O PERFIL PSICOLÓGICO DO FEMINICIDA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7625353


Jéssica Tonioti da Purificação1


Resumo 

O presente trabalho busca, por meio de uma revisão de literatura, analisar características próprias do perfil do perpetrador do feminicídio. Inicialmente apresenta as delimitações jurídicas concernentes à tipificação do feminicídio, apresenta o desdobramento histórico que culminou na inclusão da referida circunstância qualificadora no ordenamento jurídico pátrio. Na sequência, explora o conceito e as fases componentes do ciclo de violência doméstica, seguida por estatísticas referentes ao tema em território nacional. De maneira subsequente apresenta o conceito do criminal profiling, apresenta trabalhos já publicados sobre o recorte proposto, concluindo o artigo com a apresentação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco Conclui com o levantamento de uma hipótese identificadora do perfil do feminicida a partir de sua mudança de comportamento na segunda para terceira fase do ciclo da violência e aponta para a necessidade de estudos empíricos para avalizar o tese aventada.

Palavras-chave: violência contra mulher. Feminicídio. Criminal Profiling. Psicologia criminal.

Abstract

The present work seeks, through a literature review, to analyze the characteristics of the profile of the perpetrator of femicide. Initially, it presents the legal delimitations concerning the typification of femicide, presents the historical unfolding that culminated in the inclusion of the aforementioned qualifying circumstance in the national legal system. Next, it explores the concept and component phases of the cycle of domestic violence, followed by statistics related to the theme in the national territory. Subsequently, it presents the concept of criminal profiling, presents works already published on the proposed approach, concluding the article with the presentation of the National Risk Assessment Form. behavior in the second to third phase of the cycle of violence and points to the need for empirical studies to support the proposed thesis.

Keywords: violence against women. Femicide. Criminal Profiling. Criminal psychology.

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos houve uma evolução gradual de políticas públicas, movimentos sociais, alterações legislativas e registros estatísticos a respeito da violência contra a mulher. O que por um lado torna possível mensurar a dimensão da questão, e por outro alarma com a magnitude do problema.

Inicialmente, para o recorte proposto no presente trabalho se faz necessário o esclarecimento da não utilização da nomenclatura comumente utilizada para referir-se à feminicídios, “crime passional”. Ao longo dos temas abordados haverá aprofundamento do contexto histórico e legislativo da criação do tipo penal a qual nos propomos a analisar. A título introdutório faz-se menção à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito CPMI (BRASIL, 2013), instaurada para analisar o panorama nacional da violência contra a mulher, cujo teor será abordado com maior verticalidade ao longo deste trabalho, bem coloca: 

É claro que o sentimento de rejeição afeta igualmente homens e mulheres. Porém, a prática de feminicídio, antecedida pela clássica ameaça “se não ficar comigo, não ficará com mais ninguém!”, compõe um sentimento de poder masculino. Os assassinos têm amor e paixão, sim, mas por si próprios. Eles se consideram tão importantes e superiores que não admitem possa uma mulher dispensá-los [p. 978]

Passamos então a tratar o crime com sua denominação correta, feminicídio. 

De acordo com o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (BRASIL, 2022), no ano de 2021 foram registradas 230.861 (duzentos e trinta mil oitocentos e sessenta e uma) agressões por violência doméstica, 597.623 (quinhentas e noventa e sete mil seiscentas e vinte e três) ameaças contra mulher e 370.209 (trezentos e setenta mil duzentas e nove) Medidas Protetivas de Urgência concedidas. Em contrapartida, ainda em um número alarmante, contudo significativamente menor que os anteriormente descritos, foram registrados 1.341 casos de feminicídio no país.

De maneira comparativa, realizando a análise apenas das medidas protetivas em relação aos números de feminicídio, tem-se que foram concedidas, diariamente, 1014 Medidas Protetivas de Urgência, ao passo que foram registrados cerca de 4 feminicídios diuturnamente. 

Se faz necessária a ressalva de que há um hiato de notificações acerca das violências domésticas ocorridas no país. Esse número, de acordo com estudos criminológicos, é chamado de cifra oculta (CAETANO, 2020), sendo relativo aos delitos ocorridos que não chegam ao conhecimento do poder público.

Estima-se que a subnotificação dos casos envolvendo violências contra a mulher no país chega a 52% (BRASIL, 2019), demonstrando que apesar de alarmantes, os dados apresentados ainda não representam a realidade da população brasileira.

Desta forma, diante das estatísticas apresentadas, resta evidente que nem todos os agressores de mulheres tornam-se feminicídios. Desta forma, o projeto aqui apresentado busca identificar características individuais específicas que levam os agressores ao passo seguinte, qual seja, a tentativa, ou consumação, do crime de feminicídio.

Caso seja identificado algum traço específico de personalidade ou comportamento que evidencie uma probabilidade maior do cometimento do delito, é possível que sejam tomadas medidas preventivas específicas nos casos concretos em que o agressor apresenta traços delineados.

O presente trabalho se justifica na medida em que a análise proposta trata da busca de uma medida que possa evitar que um crime contra a vida ocorra. Destaca-se que a vida é o bem jurídico mais precioso tutelado pelo ordenamento jurídico nacional, sendo o primeiro crime tipificado na parte especial do Código Penal, em seu art. 121 (BRASIL, 1940), coma simples, porém cheia de significado, redação “matar alguém”. 

Ademais, em contato diário com vítimas sobrevivas, e familiares de vítimas consumadas de feminicídios, resta evidente a necessidade de ações preventivas para que o crime não seja cometido dada a chaga que resta diante das vidas ceifadas, e do trauma das sobreviventes. Por fim, tratando-se de um crime de homicídio qualificado, toda a sociedade tem interesse na sua redução. 

Assim, o objetivo principal proposto é a identificação de características psicológicas de um feminicida, e como objetivos específicos, almeja-se a identificação de áreas do conhecimento cujos estudos precisam ser aprofundados, bem como, propor medidas para que a identificação desse perfil seja realizada e providências sejam tomadas para a prevenção da ação delituosa.

Para tanto, o método utilizado será o de revisão de literatura. Tal estratégia se delineia pela análise de materiais já produzidos, buscando uma nova visão à luz de novas questões. Gomes e Caminha nos apresentam que:

A revisão de literatura (ou revisão narrativa) é sempre recomendada para o levantamento da produção científica disponível e para a (re)construção de redes de pensamentos e conceitos, que articulam saberes de diversas fontes na tentativa de trilhar caminhos na direção daquilo que se deseja conhecer (GOMES; CAMINHA, 2014, p. 396)

Dada esta breve introdução, no corpo do trabalho serão abordados os seguintes tópicos: capítulo 1: delimitações jurídicas do tema; Capítulo 2: Estatísticas a respeito da violência contra a mulher; Capítulo 3: correlação entre os tópicos anteriores buscando identificar as características propostas no objetivo; e, por fim, a conclusão do estudo.

2. CAPÍTULO 1 – DELIMITAÇÕES JURÍDICAS DO TEMA

2.1 Violência contra a mulher na legislação brasileira

Em 1998, o Centro de Justiça e  Direito Internacional e o Comitê Latino-Americano para a Proteção dos Direitos da Mulher no Caribe, juntamente com Maria da Penha Maia Fernandes, com o apoio de ONGs brasileiras, peticionaram junto à comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA. 

O petitório relatava a situação fática da ofendida e denunciava o Estado brasileiro por sua inação, tendo em vista a vítima ter sofrido dois ataques contra a sua vida, ambos perpetrados por seu então companheiro. Quinze anos após o fato não havia trânsito em julgado neste cenário e o agressor ainda está livre (OEA, 2001). 

Em 2001, após extensa deliberação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu Relatório nº 54 (OEA, 2001), responsabilizou o Estado brasileiro pelo descaso e tolerância com a violência doméstica contra a mulher. 

No relatório da entidade, considerando o fato de o Brasil ser signatário da Convenção de Belém do Pará (OEA, 1994), a decisão reiterou a necessidade do Estado brasileiro em “incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher” (OEA, 1994 e OEA, 2001). 

Assim, em 07 de agosto de 2006, fora promulgada em território nacional a Lei 11.340/06, comumente conhecida como “Lei Maria da Penha”, cujo teor dispõe sobre (BRASIL, 2006): 

mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências

Ressalta-se aqui que desde a criação do Código Penal, em 1940, havia previsão expressa da tipificação do crime de lesão corporal – artigo 129 do referido códex, que consiste em ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. “Outrem” sendo entendido como qualquer outra pessoa, independente de seu gênero. 

Contudo, ao longo do tempo explicitou-se que as formas de violência passíveis de cometimento extrapolam a violação física, e tem como foco mais relevante um perfil vitimológico específico, mulheres advindas de diversas classes sociais, idades, níveis de escolaridade e demais individualidades. O traço que as unia era seu gênero. 

Com este paradigma em mente, a Lei 11.340/06 elenca formas distintas de execução de violência contra a mulher, indicando um rol exemplificativo, não limitando as maneiras do cometimento de violência, mas elucidando algumas das formas possíveis em seu artigo 7º:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; 
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018); 
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; 
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; 
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. [grifo nosso]

Desta forma iniciou-se um movimento legislativo nacional para identificar, investigar, coibir e prevenir a violência contra a mulher. 

Necessário se faz o relevo em relação ao âmbito de proteção à mulher previsto pela Lei 11.340/06 que não limita a atuação estatal apenas ao âmbito criminal, qual seja, após o cometimento do ilícito penal, mas, também visa o acesso das mulheres aos “direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”, ampliando o âmbito de proteção à essa população.

2.2 A estruturação formal da qualificadora do feminicídio

Existente na história da humanidade desde que se tem registro, o homicídio é previsto pelo artigo 121 do código penal com a redação “matar alguém”.

A execução desse delito pode dar-se, basicamente, de duas formas. A primeira seria a modalidade simples, com a pena prevista no caput do dispositivo ou na modalidade qualificada, quando cometido nas circunstâncias previstas pelo artigo 121, §2º do Código Penal.

Ocorre que a legislação deve caminhar em compasso com a realidade da sociedade a qual pretende reger, e em março de 2012, nos termos do disposto na decisão proferida pela OEA, foi constituída uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI com o objetivo de investigar o panorama da violência contra a mulher no Brasil. Além disso, visava “apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência” (CAMPOS, 2015).

Em vista das omissões identificadas ao longo do extenso relatório, dentre as diversas recomendações propostas pela CPMI, encontra-se a indicação da formalização de uma circunstância qualificadora adicional, o feminicídio (BRASIL, 2013):

A importância de tipificar o feminicídio é reconhecer, na forma da lei, que mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade, e é social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, como o de terem cometido “crime passional”. Enviar, outrossim, mensagem positiva à sociedade de que o direito à vida é universal e de que não haverá impunidade. Protege, ainda, a dignidade da vítima, ao obstar de antemão as estratégias de se desqualificar, midiaticamente, a condição de mulheres brutalmente assassinadas, atribuindo a elas a responsabilidade pelo crime de que foram vítimas. [p. 1004]

Portanto, a contrário do que se propaga no senso comum, a qualificadora do feminicídio não foi criada por entender-se que “matar uma mulher é mais grave que matar um homem”, mas sim, para evidenciar um fato pré-existente, mulheres são mortas em razão de seu gênero.

Diante disso, a Lei 13.104/2015, incluiu a qualificadora do § VI do art. 121 do Código Penal, aumentando o quantum de pena quando o crime de homicídio é cometido “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino” (BRASIL, 2015), e na sequencia o mesmo diploma legal dedfine o que entende por “condição do sexo feminino”. Em seu §2-A, delimita que a situação resta configurada quando ocorre nas seguintes situações: no âmbito da “I – violência doméstica e familiar”, e, alternativa ou cumulativamente por “II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. 

A partir da nova tipificação penal, dados a respeito deste crime puderam ser analisados com mais cautela e revelaram a alarmante situação em que o país encontra-se.

Destaca ainda a CPMI (BRASIL, 2013): 

O feminicídio é a última instância de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante [p. 1004]

Assim, com a identificação precisa do problema, e possibilidade de avaliação do panorama real ao qual a sociedade brasileira está submetida, um novo olhar foi lançado à questão.

Ainda, a Recomendação Geral nº 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW, orienta os Estados Partes a implementarem mecanismos de proteção apropriados e acessíveis para prevenir a violência futura ou em potencial, que incluam “avaliação e proteção quanto a riscos imediatos” (item 31, alínea “a.ii”). (CNJ, 2019, p. 30).

Por fim, uma questão importante para a análise aqui proposta, é o esclarecimento sobre o gênero do autor do delito de feminicídio. Ao contrário do que se pode imaginar, a autoria do crime aqui debatido não é exclusiva a homens. O crime é delimitado por características da vítima, quais sejam, uma mulher, cujo móvel do autor de seu homicídio ocorreu nos ditames acima descritos. Assim, de fato e de direito, é perfeitamente possível que uma mulher figure no polo ativo do crime, apesar de não ser cenário comum. 

Portanto, este trabalho delimita o recorte de sua análise a buscar identificar quais são as características psicológicas presentes no autor do delito de feminicídio, para que se possa prevenir, com maior eficácia, sua ocorrência.

3. CAPÍTULO 2 – ESTATÍSTICAS A RESPEITO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL

3.1 Ciclo da violência doméstica

Em 1979 a psicóloga Lenore E. Walker, após extensa pesquisa, escreveu um dos primeiros livros a abordar o tema do ciclo da violência, The Battered woman (WALKER, 1979), o que, em tradução livre, entende-se como “a mulher espancada”. Atualmente a obra encontra-se em sua 4ª edição com atualizações realizadas pela própria autora ao longo dos anos.

 O ciclo da violência doméstica é composto por três fases (WALKER, 2016). A primeira consiste em na escalada da tensão entre o casal, perceptível através de xingamentos, comportamentos agressivos e/ou agressão física, mas ainda sem chegar à hostilidade extrema. Nesta fase a mulher tenta praticar comportamentos que julga necessários para acalmar o agressor, ou, ao menos, não piorar seu comportamento, o que acaba por reforçar o comportamento tanto do agressor quanto da vítima. O primeiro por ter sua agressividade recompensada com a “submissão” da companheira, e a segunda por acreditar que pode “controlar” seu parceiro. 

Na segunda etapa a tensão continua a aumentar, a mulher sente cada vez mais medo do perigo iminente, e eventualmente, exausta do comportamento observado, retrai-se com medo de que uma explosão de agressividade seja desencadeada no parceiro, que, por sua vez, avança cada vez mais à vítima, em uma escalada de belicosidade. Esta fase é marcada pela inevitabilidade da descarga da tensão, construída ao longo da primeira etapa, resultando em uma agressão severa, que comumente revela-se em agressão física, deixando marcas evidentes, e é o momento em que terceiros, e possivelmente, as forças policiais intervêm. Em geral, é este o momento em que há o registro externo sobre a violência intrínseca ao relacionamento, tendo em vista a intervenção de terceiros e as marcas deixadas pelas eventuais agressões físicas, mesmo porque os delitos íntimos, em geral, ocorrem sem a presença de demais testemunhas do fato.

Por fim, no curso da terceira e última fase do ciclo, o agressor desculpa-se, demonstra sentimento de culpa, tenta auxiliar a vítima, e assegura que o fato jamais ocorrerá novamente. A vítima acredita na possibilidade de mudança do agressor, o que novamente reforça seu comportamento. Até que o ciclo se reinicie novamente.

Cumpre destacar ainda que os sentimentos de culpa, sofrimento, decepção e vergonha (FONSECA et al, 2012) são comuns às vítimas envolvidas nestas relações. Estas sensações tornam-se uma das concausas na dificuldade do rompimento do relacionamento violento.

O ciclo descrito pode ocorrer ao longo de anos em um relacionamento. Ressalta-se aqui a posição de vítima da mulher presa nesta sequência de eventos, que, por diversas razões, não percebe a posição vulnerável em que está, ou não sabe como retirar-se da situação. 

As agressões ocorridas ao longo desta sequência de eventos, e a frequência reiterada em que ocorrem durante uma relação, são passíveis de explicar o elevado número de registro de violências contra a mulher, observadas no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a ser melhor analisadas no tópico a seguir. 

3.2  Estatísticas publicadas no Brasil sobre o tema 

Desde o ano de 2017, com a 11ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulga e monitora estatísticas de registros relacionados à violência contra as mulheres no Brasil.

O Anuário mais recente, 16ª edição (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2022), trata dos dados registrados ao longo do ano de 2021, sendo publicado em 2022. De início já se faz necessária uma reflexão acerca dos números trazidos, em especial no que diz respeito ao crime de feminicídio, “Há uma preocupação relevante na classificação do crime: por se tratar de uma lei que deixa a cargo dos servidores a correta tipificação, ainda há desafios – em diferentes graus, a depender das capacidades institucionais dos estados – em enquadrar o crime enquanto feminicídio” (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2022, p. 169) . 

As informações de maior relevo presentes no Anuário, para o recorte proposto por este estudo, apresentam as seguintes amostras em relação ao ano anterior: 

  • Aumento de 0,6% de agressões por violência doméstica, totalizando 230.861 registros;
  • Aumento de 3,3% dos registros de ameaça, totalizando 597.623 registros;
  • Aumento de 4% nos chamados ao 190 referentes à violência contra a mulher, totalizando 619.353 registros;
  • Aumento de 13,6% das Medidas Protetivas de Urgência concedidas, totalizando 370.209 registros.

Quanto aos feminicídios, especificamente, o mesmo estudo aponta que houve uma diminuição de 1,7% registros de ocorrência de feminicídios, totalizando 1.341 vítimas no ano de 2021.

Alguns apontamentos tornam-se necessários a respeito dos números trazidos. Inicialmente, o aumento dos registros deve ser ponderado em relação ao contexto social em que foram coletados. Os dados apresentados são referentes ao ano de 2021, período pandêmico, em que as recomendações acerca do permanecimento em casa podem ter acarretado no aumento observado. 

Ainda, permeada pelo cenário pandêmico, outra questão relevante trazida pelo Anuário Brasileio de Segurança Pública (BRASIL, 2022) indica: 

no ano de 2020, a perda de emprego e a diminuição da renda familiar foi sentida de forma mais intensa entre as mulheres que sofreram violência, o que tornou mais difícil para essas mulheres romperem com parceiros abusivos ou relações violentas [p.166]

Soma-se a isso, as campanhas de incentivo à denúncias sobre violência contra a mulher, que vem, de forma contínua, lançando luz ao problema em foco.

Por fim, a título comparativo, também no ano de 2022 o relatório publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) (UNODC, 2022) indica para a estimativa de estimou um total de 81 mil homicídios de mulheres registrados em todo o mundo, o que totaliza um total de 5 mulheres mortas a cada hora. Contudo, ainda que alarmante, este número relata uma projeção acerca do tema, visto que o registro, e a caracterização do crime de feminicídio, ainda não são unificados de maneira universal.

4. CAPÍTULO 3 – CRIMINAL PROFILING

4.1 O que é criminal profiling

Criminal profiling pode ser definido como uma técnica que ajuda a identificar os principais traços de personalidade e características comportamentais de um suspeito, com base nos elementos do crime que ele cometeu (CANADA, 2009).

A prática de criação de perfis é baseada determinadas premissas: (1) o comportamento humano é previsível, (2) os infratores cometem seus crimes de maneira consistente e podem ser distinguidos de outros infratores, e (3) a maneira como eles cometem seus crimes relaciona-se com seus características pessoais (CANADA, 2009).

É possível também ser realizada uma análise prospectiva, cujo princípio basilar é desenvolver correlações entre atividades criminosas específicas e características comuns aos autores de determinado delito, a fim de ajudar a polícia a identificar possíveis suspeitos para investigação. Portanto, é possível a utilização do criminal profiling visando a análise probabilística, baseada em estatísticas referentes a crimes anteriores, para identificar suspeitos (CANADA, 2009).

Conforme Rodrigues (2010), o criminal profiling tem como objetivo fornecer indícios de um possível perfil comportamental e psicológico de um agressor  ainda não identificado. E dentre as possíveis abordagens e aplicações da técnica, destaca “A abordagem estatística fundamenta todo o processo de predição das características de um ofensor no estudo das características e do comportamento de indivíduos que cometeram crimes definidos como sendo semelhantes ao crime para o qual está a ser elaborado um Perfil Criminal” (RODRIGUES, 2010, p.14).

Assim, considerando a relevância da temática, associada a uma possibilidade de aumento da prevenção dos casos de feminicídio por meio da técnica referenciada, passamos à análise dos trabalhos já apresentados sobre o tema para buscar identificar o perfil de um feminicida de alto risco potencial.

4.2 Trabalhos já publicados sobre profiling de feminicidas

Ainda há escassez de trabalho, especialmente empíricos, a respeito do perfil psicológico de feminicidas. A despeito do diminuto volume de trabalhos localizados, foram identificados os seguintes traços de comportamento dentro do recorte proposto.

Inicialmente, dentro do próprio Anuário Brasileiro de Segurança Pública (BRASIL, 2022) há alguns vislumbres a respeito do perfil dos infratores. Dos 1.341 casos de feminicídios registrados 81,7% dos atos foram praticados pelo companheiro ou ex-companheiro; 68,7% das vítimas possuíam entre 18 e 44 anos; 65,6% das vítimas morreram dentro de casa. 

Diante dessa análise puramente estatística a respeito dos fatos pretéritos, observa-se que quatro a cada cinco autores são companheiros ou ex-companheiros das vítimas.Interessante destacar que os dados observados nacionalmente refletem as informações apresentadas pelo relatório publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) (UNODC, 2022). 56%, ou seja, cerca de três a cada cinco dos feminicídios registrados mundialmente foram cometidos por seus parceiros ou familiares próximos.

O segundo estudo analisado é mais abrangente e propõe-se a investigar os aspectos biológico, genético, social e psicológico de feminicidas (GUARÍN, SILVA, 2021). O trabalho foi realizado entre os anos de 2016 e 2021 e analisou 1150 documentos sobre feminicídio, destes apenas 391 apoiam as conclusões apresentadas, em razão da abrangência do estudo proposto. 

No âmbito das características psicológicas dos agressores foram identificadas: 

  • Baixa autoestima, sentimentos de rejeição a si mesmo;
  • Ansiedade;
  • Pouca assertividade;
  • Pouca ou nenhuma empatia;
  • Ideias misóginas e/ou machistas, pensamento de inferioridade da mulher;
  • Ausência de controle da raiva;
  • Sentimento de humilhação pelo término do relacionamento;
  • Dificuldade de expressão emocional, instabilidade emocional, sem controle de impulsos;
  • Dificuldade na resolução de problemas;
  • Pensamentos distorcidos sobre papéis sexuais;
  • Medo de ser abandonado pela mulher, dependencia emocional;
  • Percepção de vulnerabilidade da vítima.

O mesmo estudo (GUARÍN, SILVA, 2021) ainda apresenta condutas demonstradas pelo agressor, como: ciúme irracional, controle sobre a parceira, autoritarismo, chantagem emocional, culpabiliza a vítima pelo ato violento, condutas paranoides, conduta suicida, abuso de álcool e substâncias psicoativas, antecedentes criminais e irritáveis.

As características até então descritas, apesar do recorte proposto, não raramente são observadas também nas demais formas de agressão sofridas por mulheres. O que torna particularmente interessante a retomada da análise do ciclo da violência.  

Conforme previamente analisado, o ciclo da violência é composto por três fases, quais sejam: aumento de tensão, descarga da tensão, e reconciliação, o que demarca o fim e o reinício do padrão (WALKER, 2016). 

Contudo, uma característica interessante é apontada pela autora quando da análise do feminicídio em si. Há uma mudança de comportamento do agressor na transição da fase dois para a três. Nestes casos foram observadas redução de tensão ou violência, sem que fosse observado nenhum comportamento amoroso, ou demais características da fase de reconciliação por parte do parceiro. Ocasionalmente a percepção da tensão o do perigo continua alta, e não retorna ao nível inicial de “amor” e “carinho” observado no início da relação, este é um sinal de que o risco de um incidente letal está próximo.

É neste cenário que a percepção da vítima acerca da relação se torna fundamental na análise da avaliação de risco. Em geral, quando há essa alteração de comportamento do parceiro, o ciclo da violência já foi reiniciado algumas vezes. E este pode ser o momento definidor 

4.3 Formulário Nacional de Avaliação de Risco

Cumpre ressaltar que a análise sobre agressores de mulheres tem sido foco de ação legislativa no país. No Brasil a avaliação acerca do grau de risco de reiteração de violência nas relações domésticas e familiares é prática recente. Com o advento da Lei nº 14.149/2021 (BRASIL, 2021), foi instituído o Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FNAR). 

O Formulário estrutura e padroniza nacionalmente o levantamento de aspectos sobre o perfil do agressor, preferencialmente a ser aplicado no âmbito da Polícia Civil para que se possa mensurar o grau de perigo em que a vítima encontra-se. Por ser instrumento recente, ainda não há dados estatísticos para avaliação quantitativa de sua eficácia. Contudo, em seu conteúdo, são avaliados algumas das características anteriormente descritas. 

O documento é composto por duas partes, a primeira com 27 perguntas e deve ser preenchida pela vítima. A segunda, por profissional capacitado. A parte I é subdividida em 4 blocos. No Bloco I há o levantamento sobre o histórico de violência em relação ao agressor. No Bloco II há perguntas sobre a personalidade e comportamento do agressor. No bloco III há perguntas acerca da própria vítima, e por fim, no Bloco IV há muitas informações importantes. 

O preenchimento, idealmente deve ser acompanhado por profissional capacitado, cujo trabalho é orientar a vítima em questões diversas que possam aparecer (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020). Contudo, o que se observou da análise aqui proposta é que alguns aspectos importantes ficaram excluídos da análise. A mais importante delas, a nosso ver, é relativa à Parte II, de preenchimento exclusivo pelo profissional, que, com a inclusão de uma questão específica sobre alterações de comportamento da segunda para a terceira fase do ciclo da violência, poderia ampliar a assertividade do dispositivo. 

Nada obstante, cumpre ressaltar que esta questão em particular deveria ser aplicada por profissional devidamente capacitado, para verificar quais medidas protetivas se tornaram necessárias ao caso concreto. A título exemplificativo temos casos recentes de ampla repercussão. 

Uma mulher, vítima de um relacionamento doméstico abusivo, decide encerrar o ciclo de violência, rompe o relacionamento com seu agressor. Busca medidas protetivas de urgência, que são prontamente concedidas, e dada a gravidade da situação há expedição de um mandado de prisão contra seu agressor, que não pode ser preso em razão do período eleitoral. Visando ampliar sua segurança, a vítima muda-se de cidade, e mesmo diante de toda a utilização do aparato estatal, é localizada por seu algoz e acaba por ser vítima de um feminicídio consumado (MPPR, 2022). 

De fato, todas as ferramentas disponíveis às Autoridades policiais e judiciais foram esgotadas. Contudo, caso houvesse instrumento mais preciso que permitisse a identificação do alto nível de periclitancia do agressor, e este fato fosse identificado no momento do registro da ocorrência seria possível a  utilização de instrumento mais contumaz visando a segurança da vítima, como por exemplo, a monitoração eletrônica.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública destaca também a assertividade no aumento das medidas protetivas de urgência, rememoramos aqui o aumento da concessão de tais medidas e a redução do número de feminicídios registrados. É sabido, contudo que a mera coexistência de dados não implica em uma relação de causalidade entre eles, contudo, é uma hipótese aventada que indica para a assertividade na concessão das medidas (BRASIL, 2022):

verifica-se que as medidas protetivas de urgência constituem um importante mecanismo de proteção à mulher vítima de violência doméstica, porquanto tende a conter a escalada e progressão dos atos de agressão. Por isso, é elementar estabelecer instrumentos aptos a conferir eficácia a essas medidas, em prestígio ao princípio da proteção suficiente dos direitos fundamentais da mulher. A mera concessão judicial da MPU não é o bastante. A eficácia do provimento jurisdicional está intimamente ligada ao controle e fiscalização por parte do Estado, o que pode realizar-se, com eficiência, a partir do monitoramento eletrônico, preferencialmente com a disponibilização à ofendida do uso de unidade portátil de rastreamento, com dispositivo para acionamento direto dos órgãos de segurança pública, de modo a criar áreas de exclusão dinâmicas. [p. 160] 

Vale ressaltar, por fim, que o presente trabalho busca identificar o perfil do feminicida em potencial e busca oferecer sugestões para reduzir a incidência de feminicídios. Contudo, há de ser considerada a estrutura real de atuação e trabalho dos servidores da área da persecução penal no Brasil. Caso contrário, na ânsia de resolver uma questão problemática acaba-se por descuidar das demais. 

O perfil criminal é uma ferramenta que busca adicionar opções e alternativas para a prevenção de crimes, e não um encargo sobressalente a uma estrutura judicial que já opera em seu limite.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De início cumpre destacar que apesar da longa existência da violência contra as mulheres, o recorte aqui pretendido é escasso em produções bibliográficas, sendo certa a necessiadde de estudos empíricos para alicerçar medidas públicas para a efetiva prevenção de feminicídios.

E, ainda, não há fórmula capaz de prevenir 100% dos homicídios de maneira geral, e subsidiariamente, também os delitos motivados por gênero. A uma, para que não se concretize o cenário previsto por Philip K. Dick em 1956 quando da criação do cenário da crônica de ficção científica de The Minority Report, onde criaturas capazes de prever o futuro o fazem com o intuito de prevenir que crimes se concretizem, causando diversos dilemas éticos a respeito de livre arbítrio e determinismo.

A duas, em razão de ser virtualmente impossível a rastreabilidade de um ser humano a todo tempo, em razão de limitações de estruturas policiais, jurídicas e legais. 

A necessidade da identificação das características apresentadas nos trabalhos analisados ao longo deste estudo são, idealmente, as últimas a serem identificadas, pois, reitera-se, em um cenário ideal não haveria necessidade de sua investigação. 

Tal fato é suportado pela característica de soldado de reserva do direito penal. Há um limite em sua atuação. O direito penal é o último instituto acionado quando se fala em ação estatal, por ser capaz de lidar com o cerceamento da liberdade humana. O que se buscou com o presente trabalho é indicar, inicialmente para a necessidade de mudança de uma cultura social, estabelecida historicamente em relação à superioridade masculina e a objetificação feminina. 

Diante de todo o exposto, de forma resumida, as características observáveis em um agressor com potencial feminicida de alto risco são: 

  • histórico de agressividade anterior – mesmo que sem registros policiais do fato;
  • debilidade emocional – falta de recursos para lidar com situações diversas de suas vontades;
  • agressividade presente;
  • ausência de empatia;
  • sensação de superioridade em relação à parceira;
  • objetificação da mulher; e, o que se apresentou potencialmente como o indício cuja potencialidade letal parece estar mais presente, 
  • alteração no comportamento da segunda para a terceira fase no ciclo de violência, as atitudes do agressor não voltam para a linha de base, o nível de tensão segue elevado, mesmo após a explosão agressiva.

Portanto, a hipótese levantada a partir da análise realizada, somada à vivência cotidiana com vítimas de feminicídio, aponta a alteração de comportamento na última fase do ciclo da violência como ponto essencial a ser mais estudado, preferencialmente de maneira empírica com entrevistas e análise de casos, visando corroborar ou refutar a tese. 

Ressalta-se que o que foi apresentado no presente trabalho analisa a parte final do ciclo da violência, momento em que o direito penal já foi inserido na lide. Entretanto faz-se necessário que, juntamente com medidas punitivas, sejam realizadas políticas públicas visando a reeducação social e emocional da população, tendo em vista a violência de gênero tratar-se de tema transversal entre as diversas esferas sociais.

A título complementar sugere-se o desenvolvimento de trabalhos com metodologias diversas que explorem, em especial: (a) a análise qualitativa de casos; (b) o cruzamento de dados a respeito do perfil identificado em feminicidas e os demais autores de agressões diversas contra a mulher, buscando delinear se o perfil aqui identificado é genérico para todas as violências contra a mulher, ou, se de fato, há particularidades que permitam uma prevenção mais efusiva em casos reais; (c) pesquisa com vítimas sobrevivas a respeito da alteração de comportamento na segunda para terceira fase do ciclo violência doméstica. 

Por fim, dentro dos limites penais, é cabível a ressalva de que o perfil aqui apresentado tende a ser mais vislumbrado nos casos do feminicídio tipificado pelo artigo 121, §2-A, inciso II do Código Penal, qual seja, o menosprezo pela condição de mulher, vez que, a abrangência vitimológica prevista pelo artigo 121, §2-A, inciso I do Código Penal, a violência doméstica e familiar é mais ampla, conforme previsto pela Lei 11.340/2006 em seu artigo. 5º: 

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

De modo que não necessariamente o ciclo da violência doméstica estará necessariamente presente nas relações. A título exemplificativo, um genro que atenta contra a vida da sogra, trata-se de um feminicídio por estar no âmbito familiar, contudo sem que esteja presente o relacionamento íntimo entre as partes.

Assim, diante de todas as considerações espera-se que seja possível a elaboração de medidas sociais e políticas que permitam a vida. O delito de feminicídio tem notas únicas em seu padrão vitimológico, ser morta exclusivamente em razão de uma característica de gênero é algo que vem sendo construído há séculos, e não será alterado de maneira imediata.

Problemas complexos exigem análises e soluções complexas, motivo pelo qual o estudo sobre o tema está longe de ser esgotado.

REFERÊNCIAS

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1 Psicóloga CRP 08/23528, Bacharela em Direito – Assistente de Promotoria na 3ª Promotoria de Crimes Dolosos Contra a Vida de Curitiba – Ministério Público do Paraná. Especialista em Investigação Forense. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Criminal Profiling. Contato: jessicatonioti@gmail.com