REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6623597
Autora:
Beatriz Roberta Santana Souza1
Orientadora:
Laislla Ferreira Morais2
RESUMO
O presente trabalho fora realizado sob os meios de prova existentes no Código de Processo Penal bem como em leis extravagantes, exortando sob o valor probatório da vítima nos autos criminais. Há no sistema normativo brasileiro, uma diversidade de meios de provas a serem utilizados pelo órgão jurisdicional, esclarecendo que em muitos casos ocorrentes no dia-a-dia, são solucionados através do fiel depoimento da vítima, o real ofendido da prática delituosa. Apesar da grande relevância de tal depoimento, não deve o magistrado considerá-lo como de forma absoluta, devendo avaliar todo o conjunto probatório produzido nos autos, o que fez realizar um breve estudo sob os meios de prova existentes. Assim como em todas as áreas e assuntos específicos jurídicos brasileiros, as provas a serem produzidas no feito devem obedecer a uma série de princípios, sob pena de não serem considerados por ferirem normas de ordem pública, passíveis de nulidade e não apreciar jurisdicional. A vítima, nos delitos em que viera a sobreviver, deverá ser ouvida, quando fielmente possibilitada para tanto, visando abrilhantar o conjunto probatório, narrando à presença do juiz o real acontecido visando solucionar a demanda criminal com a mais devida justiça.
Palavras-chave: Provas. Princípios. Sistemas.
ABSTRACT
The present work was carried out under the means of proof existing in the Code of Criminal Procedure as well as in extravagant laws, exhorting under the probative value of the victim in the criminal records. There are in the Brazilian normative system a variety of means of evidence to be used by the court, explaining that in many cases occurring day by day, they are solved through the faithful testimony of the victim, the real offended of the criminal practice. In spite of the great relevance of this testimony, the magistrate should not consider it as absolute, and must evaluate all the evidence produced in the proceedings, which made a brief study under the existing evidence. As in all specific Brazilian legal areas and subjects, the evidence to be produced in the deed must comply with a series of principles, otherwise it will not be considered as violating public policy norms, which may be null and void and not judicial. The victim, in the crimes in which he had survived, should be heard, when faithfully enabled to do so, in order to brighten up the probative set, narrating to the presence of the judge the real happened to solve the criminal suit with due justice.
Keywords: Evidence. Principles. Systems.
1. INTRODUÇÃO
Ao presente trabalho, será exemplado os diversos meios de prova existentes no Código de Processo Penal e real valor probatório da vítima nos casos a serem solucionados.
Como tema, abordará o rol de provas elencados no Código de Processo Penal, valendo qualquer tipo de prova produzida nos autos, desde que não seja ilícita, nem mesmo derivadas dos meios ilícitos, haja vista que serão consideradas inaptas ao feito. Será tratada a teoria geral da prova, desde o seu conceito, abrandando todos os princípios consagradores que norteiam as provas processualistas penalistas, bem como os sistemas de avaliação das provas existentes e o fiel aplicado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Em justificativa, é importante frisar a caracterização da importância do testemunho da vítima. Em ditos crimes, há uma dificuldade de provas tendo em vista as próprias características do crime, que na maioria dos casos são praticados sem que existam testemunhas, o que gera a ausência de provas e como consequência, apenas e de forma única, só existe a palavra de quem foi afrontado.
Posteriormente, analisará os objetivos do valor probatório da prova testemunhal da vítima no processo penal, os sistemas de avaliação das provas existentes e os meios de prova de maior importância no ordenamento jurídico. No litígio, é de suma importância analisar os requisitos do devido processo legal, para admissibilidade da prova no processo penal.
Uma vez avaliada o sistema de provas, demonstrando o adotado pela lei brasileira com fulcro no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal de 1.988, serão exortadas as fases do procedimento probatório, consignando que o depoimento do acusado, em quase na totalidade dos casos investigados, será realizado de forma derradeira na audiência de instrução e julgamento a ser realizada.
Derradeiramente, de forma imprescindível, será avaliada sob o depoimento da vítima, em que nos casos em que a mesma sobrevive, deverá ser ouvida em audiência, desde que capacitada para tanto, demonstrando que a sua oitiva é de escudo brilhante em busca de uma verdade real e a devida justiça.
O presente trabalho teve como metodologia de pesquisa, artigos do Código Penal, do Código de Processo Penal, de doutrinadores, Leis Federais e artigos da Constituição Federal.
2. A TEORIA DA PROVA PENAL
O Código de Processo Penal, a partir de seu artigo 155, veio a disciplinar os meios de prova que poderão ser utilizados nos autos criminais, preconizando determinadas disposições gerais que devem ser respeitadas em todos os tipos de provas a serem utilizadas.
A prova, seja no âmbito cível e principalmente no âmbito criminal, merecem uma preocupação árdua tendo em vista que não há a possibilidade de utilização de provas ilícitas nas investigações bem como no andamento do feito processual.
Norberto Avena (2017, p. 314), em sua obra doutrinária “Processo Penal”, a título inicial, exorta:
O Código de Processo Penal, a partir do Título VII, contemplou um conjunto de regras que regulamentam a produção de provas no âmbito do processo criminal. Para tanto, estabeleceu normas gerais relacionadas aos critérios a serem utilizados pelo magistrado na valoração dos elementos de convicção carreados ao processo e ao ônus probante, bem como disciplinou determinados meios específicos de prova, ou seja, elementos trazidos ao processo capazes de orientar o juiz na busca da verdade dos fatos.
Apesar de todas as preconizações legislativas do Código de Processo Penal sob os meios de prova, esse ainda é bastante carecedor da perfeição, fazendo com que julgadores durante todo o trâmite processual façam uma interpretação extensiva, não se limitando apenas aos meios de prova ali previstos.
Pelo narrado, tira-se uma simples conclusão que o rol de provas constantes no decreto-lei nº 3.689/41 é exemplificativo, valendo qualquer tipo de prova produzida nos autos, desde que não seja ilícita, nem mesmo derivadas dos meios ilícitos, haja vista que serão consideradas inaptas ao feito.
Preconiza o artigo 157 do Código de Processo Penal:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§3º. Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
Norberto Avena (2017, p. 314-315) esclarece:
Por tudo isso, não se pode considerar o Código de Processo Penal como limitativo em termos de meios de prova, tampouco interpretá-lo de forma restrita a ponto de considerar-se como exaustiva a regulamentação nele inserida. Bem pelo contrário. Na atualidade, é preciso ter em mente que a regulamentação dos meios de prova existente no Código de Processo Penal não é taxativa, podendo ser aceitos meios de provas atípicos ou inominados, vale dizer, sem regulamentação expressa em lei, amplitude esta que se justifica na própria busca da verdade real que, sempre, será o fim do processo penal. Enfim, desde que não importe em violação à Constituição Federal e às normas processuais gerais, essa categoria de provas despida de regulamentação própria terá, em tese, o mesmo valor das provas consideradas típicas ou nominadas (objeto e regulamentação legal), ou seja, um valor relativo, condicionado ao exame conjunto dos elementos de convicção incorporados ao processo.
Trata-se o rol de provas elencados no Código de Processo Penal exemplificativo, cabendo ao julgador analisar aos autos e as provas juntadas no mesmo, averiguar se houve infringência aos dispositivos constitucionais bem como os infraconstitucionais.
Não havendo contrariedade, as provas, mesmo que não estejam dispostas no Código de Processo Penal, serão aceitas pelo magistrado, sempre observando o contraditório.
O juiz, ao avaliar as provas, possuirá o livre apreciar das mesmas conforme se determina o artigo 155 do código supramencionado, senão vejamos:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
Pelo livre apreciar das provas constantes no artigo supracitado, deve-se manter bastante cuidado ao interpretar tal dispositivo haja vista que apesar do livre convencimento do juiz ao avaliar cada tipo de prova, não basta apenas acreditar que uma é válida e outra não, cabendo ao julgador motivar sua decisão por expressa determinação constitucional.
Determina o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal de 1988:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(…)
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Percebe-se que o magistrado, ao fazer a decisão de determinado processo criminal, poderá apreciar livremente as provas apresentadas, todavia, desde que fundamente os seus convencimentos tendo em vista que há essa obrigatoriedade, sob pena de nulidade da decisão proferida.
2.1 Conceito e Finalidade da Prova
Com o intuito precípuo de conceituar o que viria a ser prova, Norberto Avena (2017, p. 315) estatui com brilhantismo:
Prova é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinadas pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias. (…) o termo prova deriva do latim probatio, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. No processo penal, a produção da prova objetiva auxiliar na formação do convencimento do juiz quanto à veracidade das afirmações das partes em juízo. Não se destina, portanto, às partes que a produzem ou requerem, mas ao magistrado, possibilitando, destarte, o julgamento de procedência ou improcedência da ação penal.
Denota-se pelo trecho supratranscrito pelo nobre doutrinador, que provas são os elementos que as partes levam ao processo criminal ou até mesmo que o magistrado requisite de ofício com o intuito de se comprovar a verdade dos fatos ocorridos, para que o juízo constate e realize um julgamento com a mais devida justiça.
Conforme já mencionado alhures, apesar do magistrado possuir o livre apreciar das provas produzidas, deve fundamentar a decisão a ser proferida, bem como resguardar e proteger determinados regramentos próprios como, por exemplo, a proibição das provas ilícitas bem como as suas derivadas conforme sedimentado no artigo 157 do Código de Processo Penal.
2.2 Objeto da Prova
A fase processual em que as partes saneiam, apresentando ao magistrado as provas que pretende produzir, sejam quais forem, é de suma importância haja vista que precisam convencer o juiz à veracidade dos fatos, cada qual com sua tese de defesa.
O objetivo primordial das provas é justamente comprovar a verdade do ocorrido, independentemente do crime cometido, com o intuito de convencer o juízo.
Norberto Avena (2017, p. 315-316) exalta:
Por objeto da prova compreendem-se os fatos que, influindo na apuração da existência ou inexistência de responsabilidade penal, são capazes de gerar dúvida no magistrado, exigindo, por isso mesmo, a devida comprovação.
Todavia, existem determinados fatos que se excluem da necessidade de comprovação, os quais consistem em:
1. Fatos axiomáticos: são aqueles considerados evidentes, que decorrem da própria intuição, gerando grau de certeza irrefutável. Trata-se dos fatos indiscutíveis, induvidosos, que dispensam questionamentos de qualquer ordem. Por exemplo: a prova da putrefação do cadáver dispensa a prova da morte, pois a primeira circunstância (putrefação) decorre da segunda (a morte);
2. Fatos notórios: são os que fazem parte do patrimônio cultural de cada pessoa. Por isso mesmo, aqui se aplica o princípio notorium non eget probatione – o que é notório dispensa prova. Exemplos: na comarca de Camaquã, denunciando o Ministério Público, determinada pessoa por crime contra a honra do Prefeito Municipal, será desnecessário comprovar, naquele juízo, que a vítima realmente foi diplomada como Chefe Executivo, pois essa circunstância é por todos sabida na localidade, inclusive pelo juiz que lá jurisdiciona. Outros exemplos: moeda nacional, condição de Presidente da República, um feriado nacional, etc.
3. Presunções legais; são juízos de certeza que decorrem da lei. Classificam-se em absolutas (presunções jure et de jure) ou relativas (presunções juris tantum). As primeiras não aceitam prova em contrário, sendo exemplo a condição de inimputável do indivíduo menor de dezoito anos. Já as segundas admitem a produção de prova em sentido oposto, como a presunção de imputabilidade do maior de dezoito anos, que pode ser descaracterizada a partir de laudo de insanidade mental apontando que o indivíduo não possui discernimento.
4. Fatos inúteis: são os que não possuem nenhuma relevância na decisão da causa, dispensando a análise pelo julgador. São circunstâncias incidentais, de caráter secundário, absolutamente desnecessárias à solução da ide. Exemplo: as preferências sexuais de indivíduo acusado de crime de furto.
Merece ser destacado, ainda, sob os fatos considerados incontroversos, em que ambas as partes articulam sob o mesmo sentido, não havendo contrariedade entre elas.
Se determinado fato nos autos criminais for considerado incontroverso, o magistrado não ficará adstrito sob tal incontroversa haja vista que no processo criminal funciona diversamente do processo civil, sendo que esta não havendo controvérsia sobre algum fato articulado no feito, não se fará e permitirá qualquer prova sob tal.
No processo penal, havendo dúvida pelo magistrado sob os fatos ocorridos, determinará que se realize determinada prova, a seu mandado, senão vejamos o disposto no inciso II do artigo 156 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
(…)
II – Determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
A fim ainda de elucidar sob a não possibilidade de consideração de alguma prova de forma absoluta, nem mesmo a confissão do acusado nos autos criminais poderão levar a sua condenação, devendo o magistrado avaliar todas as provas produzidas nos autos conforme determina o artigo 197 do Código de Processo Penal, que estabelece: “O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.”
2.3 Princípios Gerais
Como a toda área do direito, as provas no processo penal devem respeitar uma série de princípios básicos que devem ser estritamente respeitados sob pena de não ser considerado válida, o que se passará ao presente momento, a transcorrê-las.
2.3.1 Princípio do Contraditório
Tal princípio, consagrador no direito brasileiro, faz significar que em toda prova nos autos criminais realizadas por uma das partes, tenha a outra o direito de resposta, a fim de explicitar a sua versão nos fatos.
Eugênio Pacelli (2017, p. 175) em sua obra doutrinária “Curso de Processo Penal” enaltece:
Lembraremos apenas que o contraditório, cuja compreensão ate a década de 1970 limitava-se à garantia de participação das partes no processo, com o direito à informação oportuna de toda prova ou alegação feita nos autos, bem como a possibilidade de reação a elas, passou, com a doutrina do italiano Elio Fazzalari, a incluir também o critério de igualdade ou da par conditio (paridade de armas), no sentido de que a participação, se fizesse em simétrica paridade.
Cabe as duas partes no processo possuírem direito de contraprova e resposta às alegações de outrem.
2.3.2 Princípio da Comunhão
Tal princípio vem a preconizar que uma vez quaisquer das partes colacionando elementos probatórios aos autos criminais, as mesmas pertencerão ao feito, não mais sendo uma prova individual de cada parte, passando, portanto, a serem elementos probatórios que quaisquer das partes poderão utilizar.
Norberto Avena (2017, p. 316-317):
Uma vez trazidas aos autos, as provas não mais pertencem à parte que as acostou, mas sim ao processo, podendo, desse modo, ser utilizadas por quaisquer dos intervenientes, seja o juiz, sejam as demais partes. Em nome dessa sistemática, por exemplo, é que não se pode, em tese, admitir a desistência da oitiva de testemunha arrolada por um dos pólos sem a anuência do outro, pouco importando se quem a arrolou foi a acusação ou a defesa. Dizemos “em tese” porque, na disciplina conferida ao procedimento comum ordinário pela lei 11.719/2008, dispôs o artigo 401, §2º, que as partes poderão desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas, sem exigir, para tanto, a aquiescência da parte ex adversa. Apesar desta normatização, cremos que, em função do princípio da comunhão da prova, a concordância da outra parte com a desistência de prova oral levada a efeito pela parte contrária deve sim ser uma condição para que possa o magistrado homologá-la. Considere-se, por exemplo, que a defesa não tenha arrolado determinada testemunha pelo fato de esta já se encontrar no rol das testemunhas de acusação. Nesse caso, a desistência incondicional da testemunha pelo promotor implicaria prejuízo ao acusado.
2.3.3 Princípio da Oralidade
O princípio da oralidade, muito utilizado na área trabalhista, se aplica com plenitude ao processo penal haja vista que as provas realizadas na presença do juiz, feitas oralmente, predominam sob os elementos probatórios documentais que vierem a ser acostados aos autos.
A título de exemplo para elucidar, uma testemunha que vier a prestar seu depoimento oralmente na audiência de instrução e julgamento, poderá na maioria dos casos, explicitarem a veracidade dos fatos tendo em vista que a simples presença do magistrado já impõe certa autoridade e coação do cidadão em falar a verdade.
Outrossim, o juiz, muito experiente nos casos em comento, poderá fazer perceber que a testemunha não reproduz a verdade dos fatos pelo simples modo de responder aos questionamentos, mostrando que a oralidade é de suma importância nos casos criminais.
Tal princípio, muitos doutrinadores, o subdivide em dois subprincípios sendo o da concentração e o da imediação, que serão melhores exemplados a seguir.
2.3.3.1 Da Concentração
Norberto Avena (2017, p. 317) estatui em sua obra doutrinária:
A produção probatória deve ser concentrada em uma só audiência ou, ao menos, no menor número possível delas. Este critério de condução do processo, já inserido em diplomas legais, como a lei 9.099/95 (art. 81), foi incorporado ao Código de Processo Penal pela lei 11.719/2008, ao estabelecer, nos artigos 400, 411 e 431 (procedimento ordinário, rito do júri e procedimento sumário, respectivamente), a concentração das provas orais em audiência única de instrução.
O subprincípio em comento, advindo do princípio da oralidade, vem estabelecer que todos os atos processuais devem ser concentrados na audiência de instrução e julgamento, para que se realize e faça com que o magistrado tome contato com todos os elementos de prova de uma só vez, para que se convença da realidade dos fatos.
Preconiza o artigo 81 da Lei nº 9.099/95:
Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas as vítimas e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.
§1º. Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.
§2º. De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado pelo Juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência e a sentença.
§3º. A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do Juiz.
Outrossim, estabelecem os artigos 400, caput do 411 e 431 do Código de Processo Penal:
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
§1º. As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
§2º. Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento das partes.
Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate.
Art. 431. Estando o processo em ordem, o juiz presidente mandará intimar as partes, o ofendido, se for possível, as testemunhas e os peritos, quando houver requerimento, para a sessão de instrução e julgamento, observando, no que couber, o disposto no art. 420 deste Código.
Denota-se por todos os artigos supramencionados, que na audiência de instrução e julgamento, serão ouvidas todas as partes, testemunhas, peritos caso seja necessário para que o magistrado tome conhecimento de uma vez só, a todos os elementos de prova, com o intuito precípuo de averiguar a procedência ou improcedência dos autos criminais.
2.3.3.2 Da Imediação
Já no que se refere ao subprincípio da imediação, vem estabelecer que o juiz deverá tomar contato diretamente com os elementos probatórios em audiência de instrução, para que possa atribuir os valores necessários à cada prova, questionando os pontos ainda em dúvida, evitando que profira uma sentença inócua e sem entendimento fático.
2.3.4 Princípio da Publicidade
O princípio em comento, não só aplicável no âmbito processual penal e sim também em outras áreas do direito, reza que todo processo, em regra, é público, isto é, qualquer cidadão poderá ter acesso aos processos, não podendo ser limitados às partes e seus procuradores.
Entretanto, há situações, que a própria legislação determina que certos processos corram em segredo de justiça, ficando fidedignamente limitado às partes e os seus advogados, não podendo ser amostrados a outras pessoas.
Considerando a importância das questões atinentes ao processo penal, nada mais correto do que sejam elas tratadas publicamente. Por isso, os atos que compõem o procedimento, inclusive a produção de provas, não devem ser efetuados secretamente. Visa-se, aqui, a garantir ao cidadão comum acesso e confiança no sistema da administração da justiça.
A título de elucidação, preconiza o §6º do artigo 201 do Código de Processo Penal:
Art. 201. (…)
§6º. O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.
Ainda, determina o caput e §1º do artigo 792 do mesmo diploma normativo:
Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.
§1º. Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.
Portanto, há possibilidade de que determinado processo seja reservado apenas às partes e seus advogados, não podendo qualquer pessoa ter acesso ao mesmo.
2.3.5 Princípio da Autorresponsabilidade das Partes
Tal princípio, nada mais é, do que o ônus da prova de cada parte, sendo como regra, a condenação pelo ilustre membro do Ministério Público e a não condenação, pelo réu, buscando aparelhar sua defesa em teses muitas das vezes cabulosas.
Se, por exemplo, o papel do parquet é estritamente buscar elementos de prova para comprovar a autoria e materialidade do crime com o fim de conquistar uma condenação em prol do acusado, não vier a conseguir comprovar, não restará alternativa ao magistrado senão absolver aquele tendo em vista que na dúvida, deverá haver uma absolvição.
Portanto, cada parte nos autos criminais, com o seu ônus da prova, deverá buscar elementos probatórios para comprovar as alegações de que constem em suas peças, acusatória ou defensória.
2.3.6 Princípio da Não Auto-Incriminação
Determina tal princípio consagrador da área penalista, que ninguém é obrigado pela legislação, e nem mesmo poderá ser pelo representante do Poder Judiciário, a produzir prova em desfavor de si próprio.
2.4 Sistemas de Apreciação das Provas
Os sistemas de apreciação de provas vêm ressaltar e demonstrar que atualmente as provas são valoradas de forma diversa dos antecedentes históricos, mostrando que hoje em dia, muitas mudanças ocorreram, visando sempre em busca da melhor valoração e comprovação dos elementos probatórios.
Norberto Avena (2017, p. 318) esclarece:
Ao longo da história, a apreciação das provas passou por diferentes fases, conforme as convicções, os costumes, a conveniência e até mesmo o regime de cada povo.
Primitivamente, adotou-se o sistema étnico ou pagão, ficando a “apreciação das provas ao sabor das impressões do juiz, que as aferia de acordo com sua própria experiência, num sistema empírico.”
Após, passou-se a aplicar o sistema religioso ou ordálio, invocando-se um julgamento divino como critério de definição da inocência ou culpa do indivíduo. Os ordálios eram chamados de Juízos de Deus, firmando-se na falsa crença de que a divindade intervinha nos julgamentos e que a veracidade dos fatos seria demonstrada com base em sinais externados no mundo terreno a partir da submissão do pretenso culpado a determinadas provas corporais dolorosas, a prova da água fria (lançava-se o suspeito à água, sendo considerado culpado se viesse à tona e inocente caso submergisse), a prova do ferro em brasa (obrigava-se o acusado a transitar descalço sobre uma chapa de ferro em brasa, sendo considerado inocente se nada lhe acontecesse) e o duelo judicial (realizado a cavalo ou a pé, de acordo com a classe social das partes, por um determinado período de tempo, perdendo o processo quem fosse vencido no duelo).
A partir do final do século XII, com a intensificação das relações comerciais e a formação dos primeiros Estados absolutistas, o poder passou a concentrar-se nas mãos de um soberano, o qual, gradativamente, foi abandonado a condição de porta-voz da divindade para assumir as funções de julgador. Importante observar que todo este processo foi fortemente influenciado pelo IV Concílio de Latrão, lançado pelo Papa Inocêncio III em 1215 em razão da necessidade de a Igreja controlar o comportamento dos seus fiéis e combater as heresias.
Ainda exortando sob a história da valoração das provas, estatui:
Por conta da evolução do direito, chegou-se, em dado momento histórico, ao sistema legal, segundo o qual a decisão do julgador estar vinculada a critérios predefinidos no ordenamento jurídico, ausente, portanto, qualquer liberdade de avaliação da prova. Não obstante a desvantagem deste sistema, na medida em que condicionava a decisão do julgador à autoridade do soberano ou da Igreja, a verdade é que apenas com o seu surgimento é que o direito passou a ter regras específicas de avaliação das provas, pois até então essa análise ocorria de forma aleatória, isto é, a revelia de um critério objetivo de aferição.
Com o passar dos tempos e o gradativo enfraquecimento dos regimes absolutistas, o sistema legalista foi sendo, também, paulatinamente substituído pelo sistema do livre convencimento (persuasão racional), que se tornou efetivamente conhecido a partir os Códigos Napoleônicos. Segundo este critério, embora possua o juiz a liberdade na aferição das provas, esta não é irrestrita. Além disso, obriga-se o julgador a fundamentar as razões de seu entendimento. Despe-se este sistema de apreciação, como se vê, da rigidez do sistema da prova legal, devendo a decisão do magistrado resultar de uma operação lógica fulcrada em elementos de convicção angariados ao processo.
Ressalte-se que não se pode confundir livre convencimento com o sistema da íntima convicção, que surgiu em dado momento histórico, caracterizando-se pela permissividade de o juiz decidir independentemente de qualquer fundamentação e à revelia de provas preexistentes. Com efeito, enquanto no livre convencimento o juiz decide (intimamente) e depois tem que motivar sua decisão, na íntima convicção o juiz decide (intimamente) sem a necessidade de exteriorizar as razões de sua convicção. (AVENA, 2017, p. 318).
Denota-se dos trechos retro transcritos do ilustre doutrinador penalista, que várias são as passagens por valoração de provas, o que atualmente, pelo Código de Processo Penal, é estritamente adotado o livre convencimento motivo do magistrado.
Tal tipo de valoração das provas faz com que o julgador se convença dos fatos ocorridos através das provas produzidas nos autos criminais, devendo obrigatoriamente fundamentar a decisão proferida com fulcro no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal de 1988.
Preconiza o caput do artigo 155 do Código de Processo Penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzia em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Apesar do sistema atual do livre convencimento motivado do magistrado, ainda há em alguns dispositivos processuais penalistas, resquícios dos sistemas da prova tarifada bem como da íntima convicção do juiz conforme restará demonstrado a seguir.
2.4.1 Sistema do Livre Convencimento Motivado
O sistema do livre convencimento motivado, também conhecido como sistema da persuasão racional, é o método adotado pelo regime atual do Código de Processo Penal, devidamente consagrado no caput do seu artigo 155 conforme supracitado.
Tal sistema vem estabelecer que o magistrado deixe que as partes livremente produzam suas provas nos autos criminais para se saber a real realidade fática, devendo o juiz fundamentar sua decisão quando proferida, respeitados, por óbvio, o contraditório, isto é, a toda prova produzida por uma parte, deverá dar oportunidade à parte contrária para que se manifeste sobre.
O juiz não poderá fundamentar sua decisão unicamente nos elementos de investigação colhidos no inquérito policial tendo em vista se tratar de um procedimento administrativo, que não se ocorre o contraditório, devendo ouvir as partes e receber as provas que queiram produzir.
O ilustre doutrinador Norberto Avena (2017, p. 319) esclarece:
A partir dessa redação, conclui-se, em relação a esse sistema:
1. Não limita o juiz aos meios de prova regulamentados em lei: isso significa que, sendo lícitas e legítimas, mesmo as provas inominadas, isto é, sem nenhuma regulamentação, poderão ser admitidas na formação da convicção do julgador.
2. Caracteriza-se pela ausência de hierarquia entre os meios de prova: outra decorrência do livre convencimento é a de que não estabelece valor prefixado na legislação para cada meio de prova, nada impedindo que o juiz venha a conferir maior valor a determinadas provas em detrimento de outras. Poderá, por exemplo, discordar da prova pericial e condenar ou absolver o réu com base, unicamente, em prova testemunhal; e, também, convencer-se quanto à versão apresentada por testemunha não compromissada, infirmando o depoimento de outra que tenha sido juramentada. Essa liberdade valorativa do magistrado, entretanto, não é absoluta, encontrando restrições impostas pela Lei e pela Constituição, quais sejam:
a) Necessidade de motivação: esta exigência decorre, sobretudo, da Constituição Federal, a qual, no art. 93, IX, obriga à motivação das decisões judiciais. Mas também se encontra implícita na regulamentação estabelecida pelo próprio Código de Processo, o qual, entre outros dispositivos, no art. 381, III, estabelece que a sentença deva conter a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão.
b) As provas deverão constar dos autos do processo judicial: não pode o magistrado formar sua convicção com base em elementos estranhos ao processo criminal. A propósito, na própria exposição de motivos do Código de Processo Penal, o legislador de 1941 asseverou que “o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos.”
3. Exige, para fins de condenação, que as provas nas quais se fundar o juiz tenham sido produzidas em observância às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa: conforme dispõe o art. 155 do CPP, a liberdade de valoração restringe-se à prova produzida sob o contraditório judicial. Ressalte-se que o referido dispositivo não proibiu o magistrado de utilizar eventuais provas obtidas na fase extrajudicial como elementos de convicção secundários, restringidos, apenas, a possibilidade de serem estes os fundamentos exclusivos do seu convencimento. E mais: o legislador, com muita propriedade, ressalvou da necessidade do contraditório judicial as provas realizadas em caráter cautelar, antecipadamente e não sujeitas a repetição, assim compreendidas aquelas consideradas urgentes, que exigem produção imediata, antes mesmo de iniciada a ação penal, sob pena de perecimento.
2.4.2 Sistema da Íntima Convicção
Muitos estudiosos do direito acabam confundindo o presente sistema da íntima convicção com o exortado anteriormente, por possuírem nomenclaturas bem parecidas, o que não merecem os mesmos aplausos por serem totalmente distintas.
No presente sistema, muito utilizado nos tempos remotos, o julgador não precisa fundamentar a decisão proferida ou a ser tomada, apenas condenando ou absolvendo o réu.
No sistema do livre convencimento motivado, o qual é adotado no Código de Processo Penal atualmente, o magistrado com fulcro no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal de 1.988, tem como obrigação motivar sua decisão sob pena de nulidade, haja vista que as partes integrantes do feito possuem como direito saber os motivos que levaram o magistrado a chegar à conclusão da decisão.
Apesar do Código de Processo Penal, nos dias atuais ter adotado o sistema do livre convencimento motivo, há resquícios em algumas situações do sistema da íntima convicção como nos julgamentos da Tribuna do Júri, em que os jurados, integrantes do Conselho de Sentença, fazem a sua votação, condenando ou absolvendo o réu, não necessitando motivar/fundamentar o voto proferido.
2.4.3 Sistema da Prova Tarifada
No presente sistema, a legislação determina o valor de cada prova a serem apresentadas nos autos, indicando quais possuem valor probatório superior a outras, não possuindo o juiz o livre convencimento dos elementos de prova.
Apesar do Código de Processo Penal não admitir tal sistema em sua prática, assim como no sistema anterior mencionado, ainda há resquícios no código em comento sob tal meio como ocorre em seu artigo 62, in verbis: “No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.”
No dispositivo legal supracitado, determina que em caso de morte do acusado, o magistrado somente poderá fazer a extinção da punibilidade se for apresentada aos autos a certidão de óbito respectiva, ouvindo previamente o ilustre representante do Ministério Público, valorando a prova documental.
2.5 Fases do Procedimento Probatório
Norberto Avena (2017, p. 320) preceitua com exatidão:
Quatro são as etapas que compõem o procedimento de produção das provas no processo penal. Importante mencionar que essa divisão, realizada em nível doutrinário, justifica-se na necessidade do estabelecimento de critérios para o deferimento ou indeferimento das provas requeridas, bem como para a escolha da correta via impugnativa contra a decisão judicial que acolher ou não o pleito de produção de provas.
De acordo com os ensinamentos do ilustre doutrinador supramencionado, a primeira fase do procedimento probatório é a “proposição”, em que as partes levam aos autos criminais os seus requerimentos das provas que pretende produzir, propondo literalmente ao magistrado os elementos probatórios que irão comprovar as suas alegações.
Segundamente, a segunda fase do procedimento de provas é a fase da “admissão”, em que o magistrado fidedignamente irá avaliar os requerimentos apresentados por ambas as partes, deferindo ou indeferindo às que entender impertinentes ou desnecessárias ao caso em concreto.
Uma vez o juiz deferindo os elementos probatórios requeridos pelas partes, passará à terceira fase do procedimento probatório, chamado de “produção”, em que se trará para “dentro” do processo elementos probatórios extraprocessuais, como, a título de exemplo, a oitiva de testemunhas.
Posteriormente, o juiz ao proferir a decisão dos autos criminais, valorará cada prova apresentada e produzida nos autos, frisando que sempre fundamentará a sua decisão, com fulcro no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal de 1.988, sob pena de nulidade do ato decisório.
3. OS DIFERENTES MEIOS DE PROVA
Antes de adentrarmos aos meios de prova no processo penal e exclusivamente ao depoimento da vítima, que será tratado no próximo capítulo, se faz necessária uma breve síntese, sobre o ônus probatório nos autos criminais, para melhor elucidação e compreensão.
Preconiza o artigo 156 do Código de Processo Penal:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – Ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – Determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligência para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Denota-se da primeira parte do caput do dispositivo legal supramencionado, que o ônus da prova é de quem faz a alegação dos fatos em juízo, cabendo à parte comprovar a realidade com elementos probatórios.
Pelo disposto no Código de Processo Penal, Norberto Avena (2017, p. 321) afirma que traz uma diferenciação entre ônus e obrigação, senão vejamos:
Isso porque uma obrigação descumprida representa um ato contrário ao direito, ao qual corresponde uma penalidade. Por exemplo: uma vez intimada a depor, tem a testemunha a obrigação de comparecer, caso contrário, haverá condução coercitiva, pagamento das despesas da condução, eventual responsabilidade penal por crime de desobediência e multa (arts. 218 e 219 do CPP). Caso compareça e não diga a verdade em face das perguntas que lhe forem formuladas, poderá, salvo exceções legais, responder por crime de falso testemunho (art. 342 do CP). Já quanto ao ônus, possui natureza diversa, representando, simplesmente, um arbítrio relegado à parte onerada, que, realizado, é capaz de conduzi-la ou deixá-la em condição favorável dentro do processo. Descumprido pela defesa o ônus da prova quanto aos fatos que lhe incumbe comprovar, a conseqüência será uma possibilidade maior de condenação, embora esta não seja uma conseqüência certa ou provável. Outro exemplo: descumprido, pelo Ministério Público, o ônus de apresentação de quesitos à perícia que requereu, nem por isso ficará esta prejudicada, representando o ato de inadimplemento, simplesmente, uma circunstância capaz de colocar a acusação em posição jurídica desfavorável, pois, eventualmente, ausentes quesitos específicos, não esclarecerá o expert exatamente o objeto da dúvida que motivou o requerimento de laudo.
O ônus probatório nos autos criminais cabe à parte que faz a alegação, sendo do Ministério Público a prova da autoria e da materialidade do delito cometido e do acusado dos fatos contrários argüidos pela Promotoria.
Claro que nem sempre o papel do membro do “parquet” é o de acusação, podendo comprovar com suas investigações e testemunhas arroladas, que o crime cometido não fora de autoria do acusado, e sim de um terceiro, não arrolado nos autos, podendo fidedignamente, o ilustre representante do Ministério Público, requerer a absolvição do acusado.
O papel do Ministério Público, como real titular da ação penal é colher todos os elementos probatórios e seguir nos autos criminais, encontrando o real culpado, o real ofensor do crime cometido.
Cabe ao magistrado avaliar as provas que lhe são trazidas nos autos, tanto pela acusação quanto pela defesa, se convencendo da materialidade ou não materialidade do delito cometido e, ainda, da autoria.
Ao juiz, denota-se que realiza a avaliação das provas trazidas ao feito. Todavia, poderá esse requisitar quaisquer diligências que lhe sejam necessárias para descobrimento da verdade, visando solucionar qualquer dúvida que ainda tenha de acordo com o inciso II do artigo 156 do Código de Processo Penal.
E, ainda, poderá o magistrado, antes mesmo da instauração do processo criminal contra determinado acusado, determinar a realização de determinadas provas desde que ocorram motivos relevantes para tanto, evitando que os elementos probatórios se desapareçam conforme preconiza o inciso I do mesmo artigo supramencionado.
Superada a parte do ônus probatório, se faz necessário uma análise dos mais importantes meios de prova existentes no Código de Processo Penal, visando sempre fazer a descoberta da real situação fática com a devida materialidade e autoria do infrator.
3.1 Do Interrogatório
Preconiza o caput do artigo 400 do Código de Processo Penal:
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Pelo dispositivo legal supracitado, denota-se que o interrogatório do acusado, pelas diretrizes do Código de Processo Penal, é o último ato processual a ser realizado nos autos na audiência una de instrução e julgamento.
Todavia, merece frisar que possuem leis próprias que tal disciplina já possui outra normatização, como a Lei de Tóxicos – Lei nº 11.343/2.006, senão vejamos o disposto do seu artigo 57, in verbis:
Art. 57. Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.
Perceba-se que nos casos dos autos criminais em que se trata de crimes de drogas, o acusado será interrogado preliminarmente, anteriormente às testemunhas arroladas.
Tal dispositivo não afronta as diretrizes do Código de Processo Penal, pois apesar de haver contrariedade, a Lei nº 11.343/2.006 trata-se de uma lei especial e aquela de uma lei geral, o que prevalece, pelos estudos constitucionais, que uma norma especial se sobrepõe a uma norma de caráter geral.
Apesar do mais devido respeito ao preconizado no artigo 57 da Lei de Drogas, denota-se que a ordem estabelecida pelo artigo 400 do Código de Processo Penal mais se condiz com o princípio da ampla defesa, princípio este constitucional.
Isto porque o acusado possui o direito de ser interrogado após às testemunhas, para que ele possa, através de orientações de seu procurador, melhor se defender com base nas articulações usadas pelas testemunhas ouvidas.
Vale mencionar que o interrogatório do acusado é meramente facultativo, não sendo obrigatório ser realizado conforme os ensinamentos do ilustre doutrinador Eugênio Pacelli (2017, p. 199) em sua obra doutrinária “Curso de Processo Penal”, senão vejamos:
Trata-se, efetivamente, de mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo a permitir que ele apresente a sua versão dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo. E a conceituação do interrogatório como meio de defesa, e não de provas (ainda que ostente valor probatório), é riquíssima de conseqüências. Em primeiro lugar, permite que se reconheça, na pessoa do acusado e de seu defensor, a titularidade sobre o juízo de conveniência e a oportunidade de prestar ele (o réu), ou não prestar, o seu depoimento. E a eles caberia, então, a escolha da opção mais favorável aos interesses defensivos. E é por isso que não se pode mais falar em condução coercitiva do réu, para fins de interrogatório, parecendo-nos revogada a primeira parte do art. 260 do CPP. Fazemos a ressalva em relação à possibilidade de condução coercitiva para o reconhecimento de pessoas, meio de prova perfeitamente possível e admissível e nosso ordenamento. Em segundo lugar, impõe, como sanção, a nulidade absoluta do processo, se realizado sem que se desse ao réu a oportunidade de se submeter ao interrogatório. Haveria, no caso, manifesta violação da ampla defesa, no que se refere à manifestação da autodefesa.
Deve o magistrado, na audiência de instrução e julgamento a ser realizada, oportunizar ao acusado o direito de ampla defesa, realizando seu interrogatório, sob pena de nulidade processual, por cerceamento de defesa.
Todavia, se por ventura, dada a oportunidade ao acusado e este não quiser ser interrogado, poderá haver tal dispensa, fazendo constar em ata o ocorrido, não sendo obrigado a tal.
Frisa-se que muitas vezes os casos são resolvidos através do interrogatório do acusado, em que sendo o real infrator do crime, poderá acabar realizando a confissão do delito ocasionado, seja expressamente ou de forma tácita, em que contraria informações já constantes nos autos.
Portanto, é de grande valia para o feito que se realize o interrogatório do acusado, pois poderá solucionar diversas dúvidas ainda existentes no caso em concreto.
3.2 Confissão
Tal meio de prova ocorre quando o acusado confirma os fatos articulados pelo Ministério Público, confessando ser ele o próprio autor da infração penal, ou com a ajuda de outros cidadãos.
Todavia, para a confissão ser realizada e valorada pelo magistrado, não basta simplesmente que seja feita, devendo respeitar requisitos para ser fiel apreciada com a mais devida valia.
Norberto Avena (2017, p. 386) exorta:
Trata-se a confissão do reconhecimento pelo réu da imputação que lhe foi feita por meio da denúncia ou da queixa-crime. Segundo dispõe o art. 190 do CPP, se o réu confessar a autoria, deverá ser perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato, bem como se outras pessoas concorreram para a infração, declinando-as, em caso positivo. Visando à validade da confissão, aponta a doutrina a necessidade da presença de requisitos intrínsecos e de requisitos formais. Como requisitos intrínsecos, destacam-se a verossimilhança, que se traduz como a probabilidade de o fato efetivamente ter ocorrido da forma como confessada pelo réu; a clareza, caracterizada por meio de uma narrativa compreensível e com sentido inequívoco; a persistência, que se revela por meio da repetição dos mesmos aspectos e circunstâncias, sem modificação no relato quanto aos detalhes principais da ação delituosa; e a coincidência entre o relato do confitente e os demais meios de prova angariados ao processo. Por outro lado, como requisitos formais estão a pessoalidade, devendo a confissão ser realizada pelo próprio réu, não se admitindo seja feita por interposta pessoa, como o defensor e o mandatário; o caráter expresso, pois deve ser reduzida a termo; oferecimento perante o juiz competente, qual seja, o que está oficiando no processo criminal; a espontaneidade, impondo-se que seja oferecida sem nenhuma coação; e a saúde mental do imputado, possibilitando-se o convencimento do juízo de que o relato não está sendo fruto da imaginação ou de alucinações do acusado.
Preceituam os artigos 197 a 200 do Código de Processo Penal:
Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existem compatibilidade ou concordância.
Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
Art. 199. A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art. 195.
Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.
Pelos dispositivos legais supramencionados, chega-se a várias conclusões, dentre elas, que a confissão não é um meio de prova de caráter absoluto.
Isto é, havendo confissão do acusado, seja parcial ou mesmo totalmente de todos os fatos narrados na denúncia ou queixa-crime, o magistrado não pode se basear unicamente em tal meio de prova, devendo avaliar todo o conjunto probatório.
Ainda, poderá o juiz considerar em partes a confissão realizada pelo acusado, não necessitando aceitá-la como um todo unitário, pois muitas vezes, pode ocorrer a confissão parcial para usar algum tipo de tese defensiva sobre outras articulações do Ministério Público.
A confissão pode, outrossim, ser retratável, cabendo ao acusado neste caso, dizer ao juízo que a confissão oferecida aos autos não condiz com a realidade fática, não sendo obrigado o magistrado a recusar a confissão realizada nos autos.
Deverá o julgador avaliar a confissão juntamente com a retratação e valorar qual delas traduz a significativa real dos fatos.
3.3 Prova Testemunhal
Norberto Avena (2017, p. 395-397) estatui:
(…) testemunha é a pessoa que, perante o juiz, declara o que sabe acerca dos fatos sobre os quais se litiga no processo penal, ou as que são chamadas a depor, perante o juiz, sobre as suas percepções sensoriais a respeito dos fatos imputados ao acusado. (…) Como regra geral, para a acusação, por analogia ao art. 357, §6º, do CPC/2015, o número é definido segundo a quantidade de fatos imputados, independentemente de quantos sejam os acusados. Exemplo: no procedimento comum ordinário, poderá o Ministério Público arrolar até oito testemunhas para apuração de um crime de roubo, desimportando se a denúncia atribui o delito a um vários agentes; entretanto, se a denúncia estiver imputando dois crimes de roubo ao mesmo ou vários agentes, o número de testemunhas será de, no máximo, dezesseis. Já para a defesa, leva-se em consideração não apenas o número de fatos, como também o número de réus. Exemplo: dois réus acusados da prática de um roubo terão o direito de arrolar, cada qual, oito testemunhas, totalizando dezesseis, ainda que possuam o mesmo defensor. O mesmo número será facultado para o caso de um só réu responder por dois crimes de roubo. No entanto, se dois réus respondem a dois crimes de roubo, o número máximo permitido será de trinta e duas testemunhas, isto e, oito para cada fato atribuído a cada réu. Também, como regra, não se computarão no número máximo permitido as testemunhas referidas, as não compromissadas, as judiciais e as que nada souberem que importe à decisão da causa (…).
A prova testemunhal é de grande valia para os autos criminais, muitas vezes tratando da “peça chave” da comprovação dos fatos ocorridos.
A testemunha que for arrolada tanto pela acusação quanto pela defesa e for devidamente intimada para comparecer em juízo para prestar depoimento, será obrigada a comparecer sob pena de sofrer diversas penalidades, criminais, cíveis e ainda podendo ser coagida forçadamente mediante um mandado de condução coercitiva.
Claro que tal obrigação é de forma relativa, haja vista que existem situações práticas que podem ocorrer que faz desobrigar uma testemunha como estar impossibilitada por algum motivo imperioso.
A testemunha, uma vez estando em juízo, possui o dever de dizer a verdade sob pena de ser responsabilizada criminalmente pelo delito de falso testemunho, salvo os casos previstos em lei em que admitem o não compromisso.
Frisa-se consignar que as testemunhas a serem ouvidas pela parte da acusação, isto é, pelo Ministério Público, real titular da ação penal, deverão estar arroladas na peça de denúncia ou nos casos de ação penal privada, na queixa-crime.
3.4 Prova Pericial
Várias são as perícias que podem ser realizadas nos autos criminais, tudo a depender do caso em concreto.
A prova pericial mais conhecida aos olhares da sociedade e até mesmo mais difundida nos casos em que tenha a materialidade do crime deixado vestígios, é o exame de corpo de delito.
O ilustre doutrinador penalista Norberto Avena (2017, p. 360) esclarece:
Por exame de corpo de delito compreende-se a perícia destinada à comprovação da materialidade das infrações que deixam vestígios (v.g., homicídio, lesões corporais, furto qualificado pelo arrombamento, dano etc.). A própria nomenclatura utilizada – “corpo de delito” – sugere o objetivo dessa perícia: corporificar o resultado da infração penal, de forma a documentar o vestígio, perpetuando-o como parte do processo criminal. Assim, não se pode falar em exame de corpo de delito quando ausente um vestígio em conseqüência da prática delituosa. Nestes casos, imprópria até mesmo a referência a expressão materialidade do crime, que é própria das infrações das quais decorrem um resultado perceptível pelos sentidos. Uma injúria verbal proferida diretamente à vítima, por exemplo, não possui materialidade a ser comprovada, pois não deixa um vestígio perceptível. Neste caso, o que deverá ser demonstrado pelo querelante por ocasião do oferecimento da queixa será a existência do crime, mas não a sua materialidade. Já no caso do homicídio, a situação difere, pois há, como resultado do crime, um cadáver, que se constitui o vestígio deixado pelo crime. Então, no homicídio, haverá materialidade. Tal distinção, aliás, decorre da exegese do art. 158 do CPP, dispondo que, “quando a infração deixar vestígios, será imprescindível o exame de corpo de delito, direto ou indireto…”.
Todo crime cometido que vier a deixar vestígios, se faz estritamente necessário a realização do exame de corpo de delito, que é uma perícia técnica feita no “objeto” do crime para se constatar exatamente como o delito fora cometido.
Todavia, poderá ocorrer que determinados crimes não venham a deixar vestígios, sendo que nestes casos, não havendo esses, não haverá possibilidade de realização de exame de corpo de delito, sendo estritamente substituído pela prova testemunhal.
Determina o artigo 167 do Código de Processo Penal: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”
Mais uma vez, aqui, ao dispositivo legal supramencionado, veio a demonstrar a importância da prova testemunhal no feito criminal, sendo que poderá ser fielmente utilizada nos casos em que não há possibilidade de realização da perícia técnica, sob o exame de corpo de delito.
4. A VÍTIMA
A vítima, também chamada de ofendido, é a pessoa contra a qual foi cometido o crime, independente de qual seja, em que veio a sofrer todas as conseqüências do ato criminal.
Preceitua o caput do artigo 201 do Código de Processo Penal:
Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
Há delitos em que a vítima não estará viva para participar do processo criminal do autor, como no caso do homicídio, em que para ocorrer à consumação de tal delito, deverá o sujeito passivo ter falecido.
Todavia, há uma diversidade de delitos em que a vítima sobrevive e pode participar do feito, até mesmo nada mais perfeito que a própria pessoa que sofreu o dano do ato criminoso relatar como ocorrera com detalhes tal prática.
O próprio dispositivo legal supramencionado aduz a expressão “sempre que possível” haja vista haver crimes em que a vítima não estará possibilitada a relatar situação alguma, seja por óbvio por ter falecido, ou até mesmo sofrido danos graves que ficara incapacitada de responder quaisquer questionamentos.
Outrossim, preconiza o §1º do artigo 201 do Código de Processo Penal: “(…) §1º. Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade”.
O dispositivo legal em comento usa a terminologia “poderá”, concluindo que a autoridade tem a faculdade de expedir mandado de condução coercitiva ou não, desde que avalie não ser necessário para o caso em concreto.
Se o magistrado, quando da análise dos elementos probatórios, ficar constatado que se faz totalmente imprescindível a oitiva do ofendido, ou até mesmo requerido pelas partes, e mesmo aquele sendo intimado, não compareça à audiência de instrução e julgamento, poderá expedir um mandado de condução coercitiva, obrigando-o a comparecer no ato processual.
Portanto, percebe-se que trata de uma facultatividade do magistrado e não de obrigação legal fazer tal expedição.
Entretanto, apesar do caput e §1º do artigo 201 do Código de Processo Penal estabelecer a facultatividade, já nos artigos 400 e 531 do mesmo código se mostra como uma obrigação, senão vejamos:
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.
Norberto Avena (2017, p. 391), mais uma vez, com brilhantismo, exalta:
Importante salientar que o ofendido não se insere no contexto da prova testemunhal. Testemunha, com efeito, é um terceiro, que não participou como sujeito ativo ou passivo o crime e cuja regulamentação, como meio de prova, inicia-se a partir do art. 202 do CPP. Neste passo, são inaplicáveis, como regra, à inquirição do ofendido as normas referentes à oitiva judicial das testemunhas arroladas pelas partes. Por exemplo, não será computado no número de testemunhas facultado pelo rito e também não estará sujeito ao compromisso previsto no artigo 203 do CPP, exclusivo à prova testemunhal. Por óbvio, tal ausência de limitação em relação ao número de ofendidos a serem ouvidos não implica dizer que está obrigado o juiz a deferir a inquirição de todos os que tiverem sido arrolados, impondo-se a observância, em cada caso, dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração a quantidade de fatos imputados ao acusado.
Vale frisar que o ofendido, não sendo testemunha nos autos, se, por ventura vier a omitir ou declarar alguma informação diversa da realidade fática, não responderá pelo crime de falso testemunho tipificado no artigo 342 do Código Penal, pois neste só poderão ser praticantes, por óbvio, as testemunhas.
Se vier a incorrer com a verdade nos autos, poderá a vítima ser responsabilizada em outra tipificação penal, como a denunciação caluniosa por exemplo.
4.1 Valor Probatório da Vítima
A toda prova merece presunção relativa, nunca possuindo caráter absoluto, cabendo ao juiz valorar cada prova quando proferir a decisão.
Apesar da relativização, em alguns crimes específicos, o valor probatório da vítima é de suma importância, pois somente ela poderá transcrever com exatidão e detalhes o ocorrido, não presenciado muitas vezes por qualquer pessoa, como por exemplo, os delitos contra a dignidade sexual.
Norberto Avena (2017, p. 391-392), adepto à relatividade da oitiva da vítima, obtempera:
Embora a palavra do ofendido deva ser considerada com reservas, exigindo-se que seja sempre confrontada com os demais elementos de prova existentes nos autos, não se pode deixar de reconhecer que, em alguns casos, possui alto valor, como nas hipóteses de crimes contra a dignidade sexual, os quais, cometidos na clandestinidade, não apresentam testemunhas. Neste sentido, é pacificada a jurisprudência. Frise-se que não se está dizendo que possa apenas a versão prestada pela vítima justificar condenação. Afinal, como a maioria das provas, possui valor relativo e, ainda que se trate de hipótese que não haja nenhuma outra prova direta, deverá o magistrado para o bem de valorá-la, socorrer-se, no mínimo, da prova circunstancial (ausência de álibi convincente, presença de antecedentes judiciais pela prática de crime semelhante ao imputado, contradições entre as versões do réu prestadas na polícia e em juízo, coerência da versão da vítima sempre que ouvida etc).
No mesmo sentido, esclarece Alexandre Cebrian Araújo Reis, citando inclusive uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afirmando seu entendimento, senão vejamos:
Como os demais meios de prova, as declarações do ofendido têm valor relativo, devendo, portanto, ser confrontada com o restante da prova, para que possa o juiz concluir sobre a sua veracidade. Se, por um lado, a narrativa da vítima deve ser aceita com reservas quando houver fundamento para se concluir que pretende, deliberadamente, prejudicar ou beneficiar o acusado, tal como ocorre, respectivamente, em caso de existência de prévio antagonismo ou de existência de vínculos de afetividade entre ambos, é corrente o entendimento de que, nos delitos praticados clandestinamente e, sobretudo, nas infrações sexuais, as palavras da vítima revestem-se de elevadíssimo valor. Veja-se: “A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que, nos crimes sexuais, a palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos, reveste-se de valor probante e autoriza a conclusão quanto à autoria e às circunstâncias do crime”. (STF – Inq 2.563/SC – Tribunal Pleno – Rel. Min. Cármen Lúcia – Dje-96 28.05.2010). (REIS, 2016, p. 337-338).
Pelas citações doutrinárias dos ilustres doutrinadores, denota-se que a oitiva da vítima deve ser encarada pelo magistrado de forma relativa, haja vista ser considerada um elemento de prova, porém, não de forma absoluta.
Contudo, frise-se que nos casos de cometimento de crimes contra a dignidade sexual, geralmente, por serem acontecidos de forma escondida, não possuindo quaisquer testemunhas que presenciaram o fato em si, também chamado de testemunhas oculares, deve, nesses casos, possuir a declaração da vítima no inquérito policial bem como em juízo, como de extrema valia e valor probatório superior aos demais delitos cometidos no dia-a-dia, justamente pelo fato da ausência de pessoas que testemunharam a sua ocorrência.
Todavia, o entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2017, p. 399) é diverso dos doutrinadores mencionados, no que tange aos crimes contra a dignidade sexual, haja vista entender que muitas vezes os depoimentos não correspondem com a realidade fática, sendo:
A parte ofendida em crimes de natureza sexual nem sempre age com a imparcialidade desejada. São diferentes as situações da pessoa assaltada e de quem é violentada. Na primeira situação, em grande parte das vezes, não procurou o ofendido qualquer contato com o agressor, tendo sido eleito por acaso, em razão de sua aparenta situação de bonança econômica. No cenário do delito sexual, é bem possível que a vítima tenha procurado, espontaneamente, o réu, propondo-lhe uma aventura, desejando algum tipo de contato íntimo, pretendendo um namoro, sonhando com um matrimonio, enfim, podem ser conhecidos, de longa ou recente data. Torna-se, pois, mais difícil haver imparcialidade nesse depoimento, embora saibamos ser de maior valia a palavra da vítima no delito de natureza sexual, pois normalmente praticado em lugares distantes da vista do público. Deve-se ter a máxima cautela para ouvir a mulher estuprada, o homem violentado ou a criança violada. Motivos de toda ordem podem encobrir tanto o culpado, quando o inocente. A mulher, pretendendo vingar-se da rejeição experimentada após o ato sexual consentido, acusa o ex-namorado ou ex-amante de tê-la estuprado, criando histórias mirabolantes e invocando a grave ameaça, que não deixa marcas, nem a possibilidade de um exame de corpo de delito. O homem, no limiar da sua vergonha, por ter consentido num ato sexual com outro, pode invocar o atentado violento ao pudor (hoje, incorporado ao crime de estupro) para explicar à sociedade o que foi inicialmente consentido, mas deve ficar encoberto.
Ainda, complementa:
A criança fantasia por natureza, podendo ser instigada por adultos a fazê-lo, ainda com maior precisão e riqueza de detalhes, sem ter maturidade suficiente para compreender o significado e as consequências da sua atitude. Podem, pois, essas pessoas querer a condenação de um inocente. Por outro lado, razões de ordem sentimental podem levar a mulher, estuprada pelo namorado, com violência real, a ocultar tal fato da família e da polícia. (…) A criança violada pelo pai pode, por razões familiares – de amor ao genitor ou por conta de interferência da mãe, resistente a perder o marido, mesmo que o preço a pagar seja alto – esconder a realidade, criando situações inverídicas para proteger o culpado. (…) O ideal é buscar o magistrado conhecer bem a personalidade de ambos os envolvidos – réu e vítima – para aferir, com maior precisão, quem está, por certo, mentindo, ou se ambos estão. A moça que raramente profere mentiras, conhecida por todos pelo seu recato e moralidade das suas ações, pode ter um depoimento mais crível do que outras, habituada à mentira e sem um comportamento sexual dentro dos padrões convencionais. Assim, para escapar de mais pressões sobre sua conturbada vida sexual, e possível invocar um estupro como razão para uma gravidez indesejada, por exemplo. Sem pretender estabelecer parâmetros de comportamento, mais uma vez, é preciso destacar que cada caso concreto será único para o juiz, pois as personalidades envolvidas são sempre diferentes, exigindo extremo bom senso do julgador. (NUCCI, 2017, 399-400).
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci possui o entendimento de que mesmo nos crimes contra a dignidade sexual, não havendo testemunhas ocular e sim, apenas réu e vítima, participantes da atividade criminosa, deve o julgador não oferecer caráter superior valorativo assim como apontam os doutrinados já supra elencados, pois muitas vezes vítimas não realizam seus depoimentos em condizente com a veracidade dos fatos.
Apesar de todo o respeito que merece o entendimento de Guilher de Souza Nucci, o Superior Tribunal de Justiça, entende de forma diversa, filiando ao entendimento dos primeiros doutrinadores mencionados, acreditando que o valor probatório da vítimas nos crimes cometidos contra a dignidade sexual, deve ser fielmente valorado diante da ausência de testemunhas que presenciaram o fato.
O STJ, em 17 de Março de 2.015, cujo Ministro relator fora Nefi Cordeiro, em julgamento do Habeas Corpus nº 206730 RS 2011/0109674-2, decidiu:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HAVEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO RECONHECIMENTO. ESTUPRO CONTINUADO. TESES DE FRAGILIDADE DA PROVA E DE NÃO CONFIGURADÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE DE REEXAME DA PROVA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. É imprópria a via do habeas corpus para a análise das alegações de fragilidade das provas para a condenação, bem como de não configuração da continuidade delitiva, por demandarem a análise aprofundada do material cognitivo produzido nos autos, inviável em sede de habeas corpus. Precedentes. 3. Nos crimes sexuais, a palavra da vítima ganha especial relevo, tendo em vista sobretudo o modus operandi empregado na prática desses delitos, cometidos, via de regra, às escondidas. Precedentes. 4. Habeas corpus não conhecido.[1]
Portanto, pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, pode-se concluir que nos crimes ocorrentes contra a dignidade sexual, deve a oitiva da vítima ser de grande base valorativa ao julgador quando do julgamento diante da ausência de testemunhas que presenciaram ao fato.
E, no que toca aos demais delitos, mesmo nos casos em que somente a vítima poderia narrar com uma riqueza de detalhes, deve o juiz valorar tal oitiva com cuidado, observando, por exemplo, se a vítima não entra em contradição nos depoimentos prestados no inquérito policial e na audiência de instrução e julgamento, pois, pode ocorrer que de má-fé, o ofendido adultere a veracidade dos fatos ocorridos.
4.2 Alterações Introduzidas pela Lei nº 11.690/2008
A lei nº 11.690/2008 veio modificar diferentes regras no Código de Processo Penal, inclusive sob o depoimento da vítima, acrescendo ao artigo 201 os §2º ao §6º, que determinam:
Art. 201. (…)
§2º. O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.
§3º. As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.
§4º. Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido.
§5º. Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.
§6º. O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.
Pelas normas dos §2º e §3º supramencionados, faz determinar que o ofendido seja intimado dos atos processuais mais importantes, como a entrada e saída do infrator da penitenciária, bem como da designação pelo magistrado da audiência de instrução e julgamento e, todas as decisões ocorrentes nos autos criminais.
Durante a realização da audiência de instrução e julgamento e até mesmo anteriormente, a vítima possuirá um local reservado separadamente do acusado, justamente para que não ocorra qualquer tipo de intimidação.
Por derradeiro, como mudança drástica à matéria de que trata o ofendido, poderá o juiz decretar o segredo de justiça nos autos criminais desde que sejam estritamente necessários para preservação da intimidade da vítima.
Esta, em muitos dos casos em concreto são cruciais para a busca da verdade real, haja vista que em seus depoimentos relatarão, conforme já mencionado alhures, uma riqueza de detalhes do ato criminoso, podendo inclusive, apontar quem fora o autor do delito sofrido.
Apesar do artigo 201 do Código de Processo Penal tratar o depoimento da vítima como ato facultativo do juiz, a depender do seu entendimento, deveria ser uma obrigatoriedade, em todos os casos em que a vítima esteja possibilitada a prestar as declarações devidas, o que faria em muito a ajudar a concluir a fase probatória, servindo como um auxiliar do Ministério Público.
Portanto, apesar de existir no sistema normativo brasileiro, dispositivo legal que venha a trazer o depoimento da vítima como verdadeiro meio de prova, deveria haver uma modificação na legislação, através do Poder Legislativo, visando trazer como obrigatória a participação do ofendido nos autos criminais em que se busca a verdade real do crime cometido a seu desfavor.
Até mesmo porque, o maior interessado na punição do infrator, é da própria vítima, em que busca que o causador do dano criminal seja penalizado, sendo aprisionado nas cadeias públicas o maior tempo possível.
4.3 O valor probatório da vítima em crimes sexuais
Os crimes sexuais em comento podem ser comprovados por documentos, que são definidos por Greco Filho (2013, p. 253) como: “Todo objeto ou coisa do qual, em virtude de linguagem simbólica, se pode extrair a existência de um fato.”
A existência da prova testemunhal não é comum nos delitos em questão, por ocorrerem em sua maioria na clandestinidade, em sigilo, sendo poucas as situações em que há abundância de provas para a condenação do acusado, mas não inexistentes, como se pode constatar pela seguinte jurisprudência (NUCCI, 2014, p. 142):
TJRJ: Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, ainda que de pouca idade, tem especial relevância probatória, ainda mais quando harmônica com o conjunto fático-probatório. A violência sexual contra criança, que geralmente é praticado por pessoa próxima a ela, tende a ocultar-se atrás de um segredo familiar, no qual a vítima não revela seu sofrimento por medo ou pela vontade de manter o equilíbrio familiar. As consequências desse delito são nefastas para a criança, que ainda se apresenta como indivíduo em formação, gerando sequelas por toda a vida. Apesar da validade desse testemunho infantil, a avaliação deve ser feita com maior cautela, sendo arriscada a condenação escorada exclusivamente neste tipo de prova, o que não ocorreu no caso concreto, pois a condenação foi escorada nos elementos probatórios contido nos autos, em especial pela prova testemunhal, segura e inequívoca de E. e S., irmão e cunhada do acusado, que presenciaram a relação sexual através da fechadura da porta, bem como pelo depoimento da avó que também presenciou o fato, sem contar com a confissão do acusado do laudo pericial que atestou rupturas antigas e cicatrizes no hímen. (Ap; 0009186-56.2012.8.19.0023/RJ, 1° C.C., rel Marcus Basilio, 24.04.2013) (NUCCI, 2014, p. 142).
Ocorre que a materialidade do delito sexual não consegue ser devidamente demonstrada, tendo em vista que grande parte destes crimes não deixam vestígios, seja pelo decurso do tempo, por periculosidades pessoais e físicas da vítima ou pela própria característica do abuso realizado. Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial (NUCCI, 2014, p. 73):
STJ: A ausência de laudo pericial conclusivo não afasta a caracterização de estupro, porquanto a palavra da vítima tem validade probante, em particular nessa forma clandestina de delito, por meio do qual não se verificam, com facilidade, testemunhas ou vestígios. (AgRg no AREsp 160961/PI, 6° T., rel. Sebastião Reis Júnior, 26.086.2012, v.u.).
Assim, mormente em se tratando de crime executado às ocultas, como já exposto, torna-se difícil a prova da materialidade e da autoria, não sendo poucas as vezes em que há apenas a palavra da vítima contra a palavra do réu, de modo que, ao operador do direito resta atribuir valoração diferenciada às declarações da vítima em delitos sexuais, havendo que se delimitar o grau de confiança a ser extraído da palavra da vítima em confronto com a declaração do acusado, no caso concreto.
Merece destaque ainda, o fato de que mesmo que a materialidade do delito seja devidamente comprovada por meio de exame médico legal, para a prova de sua autoria, quase que necessariamente, recorre-se à palavra do ofendido, conforme expõe Bittencourt (1971, p. 105):
Nesses delitos, como em geral nas infrações contra os costumes, dificilmente se há de conceber outro elemento direto, além da palavra da vítima para a proa da autoria. O elemento material do crime pode e deve ser provado por outro meio (corpo de delito direto ou indireto), mas a afirmação relacionada à pessoa que o praticou merece especial consideração. […] Nesta matéria, talvez mais do que em nenhuma outra, a palavra da vítima será levada em boa consideração.
4.4 A síndrome da Mulher de Potifar
A denominada Síndrome da Mulher de Potifar é a figura criminológica da mulher que, sendo rejeitada, imputa falsamente conduta criminosa relacionada à dignidade sexual, contra quem a rejeitou. A síndrome evidencia a possibilidade de invenção de situação abusiva por parte do sujeito passivo, movido por sentimento de rejeição e até mesmo por interesses econômico, não sendo rara a existência de casos desta natureza. Nesse ínterim, nas palavras de Grecco (2011, p. 481):
Mediante a chamada Síndrome da mulher de Potifar, o julgador deverá ter a sensibilidade necessária para apurar se os fatos relatados pela vítima são verdadeiros, ou seja, comprovar a verossimilhança de sua palavra, haja vista que contradiz com a negativa do agente. A falta de credibilidade da vítima poderá, portando, conduzir à absolvição do acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para um decreto condenatório (GRECO, 2011, p. 482).
Desta forma, porquanto exista a possibilidade de falsas declarações por parte da vítima em crimes sexuais, o juiz deve ter sua atenção na lide redobrada, analisando as entrelinhas dos elementos probatórios colhidos ao longo da instrução criminal, para que tenha condições de alcançar a convicção necessária para embasar sua decisão, sem que haja a condenação de inocentes e, tampouco, culpados inocentados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vítima, conforme demonstrado no estudo da presente pesquisa monográfica, é peça muitas vezes fundamental para o descobrimento da veracidade dos fatos ocorridos em uma ação criminosa, haja vista não haver presença de testemunhas oculares em diversas situações, quando da ocorrência do delito.
Em tais casos, o ofendido, poderá, nos autos do feito criminal, em audiência de instrução e julgamento, de forma preliminar, ser ouvido, com o intuito precípuo de entendimento do ocorrido, já que o maior prejudicado fora aquele, havendo uma imensa importância probatória.
Fato imprescindível que merece ser destacada, diante de sua real importância, fora a inclusão do §2º ao artigo 201 do Código de Processo Penal em que vem destacar que a vítima será comunicada de todos os atos processuais ocorridos com o autor do delito, inclusive a sua soltura.
Tal dispositivo legal visa elucidar a real importância do ofendido nos autos criminais, que não passa apenas como um meio probatório, mas sim um real integrante do processo criminal.
Ocorre que nem sempre a vítima é sobrevivente, em que nesses casos, deverá o crime ser desvendado pelo órgão jurisdicional por todos os demais meios de prova, visando penalizar o agressor com todas as penas cabíveis na legislação brasileira.
A vítima, uma vez sobrevivente e sendo fidedignamente capaz para prestar depoimento, deverá narrar o ocorrido, visando auxiliar o Poder Judiciário na busca da verdade dos fatos, visando que penalize o infrator, evitando que cause mais atitudes ilícitas na sociedade.
Portanto, demonstra-se com os dispositivos legais consagrados na legislação brasileira, e pela prática forense, que a vítima, isto é, a pessoa que veio a sofrer os danos da ação criminosa, é de extrema importância no processo criminal, possuindo um caráter extremamente fatal como valor probatório, apesar de entendimentos contrários como o de Guilherme de Souza Nucci, o qual não se filia nem mesmo o Superior Tribunal de Justiça.
[1] Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/178412531/habeas-corpus-hc-206730-rs-2011-0109674-2>. Acesso em: 20 de Outubro de 2.017.
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1Discente do curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba (UNICERRADO).
2Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Mestre em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). Docente do curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba (UNICERRADO).
AGRADECIMENTOS
A todos os que contribuíram para a realização deste trabalho, fica expressa aqui a minha gratidão. A professora Laislla Ferreira Morais pela orientação, por viabilizar todo o processo de aprendizado e pelo apoio em todos os momentos necessários. A todos os docentes que participaram durante o semestre. Aos meus colegas de classe, pela rica troca de experiências, pela construção de amizades e por me darem novas perspectivas. A todos que, de alguma forma contribuíram para esta construção.