OS DESAFIOS DA LEITURA NA ERA DIGITAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202510051305


Joana Josiane Andreotti Oliveira Lina Nyland1; Jonathas Pereira Rabêlo2; Ana Lúcia de Oliveira Passos3; Andréia Fátima Angeli4; Alessandra Correa da Silva Ferreira5; Tainara Cristóvão Aguiar Franco6; Ivani Ferreira Lucas7; Gabriela Cristina Ferreira de Souza8; Rejane Bonadimann Minuzzi9; Lozinete Luzia Santana10; Leocádia Boraczynski Boehm11; Jonael Macedo Nascimento12; Joyce Pereira Estani13


RESUMO

Este texto examina os principais obstáculos que a leitura enfrenta na era digital, levando em conta as influências tecnológicas, cognitivas, sociais e educacionais. A leitura, que tradicionalmente se relacionava com impressos físicos e uma estrutura linear, agora acontece em plataformas digitais caracterizadas pela hipertextualidade, rapidez e fragmentação. Essa mudança demanda novas habilidades dos leitores, tais como a habilidade de explorar várias fontes, interpretar informações multimídia e manter a concentração diante de constantes distrações. O artigo aborda as ameaças da superficialidade na leitura online, a desigualdade no acesso às ferramentas tecnológicas, os efeitos cognitivos sobre o cérebro que lê e a importância da escola e dos educadores na capacitação de leitores críticos. Também são discutidas as vantagens da leitura digital, incluindo a democratização do acesso, a personalização da experiência de leitura e a inclusão de diferentes públicos. Em conclusão, embora a leitura digital traga desafios consideráveis, também proporciona oportunidades significativas. É responsabilidade da sociedade, especialmente da área educacional, incentivar práticas de leitura que combinem tecnologia e reflexão, assegurando que o ato de ler continue sendo um meio de emancipação, aprendizado e transformação.

PALAVRAS-CHAVES: Leitura digital. Hipertextualidade. Letramento digital. Desigualdade de acesso. Formação de leitores críticos

1. INTRODUÇÃO

A leitura constitui uma das mais antigas e essenciais práticas culturais da humanidade. Desde os primeiros documentos em argila até as publicações impressas e, nos tempos recentes, os textos digitais, o ato de ler tornou-se um meio efetivo para a criação de conhecimento, a expressão de pensamentos e a mudança social. Com o passar dos séculos, a leitura não apenas mudou de formato, mas também de finalidade: ela transformou-se de uma atividade exclusiva das classes privilegiadas em um direito universal, vital para a cidadania e a educação.

Com a chegada da era digital, essa antiga prática sofreu uma revolução tanto silenciosa quanto profunda. A disseminação da internet, dos dispositivos móveis e das redes sociais modificou drasticamente a maneira como as pessoas acessam, consomem e se envolvem com os textos. Atualmente, a leitura ocorre em telas, em partes, por meio de hiperlinks, e em comentários e algoritmos. Esse processo deixou de ser linear e passou a ser diversificado, rápido e, muitas vezes, superficial.

Essa nova configuração gera uma série de desafios que afetam diretamente o desenvolvimento mental, a formação de leitores críticos e a função da educação na sociedade atual. A facilidade de acesso à informação não assegura, por si só, a qualidade da leitura ou a profundidade da compreensão. Na verdade, a abundância de estímulos, a fragmentação do conteúdo e a cultura da imediaticidade podem prejuízo à habilidade de concentração, análise e reflexão dos leitores.

Este artigo propõe uma investigação dos principais obstáculos que a leitura enfrenta na era digital, examinando aspectos tecnológicos, pedagógicos, sociais e cognitivos. O objetivo é entender como a leitura está sendo reinterpretada nesse novo contexto e quais estratégias podem ser implementadas a fim de preservar sua função educadora e libertadora. De fato, é mais necessário do que nunca considerar não apenas o que lemos, mas também a maneira como lemos e as implicações disso para o futuro da educação e da sociedade.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A Transformação do Ato de Ler

Historicamente, a leitura foi ligada ao formato tradicional de papel e à linearidade dos textos, mas sofreu uma grande transformação com a chegada das tecnologias digitais. Ler não é mais apenas uma atividade solitária e sequencial; agora, tornou-se variada, interativa e frequentemente fragmentada. No contexto digital atual, os leitores enfrentam um fluxo intenso de informações, transitando entre hipertextos, links, imagens, vídeos e comentários em tempo real (Chartier, 2009). Essa nova abordagem requer não apenas habilidades técnicas, mas também capacidades cognitivas e críticas para administrar a abundância de estímulos e a fluidez dos conteúdos.

A leitura no ambiente digital é caracterizada pela hipertextualidade, ou seja, pela capacidade de acessar diversos textos interligados através de links. Essa característica pode aumentar o acesso à informação, mas também tem o potencial de dispersar a atenção do leitor, dificultando a criação de um entendimento profundo e contínuo (Levy, 2019). Em vez de seguir uma história linear, o leitor no ambiente digital pula entre diferentes conteúdos, muitas vezes sem finalizar a leitura de um texto inicial. Isso resulta numa experiência fragmentada que pode prejudicar a compreensão geral e a memorização das ideias principais (Medeiros & Câmara, 2021).

Adicionalmente, o espaço digital favorece uma leitura mais veloz e superficial. A cultura da rapidez, impulsionada pelas redes sociais e pela lógica dos algoritmos, incentiva o consumo instantâneo de informações, priorizando manchetes chamativas, resumos curtos e conteúdo visual (Chartier, 2009).  O tempo investido em uma leitura profunda, que requer foco, reflexão e análise, tem sido substituído por uma leitura superficial, onde o leitor procura palavras-chave ou passagens específicas sem se aprofundar verdadeiramente no texto. Essa mudança afeta também os processos cognitivos relacionados à leitura.

Pesquisas em neurociência, como as realizadas por Wolf (2016), sugerem que o cérebro que lê está se ajustando às novas demandas do ambiente digital, o que pode modificar a maneira como processamos informações.

2.2 Superficialidade e Distração

Um dos grandes desafios da leitura na era digital é a profundidade reduzida com que os textos são abordados. A massiva quantidade de informações que encontramos na internet, junto à rapidez com que são disseminadas, alterou o comportamento dos leitores. Ao invés de se envolverem em uma leitura atenta e reflexiva, muitos indivíduos acabam escaneando os conteúdos, verificando rapidamente em busca de palavras importantes, títulos atraentes ou trechos destacados. Essa abordagem, embora útil para encontrar informações específicas, compromete a compreensão total e a conexão com o texto (Gomes & Cavalcante, 2023).

A distração constitui outro aspecto importante. Nos ambientes digitais, o leitor é constantemente bombardeado por estímulos concorrentes: alertas de apps, propagandas, vídeos sugeridos, mensagens instantâneas e janelas pop-up. Essa sobrecarga de estímulos fragmenta a atenção e torna difícil manter o foco por longos períodos(Chartier, 2009).  Pesquisas em psicologia cognitiva mostram que o cérebro humano não é feito para realizar várias tarefas ao mesmo tempo,  ao mudar de atividade, a eficiência diminui e a retenção de informações sofre. Desta forma, a leitura em meios digitais torna-se mais suscetível à dispersão e interrupções (Levy, 2019).

Além disso, a cultura da imediaticidade, promovida pelas redes sociais e pelos mecanismos de busca, reforça a noção de que tudo deve ser rápido, resumido e acessível em poucos segundos. Esse conceito impacta diretamente como os textos são escritos e consumidos. Muitos conteúdos são moldados para se ajustarem à expectativa de uma leitura veloz, sentenças curtas, linguagem simples, uso excessivo de listas e emojis. Apesar de facilitar o acesso inicial, isso também restringe a complexidade do argumento e a profundidade da reflexão (Santaella, 2024).

Outro aspecto importante é a influência da superficialidade na formação de opiniões. Quando a leitura é feita de maneira rápida e fragmentada, o leitor pode mal interpretar o material, se deixar levar pela desinformação ou acabar fazendo julgamentos precipitados (Gomes & Cavalcante, 2023). A falta de uma leitura crítica favorece a disseminação de notícias falsas, discursos polarizados e equívocos interpretativos. Nesse cenário, a leitura deixa de ser uma ferramenta de construção do conhecimento e se transforma em um ato passivo de consumo de informações (Marcuschi, 2021).

Para enfrentar tais dificuldades, é essencial incentivar práticas de leitura que promovam a concentração, a análise e o pensamento crítico. Métodos como a leitura orientada, o uso de anotações, discussões em grupo e a comparação de diferentes fontes podem ajudar a recuperar a profundidade da leitura, mesmo em ambientes digitais(Levy, 2019). A tecnologia, quando utilizada de forma consciente, pode ser uma aliada nesse processo,  por exemplo, por meio de aplicativos que minimizam distrações, plataformas que favorecem a leitura colaborativa ou ferramentas que permitem destacar e comentar partes significativas.

Em conclusão, a superficialidade e a distração representam barreiras reais à leitura na era digital, mas não são intransponíveis. Com a orientação certa e uma consciência crítica, é possível restaurar o valor da leitura como uma prática intelectual, mesmo diante da avalanche de estímulos que caracteriza a vida contemporânea (Medeiros & Câmara, 2021).

2.3 Desigualdade no Acesso

Apesar de a era digital ter aumentado de maneira significativa o acesso a informações e à leitura, ela também revelou desigualdades profundas que impactam milhões de pessoas globalmente. O acesso à leitura digital requer uma infraestrutura mínima, que inclui conexão à internet, dispositivos eletrônicos como smartphones, tablets ou computadores, além de habilidades digitais básicas(Levy, 2019). Contudo, esta condição não é uma realidade universal, principalmente em nações em desenvolvimento, áreas periféricas e comunidades em situação de vulnerabilidade.

No Brasil, por exemplo, estatísticas do IBGE e pesquisas como a TIC Domicílios indicam que uma parte relevante da população ainda não tem acesso regular à internet ou enfrenta limitações, muitas vezes dependendo de pacotes móveis com velocidade baixa e limites de dados restritos (Chartier, 2009). Além disso, a utilização compartilhada de dispositivos em famílias grandes, a falta de ambientes adequados para leitura e aprendizado, e a ausência de formação digital são obstáculos concretos que prejudicam o pleno aproveitamento das oportunidades que a leitura digital pode oferecer (Gomes & Cavalcante, 2023).

Essa desigualdade tecnológica se reflete diretamente no desempenho escolar e na formação de leitores. Estudantes que têm acesso a e-books, bibliotecas online, plataformas educacionais e recursos multimídia costumam desenvolver maior autonomia e conhecimento. Em contraste, aqueles que enfrentam barreiras de acesso ficam excluídos do processo, intensificando as disparidades educacionais. A pandemia de COVID-19 destacou essa diferença: enquanto alguns alunos conseguiram manter suas rotinas de leitura e estudo com ferramentas digitais, outros ficaram completamente desconectados da escola (Marcuschi, 2021).

Além da infraestrutura, existe uma desigualdade nas habilidades. Ter acesso à tecnologia não significa saber utilizá-la de maneira crítica e produtiva. Muitos jovens e adultos acessam a internet apenas para lazer, redes sociais ou consumo passivo de conteúdo, sem desenvolver competências de leitura digital, como a avaliação de fontes, interpretação de textos multimídia e navegação segura. Assim, a alfabetização digital se torna uma parte essencial da educação atual e sua falta representa uma nova forma de exclusão.

Nesse contexto, a atuação das políticas públicas é crucial. Investir em conectividade, disponibilizar dispositivos, formar professores e criar bibliotecas digitais acessíveis são ações urgentes para democratizar o acesso à leitura digital. Programas como o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) podem ser expandidos para incluir acervos digitais e capacitação tecnológica, assegurando que todos os alunos, independente de sua condição socioeconômica, tenham verdadeiras oportunidades de se desenvolver como leitores (Levy, 2019).

As escolas também devem assumir um papel proativo na inclusão digital. Mais do que apenas fornecer tecnologia, é necessário ensinar os alunos a utilizá-la de forma intencional, ética e crítica. Projetos de leitura digital, oficinas de produção de conteúdo, discussões sobre fake News e atividades interativas podem ajudar a formar leitores que consigam navegar de forma autônoma e crítica no ambiente digital (Gomes & Cavalcante, 2023).

Em síntese, a leitura na era digital deve ser considerada não apenas em termos de acesso técnico, mas como um direito que abrange inclusão, educação e justiça. Combater as desigualdades é assegurar que todos tenham a oportunidade de se engajar integralmente na cultura letrada atual, tanto em formato impresso quanto em digital (Gomes & Cavalcante, 2023).

2.4 O Papel da Escola e do Educador

Frente às mudanças causadas pela era digital, a instituição educacional desempenha um papel ainda mais importante na formação de leitores críticos e conscientes, aptos a lidar com as diversas formas e linguagens que existem no ambiente online. A atividade de ler não se limita mais ao livro físico, tendo expandido para telas, aplicativos, redes sociais, fóruns e plataformas multimídia (Levy, 2019). Neste novo contexto, o professor atua como um mediador fundamental entre os alunos e os textos digitais, guiando tanto o conteúdo quanto o processo de leitura (Medeiros & Câmara, 2021).

A instituição deve entender que a leitura digital requer habilidades específicas (Santaella, 2024). Não é suficiente apenas saber decifrar palavras é preciso interpretar textos multimídia, navegar em hipertextos, avaliar a credibilidade das fontes, reconhecer discursos manipuladores e compreender os contextos em que os textos são criados e disseminados. Para isso, o currículo escolar precisa incluir práticas de letramento digital, promovendo atividades que desenvolvam essas capacidades de forma crítica e reflexiva (Gomes & Cavalcante, 2023).

Os educadores, por sua vez, devem estar prontos para atuar como facilitadores nesse processo. Isso envolve não apenas o domínio das tecnologias, mas também a compreensão dos efeitos cognitivos e sociais da leitura digital. É essencial que os professores incentivem a curiosidade, o pensamento crítico e a autonomia dos alunos, criando ambientes de aprendizagem que valorizem a leitura como uma atividade significativa. Iniciativas como clubes de leitura online, criação de blogs literários, análise de textos em redes sociais e debates sobre notícias falsas são exemplos de estratégias que podem engajar os estudantes na leitura digital (Medeiros & Câmara, 2021).

Ademais, é necessário derrubar a noção de que a leitura digital é inferior à tradicional. Ambas apresentam suas particularidades, benefícios e limitações. O papel da escola é promover uma abordagem integrada que valorize tanto o livro impresso quanto os recursos digitais, fomentando o diálogo entre diferentes formatos e linguagens (Levy, 2019). Essa integração pode ser estabelecida através de atividades comparativas, como ler o mesmo texto em variadas formas, analisar adaptações audiovisuais ou produzir resenhas multimídia.

Um outro ponto relevante é a formação continuada dos professores. Muitos educadores ainda enfrentam desafios para integrar tecnologias em suas abordagens pedagógicas, seja por falta de infraestrutura ou pela ausência de capacitação (Marcuschi, 2021). Investir na formação dos docentes é fundamental para garantir que a leitura digital seja trabalhada de forma efetiva e significativa. Cursos, oficinas, grupos de estudo e redes de colaboração entre professores podem ajudar no desenvolvimento de práticas inovadoras e contextualizadas.

Por último, a escola deve funcionar como um espaço de inclusão digital. Isso quer dizer que deve assegurar que todos os alunos tenham acesso às tecnologias necessárias para participar das atividades de leitura digital respeitando suas realidades e promovendo justiça social (Gomes & Cavalcante, 2023). A leitura, seja em formato físico ou digital, continua sendo uma ferramenta de emancipação e é responsabilidade da escola garantir que ela esteja acessível a todos.

2.5 Possibilidades da Leitura Digital

Embora a leitura digital traga desafios, é crucial reconhecer que também apresenta uma variedade de oportunidades inovadoras e inclusivas. Quando utilizada de maneira adequada, a tecnologia pode ser uma aliada poderosa para fomentar a leitura, aumentando o acesso, diversificando os formatos e personalizando a experiência dos leitores. Em vez de substituir a leitura convencional, os recursos digitais podem complementar essa prática, tornando a leitura mais dinâmica, interativa e acessível (Medeiros & Câmara, 2021).

Uma das grandes vantagens da leitura digital é que ela democratiza o acesso. Ferramentas como bibliotecas virtuais, aplicativos de leitura e sites especializados permitem que milhões de pessoas tenham acesso a obras literárias, textos acadêmicos, notícias e uma variedade de conteúdos, frequentemente sem custo (Levy, 2019). Isso é especialmente importante em situações onde o acesso a livros físicos é restrito por limitações econômicas, geográficas ou logísticas. A leitura digital elimina barreiras e leva textos a locais que anteriormente não os recebiam (Medeiros & Câmara, 2021).

Além disso, os formatos digitais proporcionam funcionalidades que enriquecem a experiência de leitura. E-books possibilitam alterações de fonte, cor de fundo, marcações, anotações, além de integrações com dicionários e tradutores. Os audiobooks tornam a leitura acessível para pessoas com deficiência visual, dislexia ou dificuldades de concentração, permitindo que literatura seja consumida durante momentos que antes eram desperdiçados, como no trânsito ou em tarefas domésticas. Textos multimodais, que combinam palavras, imagens, sons e vídeos, estimulam diferentes sentidos e podem tornar a leitura mais cativante, especialmente para crianças e jovens (Gomes & Cavalcante, 2023).

Outro ponto positivo é a personalização da leitura. Algoritmos de recomendação em plataformas como Kindle, Wattpad ou Goodreads sugerem obras conforme os interesses e hábitos dos leitores, promovendo a descoberta de novos autores e gêneros. Essa curadoria automática pode servir como uma porta de entrada para leitores novatos ou indecisos, que encontram no ambiente digital um espaço mais acolhedor e ajustado às suas preferências (Santaella, 2024).

A leitura digital também facilita a interação e o compartilhamento. Comunidades literárias em redes sociais, fóruns de discussão, clubes de leitura online e blogs especializados permitem que leitores troquem opiniões, recomendem obras e debatam temas importantes (Marcuschi, 2021). Essa dimensão social da leitura reforça o vínculo entre os leitores e estimula o pensamento crítico, pois possibilita a confrontação e discussão de diferentes perspectivas.

No cenário educacional, as oportunidades são igualmente encorajadoras. Plataformas como Google Books, Árvore de Livros, Elefante Letrado e outras disponibilizam coleções digitais para escolas, equipadas com ferramentas para acompanhamento pedagógico, relatórios de leitura e atividades interativas. Educadores podem usar recursos como QR codes em materiais didáticos, podcasts literários, vídeos explicativos e jogos educativos para tornar a leitura mais atrativa e significativa (Levy, 2019). A tecnologia, nesse contexto, não substitui o professor, mas amplifica seu papel como mediador.

Por último, é fundamental ressaltar que a leitura em formato digital pode servir como um meio para criar leitores mais autônomos e críticos. Ao explorar diversas fontes, confrontar dados, escolher conteúdos e ponderar sobre o que leem, os leitores cultivam competências essenciais para a convivência social (Santaella, 2024). A leitura não se limita a ser uma atividade receptiva, mas se transforma em uma prática engajada, investigativa e transformadora.

2.6 Impactos Cognitivos

A prática da leitura é uma tarefa multifacetada que envolve vários processos mentais, como a atenção, a memória, a inferência, a interpretação e a reflexão. Com o advento da leitura em formato digital, esses processos são ativados de maneira diversa, gerando interesse entre pesquisadores nos campos da neurociência, psicologia cognitiva e educação (Prensky, 2021). A maneira como o cérebro humano reage aos estímulos proporcionados por telas, hipertextos e contextos multimídia difere da leitura em papel convencional e isso impacta diretamente a qualidade da compreensão, a retenção de informações e a habilidade de análise crítica (Marcuschi, 2021).

Segundo Wolf (2016), ressalta que o cérebro está se adaptando às exigências da leitura digital. Enquanto a leitura em papel favorece um processamento mais profundo, linear e sequencial, a leitura digital tende a provocar uma leitura mais veloz, fragmentada e superficial. Essa transformação pode comprometer a conhecida “leitura reflexiva”, que demanda tempo, foco e um envolvimento emocional com o texto. Wolf (2016) sinaliza o perigo de que possamos perder a habilidade de ler com empatia, reflexão e profundidade, competências fundamentais para formar cidadãos críticos e sensíveis.

Ademais, o meio digital impõe uma demanda cognitiva elevada. O leitor é obrigado a lidar com diversos elementos ao mesmo tempo: imagens, vídeos, links, propagandas, notificações e outros estímulos que disputam sua atenção. Essa sobrecarga pode resultar em cansaço mental, dificultando a concentração e diminuindo a eficácia da leitura. A constante mudança entre tarefas, como ler um artigo, responder a uma mensagem e assistir a um vídeo, ativa o modo multitarefa do cérebro, que, embora útil em determinadas situações, não favorece o processamento profundo das informações (Gomes & Cavalcante, 2023).

Outro efeito importante está relacionado à memória. A leitura digital, por ser mais fragmentada e menos linear, pode dificultar a formação de memórias de longo prazo. Muitos leitores relatam dificuldades em recordar o que foi lido em telas, especialmente quando não há anotações, destaques ou revisões (Levy, 2019). Isso ocorre, em parte, pela falta de pistas espaciais e táteis que o livro físico proporciona como a posição de um trecho na página, o peso do livro ou o ato de folhear as páginas, que ajudam a criar um “mapa mental” do texto (Santaella, 2024).

Por outro lado, é relevante reconhecer que a leitura em formato digital também aprimora novas habilidades cognitivas. A navegação hipertextual, por exemplo, requer que o leitor tome decisões rápidas, selecione informações relevantes e conecte diferentes conteúdos (Medeiros & Câmara, 2021). A leitura multimodal estimula a combinação de diferentes linguagens verbal, visual e sonora e pode ampliar a compreensão em contextos específicos. Além disso, o acesso imediato a dicionários, tradutores e enciclopédias digitais possibilita que o leitor aprofunde seu conhecimento de maneira autônoma e personalizada (Gomes & Cavalcante, 2023).

No ambiente educacional, é crucial entender as consequências cognitivas da leitura em formato digital para desenvolver métodos de ensino eficazes. Educadores devem instruir os estudantes sobre como gerenciar a dispersão, estruturar suas leituras, realizar anotações eletrônicas e revisar conteúdos de maneira organizada (Marcuschi, 2021). Recursos como mapas conceituais, resumos interativos, anotações digitais e plataformas de leitura em grupo podem ajudar a reduzir os impactos adversos e aumentar os benefícios da leitura digital.

Resumidamente, os efeitos cognitivos da leitura na era digital são complexos: enquanto apresentam desafios às habilidades convencionais, também demandam a criação de novas competências. A harmonia entre leitura atenta e a leitura prática, entre foco e velocidade, entre o papel e a tela será fundamental para desenvolver leitores capazes de pensar de forma crítica, aprender de maneira contínua e se adaptar às necessidades do mundo moderno (Prensky, 2021).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura na era digital é um fenômeno complexo, cheio de oportunidades, mas também apresenta desafios notáveis. Este artigo evidencia que a mudança do suporte físico para digital não se resume a uma simples troca, mas sim a uma alteração significativa na forma como as pessoas interagem com os textos, dão significado e desenvolvem suas capacidades cognitivas e sociais.

A leitura online requer novas habilidades: a capacidade de navegar por hipertextos, entender conteúdos variados, avaliar de maneira crítica as fontes de informação e manter a concentração em meio a um fluxo constante de distrações. Ao mesmo tempo, ela proporciona chances valiosas para tornar o acesso mais democrático, adaptar a experiência de leitura e incluir grupos que antes eram marginalizados, como pessoas com deficiências ou habitantes de áreas isoladas.

Por outro lado, os perigos de uma leitura superficial, da distração incessante e da disparidade no acesso não devem ser subestimados. A leitura profunda, crítica e reflexiva, que é crucial para formar cidadãos conscientes, pode ser ameaçada por uma prática de leitura rápida, fragmentada e pouco envolvente. Nesse cenário, a função da escola e do professor se torna ainda mais importante: é necessário preparar leitores que consigam transitar entre diversos formatos e estilos, mantendo a habilidade de análise, empatia e discernimento.

Somente a tecnologia não assegura uma leitura de qualidade. É essencial que ela seja acompanhada por orientação pedagógica, políticas públicas inclusivas e uma cultura que preze pelo saber, pela criatividade e pelo pensamento crítico. O desafio atual não é escolher entre ler em papel ou digitalmente, mas sim aprender a aproveitar o que cada formato tem a oferecer, promovendo uma leitura diversificada, acessível e significativa.

Em essência, a leitura permanece sendo uma expressão de liberdade. Seja em formato impresso ou digital, ela nos capacita a entender o mundo, desafiar verdades, formar identidades e mudar realidades. É nossa responsabilidade, como sociedade, assegurar que essa prática não se perca na rapidez da informação, mas se fortaleça como um instrumento de emancipação e humanização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GOMES, Juliana S. & CAVALCANTE Filho, Urbano. Leitura e Formação do Sujeito Leitor na Era Digital. Revista Humanidades & Inovação, v. 10, n. 11, 2023.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2019.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da Fala para a Escrita: Atividades de Retextualização. São Paulo: Cortez, 2021.

MEDEIROS, Delcimar F. & CÂMARA, Arandi R. M. Leitura Literária e o Leitor na Era Digital. Revista Galo, n. 4, p. 3–16, 2021.

PRENSKY, Marc. Digital Natives, Digital Immigrants. On the Horizon, v. 9, n. 5, 2021.

SANTAELLA, Lucia. Letramento Digital. São Paulo: Paulus, 2024.

WOLF, Maryanne. O Cérebro Leitor: Como a Leitura Transforma a Nossa Mente. São Paulo: Contexto, 2016.


1Mestrado em Processo Agroindustrial – FURG

2Licenciatura em Geografia – ETEP.

3Graduação Letras – UNEMAT.

4Especialista em Alfabetização e letramento – UniVitória.

5Mestrado em Letras – UNEMAT.

6Graduação em Pedagogia – ISALBE Faculdade Albert Einstein.

7Graduação em Pedagogia – UNIVAG

8Graduação em Geografia – Universidade Federal do Mato Grosso

9Mestrado em Diversidade Cultural e Inclusão Social – UPF.

10Graduação em Pedagogia – Faculdade Única.

11Especialização em Psicopedagogia – FAVENI

12Especialização em Psicopedagogia Institucional e Gestão Escolar – FACPRISMA

13Doutorado em Educação – UFRRJ.