REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11186176
Cláudia Aline Gomes de Carvalho1
Raimunda Raíla Ferreira de Paz2
Orientador: Fernando Augusto Torres dos Santos3
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar as divergências das decisões do TST e STF sobre o reconhecimento de vínculo empregatício entre os motoristas e a Uber. Dessa forma, examina-se cuidadosamente os argumentos legais e jurisprudenciais em torno desse tema, considerando os direitos trabalhistas dos motoristas e as responsabilidades das empresas que operam nesse modelo de negócio.
Além de analisar as leis trabalhistas existentes e como elas se aplicam a essa dinâmica específica de trabalho, o artigo também aborda as características únicas do trabalho por aplicativo e as implicações dessas nuances legais e práticas para ambas as partes envolvidas. Por meio da revisão de decisões judiciais recentes e da evolução do entendimento legal sobre o assunto, busca-se oferecer uma visão abrangente sobre as diferentes perspectivas e argumentos envolvidos nesse debate. Além disso, é possível apresentar as implicações econômicas e sociais do reconhecimento ou não do vínculo empregatício, considerando seu impacto nos direitos e proteções dos trabalhadores, nas estratégias de negócios das empresas e no funcionamento do mercado de trabalho como um todo. Ao fazer isso, o artigo busca contribuir para uma compreensão mais completa e informada dessa questão crucial no contexto atual.
Palavras chaves: vínculo empregatício; motorista de aplicativo; uber; constituição.
ABSTRACT
The present article aims to analyze the discrepancies in the decisions of the TST and STF regarding the recognition of an employment relationship between drivers and Uber. Thus, it carefully examines the legal and jurisprudential arguments surrounding this issue, considering the labor rights of drivers and the responsibilities of companies operating in this business model.In addition to analyzing existing labor laws and how they apply to this specific work dynamic, the article also addresses the unique characteristics of gig economy work and the implications of these legal and practical nuances for both parties involved. Through a review of recent judicial decisions and the evolution of legal understanding on the subject, it seeks to provide a comprehensive view of the different perspectives and arguments involved in this debate.Furthermore, it explores the economic and social implications of recognizing or not recognizing the employment relationship, considering its impact on workers’ rights and protections, on companies’ business strategies, and on the functioning of the labor market as a whole. In doing so, the article aims to contribute to a more complete and informed understanding of this crucial issue in the current context.
Keywords: employment relationship; app-based driver; Uber; constitution
1 INTRODUÇÃO
O avanço tecnológico proporcionou novos padrões de organização laboral em razão da criação de aplicativos digitais destinados à prestação de serviços eletrônicos, como os de mobilidade urbana que funcionam da seguinte forma: motoristas vinculados a um aplicativo de transporte privado se conectam com outros usuários que solicitam viagens por meio desta plataforma, sendo esta administrada pela empresa que a criou.
Reconhecida internacionalmente, a Uber é uma plataforma que oferece esse tipo de serviço. De acordo com Mundo da Marcas (2016, apud Corrêa, 2023, p. 27) a ideia surgiu em 2009 em Paris, quando Garrett Camp e Travis Kalanic, criadores da Uber, enfrentaram dificuldades para encontrar um táxi. Naquele momento, imaginaram um serviço com o qual fosse possível chamar um carro com motorista particular com apenas um toque na tela do celular.
Foi fundada oficialmente em junho de 2010, na cidade de San Francisco, nos Estados Unidos, a plataforma expandiu-se rapidamente em vários países, inclusive no Brasil, chegando em 2014 na cidade do Rio de Janeiro (Uber Neewsroom, 2023).
Segundo Corrêa (2023, p. 50) o fato da Uber disponibilizar um emprego flexível, possível de ser ajustado às rotinas diárias das pessoas, fez com que ganhasse grande destaque e reconhecimento mundial, resultando ainda, na popularização do termo “uberização”, que reflete a busca por opções alternativas para ganhar dinheiro, seja para sustento próprio ou para complementar a renda.
Com a expansão da Uber, surgiram numerosos conflitos trabalhista debatendo o reconhecimento de vínculo empregatício entre os motoristas e a empresa. Essa questão chegou ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) onde as turmas apresentaram entendimentos divergentes: para algumas, não há reconhecimento de vínculo empregatício, enquanto para outras é possível.
Diante dessa divergência, surge a problemática central: o reconhecimento de vínculo empregatício entre os motoristas e a Uber, é constitucional ou inconstitucional?
Para responder a essa indagação, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar as divergências das decisões do TST e Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o reconhecimento de vínculo empregatício entre os motoristas e a Uber. Os objetivos específicos incluem: demonstrar a relação de trabalho entre os motoristas de aplicativo e a Uber, abordando os aspectos positivos e negativos dessa relação; apontar os requisitos que caracterizam o vínculo empregatício; e analisar o posicionamento do TST e STF acerca da relação jurídica entre a empresa e o trabalhador.
Esta pesquisa se justifica pelo considerável número de processos debatendo o reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas e as empresas de aplicativos. Esses processos têm provocado debates acalorados entre as turmas do TST, sem que até o momento haja um consenso sobre o tema. O que gera insegurança jurídica para aqueles que buscam uma solução diante do judiciário, destacando a complexidade e a relevância deste assunto em contínua evolução.
2 MATERIAL E MÉTODOS
Esta pesquisa é de natureza básica, método indutivo, pesquisa exploratória descritiva, com abordagem qualitativa.
Seu desígnio consiste em realizar uma revisão bibliográfica acerca das divergências dos Tribunais sobre o reconhecimento de vínculo empregatício na Uber. Para tanto, a pesquisa baseia-se em artigos científicos que abordam o tema, em plataformas como: Google Acadêmico, biblioteca do STF e site oficial do TST.
De acordo com Marconi e Lakatos (1992), a pesquisa bibliográfica pode ser compreendida como a observação de toda a bibliografia publicada, por meio de revistas e artigos.
O seu objetivo é permitir que o pesquisador entre em contato direto com todo o material construído sobre um determinado assunto, permitindo que o pesquisador realize uma análise criteriosa de suas pesquisas, promovendo entendimento e constatações com maior exatidão.
Os métodos de coleta de dados adotados englobam análise de documentários e revisão bibliográfica, centrando-se nos descritores: reconhecimento do vínculo; Uber; motorista de aplicativo; uberização.
No que tange aos procedimentos técnicos, serão analisadas referências bibliográficas que delineiam os requisitos que caracterizam o vínculo empregatício.
A apresentação de dados será demonstrada através de recursos computacionais que permitam a melhor análise e entendimento quanto ao tema. O levantamento da pesquisa bibliográfica dará ênfase à análise e discussão dos resultados, contribuindo para melhor compreensão quanto ao posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho e Supremo Tribunal Federal acerca da relação jurídica existente entre empresa e trabalhador na Uber.
3 RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE EMPREGO
Segundo Leite (2020), existem duas correntes proeminentes que abordam a natureza legal do vínculo entre os participantes da relação empregatícia – o empregado e o empregador: a perspectiva contratualista e a anticontratualista. Os contratualistas, representados por figuras como Bonnecase, Renault e Savatier, argumentam que a relação empregatícia é fundamentalmente contratual, baseada na livre expressão da vontade entre ambas as partes. Por outro lado, os anticontratualistas, incluindo Léon Duguit, defendem que o vínculo entre empregado e empregador não depende de um contrato formal.
Neste contexto, Leite (2020) demonstra que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) incorpora ambas as abordagens. Por exemplo, o artigo 2° define o empregador como a empresa, enquanto o artigo 442 apresenta o contrato de trabalho como correspondente ao acordo subjacente à relação de emprego. Além disso, o artigo 444 permite a autonomia das partes para negociar condições mais vantajosas do que as estabelecidas por lei.
Romar (2021), por outro lado, avança essa discussão ao sugerir que as relações de trabalho estão inseridas em um contexto mais amplo de relações sociais, algumas das quais têm implicações jurídicas e outras não. Dentro dessas relações de trabalho, ele destaca a distinção entre trabalho subordinado, ou seja, a relação de emprego. Assim, ela argumenta que enquanto todo empregado é um trabalhador, nem todo trabalhador é um empregado.
Mediante o que se expõe, a expressão relação de trabalho abrange um escopo mais amplo do que relação de emprego, enquanto a primeira engloba todas as formas de contratação de trabalho humano atualmente reconhecidas, a relação de emprego é apenas uma categoria dentro da relação de trabalho, referindo-se especificamente aos casos em que todos os critérios necessários para sua caracterização estão presentes. Esses critérios incluem a pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação, todos requeridos simultaneamente para que uma relação seja classificada como relação de emprego (Mattioli, 2019).
Segundo Pontotel (2021, apud Corrêa, 2023, p. 12), a relação de trabalho é uma prestação de serviço laboral que pode ser remunerada ou voluntária, destacando-se em sete categorias: estágio profissional, trabalho voluntário, trabalho autônomo, trabalho temporário, trabalho eventual, trabalho avulso e trabalho diarista. Nesta prestação de serviço, nem todos os requisitos do artigo 3º da CLT estão presentes. Por outro lado, na relação de emprego, todos os requisitos devem estar presentes.
3.1 Requisitos caracterizadores da relação de emprego
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 3º, estipula os requisitos que caracterizam o vínculo de emprego, definindo-o como: toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Resende (2020, p.75) destaca cinco requisitos caracterizadores da relação de emprego, são eles:
- Trabalho prestado por pessoa física:
Resende enfatiza que apenas pessoas físicas podem ser consideradas empregadas, enquanto pessoas jurídicas não se enquadram nessa categoria. Além disso, destaca a importância de distinguir a prestação de serviço por pessoa física de possíveis situações fraudulentas envolvendo pessoas jurídicas, cita como exemplo Resende (2020, p.75):
a existência das falsas pessoas jurídicas, também chamadas “PJ de um único sócio” ou “sociedades unipessoais”, as quais são geralmente “constituídas” por profissionais liberais que assumem a roupagem de pessoa jurídica como único meio de obter trabalho junto a grandes empresas, não impede o reconhecimento da relação de emprego, desde que presentes os demais requisitos.
No entanto, Resende defende que este não é requisito exclusivo da relação de emprego.
- Pessoalidade
A pessoalidade na relação de emprego se refere à natureza intuitu personae do empregado em relação ao empregador. Isso implica que o empregador contrata o trabalhador para executar suas funções pessoalmente, sem a possibilidade de substituição frequente. Essa característica é muitas vezes denominada como infungibilidade em relação ao empregado e é essencial para distinguir a relação de emprego de outras formas de trabalho.
Resende (2020) ressalta que, embora a natureza intuitu personae seja um requisito da relação de emprego, ela ocorre apenas em relação ao empregado, não em relação ao empregador, de acordo com o princípio da despersonalização do empregador, razão pela qual é possível que, ao longo do vínculo de emprego, mude o empregador, seja pela transferência de propriedade da empresa, seja pela alteração do quadro societário.
- Não Eventualidade
Um dos requisitos mais discutidos é a não eventualidade, não há consenso na doutrina sobre este requisito.
Resende (2020) destaca que o trabalhador não eventual executa suas tarefas de forma repetida, inserido nas atividades permanentes do empregador e com vínculo jurídico estabelecido. Portanto, a não eventualidade não se limita à continuidade diária, mas à previsão de repetibilidade futura das atividades junto ao empregador.
- Onerosidade
A onerosidade, por sua vez, é um requisito bilateral do contrato de trabalho, envolvendo a remuneração pelo serviço prestado. Resende (2020) enfatiza que a relação de emprego pressupõe a onerosidade da prestação, sendo a remuneração um elemento essencial para sua caracterização.
- Subordinação
Resende (2020) destaca que a subordinação é o principal elemento distintivo da relação de emprego, sendo fundamental na configuração do vínculo empregatício. A subordinação jurídica é reconhecida como aquela que decorre do contrato de trabalho estabelecido entre empregado e empregador. Nesse contexto, o empregador detém o poder diretivo, que lhe permite dirigir e controlar a forma como o trabalho é realizado pelo empregado. Por sua vez, o empregado deve submeter-se a essas ordens, caracterizando-se assim a subordinação jurídica.
Nesse sentido, também é o entendimento de Matiolli (2019, p.19), defende que dentre os requisitos necessários para o reconhecimento de relação empregatícia, a subordinação se destaca como o mais proeminente. Historicamente, foi através dela que a relação de produção assumiu sua forma contemporânea, afastando-se de modelos anteriores de servidão e escravidão. Além disso, a subordinação é o traço preponderante que claramente diferencia o trabalho autônomo do trabalho com vínculo empregatício.
Alice Monteiro de Barros ressalta, como citado por Resende (2020), que o poder de comando do empregador não necessita ser exercido de forma constante, mas é essencial que exista a possibilidade de dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado. Essa subordinação jurídica pode se manifestar não apenas pela submissão a horários ou pelo controle direto do cumprimento de ordens, mas também pelo controle de ponto, recebimento de ordens e direção do empregador quanto ao modo de produção.
Além disso, o autor destaca a proposta de Maurício Godinho Delgado de subdividir a subordinação em três dimensões distintas:
Dimensão clássica da subordinação → ordens diretas do tomador ao trabalhador.
Dimensão objetiva da subordinação → o trabalhador se integra aos fins e objetivos do empreendimento.
Dimensão estrutural da subordinação → o trabalhador se insere na dinâmica (estrutura) do tomador dos serviços. (Resende, 2020, p.83).
Essas dimensões evidenciam uma compreensão mais abrangente do conceito de subordinação, saindo da clássica noção de apenas ordens diretas.
Com efeito, destaca-se a possibilidade de reconhecimento da subordinação jurídica a partir de meios telemáticos e informatizados de comando, como o e-mail, Skype, WhatsApp, Telegram, entre outros. Isso revela o reconhecimento de outras dimensões da subordinação, para além daquela clássica.
Por fim, Resende (2020) observa que o surgimento do teletrabalho e do trabalho intermitente, introduzidos pela Reforma Trabalhista de 2017, não alterou significativamente o requisito da subordinação jurídica. Pelo contrário, tais institutos reforçam a ideia de que o conceito de subordinação evoluiu ao longo do tempo, afastando-se da concepção clássica que exigia ordens diretas para sua caracterização.
Diante disso, verifica-se que os requisitos essenciais para a caracterização do vínculo empregatício incluem a existência de uma pessoa física, a execução do trabalho de forma pessoal, a não eventualidade, a subordinação e a onerosidade, sendo estes concomitantes, cuja ausência de qualquer um deles pode resultar na descaracterização da relação de emprego.
4 DISTINÇÕES ENTRE EMPREGADO E TRABALHADOR AUTÔNOMO
No âmbito jurídico, é crucial discernir entre empregado e trabalhador autônomo, tendo em vista que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) se aplica apenas ao empregado, não ao trabalhador autônomo.
O trabalho autônomo tem previsão legal no art. 593 do Código Civil: a prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo (Brasil, 2002).
A reforma trabalhista de 2017 introduziu a atividade autônoma na CLT por meio do art. 442-B: a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado.
Destaca-se que a possibilidade de contratação de trabalhador autônomo com ou sem exclusividade foi uma novidade introduzida pela reforma. Ser exclusivo, por si só, não caracteriza vínculo empregatício.
Corrêa (2023, p. 23) argumenta que a intenção da nova redação do artigo 442 é proteger as empresas que administram sua força de trabalho sem admitir sua posição de empregadoras.
Tanto no caso de autônomo exclusivo quanto de cooperativado, o que importa não são apenas os aspectos formais do contrato entre as partes, mas sim os aspectos materiais, o chamado ‘contrato-realidade’. Esse enfoque se deve ao princípio da primazia da realidade, fundamental no direito do trabalho, que relativiza o comando de afastamento de vínculo empregatício.
A reforma trabalhista buscou expandir a possibilidade de contratação de trabalhador autônomo, inclusive com exclusividade na prestação de serviços, algo não tão bem aceito pela jurisprudência brasileira.
Uma vez que as duas modalidades residem principalmente na subordinação e na assunção de riscos. Enquanto o empregado atua sob a subordinação do empregador, o trabalhador autônomo exerce suas atividades de forma independente, organizando-se por conta própria. Ademais, cabe ressaltar que o trabalhador autônomo assume os riscos inerentes à sua atividade, ao passo que a responsabilidade pelos riscos envolvidos na prática recai sobre a empresa quando se trata de um empregado (Corrêa, 2023).
A autora conclui que tanto a subordinação quanto à assunção de riscos são elementos essenciais para caracterizar a existência da relação de emprego, estabelecendo uma clara distinção em relação ao trabalho autônomo. Mesmo que o empregado não receba ordens diretas, a presença de subordinação a uma empresa e a assunção dos riscos associados ao serviço contratado são indicativos fundamentais da natureza empregatícia da relação.
Portanto, torna-se evidente que na modalidade autônoma de trabalho, a ausência de subordinação é o aspecto central e distintivo. A subordinação se revela como um traço essencial para diferenciar a prestação de serviços autônomos do contrato de emprego. Quando há ingerência na execução dos serviços e imposição de metas, configura-se claramente um vínculo empregatício.
4.1 Prestação de serviço no aplicativo UBER
Uma empresa estabelecida no Brasil em 2014, com a proposta principal de oferecer transporte através de uma plataforma digital, opera da seguinte maneira: o usuário acessa o aplicativo, informa o destino da viagem e a ferramenta busca o motorista mais próximo. Se o motorista aceitar a corrida, ele prestará o serviço ao passageiro, sendo o valor cobrado pelo trabalho determinado pela empresa, que retém uma parte e repassa o restante ao motorista. Segundo Rubens Ferreira Pimentel, o Uber está presente no Brasil desde 2014 (Pimental, 2020).
Quando o usuário concorda, deve confirmar a solicitação, que é enviada ao motorista mais próximo com as informações fornecidas pelo passageiro. Se o motorista aceitar, o passageiro recebe informações sobre o veículo e o motorista, permitindo a comunicação via chat. Ao chegar ao destino, passageiro e motorista devem avaliar-se mutuamente no aplicativo, e essas avaliações ficam disponíveis nos perfis de ambos, permitindo à empresa monitorar a qualidade do serviço e aplicar punições, se necessário (Pimentel, 2020).
No entanto, a inovação introduzida pelo serviço de transporte gerou debates no Congresso Nacional, resultando na regulamentação pela Lei nº 13.648 de 2018, que modificou a Lei nº 12.587 de 2012 para “regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros”. Conforme estabelecido no artigo 3º, a competência para regulamentação e fiscalização do trabalho é dos Distritos Federais e municípios:
Art. 3º A Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012 , passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 11-A e 11-B: “ Art. 11-A. Compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei no âmbito dos seus territórios. Parágrafo único. Na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal deverão observar as seguintes diretrizes, tendo em vista a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço: I – efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço; II – exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT); III – exigência de inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
A partir da análise da legislação mencionada, observa-se que a única disposição referente aos direitos dos trabalhadores é a exigência de que os motoristas se inscrevam como contribuintes individuais no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sem mencionar qualquer outra proteção ou garantia para eles.
Diante desse contexto, surgiram debates na jurisprudência nacional sobre a modalidade de trabalho mais apropriada para os motoristas de aplicativos e se o atual modelo de prestação de serviços estaria prejudicando ou suprimindo direitos e garantias trabalhistas.
4.2 Decisões do TST e STF sobre o reconhecimento do vínculo de emprego
A discussão a respeito da existência de vínculo empregatício ou não, entre motoristas parceiros e empresas de aplicativos chegou no Tribunal Superior do Trabalho, gerando divergências entre as turmas.
Nos autos do processo nº 537-14.2022.5.21.0002 a 1ª turma entendeu pelo não reconhecimento, com fundamento na ausência de subordinação jurídica, destacando que ela é um aspecto relevante para determinar a natureza da relação entre as partes. Ressaltou-se ainda a ampla autonomia dos motoristas para definir sua jornada de trabalho. Concluindo pelo caráter autônomo na prestação de serviços, em que o motorista arca com os custos e os riscos da atividade (TST, 2023).
No mesmo sentido tem decidido a 5ª Turma do TST, nos autos do processo RR-1000123-89.2017.5.02.0038, acrescentando que o percentual recebido pelo motorista, entre 75% e 80% do valor pago pelo usuário, é superior ao necessário para caracterizar uma relação de parceria, evidenciando uma vantagem remuneratória incompatível com o vínculo empregatício (TST, 2020).
Recentemente, a 4ª Turma do TST, nos autos do processo AIRR-10575-88.2019.5.03.0003, reconheceu a transcendência jurídica da causa, destacando a novidade dos modelos de contratação e a autonomia dos motoristas na definição de sua rotina de trabalho. (TST, 2020).
Todas essas decisões destacam a ausência de subordinação jurídica como fator determinante para negar o reconhecimento do vínculo empregatício. Os tribunais enfatizam a autonomia dos motoristas na definição de horários, locais de trabalho e quantidade de clientes atendidos, além da não obrigatoriedade de prestação de serviços exclusivamente para uma empresa. A remuneração, baseada na quantidade de serviços prestados, é mencionada como um indicativo da autonomia dos motoristas, sem interferência direta das empresas provedoras das plataformas. As decisões ressaltam a importância da proteção jurídica aos motoristas de aplicativo, sugerindo que essa proteção seja alcançada por meio de legislação específica, sem necessariamente caracterizar a relação como de emprego quando não há subordinação jurídica evidente.
Em contrapartida, a 3ª Turma nos autos do processo nº 100353-02.2017.5.01.0066, reconheceu o vínculo empregatício entre o motorista de aplicativo e a Uber, sob o argumento de que estavam presentes os elementos tradicionais da relação de emprego, como a pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. Ressaltando ainda, que a empresa deve comprovar a autonomia na relação, mas a Uber não conseguiu se desvencilhar do ônus probatório. Assim, concluiu pela existência do vínculo de emprego. (TST, 2022).
Nesse sentido, também é o entendimento da 8ª Turma nos autos do processo nº 100853-94.2019.5.01.0067. A decisão destacou que o advento das plataformas digitais demanda uma revisão dos conceitos tradicionais de subordinação e dependência econômica. Ressaltou-se a centralização do controle da atividade pela Uber, incluindo definição de preços, cadastro de motoristas e clientes, e estabelecimento de normas. Reconheceu a existência de uma subordinação algorítmica, resultante da programação das atividades dos motoristas pela empresa. Diante disso, a decisão concluiu pela configuração do vínculo empregatício, ressaltando a presunção de emprego diante da prestação de serviços e a necessidade de proteção dos trabalhadores. (TST, 2023)
Em Reclamação 60.347, com pedido de medida liminar, ajuizada por Cabify Agência de Serviços de Transporte de Passageiros Ltda., contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Processo 0010231-76.2021.5.03.0023), que teria reconhecido o vínculo de emprego entre motorista e a empresa. O STF, concedeu medida liminar para suspender o processo trabalhista em trâmite no Tribunal Superior do Trabalho, visando evitar o risco de cumprimento provisório da sentença enquanto não há decisão definitiva sobre o tema em questão (STF, 2023).
Portanto, é evidente as divergências significativas entre as decisões proferidas pelo TST em relação ao reconhecimento do vínculo empregatício entre motoristas e empresas de aplicativo. De acordo com a análise das decisões, observa-se que a 8ª e a 3ª turmas do TST têm reconhecido o vínculo, enquanto a 1ª, 4ª e 5ª turmas têm entendimentos contrários, observa-se ainda que a razão para o não reconhecimento do vínculo, é fundamentada pela ausência de subordinação.
Diante desse cenário, dois processos com decisões divergentes a foram encaminhados para análise pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), responsável por uniformizar a jurisprudência das turmas. Mas até o momento o julgamento ainda não ocorreu (TST, 2022).
A controvérsia chegou ao STF, gerando o tema 1291 de Repercussão Geral. O voto proferido pelo ministro relator Edson Fachin ressaltou que as divergências nas decisões judiciais brasileiras sobre o assunto, tem gerado uma notável insegurança jurídica (STF, 2024).
Enquanto não se tem uma uniformização de entendimento sobre o assunto, o STF vem suspendendo ações que reconhecem o referido vínculo, justificando suas decisões com base na discrepância entre tais posicionamentos e o entendimento da Suprema Corte.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do ponto de vista constitucional, a questão gira em torno da interpretação dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, especialmente no que diz respeito aos direitos trabalhistas. O reconhecimento do vínculo empregatício garantiria aos motoristas de aplicativo uma série de direitos trabalhistas, tais como jornada de trabalho controlada, remuneração mínima, férias remuneradas, entre outros. Isso está alinhado com os princípios constitucionais de valorização do trabalho humano e dignidade da pessoa.
Desse modo, o objetivo geral: analisar as divergências das decisões do TST e STF sobre o reconhecimento de vínculo empregatício entre os motoristas e a Uber. Foi alcançado, visto que, durante a construção desse estudo foi pontuado as decisões recentes dos respectivos tribunais.
É importante ressaltar que há argumentos contrários que destacam a flexibilidade proporcionada pelo modelo de trabalho dos motoristas de aplicativo, que lhes permite definir seus próprios horários e locais de trabalho. Essa flexibilidade é valorizada por muitos motoristas, que veem na atividade uma oportunidade de complementar a renda de forma autônoma. Reconhecer o vínculo empregatício poderia comprometer essa flexibilidade e até mesmo inviabilizar o modelo de negócio das empresas de aplicativo.
Além disso, há uma discussão sobre a necessidade de adaptação da legislação trabalhista às novas formas de trabalho surgidas com o avanço da tecnologia. A legislação trabalhista tradicional não foi elaborada para lidar com a realidade dos trabalhadores digitais, o que gera lacunas e conflitos na aplicação das leis.
Dessa forma, é necessário um debate amplo e equilibrado que leve em consideração tanto os direitos dos trabalhadores quanto a dinâmica do mercado de trabalho e a inovação tecnológica. A busca por soluções que conciliam a proteção do trabalhador com a promoção da inovação e do empreendedorismo é fundamental para garantir relações trabalhistas justas e sustentáveis no contexto contemporâneo.
REFERÊNCIAS
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PIMENTEL, Rubens Ferreira. Análise do vínculo empregatício entre motorista e o aplicativo uber. Artigo apresentado para a faculdade Faveni. 18P. Reduto, 2020. Disponível em: https://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/55321/PIMENTEL%2c%20Rubens%20Ferreira%20-%20An%c3%a1lise%20do%20V%c3%adnculo%20Empregat%c3%adcio%20entre%20Motorista%20e%20o%20Aplicativo%20UBER.pdf?sequence=1&isAllowed=y
RAMOS, Lucas Scaldelai; HENRIQUE, Camila Valera Reis. Direito do trabalho: o reconhecimento do vínculo empregatício nas relações entre o motorista e o aplicativo de transporte uber. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito do Centro Universitário FAEMA – UNIFAEMA como pré-requisito para obtenção do título de bacharel em Direito. 42f, 2023. Disponível em: https://repositorio.unifaema.edu.br/bitstream/123456789/3479/1/LUCAS%20SCALDELAI%20RAMOS.pdf.
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UBER NEEWSROOM. Fatos e dados sobre a Uber. Disponível em https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/fatos-e-dados-sobre-uber/
1 Acadêmica de Direito. E-mail: claudia_alineg@hotmail.com. Artigo apresentado a FIMCA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO,2024.
2 Acadêmico de Direito. E-mail: railaferreira2101@gmail.com. Artigo apresentado a FIMCA, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO,2024
3 Professor Orientador. Professor do curso de Direito. E-mail: username@domínio.com