WORK ANALOGOUS TO SLAVERY IN CONTEMPORARY BRAZIL
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411302321
Karen Marcelle dos Santos Marques,
Núbia Diniz Corrêa de Lacerda
RESUMO
O estudo aborda a persistência do trabalho análogo à escravidão no Brasil, mesmo diante de legislações rigorosas e esforços de fiscalização. A pesquisa busca compreender as razões para a continuidade dessa prática, analisando as condições socioeconômicas das vítimas, as regiões e setores mais impactados, a eficácia das políticas públicas e o papel das empresas na prevenção. O fenômeno está diretamente relacionado a questões como pobreza, baixa escolaridade e falta de oportunidades, afetando principalmente grupos vulneráveis em áreas rurais e urbanas. Setores como agricultura, pecuária, construção civil e indústria têxtil são os principais empregadores dessa força de trabalho explorada. A análise destaca a limitação das políticas públicas, muitas vezes prejudicadas pela falta de recursos para fiscalização, impunidade de empregadores e complexidade das cadeias produtivas. É fundamental que políticas públicas integrem não apenas a repressão, mas também a prevenção e proteção social, oferecendo alternativas dignas de emprego e acesso a serviços essenciais como educação e saúde. A promoção de oportunidades decentes de trabalho e o desenvolvimento sustentável são vistos como pilares para reduzir a vulnerabilidade dos trabalhadores.
Palavras-chave: Políticas públicas. Desigualdade socioeconômica. Vulnerabilidade social.
ABSTRACT
The study addresses the persistence of slave-like labor in Brazil, despite strict legislation and monitoring efforts. The research seeks to understand the reasons for the continuation of this practice, analyzing the socioeconomic conditions of the victims, the regions and sectors most impacted, the effectiveness of public policies, and the role of companies in prevention. The phenomenon is directly related to issues such as poverty, low education levels, and lack of opportunities, mainly affecting vulnerable groups in rural and urban areas. Sectors such as agriculture, livestock, construction, and the textile industry are the main employers of this exploited workforce. The analysis highlights the limitations of public policies, often hampered by the lack of resources for monitoring, employer impunity, and the complexity of production chains. It is essential that public policies integrate not only repression, but also prevention and social protection, offering decent employment alternatives and access to essential services such as education and health. The promotion of decent work opportunities and sustainable development are seen as pillars for reducing the vulnerability of workers.
Keywords: Public policies. Socioeconomic inequality. Social vulnerability.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho análogo à escravidão no Brasil contemporâneo representa um desafio persistente e complexo, caracterizado por condições laborais degradantes que violam os direitos humanos e a dignidade dos trabalhadores. Esse fenômeno é notoriamente prevalente em setores como a agricultura, a construção civil, e o trabalho doméstico, refletindo um padrão histórico de exploração laboral que remonta ao período colonial. A definição legal de trabalho análogo à escravidão no Brasil, conforme estabelecida no artigo 149 do Código Penal, abrange práticas como jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho, servidão por dívida e restrição de locomoção do trabalhador (PINHEIRO, 2021).
Fatores socioeconômicos como a pobreza extrema, a desigualdade social, e a falta de acesso à educação e oportunidades de emprego formal, contribuem significativamente para a vulnerabilidade de indivíduos ao trabalho escravo. As vítimas são frequentemente recrutadas por aliciadores que prometem empregos bem remunerados, mas acabam submetidas a condições de trabalho abusivas e coercitivas. As zonas rurais e regiões menos desenvolvidas são particularmente afetadas, onde trabalhadores são mantidos em fazendas remotas, muitas vezes sem possibilidade de contato com o mundo exterior (ALVES; NOGUEIRA, 2024).
A legislação brasileira evoluiu consideravelmente para combater o trabalho análogo à escravidão, com a criação de instrumentos legais e operacionais para identificar, resgatar e proteger os trabalhadores. A criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, em 1995, foi um marco significativo nesse contexto, permitindo operações de fiscalização e resgate em áreas rurais e urbanas. Essas operações são frequentemente conduzidas em parceria com a Polícia Federal, Ministério Público do Trabalho e organizações não governamentais, garantindo uma abordagem integrada e eficaz (FREITAS et al., 2022).
O avanço tecnológico e o uso de dados geoespaciais têm sido ferramentas valiosas na identificação de áreas de risco e no planejamento de operações de fiscalização. Informações obtidas por satélites, drones e outros dispositivos de monitoramento permitem a detecção de atividades ilegais em locais de difícil acesso, melhorando a eficiência e a eficácia das ações de combate ao trabalho escravo. A transparência proporcionada por essas tecnologias fortalece a prestação de contas e a responsabilização de empregadores envolvidos em práticas de exploração laboral.
Iniciativas de sensibilização e educação são cruciais para prevenir o trabalho análogo à escravidão, promovendo a conscientização sobre os direitos trabalhistas e as vias legais de emprego. Campanhas informativas, programas de capacitação profissional e projetos de inclusão social são essenciais para empoderar as comunidades vulneráveis, oferecendo alternativas viáveis ao trabalho escravo. A colaboração entre governo, setor privado e sociedade civil é fundamental para fortalecer essas iniciativas e garantir um impacto duradouro.
O enfrentamento ao trabalho escravo também envolve a responsabilização dos empregadores e a aplicação rigorosa das penalidades previstas em lei. A inclusão de empresas na “lista suja” do trabalho escravo, que impede o acesso a financiamentos públicos e contratos com o governo, tem se mostrado uma medida eficaz na dissuasão de práticas abusivas. Contudo, é necessário um esforço contínuo para fortalecer os mecanismos de fiscalização e assegurar que as penalidades sejam aplicadas de maneira consistente e justa.
A erradicação do trabalho análogo à escravidão no Brasil requer um compromisso contínuo e multifacetado, envolvendo políticas públicas eficazes, fiscalização rigorosa, tecnologias inovadoras e uma forte rede de proteção social. A promoção de condições de trabalho dignas, o respeito aos direitos humanos e a eliminação da exploração laboral são objetivos fundamentais para o desenvolvimento social e econômico do país. O progresso nesse sentido depende da colaboração entre todos os setores da sociedade, comprometidos com a justiça, a equidade e a dignidade humana (DE SOUZA; DUTRA, 2024). Se tem assim a seguinte questão norteadora do trabalho: Quais são os principais fatores que dificultam a erradicação do trabalho análogo à escravidão no Brasil?
Foi realizado um levantamento bibliográfico com base em fundamentação teórica, buscando fontes primárias para obter informações fundamentais sobre as principais características do tema. O método utilizado na pesquisa bibliográfica consistiu em uma organização lógica do tema, permitindo uma redação textual gradual e equilibrada. À medida que os paradigmas foram sendo aprofundados, foram realizadas análises e se adquiriu maior conhecimento sobre o tema, culminando em um formato mais consolidado do texto.
O objetivo geral deste trabalho foi analisar e compreender a persistência do trabalho análogo à escravidão no Brasil contemporâneo, identificando seus principais fatores causadores, suas manifestações nas diversas regiões do país, e avaliando a eficácia das políticas públicas e das ações da sociedade civil na erradicação dessa prática. Tendo ainda como objetivos específicos: identificar e analisar as principais características do trabalho análogo à escravidão no Brasil, descrevendo as condições de trabalho e as formas de coerção aplicadas aos trabalhadores; mapear os setores econômicos e regiões geográficas onde a prática de trabalho análogo à escravidão é mais prevalente, como agricultura, pecuária, construção civil, indústria têxtil e mineração; investigar os fatores socioeconômicos e culturais que contribuem para a vulnerabilidade dos trabalhadores, incluindo pobreza extrema, baixa escolaridade e falta de oportunidades de emprego formal.
2 TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO
O trabalho análogo à escravidão refere-se a uma condição laboral em que indivíduos são submetidos a situações de extrema exploração e degradação, assemelhando-se à escravidão, mas ocorrendo em um contexto moderno. Este tipo de trabalho envolve a restrição severa da liberdade dos trabalhadores, comumente através de coerção, fraude ou ameaças, muitas vezes acompanhadas de dívidas impagáveis que vinculam o trabalhador ao empregador. Em muitas jurisdições, essa prática é ilegal e constitui uma violação grave dos direitos humanos fundamentais (ALVES; NOGUEIRA, 2024).
Ao comparar o trabalho análogo à escravidão com a escravidão histórica, algumas semelhanças são evidentes. Em ambas as situações, a liberdade dos indivíduos é gravemente limitada e eles são forçados a trabalhar sob condições desumanas. No entanto, enquanto a escravidão histórica frequentemente envolvia a posse legal de pessoas como propriedade, o trabalho análogo à escravidão moderno tende a operar sob o disfarce de relações de trabalho supostamente voluntárias. A coerção contemporânea pode ser mais sutil e complexa, incluindo a manipulação econômica e psicológica, em vez da força física direta que caracterizava a escravidão tradicional.
No contexto global, o trabalho análogo à escravidão continua a ser um problema significativo, afetando milhões de pessoas em várias partes do mundo. Regiões com economias frágeis, altos índices de pobreza e pouca regulamentação trabalhista são especialmente vulneráveis. Indústrias como a agricultura, construção civil, mineração e trabalho doméstico frequentemente abrigam práticas análogas à escravidão. Organizações internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização das Nações Unidas (ONU), têm se empenhado em erradicar essa prática através de convenções e iniciativas globais (DA COSTA; DA SILVA; FARIAS, 2023).
Localmente, em países como o Brasil, a luta contra o trabalho análogo à escravidão é intensa e contínua. O país possui uma legislação específica, como o artigo 149 do Código Penal, que define e pune severamente essa prática. As operações de fiscalização, conduzidas pelo Ministério do Trabalho e outras entidades governamentais, frequentemente resgatam trabalhadores de condições análogas à escravidão. Entretanto, a impunidade e a persistência de desigualdades sociais e econômicas continuam a desafiar a erradicação completa dessa violação.
As diferenças nas abordagens locais refletem as particularidades de cada contexto socioeconômico. Em países desenvolvidos, o trabalho análogo à escravidão pode estar mais associado a imigrantes ilegais e trabalhadores informais, enquanto em países em desenvolvimento, as vítimas frequentemente provêm de comunidades marginalizadas e economicamente vulneráveis. As estratégias para combater esse problema precisam ser adaptadas a essas diferenças contextuais para serem eficazes (FEITOSA; MARIANO, 2023).
A semelhança na privação da liberdade e na exploração é um ponto de convergência entre a escravidão histórica e o trabalho análogo à escravidão. No entanto, a metodologia e os mecanismos de controle sobre as vítimas diferem consideravelmente. O trabalho análogo à escravidão utiliza frequentemente mecanismos de controle mais sofisticados e dissimulados, o que torna a identificação e a repressão dessas práticas mais desafiadoras para as autoridades competentes.
O combate efetivo ao trabalho análogo à escravidão requer uma abordagem multifacetada que inclui a aplicação rigorosa da legislação, a conscientização pública, o apoio às vítimas e a colaboração internacional. A educação e a criação de oportunidades econômicas para populações vulneráveis são essenciais para prevenir que indivíduos caiam nas redes de exploração. A cooperação entre governos, ONGs, setor privado e a comunidade internacional é fundamental para enfrentar essa prática de maneira holística e sustentável.
2.1 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
A história do trabalho escravo no Brasil remonta ao início da colonização portuguesa, no século XVI, quando os primeiros escravos africanos foram trazidos para trabalhar nas plantações de açúcar e, posteriormente, nas minas de ouro e diamantes. Esse período, conhecido como Escravidão Colonial, foi caracterizado pela utilização maciça da mão de obra escrava para sustentar a economia colonial, predominantemente agrícola. Os escravos eram submetidos a condições desumanas, com jornadas exaustivas, alimentação insuficiente e castigos severos, além da negação de qualquer direito fundamental (DE ALMEIDA et al., 2023).
A economia do Brasil colonial dependia fortemente do trabalho escravo, sendo que, ao longo dos séculos XVII e XVIII, milhões de africanos foram capturados e transportados em condições deploráveis para as Américas. Os navios negreiros, também chamados de “tumbeiros”, destacavam-se pela alta mortalidade entre os cativos durante as travessias do Atlântico. Os mercados de escravos se tornaram comuns nas principais cidades coloniais, e a escravidão se institucionalizou, com legislações específicas regulando a compra, venda e punição dos escravizados (SANTOS et al., 2023).
No século XIX, movimentos abolicionistas começaram a ganhar força no Brasil, influenciados por ideais iluministas e pelo exemplo de outras nações que já haviam abolido a escravidão. A pressão interna e externa culminou em uma série de leis que visavam gradualmente eliminar o trabalho escravo, como a Lei do Ventre Livre (1871), que libertava os filhos de escravos nascidos a partir daquela data, e a Lei dos Sexagenários (1885), que libertava os escravos com mais de 60 anos. Finalmente, em 1888, a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel, abolindo oficialmente a escravidão no Brasil (DA CRUZ; BORGES; CAMILOTTI, 2023).
Apesar da abolição formal, a persistência de práticas análogas à escravidão continuou a ser uma realidade no Brasil. Muitos ex-escravos e seus descendentes enfrentaram discriminação e exclusão social, sendo forçados a aceitar condições de trabalho degradantes para sobreviver. Os latifundiários, que perderam sua mão de obra escrava, adaptaram-se rapidamente, explorando trabalhadores livres por meio de contratos injustos e práticas coercitivas que mantinham a dependência e submissão, como o sistema de colonato e a servidão por dívida (OLIVEIRA; BENARROSH, 2022).
A transição para formas contemporâneas de trabalho análogo à escravidão se intensificou durante o século XX e início do XXI, manifestando-se principalmente nas zonas rurais e em setores econômicos específicos, como o agronegócio, a construção civil e a exploração mineral. Trabalhadores são frequentemente aliciados com promessas de emprego e melhores condições de vida, mas ao chegarem ao local de trabalho, encontram-se presos em situações de trabalho forçado, sem liberdade de movimento, com dívidas crescentes e submetidos a ameaças e violência (GUSMÃO et al., 2023).
O governo brasileiro, reconhecendo a gravidade do problema, tem implementado diversas medidas para combater o trabalho escravo contemporâneo. A criação de grupos móveis de fiscalização, a inclusão de empregadores na “lista suja” e a promoção de campanhas de conscientização são algumas das iniciativas para erradicar essas práticas. Desafios persistem, incluindo a necessidade de maior rigor na aplicação das leis, a proteção das vítimas e a promoção de alternativas econômicas sustentáveis para as comunidades vulneráveis (DOS SANTOS LOUREDO; JACOB, 2023).
A evolução do trabalho escravo no Brasil reflete uma trajetória complexa de exploração e resistência, onde, mesmo após a abolição oficial, formas modernas de escravidão continuam a surgir. A luta contra essa realidade exige um esforço contínuo e integrado entre governo, sociedade civil e organizações internacionais para assegurar que os direitos humanos sejam plenamente respeitados e que todos os indivíduos possam viver e trabalhar em condições dignas e justas.
2.2 LEGISLAÇÃO E MARCO LEGAL
A definição legal de trabalho análogo à escravidão no Brasil está fundamentada em um arcabouço legislativo robusto, com o intuito de proteger os direitos humanos e erradicar práticas abusivas no ambiente de trabalho. O conceito é delineado pelo Artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que tipifica como crime “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Esta definição engloba situações como trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. Esta tipificação criminal não apenas condena a prática, mas também especifica os elementos constitutivos do crime, proporcionando um mecanismo legal para repressão e punição (NASCIMENTO et al., 2024).
A legislação brasileira sobre trabalho análogo à escravidão vai além do Código Penal. Diversas convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, como a Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Trabalho Forçado, também influenciam a legislação nacional. Essas convenções reforçam o compromisso do Brasil em combater o trabalho escravo contemporâneo, estabelecendo diretrizes que complementam o ordenamento jurídico interno e facilitam a cooperação internacional no enfrentamento dessa questão (KESKE; RODEMBUSCH, 2023).
A Emenda Constitucional nº 81, de 2014, adicionou um importante reforço ao arcabouço legal, ao prever a expropriação de propriedades onde for constatada a exploração de trabalho escravo. Esta medida, além de ter um caráter punitivo, possui também uma função preventiva, ao desestimular a prática por meio da perda patrimonial. A expropriação prevista pela emenda deve ser realizada sem qualquer indenização ao proprietário, destinando as terras para fins de reforma agrária e programas de habitação popular, o que representa uma ação concreta de reparação e redistribuição de bens (HIPÓLITO; DE SOUZA, 2022).
O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) desempenham papéis essenciais na fiscalização e combate ao trabalho análogo à escravidão. Através de operações de inspeção, frequentemente realizadas em parceria com a Polícia Federal e outras entidades, essas instituições identificam e resgatam trabalhadores em situação de exploração. Além das ações repressivas, esses órgãos também promovem campanhas de conscientização e programas de proteção aos trabalhadores, visando prevenir novas ocorrências de trabalho escravo (FIGUEIREDO; TIBALDI, 2021).
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel, criado em 1995, é uma ferramenta importante no combate ao trabalho escravo. Este grupo realiza operações em diversas partes do país, muitas vezes em áreas remotas e de difícil acesso, onde a incidência de trabalho análogo à escravidão pode ser mais frequente. As operações do grupo têm resultado no resgate de milhares de trabalhadores ao longo dos anos, evidenciando a importância de uma abordagem proativa e coordenada na erradicação dessa prática (DO NASCIMENTO; VALENTE; MARQUES, 2023).
A sociedade civil também desempenha um papel fundamental na luta contra o trabalho escravo contemporâneo. Organizações não governamentais, movimentos sociais e sindicatos atuam na denúncia de casos de exploração, no apoio às vítimas resgatadas e na promoção de políticas públicas que visem a eliminação do trabalho escravo. A parceria entre o governo e a sociedade civil é importante para a construção de um ambiente de trabalho mais justo e humano, onde os direitos dos trabalhadores sejam plenamente respeitados (CZELUSNIAK; VOJNIAK, 2023).
A legislação e o marco legal que definem e combatem o trabalho análogo à escravidão no Brasil representam um avanço significativo na proteção dos direitos humanos. A criminalização dessa prática, aliada a medidas preventivas e punitivas, como a expropriação de propriedades, e a atuação coordenada de diversas instituições e da sociedade civil, formam um conjunto de ações que visam erradicar o trabalho escravo e garantir um ambiente de trabalho digno e seguro para todos.
O compromisso do Brasil com a erradicação do trabalho escravo é também reforçado por convenções internacionais e tratados dos quais é signatário. A Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa ao trabalho forçado ou obrigatório, e a Convenção nº 105, sobre a abolição do trabalho forçado, são instrumentos fundamentais neste contexto. Além disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estabelecem normas que condenam a escravidão e todas as formas de exploração humana, obrigando os Estados-partes a adotar medidas legislativas e administrativas para sua eliminação (BARBOSA; FONSECA; BENTES, 2023).
O arcabouço jurídico brasileiro inclui ainda a Constituição Federal de 1988, que em seu Artigo 5º, inciso III, proíbe expressamente a tortura e o tratamento desumano ou degradante, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. Complementarmente, o Artigo 7º garante aos trabalhadores direitos como o salário mínimo, jornada de trabalho limitada e ambiente laboral seguro, configurando uma base normativa que impede práticas análogas à escravidão. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por sua vez, detalha normas que visam assegurar condições adequadas de trabalho e proteção contra abusos (ALVES; NOGUEIRA, 2024).
A jurisprudência brasileira também desempenha um papel fundamental na consolidação do combate ao trabalho escravo, através da interpretação e aplicação das leis pelos tribunais. Casos judiciais emblemáticos têm sido essenciais para fortalecer a interpretação do Artigo 149 do Código Penal e outras normas correlatas. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm reiterado a necessidade de repressão rigorosa a essas práticas, contribuindo para a formação de um entendimento uniforme e coeso sobre o tema (DE SOUZA; DUTRA, 2024).
A atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio de operações de fiscalização e auditoria, tem sido importante para a identificação e repressão de práticas laborais abusivas. A inclusão do empregador na “Lista Suja do Trabalho Escravo”, mantida pelo MTE, serve como um mecanismo de punição e prevenção, ao expor e penalizar economicamente aqueles que infringem a lei (DA COSTA; DA SILVA; FARIAS, 2023).
O Brasil, por meio de suas políticas públicas e cooperação internacional, tem desenvolvido programas e iniciativas para a prevenção e erradicação do trabalho escravo, incluindo campanhas de conscientização, fortalecimento de inspeções laborais e assistência às vítimas. A conjugação de esforços entre diferentes esferas de governo, organizações não-governamentais e organismos internacionais busca criar um ambiente de intolerância a essas práticas e promover o trabalho decente (DE ALMEIDA et al., 2023).
Este conjunto de medidas legislativas, judiciais e administrativas configura um sistema abrangente de combate ao trabalho análogo à escravidão, refletindo o compromisso do Brasil em assegurar o respeito aos direitos humanos e a dignidade no trabalho. A contínua vigilância e aprimoramento dessas ações são essenciais para a erradicação definitiva dessas práticas abusivas e para a promoção de um ambiente laboral justo e humanizado.
2.3 DINÂMICA E CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO
O trabalho análogo à escravidão é uma realidade que persiste em diversas áreas econômicas, configurando-se como uma das mais severas violações dos direitos humanos contemporâneos. Esta prática atinge principalmente a agricultura, onde atividades como a pecuária, o cultivo de soja e a produção de carvão vegetal são notoriamente afetadas. Trabalhadores nesse setor frequentemente enfrentam condições de trabalho extremamente precárias, com jornadas extenuantes, alojamentos insalubres e remuneração inadequada ou inexistente. A carência de fiscalização e a conivência de alguns agentes econômicos contribuem para a perpetuação dessas práticas abusivas (DA CRUZ; BORGES; CAMILOTTI, 2023).
A construção civil emerge como outro setor crítico, com uma alta incidência de trabalho análogo à escravidão. Grandes obras de infraestrutura urbana e projetos de desenvolvimento muitas vezes escondem um lado sombrio, onde trabalhadores são submetidos a condições desumanas. Esses indivíduos, muitas vezes migrantes ou provenientes de regiões economicamente desfavorecidas, são atraídos por promessas de emprego e melhores condições de vida, mas acabam presos em um ciclo de exploração. A precariedade dos alojamentos, a falta de equipamentos de segurança adequados e o não pagamento de salários são características comuns encontradas nessas situações (GUSMÃO et al., 2023).
A indústria têxtil também se configura como um campo fértil para a exploração laboral. Fábricas clandestinas e oficinas de costura utilizam-se de mão de obra barata e, frequentemente, forçada. Trabalhadores, muitas vezes imigrantes em situação irregular, são obrigados a jornadas exaustivas e a trabalhar em ambientes insalubres, recebendo remuneração irrisória. A cadeia produtiva da moda, pressionada por prazos apertados e pela busca incessante por menores custos de produção, contribui para que essas condições de trabalho persistam (NASCIMENTO et al., 2024).
Na mineração, especialmente em áreas de extração de ouro e outros minerais preciosos, o trabalho análogo à escravidão é uma prática comum. Os trabalhadores são submetidos a condições de extrema dureza, frequentemente em áreas remotas e de difícil acesso, onde a fiscalização é praticamente inexistente. Essas pessoas são frequentemente recrutadas sob falsas promessas de bons salários e acabam aprisionadas em um ciclo de dívidas e exploração, trabalhando em condições perigosas e insalubres (HIPÓLITO; DE SOUZA, 2022).
O problema do trabalho análogo à escravidão é agravado pela vulnerabilidade socioeconômica dos trabalhadores, que são atraídos por falsas promessas de emprego e melhores condições de vida. Muitos são migrantes ou provenientes de regiões de extrema pobreza, e veem-se sem alternativas viáveis para sustentar suas famílias. A falta de educação e de acesso à informação sobre seus direitos torna-os alvos fáceis para aliciadores inescrupulosos que se aproveitam de sua vulnerabilidade (DO NASCIMENTO; VALENTE; MARQUES, 2023).
A legislação brasileira possui mecanismos para combater o trabalho análogo à escravidão, como o artigo 149 do Código Penal, que define e penaliza essa prática, e a existência da “Lista Suja”, que expõe empregadores que utilizam mão de obra escrava. No entanto, a efetividade dessas medidas esbarra na insuficiência de fiscalização e na impunidade de muitos infratores. É necessário um fortalecimento das ações de inspeção do trabalho e uma maior articulação entre os diferentes níveis de governo para garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores (CZELUSNIAK; VOJNIAK, 2023).
O perfil das vítimas do trabalho análogo à escravidão apresenta características demográficas marcantes. Predominam indivíduos oriundos de áreas rurais, com baixo nível de escolaridade e escassas oportunidades de emprego formal. A maioria das vítimas são homens adultos, embora mulheres e crianças também sejam exploradas, especialmente em setores como o doméstico e a agricultura familiar. Muitas das vítimas são migrantes internos que se deslocam de regiões mais pobres em busca de melhores condições de vida, mas acabam caindo em armadilhas de trabalho forçado. A origem desses trabalhadores, muitas vezes de estados como Maranhão, Pará e Piauí, revela um padrão de vulnerabilidade associado à falta de infraestrutura e políticas públicas eficazes nessas áreas (BARBOSA; FONSECA; BENTES, 2023).
As vulnerabilidades que facilitam a exploração de trabalhadores em condições análogas à escravidão são diversas. A pobreza extrema e a necessidade urgente de sustento para a família levam indivíduos a aceitar ofertas de trabalho sem questionar as condições. A falta de informação e de acesso a redes de apoio social e legal agrava a situação, deixando essas pessoas à mercê de empregadores inescrupulosos. A carência de fiscalização efetiva e a impunidade para os infratores perpetuam o ciclo de exploração. O isolamento geográfico, especialmente em áreas rurais remotas, dificulta a denúncia e a intervenção por parte das autoridades.
Os mecanismos de coerção e controle utilizados para manter os trabalhadores em condições de escravidão moderna são variados e frequentemente brutais. O endividamento é uma estratégia comum, onde trabalhadores são levados a contrair dívidas exorbitantes com o empregador, muitas vezes por transporte, alimentação ou ferramentas de trabalho. Estas dívidas são, em muitos casos, fictícias ou inflacionadas, impossibilitando a quitação e forçando o trabalhador a permanecer no local de trabalho indefinidamente (PINHEIRO, 2021).
Ameaças e violência física também são métodos de coerção amplamente utilizados. Trabalhadores são frequentemente ameaçados com represálias contra si mesmos ou suas famílias caso tentem fugir ou denunciar a situação. O uso de guardas armados para vigiar os trabalhadores, o confisco de documentos pessoais e a criação de uma atmosfera de medo são táticas destinadas a manter o controle sobre as vítimas (FREITAS et al., 2022).
O isolamento é outro fator crítico no controle dos trabalhadores. Aqueles que são recrutados para trabalhar em áreas remotas são frequentemente mantidos longe de qualquer contato com o mundo exterior. Sem acesso a meios de comunicação ou transporte, e com a circulação controlada por capatazes, os trabalhadores encontram- se praticamente presos. Este isolamento físico é complementado por um isolamento social, onde a interação com o entorno é minimizada, impedindo a formação de redes de apoio que poderiam auxiliar na fuga ou denúncia das condições de trabalho (ALVES; NOGUEIRA, 2024).
A perpetuação do trabalho análogo à escravidão é facilitada pela falta de fiscalização e pela ineficácia de políticas públicas voltadas à proteção dos trabalhadores vulneráveis. A cooperação entre diversas esferas governamentais e a implementação de medidas de fiscalização mais rigorosas são essenciais para combater esta prática. O fortalecimento de sindicatos e organizações de defesa dos direitos trabalhistas também se mostra importante para a promoção de um ambiente de trabalho digno e seguro (FEITOSA; MARIANO, 2023).
O combate ao trabalho análogo à escravidão requer um esforço conjunto entre governo, sociedade civil e setor privado. A conscientização sobre as condições de trabalho e a promoção de práticas empresariais responsáveis são passos fundamentais para erradicar essa prática. Investimentos em educação e desenvolvimento econômico nas regiões de origem dos trabalhadores vulneráveis podem reduzir a predisposição à exploração. Implementar políticas que facilitem a reintegração dos trabalhadores resgatados no mercado formal, proporcionando-lhes oportunidades de emprego digno, é essencial para romper o ciclo de exploração.
2.4 FATORES CONTRIBUINTES
Os fatores sociais, como a educação, desempenham um papel fundamental na manutenção das desigualdades. O acesso desigual a uma educação de qualidade cria barreiras significativas para a mobilidade social. Escolas em áreas urbanas ricas frequentemente dispõem de melhores recursos e infraestruturas comparadas às situadas em regiões pobres, rurais ou periféricas. Essa disparidade educacional impede que muitos jovens desenvolvam plenamente suas capacidades e competam em condições de igualdade no mercado de trabalho. A qualidade da educação está intrinsicamente ligada à formação de capital humano, essencial para o desenvolvimento econômico e social sustentável (SANTOS et al., 2023).
A desigualdade racial e de gênero também contribui de maneira significativa para a exclusão social. Grupos raciais minoritários e mulheres frequentemente enfrentam discriminação no mercado de trabalho, resultando em menores salários e menores oportunidades de ascensão profissional. A discriminação racial e de gênero não só limita as oportunidades de emprego, mas também afeta negativamente a autoestima e o bem-estar psicológico dessas populações, perpetuando um ciclo de desigualdade e exclusão (OLIVEIRA; BENARROSH, 2022).
A dimensão regional da desigualdade no Brasil é igualmente significativa. O desenvolvimento econômico e social é altamente desigual entre as diferentes regiões do país. Regiões como o Sudeste e o Sul são mais desenvolvidas economicamente, com maior acesso a serviços e infraestrutura, enquanto o Norte e o Nordeste enfrentam maiores desafios em termos de pobreza e falta de serviços essenciais. Essa disparidade regional reflete uma histórica concentração de investimentos e políticas públicas que favoreceram determinadas áreas em detrimento de outras, exacerbando as desigualdades.
A urbanização desordenada é outro fator que intensifica a exclusão social no Brasil. Grandes centros urbanos frequentemente não conseguem acompanhar o crescimento populacional, resultando em favelas e áreas de habitação precária. Nessas áreas, a falta de infraestrutura básica, como saneamento, água potável e eletricidade, agrava as condições de vida e limita o acesso a oportunidades de trabalho e educação. A violência urbana também se apresenta de maneira mais intensa nessas regiões, contribuindo para a perpetuação de um ciclo de pobreza e exclusão (DOS SANTOS LOUREDO; JACOB, 2023).
A pobreza, por sua vez, não é apenas um resultado, mas também uma causa que contribui para a perpetuação da desigualdade. Famílias pobres têm menos acesso a recursos essenciais como educação de qualidade, saúde, saneamento básico e moradia adequada. Essa falta de acesso a bens e serviços básicos limita o potencial de desenvolvimento individual e coletivo, impedindo a mobilidade social e mantendo gerações inteiras presas em um ciclo de pobreza. O desemprego agrava essa situação, pois sem uma fonte de renda estável, as famílias são forçadas a viver na informalidade, sem proteção social e com rendimentos insuficientes para atender suas necessidades básicas.
Os fatores sociais, como a educação, desempenham um papel central na formação das desigualdades. O acesso desigual à educação de qualidade é uma das principais barreiras à igualdade de oportunidades no Brasil. Escolas públicas, especialmente em áreas periféricas e rurais, muitas vezes carecem de recursos adequados, professores bem treinados e infraestrutura básica, resultando em um ensino de baixa qualidade. A discriminação racial, de gênero e contra outras minorias agrava ainda mais essas disparidades, limitando o acesso dessas populações a educação e empregos de qualidade. A exclusão social é uma consequência direta dessas práticas discriminatórias, resultando em comunidades inteiras marginalizadas e sem acesso a direitos fundamentais (KESKE; RODEMBUSCH, 2023).
A discriminação também se manifesta de várias formas, desde o racismo estrutural até a discriminação de gênero, e tem profundas implicações para a inclusão social. Populações marginalizadas enfrentam barreiras significativas em termos de acesso a empregos, educação e serviços de saúde. Essas barreiras não apenas reduzem as oportunidades de ascensão social, mas também perpetuam a exclusão e a pobreza. A discriminação sistêmica contra grupos como negros, mulheres, indígenas e pessoas LGBTQ+ contribui para a manutenção das desigualdades e limita as possibilidades de desenvolvimento social e econômico (FIGUEIREDO; TIBALDI, 2021).
A exclusão social é uma dimensão crítica a ser considerada, pois abrange não apenas a falta de acesso a recursos materiais, mas também a participação na vida comunitária e na tomada de decisões políticas. Indivíduos e grupos socialmente excluídos frequentemente enfrentam isolamento, falta de representação e ausência de voz nas esferas de poder. Esse isolamento reforça as disparidades existentes e impede que soluções eficazes e inclusivas sejam implementadas, perpetuando a desigualdade e a injustiça social.
As diferenças regionais no Brasil são outro aspecto fundamental que contribui para a desigualdade. O país apresenta uma ampla diversidade geográfica e socioeconômica, com regiões que variam significativamente em termos de desenvolvimento econômico e qualidade de vida. As áreas mais afetadas pela pobreza e desigualdade são geralmente as regiões Norte e Nordeste, onde os índices de desenvolvimento humano são mais baixos e as oportunidades econômicas são mais limitadas. Essas regiões enfrentam desafios históricos e estruturais, incluindo menor investimento em infraestrutura, educação e saúde, bem como menores oportunidades de emprego e desenvolvimento econômico (CZELUSNIAK; VOJNIAK, 2023).
Essas diferenças regionais são resultado de políticas históricas e econômicas que favoreceram o desenvolvimento desigual. Enquanto algumas áreas, como o Sudeste, se beneficiaram de investimentos significativos e infraestrutura robusta, outras regiões foram sistematicamente negligenciadas. Essa disparidade é visível na distribuição de recursos públicos, na qualidade dos serviços oferecidos e nas oportunidades de desenvolvimento econômico. A falta de investimento e atenção às necessidades das regiões menos desenvolvidas perpetua a exclusão e limita o crescimento inclusivo do país como um todo (FREITAS et al., 2022).
A compreensão e a mitigação das desigualdades econômicas, sociais e regionais exigem abordagens integradas e políticas públicas eficazes. A erradicação da pobreza, a promoção da igualdade de oportunidades educacionais, a luta contra a discriminação e o investimento em regiões historicamente desfavorecidas são essenciais para construir uma sociedade mais justa e equitativa. A transformação desse cenário depende de ações coordenadas que envolvam todos os setores da sociedade, desde o governo e empresas até organizações não governamentais e a comunidade em geral. Somente através de um esforço conjunto será possível superar os desafios e construir um futuro onde todos os brasileiros tenham acesso igualitário às oportunidades e recursos necessários para prosperar.
2.5 IMPACTOS DO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO
O trabalho análogo à escravidão impacta profundamente as famílias e comunidades dos trabalhadores. As condições degradantes enfrentadas pelos trabalhadores repercutem negativamente na estrutura familiar, muitas vezes resultando em desintegração familiar, violência doméstica e abuso. As crianças, particularmente vulneráveis, são frequentemente privadas de acesso à educação devido à necessidade de contribuir para a renda familiar ou à incapacidade dos pais de prover um ambiente estável e seguro. Essa falta de educação perpetua um ciclo de pobreza e exploração, comprometendo o desenvolvimento social e econômico das comunidades afetadas (DA CRUZ; BORGES; CAMILOTTI, 2023).
No âmbito econômico, o trabalho análogo à escravidão gera distorções significativas no mercado de trabalho. Empresas que recorrem a práticas abusivas e exploratórias obtêm vantagens competitivas desleais sobre aquelas que respeitam os direitos dos trabalhadores e as normas trabalhistas. Essa dinâmica desincentiva a adoção de práticas laborais justas e sustentáveis, criando um ambiente econômico onde a exploração é recompensada. A economia informal, onde essas práticas são mais prevalentes, cresce em detrimento do setor formal, reduzindo a arrecadação fiscal e prejudicando o desenvolvimento econômico sustentável (HIPÓLITO; DE SOUZA, 2022).
A exploração laboral severa também tem implicações legais e institucionais. A persistência desse fenômeno evidencia falhas nos sistemas de governança e na aplicação das leis trabalhistas e de direitos humanos. Governos e organizações internacionais enfrentam desafios consideráveis para identificar, monitorar e erradicar o trabalho análogo à escravidão, necessitando de políticas robustas e de cooperação internacional para combater essas práticas. A ineficácia das medidas de fiscalização e a corrupção agravam o problema, perpetuando a impunidade e a vulnerabilidade dos trabalhadores explorados.
O impacto ambiental do trabalho análogo à escravidão não deve ser subestimado. Muitos setores que empregam práticas laborais abusivas, como a agricultura, a mineração e a indústria madeireira, operam de maneira insustentável e predatória. A busca incessante por lucro às custas da dignidade humana muitas vezes resulta em degradação ambiental, desmatamento e poluição. Essas atividades não apenas comprometem os ecossistemas locais, mas também exacerbam as mudanças climáticas, afetando a biodiversidade e a qualidade de vida das comunidades (PINHEIRO, 2021).
Em termos de direitos humanos, o trabalho análogo à escravidão representa uma violação flagrante dos princípios fundamentais estabelecidos em diversas convenções e tratados internacionais. Trabalhadores são frequentemente privados de sua liberdade, forçados a trabalhar em condições desumanas e submetidos a abusos físicos e psicológicos. Esta violação dos direitos humanos básicos impede que os indivíduos desfrutem de uma vida digna, livre de coerção e exploração. A dignidade, um direito inerente a todo ser humano, é constantemente aviltada, pois os trabalhadores são tratados como meras ferramentas produtivas, desprovidos de qualquer respeito ou consideração por sua humanidade (NASCIMENTO et al., 2024).
Os impactos sociais do trabalho análogo à escravidão são igualmente devastadores. As comunidades de onde esses trabalhadores são originários muitas vezes sofrem com a desintegração familiar e a ruptura dos laços sociais. As famílias são separadas quando seus membros são levados para trabalhar em condições análogas à escravidão, o que gera um ciclo de pobreza e exclusão social. A coesão social, fundamental para o desenvolvimento e a estabilidade das comunidades, é profundamente prejudicada, resultando em uma sociedade fragmentada e enfraquecida. As crianças dessas famílias, muitas vezes, acabam abandonando a escola para trabalhar e ajudar na subsistência da família, perpetuando o ciclo de pobreza e exploração (DE SOUZA; DUTRA, 2024).
No contexto econômico, o trabalho análogo à escravidão tem um impacto negativo significativo na competitividade e no desenvolvimento sustentável de um país. Empresas que utilizam mão de obra análoga à escravidão reduzem artificialmente seus custos de produção, criando uma competição desleal com aquelas que operam de acordo com as normas trabalhistas e os direitos humanos. Essa prática desincentiva o investimento em tecnologia e inovação, já que a mão de obra barata se torna uma alternativa preferível para reduzir custos. Além disso, o desenvolvimento sustentável é comprometido, pois o foco em práticas exploratórias de curto prazo não considera os impactos de longo prazo sobre os recursos humanos e naturais.
O trabalho análogo à escravidão também afeta a imagem e a reputação internacional dos países onde essa prática é prevalente. Investidores e parceiros comerciais internacionais estão cada vez mais atentos às condições de trabalho nas cadeias de suprimentos, e a associação de um país com práticas de trabalho análogas à escravidão pode resultar em sanções econômicas, perda de investimentos e barreiras comerciais. Esse impacto econômico negativo pode, por sua vez, reduzir as oportunidades de crescimento econômico e desenvolvimento, exacerbando as desigualdades e a pobreza (KESKE; RODEMBUSCH, 2023).
A erradicação do trabalho análogo à escravidão exige uma abordagem multifacetada que envolva políticas públicas eficazes, fiscalização rigorosa e campanhas de conscientização. É essencial que os governos, as organizações internacionais, a sociedade civil e o setor privado trabalhem juntos para identificar e desmantelar as redes de exploração. Investir em educação e capacitação profissional para populações vulneráveis é fundamental para oferecer alternativas viáveis e sustentáveis ao trabalho degradante. A promoção de práticas empresariais responsáveis e a implementação de mecanismos de transparência nas cadeias de suprimentos podem contribuir para a eliminação dessa prática (DA COSTA; DA SILVA; FARIAS, 2023).
Os impactos do trabalho análogo à escravidão são abrangentes e afetam profundamente os indivíduos, a sociedade e a economia. A luta contra essa forma de exploração é essencial para promover a justiça social, o respeito aos direitos humanos e o desenvolvimento sustentável. A conscientização e a ação coordenada são fundamentais para erradicar essa prática e construir um futuro mais justo e equitativo para todos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A eficácia das políticas públicas poderia ser amplamente fortalecida com um aprimoramento legislativo que enfatizasse a fiscalização de forma contínua e independente, especialmente em áreas rurais e setores onde a prática é mais comum. Uma sugestão para melhorar o sistema seria destinar mais recursos e tecnologia para operações de fiscalização, como o uso de drones e sistemas de georreferenciamento, que permitiriam monitorar regiões remotas com maior precisão. Seria relevante aumentar a transparência nos processos de punição, garantindo que as penalidades sejam aplicadas de forma exemplar e que os casos de trabalho análogo à escravidão tenham um desfecho rápido e visível, o que ajudaria a desencorajar futuros abusos.
Investir em políticas preventivas é outro ponto crucial para reduzir a vulnerabilidade das populações mais atingidas. A educação de qualidade e o acesso a programas de formação profissional são medidas que poderiam promover a emancipação social e econômica dos grupos mais suscetíveis à exploração. Além disso, programas de reintegração para trabalhadores resgatados podem fornecer alternativas de emprego digno e contribuir para que essas pessoas não voltem a situações de risco. Esses programas poderiam ser complementados com políticas de apoio social, oferecendo redes de proteção que garantam acesso a serviços básicos, como saúde e assistência social, para as comunidades em maior risco de exploração. A implementação de uma abordagem colaborativa entre governo, empresas e sociedade civil é fundamental para o sucesso de qualquer estratégia de combate ao trabalho análogo à escravidão. A responsabilidade social corporativa deve ser incentivada de forma que as empresas fiscalizem rigorosamente suas cadeias produtivas, eliminando práticas que direta ou indiretamente sustentem condições de trabalho análogas à escravidão. Estabelecer parcerias entre órgãos públicos e entidades da sociedade civil, incluindo ONGs e sindicatos, é igualmente importante para criar uma rede de suporte aos trabalhadores vulneráveis e amplificar as denúncias de casos de exploração.
Uma maior integração entre as políticas repressivas e preventivas é imprescindível. As políticas de repressão devem caminhar junto a programas educativos e de conscientização, pois só uma transformação cultural poderá modificar a percepção da sociedade sobre o trabalho escravo contemporâneo. Campanhas informativas e a inclusão do tema nas políticas educacionais podem alertar tanto os trabalhadores quanto a população em geral sobre os direitos trabalhistas e os mecanismos legais de proteção.
A erradicação do trabalho análogo à escravidão no Brasil exige uma ação coordenada e contínua, baseada em um tripé que envolva políticas de repressão efetiva, prevenção estruturada e proteção social inclusiva. Apenas com o fortalecimento legislativo, a aplicação das leis de forma justa e ágil, e um sistema de apoio para as populações vulneráveis será possível enfrentar de forma abrangente esse problema. O sucesso dessas ações, no entanto, depende do comprometimento de todos os setores da sociedade, pois apenas com uma abordagem coletiva e integrada o Brasil poderá avançar no combate a essa prática, garantindo condições de trabalho dignas e o respeito aos direitos humanos de todos os trabalhadores.
4 REFERÊNCIAS
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DA COSTA, Camille Lopes; DA SILVA, Iracema Érica Saraiva; FARIAS, Léia Juliana Silva. Análise do trabalho análogo à escravidão no Piauí, durante o período de 2020 A 2022. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 11, p. 1157-1172, 2023.
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