OS DANOS DA INSEGURANÇA JURÍDICA NO BRASIL

THE DAMAGE OF LEGAL UNCERTAINTY IN BRAZIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11179876


Kaleb Sales de Oliveira1
Odi Alexander Rocha da Silva2


Resumo

A insegurança jurídica no contexto brasileiro é um fenômeno complexo e multifacetado que impacta diretamente a sociedade e o ambiente jurídico do país.  Metodologicamente, configurado como exploratório-descritivo, este artigo aborda a problemática da insegurança jurídica no Brasil, com o objetivo de demonstrar a sua existência no contexto jurídico do país. Para alcançar esse propósito, o estudo faz uma discussão sobre o conceito de insegurança jurídica à luz da doutrina brasileira, apresentando suas principais características e impactos; explora os contextos nos quais a insegurança jurídica se manifesta com mais frequência no cenário nacional, destacando-se situações como mudanças frequentes na legislação, decisões judiciais contraditórias e lentidão na resolução de processos; busca propor soluções para enfrentar esse desafio, tomando como referência exemplos de outros países que conseguiram superar ou mitigar a insegurança jurídica. Essas soluções incluem a necessidade de estabilidade nas normas, maior segurança nas decisões judiciais, incentivo à previsibilidade e transparência no sistema jurídico. Este estudo pretende, ainda, sensibilizar o leitor sobre a relevância do tema e a importância de se buscar mecanismos efetivos para reduzir a insegurança jurídica no Brasil, promovendo um ambiente mais propício ao desenvolvimento social e econômico.

Palavras-chave: Insegurança jurídica. Contexto jurídico. Doutrina Brasileira. Desenvolvimento social e econômico.

Abstract

Legal uncertainty in Brazil is a complex and multifaceted phenomenon that directly impacts society and the country’s legal environment.  Methodologically configured as exploratory-descriptive, this article addresses the problem of legal insecurity in Brazil, with the aim of demonstrating its existence in the country’s legal context. To achieve this, the study discusses the concept of legal insecurity in the light of Brazilian doctrine, presenting its main characteristics and impacts; it explores the contexts in which legal insecurity manifests itself most frequently on the national scene, highlighting situations such as frequent changes in legislation, contradictory court decisions and slowness in resolving cases; it seeks to propose solutions to face this challenge, taking as a reference examples from other countries that have managed to overcome or mitigate legal insecurity. These solutions include the need for stability in the rules, greater certainty in judicial decisions, encouraging predictability and transparency in the legal system. This study also aims to make the reader aware of the relevance of the issue and the importance of seeking effective mechanisms to reduce legal uncertainty in Brazil, promoting an environment that is more conducive to social and economic development.

Keywords: Juridical insecurity. Legal contexto. Brazilian Doctrine. Social and economic development.

1  INTRODUÇÃO

O presente estudo se configura como exploratório-descritivo, com pesquisa em sites jurídicos, análise de notícias relevantes e referências de renomados juristas, adotando uma abordagem qualitativa. O tema central abordado é a insegurança jurídica no contexto brasileiro, um fenômeno complexo e multifacetado que impacta diretamente a sociedade e o ambiente jurídico do país. Por isso foi necessário fazer:

Revisão da Literatura:

Realizar uma revisão abrangente da literatura jurídica e doutrinária sobre insegurança jurídica no Brasil, destacando as principais causas, impactos e manifestações desse fenômeno no contexto nacional. Isso inclui a análise de obras de autores renomados, como Celso Antônio Bandeira de Mello e Ricardo Lewandowski, que abordam a insegurança jurídica sob diferentes perspectivas.

Análise do Contexto Nacional:

Investigar os diferentes contextos em que a insegurança jurídica se manifesta com mais frequência no Brasil, como o abuso de autoridade, mudanças nas regras trabalhistas, entre outras. Com base nas informações relatas nas notícias, é importante explorar como essas situações específicas contribuem para a falta de segurança jurídica no país.

Estudo de Casos e Experiências Comparadas:

Analisar casos concretos de insegurança jurídica no Brasil, como decisões judiciais contraditórias e mudanças frequentes na legislação, para ilustrar os desafios enfrentados pelos cidadãos, empresas e investidores. Além disso, comparar essas situações com experiências de outros países que conseguiram superar ou mitigar a insegurança jurídica, identificando boas práticas e lições aprendidas.

Proposição de Soluções e Recomendações:

Com base na análise realizada, propor soluções e recomendações para enfrentar o desafio da insegurança jurídica no Brasil. Isso pode incluir a necessidade de estabilidade nas normas, maior segurança nas decisões judiciais, incentivo à previsibilidade e transparência no sistema jurídico, conforme análise de países que são boas referências na área. 

Discussão e Conclusão:

Concluir o estudo com uma discussão aprofundada sobre a relevância do tema, a importância de buscar mecanismos efetivos para reduzir a insegurança jurídica no Brasil e promover um ambiente jurídico mais propício ao desenvolvimento social e econômico. Destacar as principais descobertas, contribuições e possíveis impactos das soluções propostas.

Ao seguir essa metodologia, será possível realizar uma análise abrangente e fundamentada sobre a insegurança jurídica no Brasil, contribuindo para a compreensão do problema e a busca por soluções eficazes para promover um ambiente jurídico mais seguro e estável no país.

2  INSEGURANÇA JURÍDICA À LUZ DA DOUTRINA BRASILEIRA

A insegurança jurídica é um problema que há muito tempo afeta o cenário legal no Brasil. Ela se manifesta quando os cidadãos, empresas e investidores não têm confiança na estabilidade e previsibilidade das leis e decisões judiciais. Nessa situação, o artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal estabelece um princípio de extrema importância para o país, ao afirmar que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (Brasil, 1988). Isso evidencia que esse infortúnio, além de ser prejudicial, constitui uma violação constitucional que ocorre dia após dia, conforme já afirmava o respeitado jurista Celso Antônio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura neles esforçada (Bandeira de Mello, 2006, p. 924).

E essa problemática da insegurança jurídica no país está se tornando cada vez mais evidente, conforme destacado recentemente em uma entrevista concedida ao jornal Valor Econômico pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski (2023). Durante essa entrevista, Lewandowski observou que o próprio sistema judiciário contribui para essa insegurança. Ele apontou a oscilação específica nas revisões como um fator central desse problema, visto que a jurisprudência é um termo jurídico que se refere ao conjunto de decisões dos tribunais, de crucial importância, sobre a interpretação das leis. Porém, no Brasil, existem 27 tribunais de segunda instância, além do STF (Supremo Tribunal Federal) e STJ (Superior Tribunal de Justiça). Essa multiplicidade de tribunais resulta, frequentemente, em interpretações conflitantes das leis, gerando uma situação em que a aplicação do direito se torna cada vez mais ampla.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) são órgãos cruciais para salvaguardar a Constituição Federal e garantir a uniformidade da interpretação da lei federal no Brasil. No entanto, é importante ressaltar que suas decisões, por vezes, contribuem para a insegurança jurídica no país, ao estabelecerem precedentes que afetam a interpretação e a aplicação das leis em todo território nacional. O STF, mediante sua competência prevista no art. 102 da CFRB, cumpre o papel de proteger a Constituição Federal contra possíveis problemas. Já o STJ, fundamentado no art. 105 da CFRB, além de desempenhar suas obrigações habituais, tem o encargo de uniformizar a interpretação da lei federal no Brasil. Assim, apesar da importância desses tribunais na orquestração do sistema jurídico nacional, é preciso reconhecer que suas decisões podem, ocasionalmente, contribuir para agravar a insegurança jurídica que permeia o país. E essas premissas são exploradas pelo Ministro do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, em seu artigo intitulado “Direito fundamental à previsibilidade das decisões judiciais”, que declara:

Quando a mesma situação fática, num dado momento histórico, é decidida por juízes da mesma localidade de forma diametralmente antagônica, a mensagem enviada à sociedade é de que ambas as partes têm (ou podem ter) razão. Ora, se todos podem ter razão, até mesmo quem, por estar satisfeito com o tratamento jurídico que sua situação vinha recebendo, não havia batido às portas do judiciário terá forte incentivo a fazêlo. Evidentemente, esse fenômeno é algo normal no exercício da jurisdição em primeiro grau. Anormal é que a divergência judicial perpasse os tribunais, órgãos colegiados concebidos para dar tratamento mais qualificado às questões julgadas em primeiro grau. Anormal é que a divergência dos juízes de primeiro grau seja fundamentada em acórdãos divergentes de colegiados de um mesmo tribunal, como se não existisse ali órgão uno, mas aglomerado de sobrejuízes com competências individuais autônomas, o que contraria o princípio constitucional da colegialidade dos tribunais. Vale dizer, normal é a jurisprudência dos tribunais orientar a atuação dos juízes inferiores. Anormal é os tribunais oferecerem o insumo da imprevisibilidade e da insegurança jurídica para os magistrados das instâncias inferiores e a sociedade em geral (Dantas, 2013).

O autor destaca a anormalidade decorrente de decisões judiciais divergentes entre juízes locais em uma mesma situação fática, transmitindo à sociedade a percepção de que ambas as partes têm razão. Essa divergência, considerada normal no exercício da jurisdição em primeiro grau, torna-se anormal quando ultrapassa os tribunais, os quais são concebidos para conferir tratamento mais qualificado às questões julgadas inicialmente. A anormalidade é ainda mais acentuada quando a divergência entre juízes de primeiro grau se fundamenta em acórdãos divergentes de colegiados do mesmo tribunal, desafiando o princípio constitucional da colegialidade dos tribunais. O Ministro ressalta que a jurisprudência dos tribunais deve orientar a atuação dos juízes inferiores de forma coerente. No entanto, a anormalidade surge quando os tribunais oferecem insumos de imprevisibilidade e insegurança jurídica para os magistrados das instâncias inferiores e para a sociedade em geral, contradizendo o propósito de estabilidade e previsibilidade do sistema judiciário.

Essa incoerência nas decisões dos tribunais superiores gera um ambiente de incerteza e desconfiança no sistema legal, acarretando uma série de problemas. Isso se reflete no aumento significativo do número de recursos judiciais, na prolongação de litígios e na percepção de que a justiça opera de maneira seletiva ou arbitrária. Adicionalmente, tais decisões podem impactar negativamente a economia e os investimentos, uma vez que os agentes econômicos enfrentam dificuldades ao planejar seus negócios devido à instabilidade jurídica. Isso evidencia uma clara violação de um dos princípios fundamentais delineados no preâmbulo da Constituição Brasileira, que destaca a justiça como valor supremo em uma sociedade fraterna, pluralista e livre de preconceitos, comprometida com a harmonia social e a resolução de conflitos, tanto no âmbito interno quanto no internacional. Mesmo que essa seja uma aspiração ideal, é crucial recordar as palavras do ex-presidente Getúlio Vargas, que afirmou que “o ideal é ainda a alma de todas as realizações”.

3  EVIDÊNCIAS DANOSAS DA INSEGURANÇA JURÍDICA 

A insegurança jurídica se manifesta com mais frequência no Brasil em diferentes contextos. Nesta investigação, destaca-se a insegurança jurídica no âmbito do abuso de autoridade, das alterações de contrato de concessão, das decisões judiciais revistas retroativamente, das mudanças nas regras trabalhistas e demarcações de terras indígenas.

3.1 No abuso de autoridade 

No contexto brasileiro, a problemática do abuso de autoridade se revela a partir  de decisões judiciais permeadas por motivações políticas, atrasos processuais, casos de corrupção e decisões contraditórias, impactando diretamente a segurança jurídica. Quando a imparcialidade do sistema judiciário é comprometida por influências externas, a confiança na aplicação da lei é abalada, levantando a questionamentos sobre a equidade no tratamento dos cidadãos perante a justiça e minando os fundamentos da segurança jurídica. Em síntese, o abuso de autoridade desempenha um papel central na fragilização do ambiente jurídico no Brasil, prejudicando a credibilidade e a previsibilidade do sistema legal. Assim, como foi discutido por Rogério Greco. Afirma o autor: 

Crimes que envolvem abuso de autoridade afetam não somente direitos e garantias do cidadão, mas também a probidade administrativa, promovendo o desvirtuamento da Administração Pública nas suas várias camadas, ferindo, dentre outros, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O agente, representando o Estado, contraria uma norma, buscando com sua conduta, muitas vezes, fim obscuro e imoral, provando nefasta ineficiência do seu serviço. Cuida-se de forma qualificada de desvio de poder, na qual o servidor deseja prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal (Greco, 2021, p. 57).

Um exemplo emblemático que ilustra essa problemática é o comportamento do Ministro do STF Alexandre de Moraes, que alguns juristas caracterizam como “detentor de superpoderes”. À frente de investigações controversas iniciadas de forma espontânea pelo Supremo Tribunal Federal, o ministro ordenou a prisão de diversas pessoas, o bloqueio de contas em redes sociais e até mesmo o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, sob a justificativa de combater supostos ataques ao tribunal e ao Estado Democrático de Direito. Enquanto para alguns ele é enaltecido como um defensor da ordem, para outros é visto como um agente que acumulou poderes excessivos, desrespeitando garantias constitucionais e minando os pilares do sistema democrático que busca preservar. Isso pode ser constatado nas visões do jurista e professor João Pedro Pádua, que é um dos críticos da atuação do Ministro, ao afirmar:

A atuação de Moraes para proteger a Constituição tem usado medidas extraordinárias sem base na própria Constituição e nas leis brasileiras. E, na sua avaliação, o grave cenário político não autoriza essa atuação, mesmo que ele venha recebendo apoio do Supremo, com medidas referendadas pelo plenário. Nenhum Poder, nem mesmo o Supremo Tribunal Federal, poderia invocar situações excepcionais para aumentar os seus poderes, exceto nos casos que a própria Constituição prevê (Pádua, 2023).

Diante dessas atuações em que foram ‘adotadas medidas extraordinárias para proteger a Constituição’, é evidente que tais ações carecem de respaldo constitucional e legal. Mesmo com o respaldo do Supremo Tribunal Federal, por meio de medidas referendadas pelo plenário, na avaliação do autor, o atual cenário político não justifica essa postura. Sendo assim, é fundamental ressaltar que nenhum Poder, incluindo o STF, deve recorrer a situações excepcionais para ampliar seus poderes, a menos que expressamente previstas na Constituição.

A citação do comentarista reforça a importância do respeito aos limites institucionais e legais, mesmo em contextos desafiadores.

3.2 Alterações de contrato de concessão

Quando uma empresa assume a responsabilidade de fornecer um serviço público, como energia elétrica, água potável ou transporte, é firmado um contrato com o governo que estabelece as condições sobre quais serviços serão prestados. No entanto, o governo, em busca de economia, às vezes, altera unilateralmente esses contratos, afetando a empresa que fez investimentos significativos com base no contrato original e a qualidade dos serviços nos mais variados aspectos. Essa incerteza prejudica a confiança dos investidores, o desenvolvimento econômico e a qualidade dos serviços públicos.

A título de exemplo, em 2019, o governo federal anunciou mudanças nos contratos de concessão de aeroportos, afetando as empresas fornecedoras. Essas mudanças incluíram a antecipação de investimentos e a revisão de tarifas aeroportuárias. As transportadoras alegaram que essas alterações comprometeram suas expectativas originais ao firmar os contratos e criaram incertezas quanto à rentabilidade de seus investimentos.

3.3 Decisões judiciais revistas retroativamente

A coisa julgada é o princípio jurídico consagrado no Artigo 5º, Inciso XXXVI da Constituição Federal, que estabelece que as decisões judiciais definitivas não podem ser revistas ou modificadas retroativamente, a menos que haja um recurso legal específico. Contudo, ocorreram casos em que decisões judiciais que já haviam sido consideradas definitivas e transitadas em julgado são revisitadas, levantando questões sobre a estabilidade e a confiabilidade do sistema judicial brasileiro. Sendo isso indagado de forma perspicaz pelo Jurista brasileiro Lenio Streck, que explora o assunto com a seguintes palavras: “Qual é o sentido se, em uma democracia, uma vez construída a legislação, no dia seguinte o Judiciário decida simplesmente não cumpri-la?”. Essa situação não apenas desafia a segurança jurídica, mas também pode acabar prejudicando a garantia dos direitos adquiridos, que é essencial para a estabilidade das relações jurídicas no Brasil (Streck,2013).

Em 2019, um caso que chamou a atenção foi a revisão retroativa da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão após a segunda instância. O STF havia decidido anteriormente que a prisão poderia ocorrer nesse estágio do processo. Porém, houve debates sobre a possível revisão dessa decisão, criando incerteza sobre a situação de condenados que foram presos de acordo com a decisão original, acarretando posteriormente em uma sensação de impunidade no Brasil, explanado por alguns jornais.

3.4 Mudanças nas regras trabalhistas

As mudanças frequentes nas regras trabalhistas no Brasil têm sido uma fonte constante de insegurança jurídica para muitos trabalhadores. Um exemplo marcante ocorreu em 2017, quando a reforma trabalhista realizou uma série de alterações nas leis trabalhistas. Algumas delas foram consideradas negativas, como o fim da assistência gratuita da rescisão do contrato de trabalho, a autorização da dispensa coletiva sem intervenção sindical, entre outros. Isso vai de encontro com o que já dizia José Gomes Canotilho, um defensor forte da segurança jurídica, para quem este conceito se subdivide em ‘estabilidade ex post e provisibilidade ex ante, descritas da seguinte forma pelo autor:

(1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica: uma vez adoptadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as decisões estaduais não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável  alteração  das  mesmas  quando  ocorram pressupostos  materiais  particularmente  relevantes.  (2)  previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por   parte   dos   cidadãos, em   relação   aos   efeitos   jurídicos dos   atos normativos (Canotilho, 2003, p. 92, grifos nossos).

Nota-se que o autor destaca que a segurança jurídica se baseia na estabilidade das decisões estatais, que não devem ser modificadas arbitrariamente e, na previsibilidade dos efeitos jurídicos das normas, garantindo certeza e calculabilidade para os cidadãos. Esses princípios são essenciais para um ambiente jurídico estável e confiável.

Entretanto, muitos trabalhadores ficaram preocupados com a perda de direitos adquiridos ao longo dos anos, como jornadas de trabalho e benefícios específicos. Os empresários, por outro lado, tinham dúvidas sobre como aplicar as novas regras de forma adequada. Essas mudanças na legislação trabalhista criam um ambiente de incerteza para ambas as partes e tornam difícil o planejamento a longo prazo. Isso prejudica a estabilidade das relações empregatícias e pode até desincentivar a criação de novos empregos, minando a segurança econômica dos trabalhadores e o crescimento do mercado de trabalho.

3.5 Demarcações de terras indígenas 

Nos conflitos envolvendo terras indígenas muitas vezes são alegados direitos de propriedade e de posse adquiridos por proprietários rurais. Quando uma terra é demarcada como indígena, isso pode resultar na remoção de ocupantes não indígenas que possuíam há anos. Este cenário levanta questões sobre a aplicação do Inciso XXXVI da Constituição Federal, que busca proteger os direitos adquiridos. A falta de uma resolução clara desses conflitos e a incerteza sobre a segurança das propriedades não impactaram apenas os proprietários rurais, mas também afetaram as comunidades indígenas que buscam proteger seus territórios ancestrais. Portanto, a questão das terras indígenas no Brasil é um exemplo complexo de insegurança jurídica, que envolve questões de direitos adquiridos, direitos indígenas e a necessidade de encontrar um equilíbrio justo.

A demarcação da Terra Indígena Marãiwatsédé, em Mato Grosso, é um exemplo de conflito de terras indígenas no Brasil. Uma área anteriormente ocupada por não indígenas gerou insegurança jurídica devido a disputas sobre direitos adquiridos e direitos ancestrais. A demarcação foi marcada por anos de controvérsia, ordens judiciais conflitantes e impactaram tanto as comunidades indígenas quanto os não indígenas que ocupavam a terra, mostrando como essas disputas podem criar incertezas legais no Brasil até mesmo nas propriedades.

4  POSSÍVEIS SOLUÇÕES COM BASE EM OUTROS PAÍSES

Alguns países se destacam no quesito segurança jurídica. Um bom exemplo para espelhamento é a Finlândia, conhecida por sua independência jurídica robusta, oferece um modelo valioso para enfrentar a insegurança jurídica no Brasil. Como pode ser analisado na resposta do Conselho Superior da Magistratura de Portugal para a jornalista do site ECO, evidenciando essa estrutura jurídica europeia, em que é afirmado:

A independência dos juízes e dos tribunais é assegurada, precisamente, pela existência de um órgão independente dos demais poderes do Estado, com exclusiva competência em matéria como a nomeação, colocação, promoção de magistrados, bem como no exercício da ação disciplinar. A função primária do CSM é, por isso, a de garantir a independência dos juízes e dos tribunais (Franco, 2018).

No contexto finlandês, a autonomia judicial é fundamental, assegurada pela clara separação de poderes pela Constituição. Em que esse modelo destaca a importância da imparcialidade judicial, promovendo decisões baseadas exclusivamente em méritos legais, contribuindo para a previsibilidade nas relações jurídicas e fortalecendo a confiança das partes envolvidas. Além disso, a transparência e a responsabilidade no sistema judiciário finlandês fornecem diretrizes específicas, destacando a transparência que fortalece a confiança pública, pois as pessoas podem entender e avaliar as bases das decisões judiciais, promovendo assim a compreensão e o alcance das decisões e, consequentemente, a redução da insegurança jurídica. 

Outro exemplo que está no topo do ranking de segurança jurídica junto com a Finlândia é a Alemanha, por mais que ambos têm algumas semelhanças, o sistema jurídico alemão é conhecido por sua complexidade e detalhamento, fornecendo uma base jurídica sólida e abrangente. Esse país também valoriza a segurança contratual, com um sistema robusto de execução de contratos que contribui para a confiabilidade nas transações comerciais. Evidenciando assim, a causa de os alemães possuírem a economia mais forte do continente europeu, sendo uma boa fonte para exploração dessa área jurídica.

A Dinamarca, outro país modelo em segurança jurídica, possui uma forte tradição em meios alternativos de resolução de conflitos, conhecido pelo nome ADR (Alternative Dispute Resolution), cujo foco de suas modalidades é a negociação, mediação, conciliação e arbitragem. A ADR apresenta inúmeras vantagens, como por exemplo: a otimização do tempo e a redução de custos na solução de conflitos, a promoção da manifestação da autonomia da vontade, garantindo uma maior participação ativa e direta das partes envolvidas na solução e podendo acarretar numa maior satisfação das partes envolvidas e na efetividade do resultado alcançado. A ênfase na Resolução Alternativa não apenas oferece às partes uma maneira eficaz de resolver disputas fora do tribunal, mas também contribui significativamente para a segurança jurídica, proporcionando um processo mais eficiente, flexível e controlado pelas partes envolvidas.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa evidenciou a insustentável insegurança do sistema jurídico brasileiro, discutindo o conceito de insegurança jurídica. Restou claro que cidadãos, investidores, entre outros, não têm confiança na estabilidade e previsibilidade das leis e decisões judiciais brasileiras, que são, nesse sentido, oriundas de julgados divergentes. Os impactos da insegurança jurídica são abrangentes e se manifestam em diversas esferas legais, como nas decisões trabalhistas, nas demarcações de terras dos povos originários, nas alterações de contrato de concessões, em decisões judiciais revistas retroativamente.

No panorama complexo da insegurança jurídica no Brasil, emerge uma realidade multifacetada, marcada por desafios sistêmicos que abrangem desde a morosidade processual até a influência política sobre decisões judiciais. À medida que a imprevisibilidade se entranha nos alicerces do sistema legal, a confiança dos cidadãos é desgastada, dando espaço a um terreno onde a equidade é frequentemente questionada e a busca pela justiça se torna uma jornada incerta. 

Nesse sentido, o presente estudo mostra-se importante, pois, além de apresentar lacunas no sistema judiciário brasileiro, evidencia experiências de outros países que conseguiram superar ou mitigar a insegurança jurídica, propondo soluções e recomendações para enfrentar o desafio da insegurança jurídica no Brasil. 

Nesse cenário desafiador, a necessidade premente de reformas estruturais se revela como uma imperativa exigência para a restauração da confiança na ordem jurídica brasileira. Ações coordenadas visando à celeridade processual, à transparência institucional e ao fortalecimento dos princípios fundamentais do Estado de Direito se apresentam como alicerces essenciais para um sistema jurídico sólido e confiável. Somente por meio desses esforços concertados será possível transcender os obstáculos que alimentam a insegurança jurídica, pavimentando assim um caminho rumo a uma justiça verdadeiramente equitativa e previsível para todos os cidadãos brasileiros.

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1Discente do Curso Superior de Bacharelado em Direito da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS, campus Palmas. E-mail: kalebgospel@gmail.com.

2Docente na Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS, campus Palmas. Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2017). E-mail: odiasilva48@gmail.com.