos de Édipo e Castração são complexos da masculinidade afinal, a mulher não se insere neles pois já nasce castrada, seu gozo escapa em parte porque não se insere na lógica fálica, a qual passa necessariamente pelos complexos. 

A mesma autora menciona que para Freud (1924) ‘’ aos seus olhos, o único destino conveniente para uma mulher, aquele que poderíamos chamar de ‘’assunção da castração’’, era ser mulher de um homem’’. Neste sentido, existe uma dificuldade em conceitualizar essa mulher em sua sexualidade porque a própria teoria de base acerca da constituição do sujeito só considera um modelo, o masculino.

Tendo em vista que uma parte do seu gozo é fálico, mas outra parte desse mesmo gozo é suplementar, ou seja, ultrapassa, está para além do falo e, portanto, este será indeterminado, com isso, segundo Bonfim(2014) a mulher em sua sexualidade se construirá a cada momento. Para Souza (2007), a construção da dinâmica psíquica da mulher é uma incógnita pois a castração não se insere nela, é não-toda e com isso não se escreve.

3.2.1 O “A” barrado

Em seu seminário 20 Mais ainda, Lacan (1985, p.99) descreve que o artigo “a” ao lado do termo “a mulher” é o único que contempla não a ausência ou o vazio, mas algo. Ele menciona: “esse a artigo e único significante do qual e próprio ser o único que não pode significar nada, e somente por fundar o estatuto d’a mulher no que ela não é toda”. Porém isso não prediz o desígnio em ser A Mulher.

Ainda Lacan (1985, p 99) contrariamente à teoria freudiana acerca da mulher a serviço da demanda fálica, traz “as mulheres se atém, qualquer uma se atém por ser não-toda, ao gozo de que se trata e, meu Deus, de modo geral, estaríamos bem errados em não ver que, contrariamente ao que se diz, de qualquer modo são elas que possuem os homens.”

O homem com isso atinge o seu gozo mais além por meio da mulher, tendo em vista que somente ela o possui, ainda que não o saiba como e para onde vai, ela o experimenta. Ele com essa posição concebe o A barrado da mulher a proximidade ao Outro (o inconsciente se manifestando pela linguagem), e este se inseri na função do pai pois é em relação a mulher que surge a castração, aí se tem não dois seres supremos, mas o pai da Horda por exemplo, não é o único. 

Como tudo isso se produz graças ao ser da significância e como esse ser não tem outro lugar senão o lugar do Outro que designo com o A maiúsculo, vê-se o envesgamento do que se passa. E como é lá também que se inscreve a função do pai, no que é a ela que se remete a castração, vê-se que isso não faz dois Deuses, mas que isso também não faz um só (Lacan 1985, p 103).

A ideia de que são as mulheres que possuem os homens e não o contrário, as inscrevem na teoria do A barrado, sem, no entanto, sair do Édipo. Marcos (2011) escreve “É uma solução para o Édipo, que não sai do Édipo: à privação responde-se pelo ter” pois no homem o acesso ao significante que não possui significado é suportado pela via fálica. Então a mulher acessa pela via fálica do homem seu desejo, e o faz por meio do ordenamento social, aqui podem existir outros pontos de acesso além da beleza, como por exemplo o intelecto. Quanto a esses artifícios, dependerão somente do que agrada a mulher.

3.2.2 A Mascarada em Joan Revière

Joan Rivière (1929) foi um psicanalista e em seu artigo Womanliness as a masquerade fala sobre a feminilidade ser uma máscara que a mulher usa para se desculpar pelo falo que ela toma do homem, na verdade, não tratando de tomar para de tê-lo, mas para sê-lo. Esta se veste de humilde pois isso não suscita a ira e revolta daquele que foi roubado.

“A feminilidade, portanto, poderia ser assumida e usada como uma máscara, tanto para esconder a posse da masculinidade quanto para evitar as represálias esperadas se ela a possuísse – assim como um ladrão revira seus bolsos e pede para ser revistado para provar que ele não tem os bens roubados. O leitor pode agora perguntar como defino a feminilidade ou onde traço a linha entre a feminilidade genuína e a ‘máscara’. Minha sugestão, entretanto, não é que exista tal diferença; sejam radicais ou superficiais, são a mesma coisa. (Revière, 1929, p.306).

A mascarada usa o homem em vez de ser usada por ele, isso corrobora com o que Lacan (1985, p 99) descreve em seu seminário Ainda Mais que são elas que possuem os homens e não o contrário. Com isso ela experimenta a segurança em possuir o pênis, em ser reconhecida em sua masculinidade, não como semelhante ao homem, mas por recuperar o objeto de desejo que fora castrado. 

 Essa mulher não se direciona só em relação ao pai quando se pensa no ordenamento edipiano, existe uma competitividade com a mãe pelo falo, em que esta o possui dele. A mãe tendo o pênis do pai, e este o falo, sobra ao sujeito mulher o medo à solidão: “Na cena primordial, o talismã que ambos os pais possuem e que ela não possui é o pênis do pai; daí sua raiva, também seu pavor e desamparo…” (Revière, 1929 p.311):

Privando o pai dele e possuindo-o ela mesma, ela obtém o talismã — a espada invencível, o ‘órgão do sadismo’; ele se torna impotente e indefeso (seu marido gentil), mas ela ainda se protege de ataques usando para ele a máscara da subserviência feminina e, sob essa tela, desempenhando ela mesma muitas de suas funções masculinas – “para ele” – (sua habilidade prática e gestão). Da mesma forma com a mãe: tendo-lhe roubado o pênis, destruindo-a e reduzido a uma lamentável inferioridade, ela triunfa sobre ela, mas novamente secretamente; exteriormente ela reconhece e admira as virtudes de.’ mulheres’ femininas.

A concorrência tanto com o pai como com mãe, vem da necessidade sádica estabelecida na fase oral, seja entregue o falo como se fosse um direito e quando isso ocorre, existe a necessidade de ser redimida por essa posse. Porém, ao mesmo tempo existe o desejo em ser reconhecida por essa tratativa, pois é isso que gera a segurança na mascarada. Como Reviére (1929; 312) afirma ‘’ O reconhecimento é sempre, em parte, garantia, sanção, amor; além disso, torna-a suprema novamente’’.

Isso permite retomar o corpo e os ideais de beleza como uma das formas de se obter segurança em possuir o falo, ao mesmo tempo que o elemento sexual trabalha a favor do apaziguamento daquele que fora roubado e garantia da sua segurança. “Com efeito, o prazer sexual era pleno e frequente, com orgasmo completo; mas surgiu o fato de que a gratificação que trouxe era da natureza de uma garantia e restituição de algo perdido, e não de puro prazer. O amor do homem deu. ela de volta sua autoestima” (REVIÈRE; 1929, p.307).

Marcos (2001) menciona que todo esse ludibriamento traz o ônus em custar a si mesma, em se hipotecar ao preço da ordem fálica, traindo seu desejo, mas ao mesmo, quanto à finalidade, a conquista:

“Não se trata de ter o falo, mas de sê-lo, de parecer-se com ele – um parecer se substitui ao ter. A mascarada vem se acrescentar à fórmula lacaniana do desejo feminino como um modo particular de a mulher se relacionar ao falo; entretanto, não podemos esquecer que isto se faz na rejeição dos atributos da feminilidade”.

Tudo isso se trata da mascarada como mulher tendo em vista que as duas habitam o mesmo corpo. Grant (1998) afirma que a posição desta se dá em ter e não ter o falo e para isso precisa em determinados momentos assumir a posição feminina e em outros a posição masculina. 

Soler (2005, p.32 apud LACAN; 1998, p.694) menciona que a relação ao se dar entre os pares homem e mulher cava um lugar de aparências, mas esta tem como irmão siamês o ser. A mascarada sabe que trai a si mesma.“A mascarada [masquerade], para retomar a expressão de Karen Horney, é um efeito de véu, mas não dissimula: antes, trai o desejo que a orienta. Isso significa que a interpretação não passa por trás do véu, mas conclui, pelo que nele se desenha das demandas do Outro, sobre aquilo que as habita.” (SOLER; 2005 p.32).

A mulher na verdade, conforme ela articula o véu que está sobre si, insere nele (o véu) os elementos que deseja, revelando afinidade em ser objeto, pois enquanto status quo pode ser premiada, na proporção que o Outro reconhece nesta as marcas dele mesmo. Ela não pode falar sobre si, se faz necessário que o outro diga, assim ela alcança sua autorrealização. 

4 RESULTADOS

Conforme o exposto, os fatores culturais balizam o ideal do corpo feminino conforme a época. Sua imagem é o reflexo da ordem fálica como se depreende através da Teoria da Mascarada, em que esta usa esse meio para acessar o seu desejo, mesmo que ela precise trai-lo para isso, se apropriando em atos em ter ou não ter esse falo. Mas em contraponto, a Teoria do A barrado traz essa mulher inscrita em uma dinâmica de gozo não-todo e com isso consegue acessar o inominável, o gozo suplementar, que ela mesmo desconhece, porém, possui uma intersecção com o Outro (esse grande outro é o lugar de fala do inconsciente). Ademais, em relação a isto Lacan traz a ideia de que, não são os homens que possuem as mulheres, mas sim estas que possuem àqueles, porque antes elas sabem que para serem femininas não seguem a ordem direta do seu desejo, mas se colocam na posição de objeto, para acessá-lo, mesmo que o custo seja prescindir a si mesma.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ideal de corpo belo foi apenas um dos atributos específicos postos em análise para observar um assunto extenso e faltoso que é a sexualidade feminina. A beleza segue a ordem do desejo do outro como validação do sujeito, neste sentido, a Teoria da Mascarada contempla a ordem fálica, porém, traz luz ao entendimento acerca da feminilidade ao compreender que a mulher feminina é aquela que irá mascarar seus desejos. No entanto, ao que contrariamente se pensa, não é o homem que se serve desta, mas ela quem o toma para alcançar o que escapa ao seu discurso, pode ser o falo, mas também é direcionada pelo gozo suplementar, por aquilo que não possui nome.

A Teoria do “A” barrado traz essa mulher que alcança uma relação privilegiada com o Outro porque não está inserida toda no gozo fálico. Assim se concebe “a mulher” por meio do artigo indefinido, uma relação de imagem com imagem, o que em contrapartida, o “A mulher” com artigo definido não pode nem ser proposto pois ainda não se sabe, mas ela experimenta essa condição, através gozo desconhecido. Enquanto isso, ela se serve dos espelhos que lhe são apontados, do que ela não é para ser amada, mas isso ela o sabe, bem como lhe basta.

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1, 2Acadêmico de Psicologia. Artigo apresentado a Faculdade Interamericana de Porto Velho-UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Psicologia Porto Velho, 2022.

3Professora Orientadora (Mestra). Professora de Psicologia.