REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202502261939
Antônio Hortêncio Rocha Neto1
RESUMO:
O artigo faz uma pequena digressão histórica sobre a evolução da aplicação da pena, desde a Idade Média, quando não havia nenhum tipo de limitação, até o panorama jurídico hodierno, nomeadamente o brasileiro, à luz da Constituição Federal de 1988. A partir dela, traça as linhas do princípio da individualização da pena na execução penal, no Estado Constitucional de Direitos, norteado pela dignidade da pessoa humana. Assim, o presente trabalho pretende confirmar a indispensabilidade do princípio da individualização da pena para a efetivação de todas as suas funções sociais. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa e caráter exploratório, através do método hipotético-dedutivo. Ademais, traçamos os contornos do sistema triplo de individualização da pena, detalhando cada uma de suas etapas, quais sejam: legislativa, judicial e executória, diferenciando-o do sistema trifásico de aplicação da pena. Na fase executória, mencionamos alguns dos benefícios trazidos pela individualização da pena, circunstância capaz de deixar clara a função da prevenção específica da pena, ressocializando o condenado de forma a evitar que, posteriormente, volte a delinquir. Ao final, concluímos que o sistema de individualização da pena, embora complexo, pois deve ser analisado como um todo, é indispensável para atingir a todas as funções da pena.
PALAVRAS-CHAVE: Estado Constitucional de Direitos; Princípio da Individualização da Pena; Função Social da Pena; Ressocialização do Apenado.
1 INTRODUÇÃO
Tema dos mais relevantes, o princípio da individualização da pena foi fruto de intensa discussão filosófico-penal acerca das punições exacerbadas atribuídas aos mais diversos crimes e delinquentes. Para ele, a pena deverá ser encarada individualmente, ou seja, atendendo às peculiaridades de cada indivíduo de per si considerado.
Entretanto, nem sempre foi assim. Na Idade Média, não havia limites para a determinação ou mesmo aplicação da pena, ficando estas ao livre arbítrio do juiz. Causavam-se, então, verdadeiras agruras contra os autores dos mais variados delitos, em nome das exigências políticas da tirania.
A dignidade humana não era considerada, pelo contrário, era deixada totalmente de lado, com prevalência absoluta dos interesses do Estado. Felizmente, graças aos ideários iluministas, tais abusos sofreram verdadeira derrocada, fazendo-se evoluir os pensamentos à época dominantes, pela introdução de vários princípios, entre os quais o da individualização da pena.
Essa evolução pôs fim ao arbítrio sem controle exercido pelas autoridades competentes, que atribuíam penas as mais cruéis possíveis sem que fossem estas previamente estabelecidas para aquele tipo de delito.
O Estado Constitucional de Direitos não é compatível com nenhuma prática capaz de ferir a dignidade da pessoa humana, aí compreendidos os autores de crimes, ainda que de natureza hedionda.
Assim o presente trabalho busca averiguar a adequação do princípio da individualização da pena na execução penal aos direitos fundamentais do apenado, para alcançar, desta forma, todas as funções da pena.
A metodologia empregada neste estudo é a pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa e caráter exploratório, pois busca uma visão geral do objeto em estudo (RICHARDSON, 2017, p. 6), para aprofundar o conhecimento sobre matéria. Através do método hipotético-dedutivo, pretende-se confirmar a indispensabilidade do princípio da individualização da pena para a efetivação da sua função social.
Na tentativa de responder à pergunta de pesquisa, analisaremos a execução penal como marco da não arbitrariedade estatal, sempre mencionando princípios constitucionais aplicáveis, tais como a dignidade da pessoa humana, epicentro valorativo da Constituição Federal de 1988, proporcionalidade e individualização da pena, com ênfase em todas as esferas, quais sejam: legislativa, judicial e executória.
Ao final, demonstraremos que a individualização da pena na execução penal é um instituto complexo, mas somente através dele, alcançar-se-á todas as funções da pena.
2 SISTEMA TRIPLO DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
A individualização da pena, como princípio a ser observado pelo Direito Penal, para se evitar penas desproporcionais e que violem a dignidade humana, deve estar bem delineado na legislação vigente no país, sob pena de não se o ver aplicado.
Assim, para se evitar o livre arbítrio do juiz quando da aplicação da pena, devem existir regras capazes de limitar a sua atuação nesse aspecto. Com base nisso, surgiu o que poderíamos chamar de sistema triplo de individualização da pena, que divide em três etapas as formas de limite da atuação do juiz, uma legislativa, outra judicial e, por fim, a executória.
Todavia, não se confunde o sistema em análise com o sistema trifásico de aplicação da pena. Este diz respeito à forma como se vai chegar à pena em concreto, ou seja, envolve as regras da segunda etapa do sistema de individualização (judicial). Aquele, por outro lado, é o sistema como um todo, envolvendo não só a etapa de individualização judicial, na qual se aplicará o sistema trifásico, mas também as etapas legislativa e executória.
Dito de outra maneira, o sistema triplo de individualização da pena reúne todas as etapas da própria individualização, a legislativa, a judicial e a executória, enquanto o sistema trifásico de aplicação da pena é o que, como se verá adiante, será utilizado na segunda etapa (judicial) daquele outro sistema maior.
Esse tema é bem norteado por Bitencourt (2025, p. 806), que assim assevera:
Essa orientação, conhecida como individualização da pena, ocorre em três momentos distintos: individualização legislativa – processo através do qual são selecionados os fatos puníveis e cominadas as sanções respectivas, estabelecendo seus limites e critérios de fixação da pena; individualização judicial – elaborada pelo juiz na sentença, é a atividade que concretiza a individualização legislativa que cominou abstratamente as sanções penais, e, finalmente, individualização executória, que ocorre no momento mais dramático da sanção criminal, que é o do seu cumprimento.
Essas etapas têm peculiaridades dignas de análise e, por esta razão, abordaremos, a seguir, cada uma delas, de forma mais minudente.
2.1. Individualização Legislativa
Como visto, houve época em que sequer a pena para determinado crime era previamente estabelecida, ficando a sua escolha ao livre arbítrio do juiz, que, sob influência de princípios da tirania, acabava por aplicar as mais cruéis possíveis.
Felizmente, com a evolução do pensamento filosófico-penal, tais ideias mudaram, passando a predominar o princípio da individualização da pena, aqui, mais especificamente, na etapa legislativa.
Referida fase consiste no trabalho do legislador de, primeiramente, verificar quais condutas devem ser consideradas como crimes e, após tipificá-las, selecionar qual a pena mais justa para aquele tipo de delito. É nesse momento em que crimes mais graves devem receber uma punição mais severa, enquanto, para os mais leves, devem ser previstas penas mais brandas, não só em quantidade, mas na própria espécie de pena prevista.
Assim, os crimes hediondos, como o homicídio qualificado e o latrocínio, recebem penas abstratas maiores, ante a sua maior gravidade. Já os delitos de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles que não produzem um estrago maior nos bens juridicamente tutelados, são punidos com penas muito mais brandas, tanto na espécie como na quantidade.
Tudo isso é fruto do trabalho legislativo de individualização da pena, escolhendo as condutas que devem ser tipificadas e quais as possíveis penas a elas aplicáveis e qual a sua quantidade.
Neste último aspecto (quantidade da pena), mais precisamente no que diz respeito à pena privativa de liberdade, essa fixação é feita em valores mínimos e máxima, capazes de limitar, nesse intervalo, a atuação do juiz. Deve-se, por outro lado, respeitar o princípio da proporcionalidade, não se fixando patamares incompatíveis com a conduta efetivada.
Além disso, o intervalo existente entre o mínimo e o máximo em abstrato deve ser capaz de permitir ao juiz uma correta aplicação da pena em concreto, não dificultando, assim, a individualização judicial da pena. Caso isso não ocorra, aquela reprimenda será considerada inconstitucional, por infringência da norma constitucional esculpida no art. 5º, XLVI, da CF.
Tal hipótese viola o princípio da individualização da pena, pois inviabiliza o exercício correto da segunda etapa do sistema triplo de individualização, consistente na fase judicial, isso porque o juiz não poderá, na sentença, individualizar a pena, ante a ausência de intervalo temporal para tanto.
Comprova-se, com isso, que a desobediência de uma das etapas da individualização da pena – aqui a etapa legislativa – traz consequências diretas nas demais etapas, até porque tal sistema, apesar de divido em fases – legislativa, judicial e executória – deve ser considerado, para um correto cumprimento da função da pena, como um todo.
A esse respeito, Capez (2024, p. 500) é enfático ao asseverar que “tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 anos (CP, art. 75)”.
Dessa forma, para que as demais etapas da individualização da pena surtam efeito, cumprindo suas funções de retribuir e ressocializar, deve a etapa legislativa ser encarada com seriedade, prevendo para o crime uma pena em abstrato que seja, ao mesmo tempo, justa para aquela conduta e intimidatória para os integrantes da sociedade, cumprindo, assim, a sua função de prevenção geral.
2.2. Individualização Judicial
Nesta etapa, o juiz, tendo por base a pena em abstrato prevista para o crime praticado, obtida já na fase legislativa, irá transformá-la em uma realidade concreta, estabelecendo qual espécie e qual a quantidade que deverá ser cumprida. É a chamada individualização judicial da pena, concretizada na sentença condenatória.
Mais uma vez, os ideários filosófico-penais serviram para modificar o pensamento então dominante no Direito Penal mais remoto, no qual não havia qualquer regra a limitar o juiz quando da aplicação, em concreto, da pena.
Hoje, vê-se a presença de regras que norteiam toda a aplicação da pena, de forma a limitar o arbítrio do juiz. Contudo, essa limitação não é absoluta, deixando, de alguma forma, uma faculdade controlada de escolha da sanção mais adequada.
No Código Penal brasileiro, tais regras encontram guarida nos seus arts. 59 a 75.
Adota-se, aqui, como já referido anteriormente, o sistema trifásico de aplicação da pena, pelo qual a fixação da pena concreta será iniciada pela pena base, seguindo-se a análise da existência ou não de atenuantes ou agravantes e, por fim, das causas de diminuição ou aumento gerais e especiais da pena.
Na primeira fase – pena base – o juiz fixará uma pena de acordo com os limites mínimo e máximo previstos no tipo respectivo. Entretanto, tal fixação deverá ser norteada por circunstâncias judiciais objetivas e subjetivas inseridas no art. 59 do CP, tais como a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, dentre outras.
Nas Palavras de Bitencourt (2025, p. 807),
Os elementos constantes no art. 59 são denominados circunstâncias judiciais, porque a lei não os define e deixa a cargo do julgador a função de identificá-los no bojo dos autos e mensurá-los concretamente. Não são efetivas “circunstâncias do crime”, mas critérios limitadores da discricionariedade judicial, que indicam o procedimento a ser adotado na tarefa individualizadora da pena-base.
Ao partirmos para a segunda etapa da individualização da pena, percebemos seu objetivo de efetivar as funções de retribuição e, em parte, de prevenção específica da pena.
Nessa fase, serão observadas as circunstâncias atenuantes e agravantes, previstas, respectivamente, nos arts. 65 e 61 do CP. São essas circunstâncias genéricas que aumentam ou diminuem a pena, mas sempre sem ultrapassar os limites mínimo e máximo estabelecidos em lei.
Por fim, na terceira fase, serão analisadas as causas de diminuição ou aumento geral ou especial da pena. As gerais são as previstas na parte geral do Código Penal, como a diminuição pela tentativa e o aumento pelo concurso formal de crimes. Já as especiais, como o próprio nome sugere, são as previstas na parte especial do Código ou em leis extravagantes, como a diminuição em razão do homicídio privilegiado e o aumento pelo emprego de arma ou pelo concurso de pessoas no crime de roubo. Essas circunstâncias podem, sim, elevar ou diminuir a pena além ou aquém do máximo ou mínimo abstrato previsto em lei.
Após a análise de todas essas três fases, estará concretizada a pena e exercitada a segunda etapa do sistema triplo de individualização da pena, qual seja a individualização judicial.
Como visto, aqui, o juiz não é totalmente livre para fixar a pena em concreto, pelo contrário, está condicionado à análise de todas as circunstâncias previstas naquelas três fases.
Dessa forma, encontra-se limitado, pelo menos relativamente, no que diz respeito à individualização da pena. Deve, então, dentro da sua limitada discricionariedade, aplicar a pena em concreto mais condizente com a conduta delituosa praticada, efetivando, assim, a função retributiva e, parcialmente, a função preventiva especial da pena, pois é exatamente nesse momento em que se cogita acerca da justa punição ao delinquente e da pena que, quando cumprida, poderá ressocializá-lo.
2.3. Individualização Executória
Como bem exposto por Bitencourt (2025, p. 806), a individualização executória é aquela “que ocorre no momento mais dramático da sanção criminal, que é o do seu cumprimento”.
É nesta etapa do sistema de individualização da pena que o Estado vai sujeitar o indivíduo já condenado à pena a ele aplicada na sentença. Todavia, esse cumprimento deverá se sujeitar a regras estabelecidas no Código Penal e na Lei de Execuções Penais.
Para tanto, logo no início da execução da pena, será o condenado submetido a dois tipos de análise, a que servirá de base para o programa de individualização (art. 5º, da Lei de Execução Penal – LEP) e o exame criminológico, ambas realizadas pela Comissão Técnica de Classificação, sendo este último obrigatório para os condenados à pena privativa de liberdade em regime fechado e facultativo para os em regime semiaberto, consoante disposto no art. 8º e parágrafo único da LEP.
Distinguem-se pelo fato de o segundo (exame criminológico) ser uma perícia que visa a conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, nas palavras de Bitencourt (2025, p. 643),
A realização do exame criminológico tem a finalidade exatamente de fornecer elementos, dados, condições, subsídios, sobre a personalidade do condenado, examinando-o sob os aspectos mental, biológico e social, para concretizar a individualização da pena através dessa classificação dos apenados.
Já classificação constante do art. 5º da LEP não é perícia, mas sim análise dos antecedentes e da personalidade do condenado, de modo a facilitar a elaboração de programa que viabilize a individualização da execução penal. Segundo Bitencourt (2025, p. 644), o exame da personalidade “consiste no inquérito sobre o agente para além do crime cometido. Constitui tarefa exigida em todo o curso do procedimento criminal e não apenas elemento característico da execução da pena ou da medida de segurança”.
De qualquer forma, vê-se, de antemão, que tais exames dão início ao chamado processo de individualização executória da pena, e terão como finalidade separar os presos de acordo com os seus perfis de personalidade e criminológico, de modo a fazer com que cumpram melhor a pena a eles aplicada, com vistas a melhor ressocialização possível.
É nesse aspecto que se observa, claramente, que esta etapa do sistema triplo de individualização da pena tem como objetivo cumprir a função da prevenção específica da pena, ressocializando o condenado de forma a evitar que, posteriormente, volte a delinquir.
Por outro lado, essa individualização vai bem mais além do que a simples realização dos exames já comentados. Ela abrange também a previsão de benefícios específicos para os condenados que preencherem certos requisitos objetivos e subjetivos. Entre referidos benefícios, encontram-se a progressão de regime, a concessão do livramento condicional, a remição da pena, o trabalho prisional, dentre outros.
Passemos, então, a uma análise, pelo menos dos principais aspectos, de alguns desses benefícios previstos na execução que mantém íntima relação com a individualização da pena nessa última etapa do sistema triplo em estudo.
Em primeiro lugar, observemos a progressão de regime.
De acordo com o art. 33, § 2º, do Código Penal, “as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado”. Dessa transcrição, constata-se que o Código Penal brasileiro optou pela adoção de tal benefício, mas o condicionou ao preenchimento de requisitos que deveriam passar pelo mérito do condenado, demonstrando, de forma clara, a intenção de individualizar a pena.
Aliás, é neste sentido que se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, nos autos do HABEAS CORPUS nº 226342/PE, de relatoria do Ministro Edson Fachin. Vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO CRIMINAL. REGIME SEMIABERTO. PROPOSTA DE TRABALHO EM COMARCA DIVERSA. RECOLHIMENTO AO CÁRCERE INCOMPATÍVEL COM A PROPOSTA DE TRABALHO. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. EXCESSO DE EXECUÇÃO. REGIME SEMIABERTO HARMONIZADO. TEMA 423 DE REPERCUSSÃO GERAL. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. ORDEM CONCEDIDA MONOCRATICAMENTE PARA RESTABELECER A DECISÃO DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL QUE CONCEDEU O REGIME SEMIABERTO HARMONIZADO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2 . O Plenário da Corte, no julgamento do RE 641.320/RS, reconheceu a impossibilidade de haver excesso na execução penal e assentou o dever de o Estado-Juiz, em havendo déficit de vagas, adotar medidas alternativas, consentâneas com as particularidades do caso concreto, como (i) a saída antecipada de sentenciados em regimes menos graves ou mais antigos; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo, para aquele que progrediu ao regime aberto; (iv) ou mesmo a prisão domiciliar, até que haja estrutura para aplicação das demais providências. 3. No caso dos autos, o Juízo da Execução Penal deferiu o regime semiaberto harmonizado, consistente no recolhimento domiciliar com monitoramento eletrônico, a apenado que estava recolhido em estabelecimento prisional com déficit de vagas, tinha bom comportamento carcerário e apresentou proposta de trabalho em comarca diversa. A decisão está em perfeita harmonia com as diretrizes estabelecidas no processo-paradigma, personifica a execução penal e, nessa medida, melhor atende ao princípio constitucional da individualização da pena. 4. Agravo regimental desprovido. (STF – HC: 226342 PE, Relator.: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 22/08/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-09-2023 PUBLIC 04-09-2023). Grifo nosso.
Esses requisitos estão previstos no art. 112, §1º da LEP, com a nova redação dada pela Lei 14.843/24. O anterior “mérito” citado na redação original, foi devidamente explicitado no novo dispositivo, que prevê como requisito subjetivo o bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento.
É óbvio que aqui se está individualizando a execução da pena, pois cada condenado será avaliado individualmente, para a constatação do bom ou mau comportamento.
Por fim, é importante frisar a possibilidade de haver regressão do regime de cumprimento da pena, quando configurada alguma das hipóteses descritas art. 118 da LEP.
O livramento condicional é outro benefício que confirma a individualização da pena na execução, eis que, entre os requisitos para sua concessão, é exigido o comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, o bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover a própria subsistência, mediante trabalho honesto, além da constatação, nos casos de condenação por crime doloso cometido com violência ou grave ameaça contra a pessoa, de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir.
Por fim, analisemos o trabalho prisional e a remição, benefícios que se entrelaçam, eis que o segundo é consequência do primeiro.
É a própria LEP que especifica, em seu art. 28, ser o trabalho do condenado um dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva. Como bem lembrado por Bitencourt (2025, p.649),
O trabalho prisional é a melhor forma de ocupar o tempo ocioso do condenado e diminuir os efeitos criminológicos da prisão e, a despeito de ser obrigatório, hoje é um direito-dever do apenado e será sempre remunerado (art. 29 da LEP). A jornada normal de trabalho não pode ser inferior a 6 nem superior a 8 horas diárias, com repouso aos domingos e feriados (art. 33 da LEP). Não poderá ter remuneração inferior a três quartos do salário-mínimo e estão assegurados ao detento as garantias e todos os benefícios da previdência social, inclusive a aposentadoria, apesar de não ser regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 28, § 2º, da LEP).
Realmente, é pelo trabalho que o preso se dignifica, que passa a se sentir útil e apto à reinserção social. É, com certeza, a melhor forma de se atingir a finalidade de prevenção específica da pena, através da ressocialização. O trabalho prisional, como previsto na LEP (arts. 31 a 37), poderá ser desenvolvido interna e externamente, desde que sejam preenchidos os requisitos legais. Mais uma vez, será observado o comportamento do preso, para que seja possível ou não lhe conceder este benefício, o que faz configurar o sentido de individualização da pena.
Por fim, quanto à remição, constata-se que se trata de regra que beneficia os condenados em regime fechado e semiaberto, com o abatimento de 01 (um) dia da pena a cada 03 (três) dias de trabalho.
Com isso, incentiva-se, ainda mais, a atividade laboral e faz-se reinserir mais cedo o condenado no meio social, cumprindo a pena a sua função de ressocialização (prevenção específica).
Todos esses benefícios, dentre outros, confirmam ser a execução penal uma verdadeira etapa final de todo um sistema de individualização da pena, que tem início com a previsão em abstrato da reprimenda (etapa legislativa), visando a uma prevenção geral, passando pela fixação concreta da pena na sentença condenatória (etapa judicial), na qual se pretende retribuir, justamente, o mal cometido e começar um processo de prevenção específica, e, finalmente, chegando-se ao cumprimento desta pena estabelecida, com o fim de encerrar o último processo mencionado, ressocializando-se o preso.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Direito Penal medieval, não havia qualquer critério para a aplicação da pena, ficando ao livre arbítrio do juiz a escolha daquela que deveria ser imposta ao condenado, sendo certo que, muitas vezes, as penas aplicadas eram cruéis e desproporcionais à conduta efetivada. Felizmente, com o surgimento dos ideários iluministas, houve verdadeira evolução nesse aspecto, surgindo, daí, princípios que até hoje norteiam o Direito Penal. Entre tais princípios, encontra-se o da individualização da pena, que encontra apoio nos princípios da proporcionalidade e da dignidade humana, cujo estudo, na fase da execução penal, pressupõe, necessariamente, a análise das demais etapas do sistema triplo de individualização.
A partir daí, surge o chamado sistema triplo de individualização da pena, que compreende as três seguintes etapas: 1ª – individualização legislativa; 2ª – individualização judicial; 3ª – individualização executória.
A individualização legislativa seria aquela levada a efeito pelo Poder Legislativo, quando da elaboração da norma penal, com o estabelecimento de uma pena em abstrato para cada delito, com limites mínimo e máximo, de forma a intimidar toda a sociedade, em uma verdadeira prevenção geral.
A individualização judicial representa a concretização da pena quando de sua aplicação na sentença condenatória. Seria ela levada a efeito com obediência a critérios preestabelecidos na legislação penal, consistentes na adoção do sistema trifásico – pena base, atenuantes e agravantes e causas de diminuição e aumento gerais ou especiais da pena, de forma a não permitir uma atuação ilimitada do juiz, representando uma retribuição pela conduta praticada e o início de um processo de prevenção específica em relação a aquele delinquente.
Por fim, a individualização executória ocorreria no momento mais crucial de todo esse sistema, qual seja o do cumprimento da pena. Nela, buscar-se-ia desenvolver e concluir a prevenção especial, cuja finalidade seria impedir que o condenado voltasse a delinquir, mediante um processo de ressocialização.
Como visto, isso se daria com a submissão do condenado a exames de caráter pessoal e criminológico, possibilitando um cumprimento individualizado da pena. Além disso, vários benefícios poderiam ser concedidos, após uma análise individual de cada condenado, como forma de prepará-lo ao retorno à vida em sociedade.
Conclui-se, então, que a individualização da pena é um sistema mais complexo, que não pode ser analisado somente na fase da execução penal; pelo contrário, deve ser encarado como um todo, pois, somente assim, poder-se-á atingir a todas as funções da pena: retribuir o mal cometido e prevenir novas afrontas à sociedade, seja de forma geral, intimidando a todos, seja de forma específica, com a ressocialização do delinquente.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral, vol. 1, 31ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2025.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 19 fev. 25.
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 19 fev. 2025.
BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 20 out. 2025.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 226342 PE. Rel. Min. EDSON FACHIN. Brasília, DF, 22 de agosto de 2023. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1954838343?origin=serp. Acesso em: 23 fev. 2025..
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial: Arts. 213 a 359-T. v.3. 21. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2023. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786553624702/. Acesso em: 19 fev. 2025.
RICHARDSON, Roberto Jarry; PFEIFFER, Dietmar Klaus. Pesquisa social: métodos e técnicas. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Atlas, 2017.
1 Promotor de Justiça, atual Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba, pós-graduado em Ciências Criminais pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ).