REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10198587
Adeniuda Alencar Silva1
Daniel dos Santos Silva2
Eliosmar Ferreira Uchôa Neto3
Kaline Sousa Carvalho4
Larissa Stanford Baldoino Banks5
Letícia Nunes da Silva Pinheiro6
Maria Eduarda Feitosa Cortez Silva7
Sílvia Helena da Silva Sousa8
Thiago Ronney Muniz Araújo9
RESUMO
A liberdade é um direito fundamental explícito no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, e é uma necessidade humana latente. Durante muito tempo acreditou-se que Liberdade estava relacionado a possibilidade de locomoção do indivíduo, entretanto, hoje percebe-se que as dimensões de liberdade são diversificadas e tendem a ser modificadas ao longo do tempo. Por conta das mais variadas concepções de liberdade que o presente estudo se objetiva a descrevê-las ao mesmo tempo em que busca demonstrar de que maneira o princípio da liberdade vem sendo entendido ou respeitado pela sociedade atual a partir da perspectiva de doutrinadores e aspectos referentes à jurisprudência vigente atualmente. Neste diapasão entende-se que a liberdade deve ser entendida como um direito fundamental individual, uma vez que é reflexo de uma idealização única de cada ser humano, entretanto deve estar inserida em uma sociedade, e por conta disso deve ser encarada tanto no aspecto individual quanto no coletivo. Associado a isto descreve-se que a liberdade pode ser apresentada pela possibilidade de expressão de pensamentos, escolha religiosa, decisão sexual e de ações profissionais. Contudo, com a realização do presente trabalho é perceptível que no Brasil este conceito encontra-se bem delineado nas leis, mas na sociedade esta história não se repete. Cabendo à sociedade estar atenta quando seus direitos a liberdade estão sendo subtraídos, e ser capaz de cobrar dos legisladores e juristas, afinal conforme é descrito pela bandeira de Minas Gerais, a liberdade é um ideal humano, e é bem recebida, ainda que tardia!
Palavras-Chave: Direitos Fundamentais. Limites. Constituição Federal. Direito Constitucional.
INTRODUÇÃO
O Brasil iniciou seu processo de colonização baseado em uma relação de indivíduos intitulada escravidão. Durante séculos pessoas viviam privadas de direitos básicos pela sua origem, cor, classe social ou atividade exercida. A escravidão no país é o maior exemplo da privação de liberdade, tanto pela quantidade de pessoas alcançadas, como pela forma de tratamento que estas eram submetidas.
Com o desenvolvimento dos ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade na França do século XIX, o mundo começou a encarar as relações humanas sob uma nova perspectiva e estas ideias foram absorvidas por diversos países, nas mais variadas circunstâncias. No Brasil, por exemplo, o movimento francês só passou a ser incorporado de fato com o advento da Constituição Cidadã, em 1988 (NOVELINO, 2016).
O artigo 5º da Constituição Federal Brasileira afirma:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…) (BRASIL, 1988).
Este artigo demonstra que os direitos fundamentais básicos são os constituintes do alicerce de todos os demais direitos consagrados pela Constituição, sejam eles expressos ou não. Pois estes direitos fundamentais são reflexo de um desenvolvimento histórico resultante da relação entre o homem e o Estado decorrente em um lento processo marcado por conquistas e retrocessos resultantes da aparição do Estado Liberal, ainda no século XIX.
O posicionamento doutrinário mais aceito atualmente, entende que os direitos fundamentais são alocados em gerações, em que cada uma delas engloba sentidos próprios capazes de tornar os direitos fundamentais independentes, mas complementares entre si, garantindo sempre que o direito de um indivíduo não acarrete prejuízos para outros (TAVARES, 2018).
Os direitos de primeira geração foram a primeira representação de um Estado Liberal, baseado no desenvolvimento do indivíduo, uma que este torna-se o titular e detentor de uma gama de direitos, tais como: tutela da vida, liberdade, igualdade, propriedade, segurança, associação, entre outros.
Por outro lado, os direitos de segunda geração buscam garantir aspectos relacionados a coletividade como um todo, baseando-se na necessidade de atender as demandas econômicas e sociais de um grupo.
Ao falar-se de direitos fundamentais é essencial entender algumas características inerentes ao seu surgimento. Primeiro, os direitos fundamentais surgem como forma de balizar a intervenção estatal na vida do cidadão, afinal o Estado deve ser encarado como uma extensão da vontade de seu povo, e por conta disso não deve ser impedido de realizar suas atividades pela simples necessidade de intervenção estatal no dia a dia em sociedade. Segundo, é dever do Estado oferecer subsídios para o direito a uma vida digna e saudável a partir do desenvolvimento de ações sociais e prestação de serviços que garantam saúde, educação e segurança aos cidadãos (SILVA, 2015). Em terceiro lugar, os direitos fundamentais primam pela garantia de proteção dos indivíduos perante a terceiros por meio da garantia de isonomia entre os indivíduos (NOVELINO, 2016).
Durante o século XVIII a liberdade se tornou uma bandeira universal do cidadão individual pertencente a um grupo coletivo, e a partir desta concepção de pôde-se constatar na época que o cenário existente elevava a liberdade individual de tal modo como valor absoluto que negava aos trabalhadores a possibilidade de se unir para proteger seus interesses seja, finalmente, na sua sublimação filosófica com Kant e Fichte, os quais elevaram o eu como referência última do mundo possível de ser conhecido, e defenderam sua absoluta autonomia como valor absoluto da esfera moral (CARVALHO, 2016).
Dentre os direitos fundamentais descritos no artigo 5º temos o direito à liberdade, que por ser considerada um direito de primeira geração garante que é um direito inerente ao homem, e que mesmo antes de ser positivada pela CF de 1988, já existia essencialmente no Direito e em diversos âmbitos da sociedade. Mas a partir da positivação destes na Carta Magna entende-se que é um direito que assiste a todos os indivíduos. A liberdade é imanente à natureza humana, e nesta nova concepção, o Estado a reconhece, a regula e restringe seu uso pelo homem, para garantir igualdade entre os cidadãos.
Mas quando se fala em liberdade como um princípio fundamental imagina-se algo referente ao limitante sentido de liberdade de locomoção, do chamado “ir e vir” (SILVA, 2015). Contudo o princípio da liberdade engloba diversos sentidos, partido desde o conhecido direito de ir e vir, perpassando pelo direito à liberdade de pensamento, credo, ação profissional ou sexualidade, balizado pela ideia de que as liberdades do próximo também devem ser consideradas (HONNETH, 2017).
Justamente por conta das mais variadas concepções de liberdade que o presente estudo se objetiva a descrevê-las ao mesmo tempo em que busca demonstrar de que maneira o princípio da liberdade vem sendo entendido ou respeitado pela sociedade atual a partir da perspectiva de doutrinadores e aspectos referentes à jurisprudência vigente atualmente.
1. LIBERDADE E LIBERDADES
Quando se vive em um mundo globalizado e tecnológico espera-se que as demandas sejam entendidas e sanadas de maneira rápida e eficiente. A concepção de liberdade é traçada positivamente desse o século XVIII, e até os dias atuais carece de significância, explicação e aplicabilidade.
Vive-se em uma sociedade arrojada, mas ao mesmo tempo percebe-se que os direitos fundamentais ainda não alcançam todos os cidadãos, afinal as demandas sociais são altamente mutáveis e por conta disso não conseguem atender a todas as classes sociais, gerando o que é visto como exclusão social (SILVA, 2015).
A exclusão social faz parte da realidade brasileira desde sua colonização, mas ao mesmo tempo foi a partir das diferenças de tratamento estre os indivíduos que revoltas foram geradas e passos foram dados em prol da igualdade de direitos (HONNETH, 2017). Pois ainda a pouco mais de um século grande parte dos brasileiros eram escravos, e por conta disso enxergavam a ideia de liberdade como utopia, contudo existe uma parte da sociedade atual que de certo modo compartilha deste mesmo pensamento.
Desta forma para se falar sobre as liberdades no Brasil, é necessário, entretanto, entender os caminhos da escravidão.
Para Turci (2010), escravizar é o ato de privação de liberdade em que o sujeito é submetido à vontade absoluta de um senhor que o toma por objeto e por consequência disto não pode ser considerado como um ser humano. Para Aquino (2013), a origem da escravidão estava relacionada ao resultado de guerras, em que o ganhador se sentia superior, e por conta disso tomava o perdedor como propriedade, o descaracterizado como ser humano até o fim de sua vida.
Na Roma antiga, o poder econômico baseava-se na aquisição de terras e conquistas de escravos de guerra fundamentais para gerar um lucro significativo (SOUZA, 2016). No próprio texto da Bíblia Sagrada em seu Antigo Testamento há descrições da possibilidade de escravizar o prisioneiro de guerra, ainda que todos os seres humanos fossem iguais (AQUINO, 2013).
A escravidão no Brasil se deu por motivos diferentes, e apesar de iniciada no século XVI, ainda interfere em nossa cultura e na forma de tratamento de muitos indivíduos. Em nosso país a escravidão estava marcada na pele, pois os negros foram escravizados, viviam em situações sub-humanas e ainda precisam carregar sequelas nascidas em 1500 até os dias atuais (SOUZA, 2016).
O Brasil se tornou um país independente, mas a maior parte de sua população ainda era escrava, somente em 1850 foi promulgada uma lei que proibia o tráfico de escravos no país, e em 1888 a Lei Áurea foi utilizada como instrumento positivo para a abolição da escravidão no país. Mas socialmente falando, o processo de abolição ainda ocorre nos dias atuais. Segundo dados do Índice de Escravidão Global, cerca de 200 mil trabalhadores ainda vivem sob o regime escravo (PENA, 2016).
Em 1988, a Nova Constituição, também conhecida por ser a Constituição Cidadã, passou a prever a necessidade de adotar os princípios da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Para tanto estes princípios forma incorporados na Carta Magna na forma de Princípios Fundamentais, visando proteger a sociedade de um poder exagerado do Estado, ao mesmo tempo em que garantia que este interviesse na garantia de alguns serviços básicos voltados à coletividade.
A liberdade como princípio constitucional é capaz de abarcar uma gama de possibilidades, pois na CFB/88 são apresentados artigos que expressam esta possiblidade. No que se refere a liberdade de expressão ou pensamento por exemplo, o artigo Nº 206, II, dispõe sobre a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, no nas diretrizes do ensino (SILVA, 2015). Enquanto descreve-se no artigo Nº 220, que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Contudo estes exemplos relacionados à liberdade de expressão não são capazes de pôr si só de esgotarem o elenco de disposições constitucionais relacionadas com a liberdade de expressão, mas devem, sem dúvida, serem objeto de referência e algum desenvolvimento no momento oportuno, quando for o caso.
Ainda relacionado à liberdade, não cabe ao Estado, à Comunidade ou à Constituição estabelecer quais os critérios de crença que o indivíduo deve seguir para orientar a sua vida (o Estado é descrito na CFB/88 com Laico). Este pensamento está baseado na ideia de associação entre o Humanismo e o Direito Moderno, pois neste ideal o homem é totalmente capaz de determinar os rumos da sua existência, desde que dentro dos parâmetros da ordem jurídica.
As liberdades englobadas no arcabouço constitucional dividem-se em individuais e coletivas, além disso existem aspectos relacionados à capacidade de liberdade de pensamento (expressão), de ação profissional, de crença e de sexualidade. Cada uma destas vertentes será apresentada com mais profundidade nas seções seguintes.
1.1. Liberdade da Pessoa Física
A liberdade é uma característica inerente ao ser humano, pois apesar de sua necessidade de viver em sociedade, existem alguns aspectos característicos e individuais inerentes a um dado indivíduo (HONNETH, 2017). É possível perceber que na sociedade atual, os cidadãos costumam ter o direito de escolha e a partir disso entender que a liberdade está atrelada a possibilidade de fazer escolhas.
Apesar de no mundo costumeiramente existir um padrão de pensamento sobre as formas adequadas de agir, existem pessoas que possuem concepções e pensamentos distintos. É justamente neste aspecto que entra a liberdade individual de cada um. E essa liberdade deve ser respeitada. Principalmente quando a questão é de comportamento pessoal às ideias sobre o que é certo e o que é errado diferem muito (SCARLET, 2015). Na sociedade atual, existem sim padrões de comportamento pré-estabelecidos. Entretanto nem todos seguem estes padrões, mas o ato de julgar tais pessoas que pensam e agem de forma diferente da tradicional como “anormais” ou até “insanas” também é injusto e deve-se ter muita cautela ao tomar uma posição dessas (SILVA, 2015).
Para muitos, a ideia de liberdade pode ser vista como o livre-arbítrio, ou seja, é a autonomia de escolha do indivíduo. Nesta concepção, ser livre é poder agir conforme a própria natureza. Mas a temática da liberdade está intimamente ligada à responsabilidade, afinal apesar de haver o ideal de liberdade individual do cidadão, suas escolhas repercutem em resultados que devem ser previstos e dependendo da situação, penalizados. Ainda existem casos em que a liberdade é frustrada por aspectos biológicos, como doenças, que impedem, por vezes que o indivíduo consiga viver sua vida em plenitude (SCHELLING, 2018).
Com exceção da detenção, da prisão ou da doença, que são formas de oposição à liberdade da pessoa física, a garantia de liberdade é a principal maneira de as pessoas serem senhoras de sua própria vontade e serem capazes de exercer o tão conhecido “direito de ir e vir”.
De modo geral, a liberdade da pessoa física está justamente atrelada ao direito de locomoção dentro do território nacional. O artigo 5º, XV (BRASIL, 1988), declara que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
Baseado no artigo supracitado, percebe-se que não é um direito vinculado a uma dada condição, é um direito de todos, desde que não esteja impossibilitado pelas exceções anteriormente descritas. Neste diapasão, entende-se que o direito à liberdade é um poder que todos têm de coordenar e dirigir suas atividades e de dispor de seu tempo como bem lhes parecer.
Entretanto é primordial entender que as liberdades não são absolutas em suas essências, pois existem mecanismos na Legislação que limitam os seus exercícios. Exemplificado por exemplo nos aspectos de que a liberdade de um indivíduo não permite que este atente à liberdade de outro. Em casos de lide baseada nos direitos fundamentais deve-se analisar cada ação judicial individualmente, pois a ponderação e a proporcionalidade das situações devem fornecer as melhores soluções possíveis, sem causar danos a nenhuma das partes, mas trabalhar de forma a garantir a todos os cidadãos igualdade e plenitude de direitos (SCHELLING, 2018).
1.2. Liberdade de Pensamento
A ideia de liberdade de expressão já era contemplada desde as três primeiras Constituições, mas neste período não eram todos os indivíduos que eram considerados cidadãos perante o Estado. Com a Constituição de 1937, outorgada durante a censura da Era Vargas, este princípio ficou de lado até mesmo na Carta Magna (RAMALHO, 2016).
Na Constituição de 1946 esta modalidade de liberdade voltou a ser valorizada e positivada, entretanto, em 1967 a democracia começa a cair por terra em um Estado ditatorial e por conta disso a liberdade de pensamento foi colocada de lado mais uma vez. Somente com a promulgação da Constituição de 1988 o direito à liberdade de expressão foi reintegrado e positivado a partir da ideia expressa no parágrafo segundo do artigo 220 da CFB/88, ao afirmar que: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (BRASIL, 1988).
A Constituição Federal de 1988 não adotou o termo liberdade de expressão como um único gênero, capaz de abarcar manifestações específicas, como a livre manifestação do pensamento, ou a liberdade de consciência e de crença, ou ainda a livre expressão artística, intelectual e científica. Mas é possível entender que o termo é capaz de englobar todas estas possibilidades, visto que a manifestação do pensamento é passível de ocorrer na esfera da comunicação social, artística, ou mesmo em ações religiosas.
Em nossa sociedade diversas formas de manifestação da liberdade de expressão podem ser percebidas, mas a expressão da liberdade de impressa pode ser utilizada como melhor estratégia de descrever os limites entre as garantias coletivas, e de que maneiras elas podem atingir um indivíduo em prol do benefício de muitos. Baseada nesta concepção, a liberdade de expressão diz respeito, a todos os indivíduos da sociedade, enquanto a liberdade de imprensa destina-se especificamente ao trabalho dos jornalistas e dos meios de comunicação (RAMALHO, 2016).
Mas será que de fato este direito é garantia suficiente para a execução do trabalho jornalístico no país?
Estudos revelam que todos os anos, jornalistas são mortos em diferentes regiões do mundo, justamente por conta do exercício de suas funções. Uma pesquisa lançada pela organização não-governamental Artigo 19 (2018), expõe que em 2017, foram registradas 31 violações graves contra comunicadores no país. Dentre as 31 violações, 22 referiam-se a ameaças graves, 5 foram classificadas em tentativa de assassinato, e 4 de fato culminaram em assassinatos.
O que mais chama atenção nesta pesquisa é, que diferentemente do que se imagina, os comunicadores vítimas de violência não trabalham na TV ou rádio, pelo contrário, 52% destes estão vinculados a meios alternativos de comunicação como blogs ou jornais impressos de baixa circulação. Outros tipos de violência praticados contra os comunicadores, como a censura judicial e perseguição política, também foram identificados, mas em cerca de 39% dos casos graves de violações contra estes profissionais, não houve a abertura de investigação policial (ARTIGO 19, 2018).
O que chama atenção é que durante muito tempo imaginava-se que a internet seria o ambiente perfeito para viabilizar a democratização da informação, pois os mais variados tipos de usuários teriam acesso a suas tendências de pensamento. Mas essas projeções demonstram-se equivocadas para a realidade da rede mundial de computadores, que apesar de ser uma difusora de uma variada pluralidade de ideias, vem sendo aprisionada pelos monopólios informacionais que surgem na rede.
Na prática, a liberdade de expressão vem sendo atacada nos sites e aplicativos pela adoção de decisões judiciais de primeira instância, como ocorreu com o WhatsApp, que foi bloqueado primeira vez em 2015 por um juiz do Piauí e em 2016 por um juiz do Rio de Janeiro. Nestas situações foi possível notar um desequilíbrio entre os direitos da maioria dos usuários e as necessidades pontuais das investigações. Além disso acredita-se que o direito de comunicação social foi bastante ferido com o bloqueio deste aplicativo tão comum no dia a dia dos usuários (SILVA, 2018).
Outro exemplo que fere a liberdade é a ocorrência de “quebra” da neutralidade de rede, neste caso, as empresas querem discriminar o conteúdo que a sociedade usa. E por conta disso gera uma discriminação no acesso, pois de acordo com essa ideia, quem paga menos, tem menos acesso aos conteúdos, fazendo com que a rede limite ainda mais a liberdade de expressão daqueles que têm menos condições.
Outro assunto que chama muita atenção dentro da liberdade de pensamentoé liberdade religiosa no Brasil, pois a maior parte da população nacional tem algum credo ou fé definidos, enquanto o Estado é laico. E por conta disso é bem comum confundir a liberdade religiosa com a ideia de liberdade de consciência ou liberdade de expressão (FERNANDES; OLIVEIRA, 2017). Apesar de aparentemente serem sinônimas elas são na verdade autônomas e de certo modo complementares, pois a liberdade de consciência é mais ampla e envolve aspectos relacionados com diversas temáticas, dentre elas religiosas.
Assim como a liberdade de consciência, a liberdade religiosa é considerada individual, pois é resultante de uma gama de processos inerentes ao indivíduo, e é um tipo de liberdade que não é direcionada apenas aos cidadãos nativos, os estrangeiros gozam dos mesmos direitos no que tange à liberdade religiosa.
É possível afirmar ainda que a liberdade de crença e de confissão religiosa e ideológica é uma forma de manifestação particular do direito fundamental mais geral da liberdade de consciência, e abarca a liberdade de “atuação” da consciência, protegendo de tal sorte para efeitos externos a decisão fundada na consciência, inclusive quando não motivada religiosa ou ideologicamente.
A liberdade religiosa é entendida como um direito fundamental em sentido amplo, que quando entendida como um direito subjetivo opera tanto para direito de defesa quanto como direito a prestações. Ou seja, ao mesmo tempo que protege a liberdade de crê de um indivíduo, garante que essa liberdade não influencie negativamente na vida de outros.
A liberdade de associação e de organização religiosa também é reconhecida como uma forma de preservação da liberdade religiosa, visto que é vedado ao Estado, de modo geral, interferir na esfera interna das associações religiosas (FERNANDES; OLIVEIRA, 2017). Mas não apenas isso, obriga o Estado a preservar características que garantam que os cidadãos sejam capazes de respeitar as escolhas alheias e exercerem os direitos de livre expressão, desde que respeitadas as liberdades individuais de cada um.
Apesar de esta liberdade vir expressa na Constituição Federal, a realidade no Brasil é a de que em 2018 a cada 15 horas, o disque 100 recebia uma denúncia de atos que violavam o direito à liberdade de crença e religião. O Brasil, apesar de ter um povo religioso, independentemente da origem desta religião também é considerado intolerante.
Contudo, está intolerância religiosa tem raiz no racismo, visto que a maior parte dos casos de intolerância e violência religiosa ocorrem contra adeptos de religiões de origem africana. É comumente citado que a maior causa deste tipo de violência não está relacionado a crença por si só, mas esconde-se no fato de que esta prática busca anular a crença associada aos povos originários da África.
De acordo com dados sobre intolerância religiosa no Brasil, 25% dos agressores são identificados como brancos e a maior parte das vítimas de intolerância é composta por adeptos de religiões de matriz africana. 64,4% dos brasileiros se declaram católicos, destes cerca de 1,8% declararam sofrer algum tipo de intolerância. Enquanto os protestantes, que correspondem a 22,2% da população são responsáveis pelo registro de 3,8% das denúncias. Ao mesmo tempo em que os adeptos de religiões de matriz africana (candomblé, umbanda e outras denominações), que representam apenas 1,6% da população brasileira, são responsáveis por 25% das denunciantes de crimes de ódio e intolerância religiosa (FERNANDES; OLIVEIRA, 2017).
É possível perceber neste ponto que as liberdades estão fortemente interligadas, pois os atentados às liberdades tem muito a ver com os aspectos culturais arreigados na população brasileira, que apesar de ter libertado os escravos a pouco mais de um século, ainda os enxergam como periferia da sociedade e por conta disso buscam apagar qualquer tipo de ligação destes indivíduos com sua cultura ancestral, seja por aspectos relacionados a cor, roupa, pensamento, cultura ou religião (SCHELLING, 2018).
1.3. Liberdade de Ações Profissionais
A Constituição garante que no país é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que sejam preenchidos os requisitos de qualificações profissionais. E é justamente a partir dos requisitos de qualificações que as restrições são descritas. Com efeito, direito fundamental de liberdade de profissão está previsto no art. 5º, XIII da Constituição Federal:
“Art. 5º
(…)
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”
Nesta concepção, baseado na premissa necessária de qualificações que devem ser atendidas entende-se que o legislador deixou este aspecto da norma jurídica como de eficácia contida, pois de fato é livre o exercício de qualquer trabalho ou profissão, mas existem casos que alguns critérios devem ser obedecidos, como é o caso dos advogados que devem portar a OAB, ou engenheiros que devem ser credenciados ao CREA e ainda contadores que devem ter o CRC. Outras profissões, entretanto, não estão restritas a estas normas, mas seguem alguns padrões especificados pelo conselho profissional.
Esta ideia de restrições foi desenvolvida tanto para proteger o profissional que atua com dignidade quanto os clientes que necessitam usufruir dos serviços e produtos oferecidos, afinal a liberdade profissional não pode ferir segurança para a coletividade. Contudo alguns limites devem ser criados, pois a grande quantidade de legislações relacionadas as atribuições profissionais, direitos e deveres muitas vezes acaba por podar a liberdade de atuação do profissional.
1.4. Liberdades Coletivas
Dentre as dimensões de liberdade englobam diversas temáticas e dimensões, inclusive liberdade pode englobar dimensões relacionadas a significados políticas, econômicas e legislativas. Justamente por isso que quando usamos a palavra “liberdade” não temos a certeza de que seremos perfeitamente compreendidos sem antes fazer nossa própria definição, já que a liberdade não tem uma definição geral para todas as situações (GRESTA; SANTOS, 2016).
Como dito anteriormente, o conceito de liberdade no cunho individual é de difícil distinção, pois a natureza por si só apresenta distinção entre as condições dos indivíduos, mas o Direito busca garantir que a liberdade seja alcançada em todos os indivíduos e seja capaz de atender as demandas forjadas em cada sociedade.
E para viver em sociedade é preciso entender que a liberdade absoluta ou individual não traz segurança, e por isso é trocada por uma liberdade condicionada e coletiva, que de certo modo traz consigo mais segurança, pois entende que o indivíduo faz parte do arranjo social, e que para uma sociedade viva em equilíbrio, todos os entes relacionados devem ser preservados (SILVA, 2015). Neste sistema, pessoas cansadas de viver em conflitos para garantir sua liberdade individual sacrificam parte de sua liberdade para que aqueles indivíduos que sejam capazes de lesar os bens alheios e interferirem nos seus direitos sejam penalizados.
Mas para que o homem abandonasse o individualismo natural e pensasse de modo coletivo sobre o direito à liberdade grandes sacrifícios foram necessários. O reconhecimento da liberdade coletiva em uma nação agindo juntamente com o respeito conquistado perante a outros estados soberanos veio depois de grandes esforços, inúmeras batalhas travadas e derramamento de sangue em várias guerras (GRESTA; SANTOS, 2016). Foram necessários sacrifícios para sua positivação, o que não seria necessário, pois a liberdade individual só é alcançada através da coletiva, mas no mundo em que vivemos a positivação das leis é essencial.
E por conta disso, a liberdade individual só existe com a liberdade coletiva, pois atualmente entende-se que a teoria política se baseia na possibilidade de os seres humanos regerem coletivamente sua própria convivência que, de maneira geral, é entendida como superação de toda arbitrariedade, no momento em que o ser humano se submete a uma lei erguida por ele acima de si mesmo. E por conta disso, se o ser humano busca sentir uma certa segurança ele deve entender que abrir mão de alguns requisitos é a melhor forma de trazer benefícios à sociedade. E por conta disso o cidadão aceitou estar diante da postura positiva do Direito para que todos tivessem o mesmo acesso a justiça e a possibilidade de viver em segurança (SCHELLING, 2018).
1.5. Liberdade Sexual
A sexualidade é uma característica inerente ao ser humano e dificilmente pode ser desvinculada do contexto socias. Quando se visualiza os direitos em forma de geração, é de se reconhecer que a sexualidade é um direito do primeiro grupo, como a liberdade e a igualdade, visto que retoma a temática de direito à liberdade sexual, aliado ao direito de tratamento igualitário, independente da tendência sexual.
Por conta destas características, entende-se que o direito à liberdade sexual é uma liberdade individual, que deve ser respeitada pela coletividade, e acompanha o sujeito de direito desde o seu nascimento.
Ao mesmo tempo, é possível tratar este direito como de segunda geração, pois a união de pessoas com características semelhantes de um mesmo critério pode dar origem a uma categoria social que deve ser protegida, sendo considerada hipossuficiente (SANTOS, 2017). O que de fato ocorre em nossa sociedade, visto que indivíduos que optam por demonstrarem sua orientação de forma avessa aos padrões sociais instituídos tendem a sofrer repressões, esse tipo de comportamento no Brasil ocorre com mulheres, negros, idosos, crianças, gays, travestis e outros grupos.
Sem liberdade sexual, o indivíduo humano não se realiza, por isso, é injusto continuar pensando a sexualidade com preconceitos fixados pelo conservadorismo do passado e engessados para o presente e o futuro. É primordial entender que as relações sociais são dinâmicas.
É necessário é pensar com conceitos jurídicos atuais, neste contexto tanto o papel da doutrina como o da jurisprudência são fundamentais, porque devem ser capazes de retratar a realidade atual, priorizando as liberdades e igualdades individuais. Que entre o preconceito e a justiça, fique o Estado com a justiça legislado novos conceitos, derrotando velhos preconceitos.
Afinal de contas vivemos em um país homofóbico, sexista e arraigado a conceitos que nem existem mais (SCHELLING, 2018). A sociedade deve ser capaz de adaptar-se a novas condições, mas adaptar-se está intimamente ligado a necessidade de promover uma nova linha de pensamento em que as liberdades individuais devem ser respeitadas e que o indivíduo possua todas as ferramentas necessárias para viver dignamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A liberdade é um estado que confere poderes ao indivíduo e pode ser usada e expressa de várias formas, mas desde que entendida corretamente, é capaz de criar limites e regras que tornarão a convivência entre os homens harmoniosa, gratificante e produtiva.
Sabe-se que a liberdade é o direito de fazer tudo quanto as leis permitem; e, se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, não mais teria liberdade, porque os outros teriam idêntico poder.
Justamente por estas concepções, a liberdade pode ser distinta pela seguinte dicotomia: liberdade interna e liberdade externa. Em que a primeira é subjetiva como simples manifestação da vontade no mundo interior do homem, a outra liberdade é objetiva é a liberdade de poder fazer, mas esta liberdade “implica o afastamento de obstáculo ou coações, de modo que o homem possa agir livremente.
Partindo do princípio de que todos os homens nascem livres e iguais perante a lei, com direitos e obrigações, o direito à liberdade contribui para a construção de uma consciência, que quando utilizada fora dos padrões de pensamento pode ser vista como libertinagem.
Desde seu surgimento, a ideia de liberdade atrai pessoas de diversas maneiras, pois diante de sua diversidade de sentidos, a liberdade permite que o indivíduo possua caráter único e demonstre seu papel diante da coletividade. Mas é perceptível que no Brasil este conceito encontra-se bem delineado nas leis, mas na sociedade esta história não se repete.
Cabe à sociedade estar atenta quando seus direitos a liberdade estão sendo subtraídos, e ser capaz de cobrar dos legisladores e juristas, afinal conforme é descrito pela bandeira de Minas Gerais, a liberdade é um ideal humano, e é bem recebida, ainda que tardia!
REFERÊNCIAS
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1 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Direito pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.
2 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Contabilidade pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.
3 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Direito pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.
4 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Direito pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.
5 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Direito pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.
6 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Direito pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.
7 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Direito pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.
8 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Direito pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.
9 Discente do décimo semestre de Bacharelado em Direito pelo Instituto de Educação Raimundo Sá – URSA.