OS LIMITES DO ACESSO A DADOS PESSOAIS EM DIVÓRCIOS COM FILHOS MENORES NOS CARTÓRIOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202505211236


Maria Beatriz Rocha Targino Virginio1


Resumo

A presente pesquisa visa analisar os limites jurídicos e normativos do acesso a dados pessoais de crianças e adolescentes em processos de divórcio consensual realizados por via extrajudicial nos cartórios de notas. Parte-se do pressuposto de que a desjudicialização do Direito de Família, promovida pela Lei nº 11.441/2007, embora constitua avanço institucional em termos de celeridade e autonomia das partes, impõe desafios concretos à proteção da intimidade e da personalidade dos filhos menores. Com base em metodologia teórico-documental, de natureza qualitativa, o estudo realiza uma análise crítica da legislação brasileira — especialmente a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) — bem como das normas reguladoras da atividade notarial, com destaque para a Resolução nº 35/2007 do CNJ. Os resultados indicam a existência de lacunas normativas significativas quanto ao tratamento, à guarda e à publicidade de dados sensíveis de menores em escrituras públicas de divórcio, evidenciando a ausência de protocolos específicos que assegurem a conformidade da prática extrajudicial com os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança. Conclui-se que, para garantir a efetividade da proteção de dados de sujeitos em desenvolvimento, é necessária a adoção de medidas regulatórias mais precisas, a implementação de diretrizes técnicas voltadas à atividade cartorária e o reforço institucional da responsabilidade dos notários enquanto operadores de dados. O trabalho contribui para o debate jurídico contemporâneo ao propor uma reflexão crítica sobre os limites da desjudicialização quando confrontada com direitos fundamentais da infância.

Palavras-chave: Proteção de Dados; Divórcio Extrajudicial; Cartórios; Criança e Adolescente; Desjudicialização.

Abstract

This study aims to analyze the legal and regulatory limits of access to personal data of children and adolescents in consensual divorce proceedings conducted extrajudicially through notary offices. It is based on the assumption that the deinstitutionalization of Family Law, established by Law No. 11.441/2007, while advancing in terms of procedural efficiency and private autonomy, poses significant challenges to the protection of minors’ privacy and personality. Using a theoretical-documentary and qualitative methodology, the research critically examines Brazilian legislation—particularly the Federal Constitution, the Child and Adolescent Statute, and the General Data Protection Law (LGPD)—as well as normative acts regulating notarial activity, with emphasis on CNJ Resolution No. 35/2007.

The findings reveal relevant regulatory gaps concerning the treatment, storage, and disclosure of sensitive data involving minors in public divorce deeds, demonstrating the lack of specific protocols that ensure compliance with the principles of integral protection and the best interests of the child. It concludes that effective protection of personal data for developing subjects requires the adoption of precise regulatory measures, the implementation of technical guidelines for notarial activity, and the reinforcement of institutional responsibilities of notaries as data processors. This article contributes to the current legal debate by offering a critical reflection on the boundaries of extrajudicial procedures when faced with fundamental rights of childhood.

Keywords: Data Protection; Extrajudicial Divorce; Notary Offices; Child and Adolescent; Deinstitutionalization.

1. Introdução

A consolidação da desjudicialização como política pública de modernização do sistema de justiça no Brasil tem provocado profundas transformações nos ritos e instrumentos tradicionalmente associados ao Direito de Família. Desde a promulgação da Lei nº 11.441/2007, que autorizou a lavratura de escrituras públicas de separação e divórcio consensuais perante cartórios de notas, observa-se uma crescente migração de procedimentos outrora exclusivos do Judiciário para a esfera extrajudicial. Tal fenômeno, embora tenha ampliado o acesso formal ao direito, levanta preocupações relevantes quando se trata de relações jurídicas que envolvem crianças e adolescentes, sujeitos que, pela sua vulnerabilidade, exigem tutela diferenciada e reforçada.

No mesmo período, o avanço das tecnologias da informação e a crescente digitalização de registros públicos potencializaram os riscos à privacidade, à intimidade e à imagem dos menores, especialmente diante da ausência de regulamentações específicas que articulem a publicidade dos atos notariais com os princípios da proteção integral da infância e da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). A transparência que legitima os atos lavrados em cartório não pode ser confundida com exposição irrestrita, particularmente quando se está diante de dados sensíveis relacionados à guarda, convivência familiar, saúde ou estrutura emocional dos filhos menores.

A presente pesquisa parte, portanto, do questionamento central acerca dos limites jurídicos e institucionais impostos ao acesso e à circulação de dados pessoais de crianças e adolescentes em procedimentos extrajudiciais de dissolução do vínculo conjugal. Com base em uma abordagem teórico-documental e em análise normativa crítica, busca-se compreender como a atuação dos cartórios, enquanto instâncias administrativas delegadas, se insere no sistema de proteção dos direitos da personalidade infantojuvenil, diante da tensão entre a publicidade cartorária e os direitos à intimidade e ao desenvolvimento pleno da criança.

Adotando como marcos interpretativos a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), a LGPD, e os atos normativos do Conselho Nacional de Justiça, o estudo pretende identificar lacunas normativas, riscos institucionais e propostas de compatibilização entre eficiência procedimental e proteção de direitos fundamentais. Ao fazê-lo, pretende contribuir para o debate contemporâneo sobre os limites e possibilidades da desjudicialização no campo do Direito de Família, com especial atenção à centralidade do princípio do melhor interesse da criança.

2. Revisão da Literatura

2.1 Princípios do Direito de Família e a Proteção Integral de Crianças e Adolescentes

A consagração do princípio do melhor interesse da criança no ordenamento jurídico brasileiro representa uma inflexão paradigmática na forma como o Direito de Família passou a tratar os sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento. Reconhecido de forma expressa na Constituição Federal, especialmente no artigo 227, esse princípio foi reforçado e operacionalizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), que determina prioridade absoluta à proteção e ao desenvolvimento integral das crianças e adolescentes, com respaldo na doutrina internacional de direitos humanos da infância.

Tal diretriz encontra suporte na Convenção Internacional de Haia e está refletida nos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil de 2002. Segundo Tartuce e Simão (2025), a doutrina do best interest of the child, transposta para o sistema jurídico brasileiro, funda-se na primazia dos interesses da criança nas decisões que impactem sua vida, reconhecendo sua vulnerabilidade e a necessidade de tutela reforçada em todas as esferas públicas e privadas.

Trata-se de uma cláusula geral de interpretação normativa, cuja aplicação exige que o julgador ou qualquer agente estatal considere, de forma concreta, a solução que melhor atenda ao desenvolvimento físico, emocional e social da criança. Isso impõe uma análise que transcenda os limites formais do consenso parental, ainda que no âmbito de divórcios consensuais ou extrajudiciais. Como apontado no artigo em anexo, a proteção integral deve ser interpretada de maneira abrangente, procurando resguardar os aspectos existenciais e relacionais dos filhos menores ou incapazes, e não apenas os aspectos patrimoniais ou procedimentais.

Essa perspectiva exige, portanto, que os procedimentos de dissolução conjugal, mesmo quando realizados sob a forma extrajudicial, não desconsiderem os interesses das crianças envolvidas. O Ministério Público, como defensor do regime jurídico protetivo da infância, assume papel essencial como garantidor dessa cláusula de proteção, sobretudo nos casos em que o procedimento foge do controle jurisdicional tradicional. A análise realizada no texto base deixa claro que, mesmo em cenários de consenso entre os genitores, a aferição do melhor interesse da criança não pode ser presumida, mas sim efetivamente verificada por autoridade competente, como condição de validade e eficácia do ato.

A Constituição Federal de 1988, ao consagrar o princípio da proteção integral da criança e do adolescente em seu artigo 227, não apenas impôs ao Estado o dever de garantir, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais da infância, mas também determinou que essa proteção se estenda a todas as relações jurídicas, inclusive as de cunho privado. Nessa linha, o Estado não pode permanecer inerte diante de situações que envolvam menores de idade, mesmo quando os pais estão de acordo quanto aos termos de um divórcio. A presença estatal se justifica pela natureza indisponível dos direitos infantojuvenis e pela necessidade de controle institucional dos acordos firmados entre os responsáveis legais (BRASIL, 2015).

A atuação protetiva do Estado, especialmente em matéria de Direito de Família, manifesta-se tanto por meio da intervenção judicial como por mecanismos administrativos que visam garantir o melhor interesse da criança. Quando o divórcio ocorre na via extrajudicial, a legislação vigente estabelece que, havendo filhos menores ou incapazes, o processo deve tramitar obrigatoriamente no Judiciário, ainda que haja consenso entre os genitores. Tal exigência se fundamenta na tutela jurisdicional dos direitos indisponíveis e no papel fiscalizador do Ministério Público, enquanto fiscal da ordem jurídica e defensor dos vulneráveis (FRONTINI, 2018).

Conforme destaca Ghilardi e Oliveira (2020), a desjudicialização não pode ser irrestrita quando se trata de relações que envolvam menores, pois, nesses casos, a simplificação procedimental não pode se sobrepor à segurança jurídica e à preservação dos direitos fundamentais. O avanço normativo trazido pela Lei nº 11.441/2007 deve ser interpretado à luz da responsabilidade estatal de garantir que os atos celebrados por particulares respeitem os parâmetros legais e estejam submetidos a uma verificação técnica quando implicarem efeitos diretos sobre a vida de crianças e adolescentes.

Assim, a natureza protetiva do Estado impõe limites à autonomia da vontade nas dissoluções consensuais envolvendo filhos menores. Mesmo diante da expansão da via extrajudicial, permanece imprescindível a intermediação de um órgão público — em regra, o Ministério Público — que ateste a validade e a adequação das cláusulas relativas à guarda, visitação e alimentos, garantindo que o acordo não prejudique o desenvolvimento pleno da criança ou adolescente (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2007).

A desjudicialização, portanto, deve caminhar paralelamente a um sistema de garantias eficazes, que preserve os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção da infância. A flexibilização procedimental prevista na legislação recente precisa ser aplicada com critério, considerando a complexidade dos vínculos familiares e a assimetria muitas vezes existente nas relações privadas. O Estado, nesse contexto, atua como garantidor de um mínimo ético e jurídico necessário para que o exercício da autonomia não comprometa a integridade dos sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento (PATAH, 2016; OLIVEIRA, 2013).

A tutela da intimidade e da vida privada das pessoas, expressamente assegurada no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, assume contornos ainda mais sensíveis no âmbito do Direito de Família, especialmente quando envolvem filhos menores de idade. A privacidade, enquanto direito fundamental, adquire relevância acentuada nos processos de dissolução da sociedade conjugal, nos quais informações pessoais, patrimoniais e emocionais são inevitavelmente expostas. Tal exposição, quando não devidamente controlada, pode gerar efeitos prejudiciais e irreversíveis à dignidade das partes, em especial àqueles em condição peculiar de desenvolvimento.

Nesse cenário, o tratamento de dados e informações relacionadas a crianças e adolescentes impõe um dever jurídico de discrição e confidencialidade a todos os envolvidos no processo, sejam agentes públicos ou delegatários de função estatal, como é o caso dos notários e registradores. Como observa Oliveira (2013), o avanço dos mecanismos de desjudicialização exige o redimensionamento das garantias processuais, entre elas o sigilo e a proteção da personalidade, de modo a evitar que a simplificação procedimental resulte em vulnerabilização dos direitos fundamentais.

A atuação dos cartórios, embora regulada por normas específicas e sujeita à fiscalização do Poder Judiciário, exige constante aprimoramento de seus protocolos de segurança e de tratamento de dados, especialmente diante de processos que, embora não tratem diretamente de guarda ou alimentos, envolvem filhos menores. A Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça, ao disciplinar a aplicação da Lei nº 11.441/2007, reconhece a importância da fé pública dos atos notariais, mas não afasta a necessidade de observância a princípios constitucionais de proteção da infância e da intimidade (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2007).

Como destaca Patah (2016), mesmo nos casos em que a escritura pública de divórcio não aborde diretamente aspectos relacionados aos filhos, a simples menção à existência de menores pode atrair a incidência de normas de proteção específicas. Isso ocorre porque a estrutura familiar, ao ser formalmente dissolvida, desencadeia repercussões subjetivas que, embora não materializadas em cláusulas contratuais, afetam diretamente o bem-estar dos filhos, exigindo sigilo e prudência na exposição desses dados.

A crescente digitalização dos serviços notariais e o aumento do volume de dados pessoais acessados e compartilhados por essas serventias reforçam ainda mais a necessidade de um arcabouço normativo voltado à proteção da privacidade das famílias. Embora o Brasil já disponha de uma Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), a aplicação de seus preceitos no contexto notarial ainda carece de regulamentação mais específica, o que amplia os riscos de exposição indevida. Nessa perspectiva, a privacidade não pode ser compreendida apenas como um direito individual, mas como um componente essencial da proteção integral da criança e da preservação da dignidade das relações familiares (SADEK, 2014).

2.2 A Desjudicialização do Direito de Família e a Atuação dos Cartórios

A promulgação da Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, representou um marco normativo significativo no processo de desjudicialização do Direito de Família e Sucessões no Brasil. Ao admitir a possibilidade de realização de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais por via extrajudicial, mediante escritura pública lavrada em cartório, a norma buscou conferir maior celeridade e eficiência à prestação jurisdicional, redimensionando o papel do Poder Judiciário e atribuindo aos serviços notariais funções relevantes de formalização de atos jurídicos (BRASIL, 2015).

A inovação introduzida por essa lei encontra respaldo na busca por soluções consensuais e na valorização da autonomia privada, sem que isso implique afastamento dos princípios constitucionais que regem o direito de família. Como observam Caetano e Oliveira (2019), ao facilitar a dissolução consensual do vínculo conjugal sem necessidade de processo judicial, desde que não haja filhos menores ou incapazes e que as partes estejam assistidas por advogado, a legislação proporcionou não apenas desoneração do Judiciário, mas também uma maior efetividade social do acesso ao direito.

O avanço normativo proporcionado pela Lei nº 11.441/2007, no entanto, foi acompanhado por instrumentos de regulamentação e controle que buscaram preservar a segurança jurídica dos atos realizados. A Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, disciplinou a atuação dos serviços notariais e de registro, fixando requisitos procedimentais e reforçando os limites da atuação extrajudicial. Nela, encontra-se expressa a vedação à realização de separações ou divórcios por escritura pública quando houver filhos menores ou incapazes, exigência esta que visa assegurar a atuação do Ministério Público e a proteção de direitos indisponíveis (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2007).

Ademais, Patah (2016) destaca que o novo modelo introduzido pela Lei nº 11.441/2007 representa um importante passo em direção à simplificação dos procedimentos, mas não pode ser interpretado como uma liberação irrestrita do controle estatal. O autor enfatiza que o êxito da via extrajudicial depende da compatibilização entre autonomia das partes e garantia de segurança jurídica, especialmente em matérias sensíveis como o direito de família.

Nesse mesmo sentido, Oliveira (2013) argumenta que a desjudicialização deve ser compreendida como uma estratégia complementar de acesso à justiça, mas que exige mecanismos de regulação e controle capazes de evitar a vulnerabilização de sujeitos em condição de desigualdade, como ocorre frequentemente nas relações familiares. A experiência normativa brasileira, ainda em consolidação, revela que o avanço da via extrajudicial demanda um acompanhamento atento das implicações práticas de sua aplicação, sobretudo quando se trata de preservar direitos fundamentais.

Assim, a Lei nº 11.441/2007 deve ser reconhecida como instrumento relevante de modernização do sistema jurídico, desde que sua aplicação observe os limites impostos pela legislação e pelas garantias constitucionais. A eficiência procedimental não pode se sobrepor à proteção da dignidade das partes, especialmente nos casos em que há, ainda que indiretamente, repercussão sobre interesses de filhos menores.

A atuação dos cartórios no Brasil, notadamente após a promulgação da Lei nº 11.441/2007, foi profundamente ressignificada. Os serviços notariais, antes associados estritamente à formalização documental e autenticação de atos, passaram a ocupar função destacada na conformação de soluções jurídicas extrajudiciais, especialmente no campo do Direito de Família. Tal transformação inseriu o notário em uma posição institucional de alta relevância, exigindo não apenas domínio técnico, mas também sensibilidade ética e jurídica na condução dos atos de sua competência.

Ao se posicionar como agente delegado do Estado, o tabelião assume papel de intermediador institucional da autonomia privada, limitado, contudo, pela necessidade de obediência aos princípios constitucionais da legalidade, publicidade e segurança jurídica. A Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta a aplicação da Lei nº 11.441/2007 pelos serviços notariais e de registro, reforça essa condição de autoridade administrativa qualificada, dotada de fé pública, mas sujeita a uma atuação vinculada aos requisitos legais formais e materiais do ato jurídico (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2007).

Nessa linha, Germano, Nalin e Gonçalves (2021) enfatizam que os notários, ao assumirem o protagonismo na formalização de separações e divórcios consensuais, devem se guiar por uma postura ativa de controle da legalidade e da higidez do ato. Não se trata apenas de transcrever a vontade das partes, mas de assegurar que essa vontade se manifeste nos limites da ordem jurídica, especialmente quando há repercussões indiretas sobre interesses de terceiros, como filhos menores.

É nesse contexto que se destaca a função pública exercida pelos cartórios, cuja missão não se esgota na prestação de um serviço privado, mas alcança a tutela do interesse público. Como afirmam Ghilardi e Oliveira (2020), o tabelião assume posição institucional análoga à de um fiscal do direito, devendo recusar a prática de atos quando identificar vícios formais ou indícios de lesão a direitos indisponíveis. Tal prerrogativa, prevista no artigo 28 da Resolução nº 35/2007, reforça a natureza garantista da atividade extrajudicial.

Ademais, o papel do notário foi ampliado pelo próprio Código de Processo Civil de 2015, que incorporou noções de jurisdição voluntária extrajudicial ao tratar dos procedimentos que independem de litígio. Nesse cenário, o tabelião é chamado a atuar como agente auxiliar da justiça, em cooperação com os advogados e com o Ministério Público, garantindo que os atos realizados em sede extrajudicial observem os princípios do devido processo legal e da proteção aos vulneráveis (BRASIL, 2015).

Portanto, a função notarial deve ser compreendida não apenas sob o prisma da celeridade e desburocratização, mas também como um instrumento de efetividade jurídica. A responsabilização do notário, inclusive disciplinar, por atos indevidamente lavrados, revela a necessidade de um agir prudente, técnico e comprometido com a função pública que lhe é atribuída. Como elucidado por Patah (2016), a atuação notarial eficaz exige equilíbrio entre a autonomia das partes e os limites legais, especialmente em temas de elevada sensibilidade social, como os que envolvem o direito de família.

Nos casos em que a dissolução do vínculo conjugal envolve filhos menores, a legislação brasileira impõe limites à atuação extrajudicial, transferindo obrigatoriamente a competência para o Poder Judiciário, com intervenção necessária do Ministério Público. Tal exigência decorre da natureza indisponível dos direitos da criança e do adolescente e da necessidade de proteção integral prevista no artigo 227 da Constituição Federal e disciplinada de modo sistemático no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).

A Lei nº 11.441/2007, ao viabilizar o divórcio por escritura pública, restringiu sua aplicação aos casos em que não há filhos menores ou incapazes. A Resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça reiterou expressamente essa vedação, determinando que, quando presentes filhos nessa condição, a dissolução do casamento e a definição de aspectos como guarda, alimentos e convivência familiar devem ser submetidas à apreciação judicial, com a necessária manifestação do parquet (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2007).

Conforme Kurtz (2015), a exigência de homologação judicial de acordos que envolvam filhos menores não constitui mera formalidade processual, mas instrumento de proteção de direitos fundamentais. A atuação do Ministério Público nesse cenário objetiva assegurar que os interesses do menor sejam efetivamente resguardados, ainda que os pais estejam em consenso. É uma salvaguarda da ordem jurídica e uma garantia contra acordos que possam resultar de assimetrias emocionais ou econômicas entre os cônjuges.

De acordo com Venosa (2020), ao tratar da matéria, ressalta que a presença do Ministério Público confere segurança jurídica e legitimidade ao processo de dissolução da sociedade conjugal, atuando como fiscal da lei e protetor dos interesses difusos. Ainda que o procedimento seja consensual, a existência de filhos menores exige um controle institucional que transcende a vontade das partes, garantindo que as medidas adotadas estejam em consonância com o princípio do melhor interesse da criança.

Adicionalmente, Oliveira (2013) adverte que qualquer tentativa de fragmentar artificialmente o divórcio, por exemplo, tratando da dissolução no cartório e postergando judicialmente os temas relacionados aos filhos, deve ser vista com cautela. Tal prática compromete a integridade do sistema de proteção da infância e pode enfraquecer o controle jurisdicional sobre direitos que são, por definição, indisponíveis. A coerência do ordenamento jurídico exige que a totalidade das consequências do fim da sociedade conjugal que afetem menores seja examinada sob a supervisão de uma autoridade judicial e do Ministério Público.

Por fim, Frontini (2018) salienta que, embora existam propostas doutrinárias voltadas à ampliação do uso do extrajudicial mesmo em casos com filhos menores, tais hipóteses demandam regulamentação específica e mecanismos reforçados de proteção, como o parecer vinculante do Ministério Público e a supervisão judicial obrigatória. Até que esse modelo se consolide, prevalece a lógica de que a intervenção estatal é indispensável para garantir que a vontade das partes não prejudique o interesse superior da criança.

Assim, com o avanço da desjudicialização das relações familiares, especialmente após a promulgação da Lei nº 11.441/2007, os cartórios de notas passaram a centralizar uma série de atos sensíveis que, anteriormente, eram submetidos ao controle jurisdicional. No entanto, essa ampliação de atribuições não foi acompanhada de forma satisfatória por um marco regulatório específico sobre o tratamento de dados pessoais, o que enseja preocupações legítimas quanto à privacidade das partes envolvidas — especialmente de crianças e adolescentes.

O debate em torno da segurança das informações tratadas nos serviços notariais é intensificado pelo crescimento dos divórcios realizados por escritura pública, que, segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, já representam aproximadamente 20% das dissoluções de casamentos no país (CNB/CF, 2020). Tal estatística revela a relevância prática da temática e evidencia a necessidade de aprimoramento normativo para lidar com o volume crescente de dados pessoais e familiares formalizados fora do ambiente judicial.

Como elucida Sadek (2014), o acesso à justiça não se resume ao ingresso em juízo, mas inclui também a garantia de que os direitos fundamentais das partes sejam protegidos, o que abrange o direito à intimidade e à privacidade. Essa dimensão da proteção jurídica, muitas vezes negligenciada em abordagens meramente procedimentais, exige atenção redobrada quando se trata da formalização de atos com efeitos duradouros e com repercussões sobre sujeitos em situação de vulnerabilidade, como os filhos menores mencionados nas escrituras públicas.

Ainda, a ausência de normatização clara sobre o fluxo de dados nos cartórios — especialmente quanto à guarda, à publicidade e ao compartilhamento de documentos — pode dar margem a acessos indevidos e a exposições desnecessárias de informações sensíveis. Conforme observa Oliveira (2013), embora os serviços notariais estejam submetidos a regime de fiscalização, a regulamentação atualmente vigente é fragmentada e insuficiente para assegurar a proteção plena dos dados pessoais, sobretudo em um contexto de crescente digitalização dos serviços públicos.

A preocupação com a ausência de um arcabouço jurídico específico para a proteção dos dados pessoais nos serviços extrajudiciais ganha ainda mais relevo com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), que estabelece, entre outros princípios, a necessidade, a minimização, a transparência e a finalidade do tratamento de informações pessoais. Contudo, até o momento, não há regulamentação normativa que integre os preceitos da LGPD aos procedimentos formais adotados pelos cartórios — o que evidencia uma lacuna institucional a ser preenchida.

Nesse sentido, Ghilardi e Oliveira (2020) alertam que o uso massivo de escrituras públicas para dissolução de vínculos conjugais, ainda que formalmente legal, pode gerar riscos sistêmicos à proteção de dados se não forem implementados protocolos rígidos de segurança e confidencialidade. A ausência de mecanismos de controle automatizado, de políticas internas claras e de fiscalização efetiva pode comprometer não apenas a privacidade das partes, mas também a credibilidade da via extrajudicial como ferramenta legítima de solução de conflitos familiares.

2.3 A Proteção de Dados Pessoais de Crianças e Adolescentes à Luz da LGPD

A promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018) inaugurou um novo paradigma normativo voltado à tutela da privacidade e ao uso responsável de dados pessoais no Brasil. Em seu artigo 6º, a LGPD estabelece princípios orientadores que devem reger todas as atividades de tratamento de dados, entre os quais se destacam os da finalidade, necessidade, segurança, transparência e não discriminação. Tais princípios impõem limites ao uso das informações pessoais, exigindo que o tratamento tenha propósitos legítimos, seja proporcional à sua necessidade e seja executado com mecanismos de proteção contra acessos indevidos.

No contexto do Direito de Família e, em especial, dos procedimentos realizados nos cartórios de notas, a aplicação desses princípios ganha contornos ainda mais relevantes, considerando a natureza sensível das informações tratadas, como dados sobre filhos menores, guarda, alimentos e convivência familiar. Conforme observa Oliveira (2013), a eficácia de direitos fundamentais em ambientes extrajudiciais demanda o mesmo rigor normativo aplicável às instâncias judiciais, a fim de não transformar a desjudicialização em espaço de precarização de garantias.

Assim, o princípio da não discriminação, previsto expressamente na LGPD, guarda especial pertinência quando se trata de menores de idade, cuja personalidade está em desenvolvimento. Os dados que os envolvem não podem ser utilizados de maneira que lhes causem estigmatização, prejuízos futuros ou exposição indevida. Para tanto, é imprescindível que os tabeliães adotem práticas de compliance compatíveis com a legislação vigente e, como destaca Patah (2016), sejam treinados não apenas na técnica registral, mas também na compreensão das obrigações legais derivadas do tratamento de dados sensíveis.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), em seus artigos 11 a 14, dedica-se a estabelecer um regime jurídico especial para o tratamento de dados considerados sensíveis, bem como para os dados de crianças e adolescentes, reconhecidos como titulares em condição de vulnerabilidade. Tais dispositivos refletem não apenas uma evolução normativa no plano da proteção da intimidade, mas uma resposta concreta ao desafio de garantir o desenvolvimento da personalidade infantojuvenil em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da prioridade absoluta.

Os dados sensíveis, conforme conceituados no artigo 5º, inciso II, da LGPD, englobam informações relativas à saúde, orientação sexual, filiação religiosa, convicções políticas, entre outros, cuja exposição indevida pode acarretar discriminação ou estigmatização. No contexto do Direito de Família, tais dados emergem com frequência em escrituras de divórcio, sobretudo quando envolvem a guarda dos filhos, questões de saúde mental ou física, e decisões que afetam diretamente o cotidiano das crianças. Como destaca Ghilardi e Oliveira (2020), a atuação do notariado, ao manusear essas informações, deve ser orientada por protocolos rigorosos de segurança, sob pena de violação direta a direitos fundamentais.

O artigo 14 da LGPD especifica que o tratamento de dados de crianças requer consentimento específico de pelo menos um dos responsáveis legais, além de ser balizado pelo critério do melhor interesse do menor. Esse preceito ecoa o princípio constitucional inscrito no artigo 227 da Constituição Federal, bem como o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), reafirmando a centralidade da proteção integral da infância como valor jurídico inegociável. A atuação dos serviços notariais, nesse contexto, não pode se pautar unicamente pela autonomia dos pais, mas deve ser acompanhada da cautela exigida por sua função pública (Frontini , 2018).

A ausência de regulamentação específica que compatibilize as exigências da LGPD com os procedimentos notariais cria um vácuo normativo preocupante, especialmente diante do crescimento das escrituras públicas como forma de dissolução conjugal. Nesse sentido, Germano, Nalin e Gonçalves (2021) defendem a necessidade de construção de diretrizes que assegurem o cumprimento dos deveres legais por parte dos cartórios, inclusive quanto à guarda e sigilo dos documentos lavrados, que muitas vezes contêm dados sensíveis de crianças, ainda que indiretamente.

Por conseguinte, a interpretação sistemática dos artigos 11 a 14 da LGPD demanda que se reconheça a especial proteção dos dados de menores como cláusula de ordem pública. O tratamento dessas informações deve ser pautado por critérios técnicos e jurídicos rigorosos, que garantam a não exposição dos titulares, bem como a sua utilização exclusivamente para as finalidades autorizadas pela norma. Em sintonia com Venosa (2020), qualquer flexibilização desse regime, ainda que sob a justificativa da celeridade processual, comprometeria não apenas a legalidade dos atos praticados, mas também o fundamento ético do sistema de proteção da infância e juventude.

A proteção dos dados pessoais de crianças e adolescentes, no contexto da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), está ancorada na exigência de consentimento específico e destacado de pelo menos um dos pais ou responsável legal para qualquer forma de tratamento dessas informações. O artigo 14 da LGPD, ao regulamentar o tratamento de dados de menores, estabelece que esse consentimento não se limita a uma autorização formal, mas deve estar vinculado à finalidade legítima, clara e compatível com o desenvolvimento físico, emocional e psicológico do titular da informação.

Essa exigência está em perfeita consonância com os princípios constitucionais da proteção integral e da prioridade absoluta da criança e do adolescente, previstos no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Como bem aponta Venosa (2020), a proteção jurídica conferida ao menor não é meramente declaratória, mas traduz-se em deveres jurídicos concretos, que se impõem à família, à sociedade e ao Estado. No caso dos cartórios, tais deveres devem ser lidos como exigência de conformidade ao regime da LGPD, mesmo na ausência de normatização específica no âmbito notarial.

É importante destacar que o consentimento parental, embora necessário, não pode ser interpretado como autorização irrestrita. Como observa Oliveira (2013), o consentimento deve ser informado, específico e limitado à finalidade para a qual os dados estão sendo coletados e tratados. No âmbito dos serviços notariais, isso significa que os pais ou responsáveis devem ser esclarecidos sobre quais dados dos filhos estão sendo inseridos nos atos cartorários, com que finalidade, e qual será o seu destino — incluindo acesso, guarda e eventual compartilhamento com outros órgãos ou instituições.

Como ressaltado por, Ghilardi e Oliveira (2020), a responsabilidade pelo tratamento inadequado de dados não recai apenas sobre os pais que prestam o consentimento, mas também sobre o controlador e o operador desses dados. No caso dos cartórios, isso implica o dever de adotar políticas internas de proteção, com mecanismos que impeçam o acesso indevido a informações sensíveis, sobretudo quando a escritura de divórcio trata de questões relacionadas à guarda, alimentos ou regime de convivência.

Dessa forma, o consentimento parental, na LGPD, deve ser compreendido não como um ato isolado, mas como parte de uma estrutura jurídica de responsabilidade compartilhada. É dever dos serviços notariais, enquanto instâncias públicas de registro, zelar para que o tratamento de dados de menores ocorra de modo ético, legal e proporcional, alinhado ao melhor interesse da criança e às garantias fundamentais estabelecidas pela legislação nacional. Como bem adverte Sadek (2014), o acesso à justiça contemporâneo pressupõe, também, o acesso à proteção informacional adequada.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece, nos artigos 37 a 42, um conjunto de deveres vinculados à figura do controlador e do operador de dados, que se aplicam a todas as entidades públicas e privadas responsáveis pelo tratamento de informações pessoais. No âmbito dos cartórios, a atuação do tabelião deve ser compreendida sob a ótica de um agente público delegado, o que implica sujeição direta a tais dispositivos legais. Ainda que atuem como pessoas físicas investidas em delegação estatal, os notários exercem função pública de registro e são, portanto, alcançados pelo regime jurídico de responsabilidade objetiva previsto na LGPD.

A atividade notarial, ao formalizar escrituras públicas de divórcio, frequentemente manuseia dados sensíveis, como informações sobre saúde, filiação, regime de guarda, e até mesmo aspectos de ordem psicológica dos filhos menores. Como destaca Oliveira (2013), tais informações não podem ser tratadas de forma padronizada ou meramente administrativa. Exigem cuidados específicos com sua finalidade, acesso e guarda, sob pena de exposição indevida e responsabilização civil, administrativa e até penal do responsável pelo tratamento.

Os princípios da segurança e da prevenção, dispostos no artigo 6º da LGPD, impõem aos cartórios a adoção de medidas técnicas e organizacionais aptas a proteger os dados pessoais contra acessos não autorizados, vazamentos e outras formas de uso indevido. Isso inclui o controle de acesso interno, a capacitação de seus servidores e a implementação de rotinas de avaliação do ciclo de vida dos dados — desde sua coleta até o eventual descarte. Germano, Nalin e Gonçalves (2021) alertam que, no contexto de crescente digitalização dos atos cartorários, a ausência de protocolos mínimos de segurança representa um risco sistêmico à integridade da função pública notarial.

Outro dever fundamental é o da transparência, que exige não apenas clareza na coleta dos dados, mas também a prestação de contas aos titulares ou seus representantes legais sobre o destino e a finalidade do tratamento. Tal obrigação é especialmente relevante em procedimentos que envolvem filhos menores, cujos representantes legais, via de regra os próprios genitores, precisam ser plenamente informados sobre quais dados estão sendo tratados e para quais finalidades (Patah, 2016).

Ademais, a responsabilidade dos cartórios enquanto operadores de dados não é mitigada pelo caráter consensual dos atos praticados. Mesmo havendo concordância entre as partes, o dever de observar as disposições da LGPD permanece íntegro, e sua violação pode ensejar responsabilização solidária, conforme o artigo 42 da referida norma. Ghilardi e Oliveira (2020) ressaltam que a responsabilidade extrajudicial na seara da proteção de dados deve ser tratada com o mesmo grau de rigor técnico e jurídico que se aplica aos entes estatais, pois decorre do exercício de uma função pública com impacto direto sobre direitos fundamentais.

Portanto, os cartórios de notas, ao lidarem com dados sensíveis e informações de menores, devem adotar práticas efetivas de governança de dados, alinhadas à LGPD e aos princípios constitucionais que regem a proteção da infância. O não cumprimento desses deveres compromete não apenas a legalidade do ato notarial, mas a credibilidade do modelo de desjudicialização e sua compatibilidade com a tutela dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.

A tensão entre o princípio da publicidade dos atos notariais e a proteção da personalidade da criança e do adolescente desafia o sistema jurídico a encontrar soluções que não sacrifiquem direitos fundamentais em nome da transparência institucional. Nos termos da Constituição Federal, especialmente em seu artigo 227, a proteção integral da infância impõe-se como cláusula pétrea da atuação estatal e social, o que exige que todos os procedimentos que envolvam menores sejam revestidos de especial cuidado — inclusive quanto à manipulação e circulação de seus dados pessoais.

Nos serviços notariais, cuja função pública exige a manutenção de registros acessíveis e confiáveis, é necessário ponderar, caso a caso, o alcance da publicidade, principalmente diante de documentos que contenham informações sensíveis sobre menores. Como bem destaca Ghilardi e Oliveira (2020), a ausência de limites normativos claros na interface entre a LGPD e os cartórios torna premente a adoção de condutas preventivas, sob pena de violação ao direito à intimidade e à dignidade das crianças envolvidas.

A exposição excessiva de dados que revelem a dinâmica familiar, guarda, convivência, questões alimentares ou até histórico de conflitos parentais, pode produzir efeitos danosos à formação psicológica e social do menor. Nesse sentido, a doutrina tem enfatizado a necessidade de protocolos internos que assegurem a finalidade específica e proporcional do tratamento dessas informações. Conforme orienta a Resolução nº 35 do CNJ, mesmo nos atos consensuais, quando envolverem filhos menores, é exigível que os dados sejam tratados com sigilo reforçado e supervisão do Ministério Público 6163-18576-1-PB.

Ainda, o Colégio Notarial do Brasil alerta para o aumento significativo de divórcios lavrados em cartórios após a promulgação da Lei nº 11.441/2007, dos quais uma parcela ainda envolve questões que demandam prudência quanto à divulgação pública 6163-185761-PB. Com base em dados divulgados, cerca de 20% dos divórcios no país ocorrem por via extrajudicial, o que torna ainda mais relevante o debate sobre os limites da publicidade e o dever de proteção dos dados de menores em tais procedimentos.

No plano doutrinário, Gonçalves (2022) reforça que os direitos da personalidade, inclusive o direito à imagem e à intimidade, gozam de tutela reforçada quando associados a pessoas em desenvolvimento. Por isso, o acesso a dados cartorários que envolvam menores deve ser condicionado não apenas à autorização dos responsáveis, mas também à avaliação da necessidade jurídica do acesso — evitando-se, com isso, a instrumentalização de registros públicos para finalidades incompatíveis com o interesse superior da criança.

Portanto, é imprescindível que a prática notarial se reestruture para assegurar a compatibilização entre o direito de acesso à informação e a proteção da personalidade em formação, sob pena de legitimar práticas que colidam com os fundamentos do Estado Democrático de Direito. Como salienta Sadek (2014), a efetivação do acesso à justiça não se limita ao ingresso em juízo, mas inclui a salvaguarda integral de direitos fundamentais em todos os espaços institucionais, inclusive os extrajudiciais.

3. Conclusão

A expansão dos instrumentos extrajudiciais no Direito de Família, especialmente após a edição da Lei nº 11.441/2007, transformou o papel dos cartórios de notas em instâncias relevantes de formalização da autonomia privada, deslocando parte considerável da solução de conflitos familiares para o âmbito administrativo. No entanto, essa transformação, embora positiva sob a perspectiva da celeridade e da desburocratização, revelou importantes fragilidades no que diz respeito à proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes nos processos de divórcio extrajudicial.

Ao analisar o tratamento conferido aos dados de menores de idade à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), constatou-se que a atuação das serventias extrajudiciais ainda carece de regulamentação específica que permita compatibilizar o princípio da publicidade dos atos notariais com os direitos à privacidade, à intimidade e ao desenvolvimento da personalidade da criança. A ausência de protocolos claros quanto ao consentimento parental, ao uso de dados sensíveis e à limitação do acesso público a informações protegidas fragiliza o sistema de garantias voltado à infância, contrariando os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança, ambos de estatura constitucional.

Ainda, verificou-se que os notários, na condição de agentes públicos delegados, assumem responsabilidades diretas na qualidade de controladores e operadores de dados, conforme prevê a LGPD. O cumprimento desse dever, entretanto, esbarra em lacunas normativas e na falta de padronização nacional sobre como tratar, armazenar e restringir o acesso a informações familiares sensíveis lavradas em documentos públicos. Essa situação demanda resposta regulatória urgente por parte do Conselho Nacional de Justiça e da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a fim de consolidar um modelo de governança de dados compatível com os direitos fundamentais da infância.

Diante disso, conclui-se que a desjudicialização do Direito de Família, embora bem sucedida em seus propósitos de eficiência e acesso, não pode avançar sem que sejam estabelecidos limites normativos firmes para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. A consolidação desse modelo passa, necessariamente, pela revisão das práticas cartorárias, pela adoção de protocolos de sigilo e segurança da informação e, sobretudo, pela reafirmação da centralidade do princípio da proteção integral como baliza intransponível para qualquer forma de modernização institucional.

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