O LUGAR DA LITERATURA NA BNCC E NO NOVO ENSINO MÉDIO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7905449


Andréa Silva Adão Reis1


RESUMO 

O presente artigo tem por objetivo identificar o lugar do ensino de Literatura Brasileira no contexto do Novo Ensino Médio e como a Base Nacional Comum Curricular – BNCC define competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes com o aporte do estudo literário. A pesquisa deu-se a partir do estudo bibliográfico de artigos publicados entre 2016 e 2022 que versam sobre a BNCC, a reforma do Ensino Médio e a importância do ensino de literatura na educação básica, como Moll (2017) e Cechinel (2019), além do documento da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018) e da Lei 13415/2017 (BRASIL, 2017), que aprovou a reforma do ensino médio. O texto foi organizado em dois momentos, sendo o primeiro uma contextualização da reforma do ensino médio e da proposta curricular para o Novo Ensino Médio. O segundo momento, traz a discussão sobre a importância dos estudos literários na educação básica e como o tema é proposto no documento da Base Nacional Comum Curricular – BNCC. 

Palavras-chave: Literatura – BNCC – Ensino Médio

1 INTRODUÇÃO 

Ao longo dos últimos anos, especificamente entre 2016 e 2022, o ensino médio brasileiro e sua estrutura foram colocados em evidência no cenário educacional e político, assim como as bases e diretrizes desse nível de ensino. A Medida Provisória nº 746/2016, publicada em 23 de setembro de 2016, teve por objetivo alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, promovendo o que foi intitulado “Reforma do Ensino Médio”, em meio a protestos e questionamentos de estudantes secundaristas, educadores e estudiosos da educação brasileira. Mesmo assim, tal reforma foi posteriormente ratificada pelo legislativo através da publicação da Lei 13415, de 16 de fevereiro de 2017. 

A nova organização do ensino médio traz mudanças, entre outras, na carga horária e no currículo dessa etapa da educação básica, sendo este guiado pela Base Nacional Comum Curricular – BNCC, aprovada em 2018. A BNCC traz os direitos e objetivos de aprendizagem em cada nível de ensino, em quatro áreas de aprendizagem, sendo linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; e ciências humanas e sociais aplicadas. 

A área de linguagens e suas tecnologias tem como componentes curriculares obrigatórios a Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Artes e Educação Física. A Literatura Brasileira não é configurada como componente curricular específico na BNCC, mas seu estudo perpassa não só a Língua Portuguesa, como também as demais áreas do conhecimento. No entanto, há autores que temem um “apagamento” do ensino de Literatura nas escolas brasileiras, tendo em vista essa supressão nos currículos escolares e diante dos obstáculos enfrentados pelos docentes no planejamento e desenvolvimento das aulas nas redes de ensino. 

Assim, este artigo tem por objetivo identificar o lugar do ensino de Literatura Brasileira no contexto do Novo Ensino Médio e como a BNCC define competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos estudantes com o aporte do estudo literário. 

Para isso, realizou-se estudo bibliográfico de artigos publicados entre 2016 e 2022 que versam sobre os temas citados acima, como Moll (2017), Cechinel (2019), Theisen et al (2022), além do documento da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018). 

O texto foi organizado em dois momentos, sendo o primeiro uma contextualização da reforma do ensino médio e da proposta curricular para o Novo Ensino Médio. O segundo momento, traz a discussão sobre a importância dos estudos literários na educação básica e como o tema é proposto no documento da Base Nacional Comum Curricular – BNCC. 

2 DESENVOLVIMENTO 

2.1 REFORMA CURRICULAR E A PROPOSTA DE UM “NOVO ENSINO MÉDIO”: UMA BREVE DISCUSSÃO 

Em 2022 as escolas de ensino médio iniciam a oferta obrigatória de uma nova proposta curricular para esse nível de ensino, prevista no texto legal há mais de 5 anos, quando foi aprovada a intitulada reforma do ensino médio. Uma reforma controversa e rejeitada por grande parte da comunidade educacional brasileira, inclusive pelos próprios estudantes, implantada em caráter de urgência em 2016, após a deposição da Presidente da República, via medida provisória e posteriormente sacramentada pela edição da Lei Federal 13415/2017. 

O texto legal, aprovado num cenário político de congelamento dos gastos públicos, redução dos investimentos em programas sociais, crescimento do ultraconservadorismo, entre outras disposições, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/96 nos seguintes aspectos: 

2.1.1 Carga horária 

A carga horária mínima anual de oitocentas horas, prevista para o ensino fundamental e médio, até então, passa a ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, a contar de 2 de março de 2017, pelo menos mil horas anuais de carga horária (BRASIL, 2017). No entanto, ao mesmo tempo em que a reforma propõe o aumento do tempo escolar, ela limita as oportunidades de aprendizagens dos componentes curriculares da base comum, estabelecendo que os mesmos não podem ultrapassar mil e oitocentas horas ao longo dos três anos de curso, o que corresponderia a seiscentas horas anuais. Na prática, os estabelecimentos de ensino têm a obrigação de aumentar a duração diária de suas atividades letivas, reorganizando seus planos curriculares. Assim, o estudante do ensino médio permanecerá mais tempo na escola, com acesso a outros componentes além daqueles previstos até então. 

A questão da ampliação do tempo escolar no novo ensino médio, da forma descrita acima, é vista por Moll (2017) como ineficaz no combate ao abandono e à evasão escolar ou na melhoria dos resultados educacionais da última etapa da educação básica, pois, segundo a autora, não há elementos explícitos e suficientes para uma formação humana integral presente na proposta. 

Sem a perspectiva de formação humana integral, claramente explicitada na flexibilização curricular, que retira áreas importantes do currículo obrigatório, a mera ampliação do tempo não configurará a perspectiva de escolas de tempo e formação humana integral. Alongar a régua do tempo para ampliação da jornada escolar, sem redimensioná-la, não muda efetivamente os resultados do processo educativo, nem tampouco garante a permanência dos estudantes nos bancos escolares.(MOLL, 2017, p.69) 

A limitação da carga horária destinada aos componentes da base comum curricular, também é criticada por Barbosa (2019), que aponta o fato como uma redução significativa nas oportunidades de acesso a conhecimentos que as camadas populares somente terão nas escolas. 

Reduzir a carga horária da base comum curricular significa negar o que é o comum na educação básica, cerceando os jovens das classes populares ao acesso ao conhecimento sistematizado produzido historicamente pela humanidade, já que, para muitos deles, a escola se constitui no principal espaço de acesso a esse conhecimento. (BARBOSA, 2019, p.97) 

Os apontamentos dos autores citados são exemplos das considerações feitas pela comunidade educacional de que somente ampliar o tempo de permanência do estudante na escola não é suficiente para uma melhoria significativa do ensino médio ofertado no Brasil e de que não é possível garantir uma formação integral, reduzindo as experiências e conhecimentos nos campos científicos, artísticos, filosóficos, entre outros.

2.1.2 Currículo 

Além da ampliação do tempo, outro indicativo da reforma do ensino médio está diretamente ligado ao currículo escolar. O acréscimo de um artigo na LDB foi utilizado para indicar que os currículos do ensino médio terão os direitos e objetivos de aprendizagem definidos pela Base Nacional Comum Curricular nas quatro áreas do conhecimento: 

I – linguagens e suas tecnologias; 

II – matemática e suas tecnologias; 

III – ciências da natureza e suas tecnologias; 

IV – ciências humanas e sociais aplicadas. 

O currículo do Novo Ensino Médio deve obrigatoriamente prever estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia, sem obrigatoriedade de oferta em todos os anos. Somente os componentes Língua Portuguesa e Matemática são obrigatórios nos três anos do Ensino Médio. A língua estrangeira obrigatória é a Língua Inglesa, podendo a instituição ofertar outras de caráter optativo. 

A maior promessa de mudança no currículo do ensino médio, vem com a composição do mesmo pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que são definidos pela lei como “oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017). Assim, os itinerários formativos são: 

I – linguagens e suas tecnologias; 

II – matemática e suas tecnologias; 

III – ciências da natureza e suas tecnologias; 

IV – ciências humanas e sociais aplicadas; 

V – formação técnica e profissional. 

A reforma propõe que os alunos façam a escolha dos itinerários formativos a serem cursados, sob orientação das escolas, haja vista que as possibilidades de oferta em cada estabelecimento ou sistema de ensino devem ser consideradas. Dessa forma, a possibilidade de escolha está diretamente atrelada à realidade de cada escola. Isso pode aumentar o abismo entre a qualidade do ensino ofertado pelas redes públicas e privadas, como apontam Theisen;Tonin; Cassol (2022), 

Embora uma das pretensões da atual reforma seja acabar com problemas como evasão escolar, não acesso à escola e baixo rendimento escolar, não leva em conta a situação das escolas brasileiras pois, conforme a legislação, são obrigadas a oferecer aos alunos todas as cinco áreas, mas, por outro lado, deverão ofertar ao menos um dos itinerários formativos. Assim, flexibiliza e precariza o ensino, pois as escolas, principalmente da rede pública, situadas em regiões pobres, somente poderão, em sua maioria, oferecer apenas um itinerário. Por outro lado, aqueles que tiverem condições financeiras buscarão o ensino privado e não serão prejudicados. A reforma é absurda nesse aspecto e pode piorar o acesso ao ensino básico, bem como aumentar a desigualdade no acesso ao ensino superior, no acesso à própria etapa da educação básica e nos resultados na formação. (THEISEN; TONIN; CASSOL, 2022, p. 6) 

Tratando do foco deste estudo, a Literatura não é um componente específico e nem é mencionada no currículo do Novo Ensino Médio. Por isso torna-se necessário questionar que lugar os estudos literários ocupam nessa nova configuração curricular composta por BNCC e itinerários formativos. Ferreira (2021) argumenta sobre a importância do ensino de Literatura e sua contribuição para a formação do pensamento humano, conceituando-a como, 

[…] uma arte que se manifesta por meio da escrita, da comunicação, da linguagem e da criatividade do ser humano. É considerada uma fonte que transmite conhecimentos: culturais, artísticos, religiosos e modos de vida, por meio dos textos fictícios. Por essa razão, os textos literários despertam no leitor emoções e contribuem para a (re)criação do pensamento humano. Assim, entende-se que a estética é sensível porque a literatura auxilia no desenvolvimento educacional e imaginativo, além de ampliar os conhecimentos linguístico e cognitivo. (FERREIRA, 2021, p.2) 

No entanto, a autora aponta em seus estudos que tal importância não foi considerada pela BNCC do ensino médio, o que repercute nas práticas pedagógicas adotadas pelas instituições de ensino, o que será abordado na seção seguinte. 

2.2 O LUGAR DA LITERATURA NO NOVO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DA BNCC 

Aristóteles conceitua a literatura como uma representação ou imitação da realidade através das palavras. Tal arte de imitar o mundo, proporciona ao leitor o desenvolvimento do senso estético a partir da experiência da leitura do imaginário do autor e amplia o seu repertório cultural. 

Sendo considerada uma arte, a sua difusão através dos estudos literários na educação básica torna-se importante para o estudante, pois possibilita a formação de opinião e a reflexão sobre o mundo e a sociedade, assim como proporciona o gosto pela leitura e a consequente formação de leitores. 

Como linguagem artisticamente organizada, a literatura enriquece nossa percepção e nossa visão de mundo. Mediante arranjos especiais das palavras, ela cria um universo que nos permite aumentar nossa capacidade de ver e sentir. Nesse sentido, a literatura possibilita uma ampliação da nossa visão do mundo, ajuda-nos não só a ver mais, mas a colocar em questão muito do que estamos vendo/vivenciando. (BRASIL, 2018, p.491) 

No entanto, Galvão e Silva (2017) apontam em seus estudos que há uma crise no estudo da literatura no Brasil, o que provoca uma deficiência em sua abordagem curricular. Os autores indicam que há uma série de obstáculos que dificultam o seu tratamento por parte das escolas, que não conseguem garantir o hábito da leitura pelos alunos e nem fazer com os mesmos conheçam o acervo literário brasileiro. “Esse contexto tem esvaziado de sentido as aulas de literatura, onde a finalidade desse ensino na escola é posta em questão, por alunos e professores” (GALVÃO; SILVA, 2017, p.211). 

Além das questões relacionadas diretamente com o contexto escolar, incluindo a formação de professores, Cechinel (2019, p.3) traz outros elementos que estão relacionados à crise no estudo de literatura, como o formalismo excessivo na literatura; o “processo ideológico e histórico” que exclui do campo das letras as minorias sociais, como negros e mulheres; “no Brasil se lê muito pouco” ou há uma preferência atual por leituras mais fugazes e instantâneas, como as redes sociais. 

[…] a crise do ensino de literatura, ou da própria literatura e dos estudos literários, é um fenômeno complexo, decorrente de múltiplos vetores que se atravessam e que não se revelam integralmente se analisados como casos isolados. (CECHINEL, 2019, p. 3) 

O debate sobre a crise em questão foi ampliado com a publicação da BNCC do Ensino Médio em 2018. Apesar da Literatura não configurar uma disciplina ou componente curricular específico, a mesma é referenciada na BNCC como conhecimento necessário e importante para a aquisição das competências e habilidades a serem desenvolvidas ao longo da educação básica. Sobre esse documento que normatiza e orienta os currículos escolares é importante citar a conceituação registrada no próprio documento, que enfatiza que 

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). (BRASIL, 2018, p.2 ) 

Nesse sentido, a BNCC define as aprendizagens necessárias para todos os estudantes brasileiros, desde a educação infantil até o ensino médio, que devem ser asseguradas por meio do desenvolvimento de competências e habilidades. A versão do documento que trata especificamente do ensino médio, apresenta ao longo de todo o seu texto o termo “literatura” na área de linguagens e no componente Língua Portuguesa. 

A BNCC do Ensino Médio se organiza em continuidade ao proposto para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, centrada no desenvolvimento de competências e orientada pelo princípio da educação integral. Assim, as competências gerais estabelecidas para a Educação Básica orientam tanto as aprendizagens essenciais a serem garantidas no âmbito da BNCC do Ensino Médio quanto os itinerários formativos a serem ofertados pelos diferentes sistemas, redes e escolas. (BRASIL, 2018, p.468) 

A organização por área de conhecimento, de acordo com a BNCC, “deve contribuir para a integração dos conhecimentos, entendida como condição para a atribuição de sentidos aos conceitos e conteúdos estudados nas escolas” (BRASIL, 2018, p.469). Dessa forma, os estudos literários fazem parte da área de linguagens e devem ser trabalhados pelas escolas, de forma integrada aos componentes de arte, educação física, língua inglesa e língua portuguesa. Sobre essa proposta, Cechinel (2019, p.9), em análise à BNCC, indica que não há no documento nenhuma tentativa de particularização da literatura como uma área de estudos e atribui o fato à dimensão interdisciplinar adotada pelos redatores. Segundo estes 

A Base Nacional Comum Curricular da área de Linguagens e suas Tecnologias busca consolidar e ampliar as aprendizagens previstas na BNCC de Ensino Fundamental nos componentes Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa. Para tanto, define competências específicas e habilidades a serem exercitadas e constituídas no Ensino Médio, que integram conhecimentos desses diferentes componentes curriculares.(BRASIL, 2018, p.473)

O documento traz ainda, como um dos objetivos dessa abordagem integrada ou interdisciplinar das linguagens, a possibilidade de vivências e experiências significativas dos estudantes “com práticas de linguagem em diferentes mídias (impressa, digital, analógica),” que possibilitem aos mesmos atuarem em diversos campos sociais, enriquecer sua própria cultura, assim como as “práticas cidadãs, o trabalho e a continuação dos estudos”. (BRASIL, 2018, p.477) 

Conforme relata Cechinel (2019), o texto da BNCC “alargou” o conceito de literatura, onde a proposta para a “arte literária” é a continuidade da “formação do leitor literário e do desenvolvimento da fruição”, a “análise contextualizada de produções artísticas e dos textos literários”, especialmente os clássicos, e inclui outras produções artísticas e culturais, como “resenhas, vlogs e podcasts literários, culturais etc.” ou “de apropriação do texto literário, de produções cinematográficas e teatrais e de outras manifestações artísticas (remidiações, paródias, estilizações, videominutos, fanfics etc.)” (BRASIL, 2018. p.495) 

O documento, diante da realidade social, procura trazer para o contexto escolar as práticas literárias atuais, considerando a “cultura digital, os multiletramentos e os novos letramentos” (BRASIL, 2018, p. 478) que fazem parte do cotidiano das pessoas, sem deixar de lado a literatura tradicional. Enfoca ainda que a “leitura do texto literário” deve ser o ponto de partida para o trabalho com a literatura na escola, assim como a intensificação do “seu convívio com os estudantes” (BRASIL, 2018, p.491). Isso vai de encontro com as afirmações de Ferreira (2021), ao afirmar que 

A literatura torna-se imprescindível na vida do ser humano, e, por isso, precisa manter o seu lugar no currículo escolar, pois assim, como, qualquer outra arte, torna o mundo mais compreensível. Nesse sentido, a desconexão do texto literário com o momento presente traz o sentido da literatura ausente no ensino, ao dificultar o gosto do aluno pela leitura e, ainda, a compreensão das obras literárias. (FERREIRA, 2021, p. 8) 

Para cumprir esse papel de abordar as obras clássicas e também os textos atuais, a BNCC propõe que as práticas escolares atinjam, entre outros, os seguintes objetivos: 

– Diversificar, ao longo do Ensino Médio, produções das culturas juvenis contemporâneas (slams, vídeos de diferentes tipos, playlists comentadas, raps e outros gêneros musicais etc.), minicontos, nanocontos, best-sellers, literatura juvenil brasileira e estrangeira, incluindo entre elas a literatura africana de língua portuguesa, a afro-brasileira, a latino-americana etc., obras da tradição popular (versos, cordéis, cirandas, canções em geral, contos folclóricos de matrizes europeias, africanas, indígenas etc.) que possam aproximar os estudantes de culturas que subjazem na formação identitária de grupos de diferentes regiões do Brasil. (BRASIL, 2018, p. 514) 

– Propor a leitura de obras significativas da literatura brasileira, contextualizando sua época, suas condições de produção, circulação e recepção, tanto no eixo diacrônico quanto sincrônico, ficando a critério local estabelecer ou não a abordagem do conjunto de movimentos estéticos, obras e autores, de forma linear, crescente ou decrescente, desde que a leitura efetiva de obras selecionadas não seja prejudicada. (BRASIL, 2018, p. 514) 

Considerando as orientações e estratégias propostas pela BNCC, é possível compreender a ausência da literatura como um conteúdo ou componente específico, de oferta obrigatória em todos os anos do Ensino Médio. No entanto, a mesma está integrada ao componente curricular Língua Portuguesa, que abrangerá todos os anos dessa etapa. Assim, o lugar da literatura no currículo escolar será o das práticas que englobam a literatura clássica e a leitura do texto literário como fio condutor, aliadas aos novos letramentos, multiletramentos e cultura digital. A escola tem o papel de ocupar esse lugar com uma literatura que realmente promova o gosto pela leitura dos adolescentes e jovens do ensino médio, amplie o seu repertório cultural e os coloque em contato com a tradição literária e os clássicos da língua portuguesa. 

3 CONCLUSÃO 

O ensino de literatura no Brasil tem passado por crises encadeadas por defasagens ou deficiência no processo educacional e na formação de professores dessa área, mas também pela desvalorização da leitura na sociedade ou pela supervalorização de um formalismo exagerado nos estudos literários. A falta de abordagem de novas linguagens, gêneros e portadores textuais no cotidiano escolar também contribuem para que o estudo da literatura seja relevado a segundo plano pelos estudantes jovens. 

Aliado a tudo isso, a aprovação da BNCC em 2018, sem considerar a literatura como componente curricular, também deu a ideia de que o tema não teria um lugar de importância no ensino médio. 

No entanto, o documento traz a arte literária como de fundamental importância para formação do leitor e do cidadão com capacidade crítica. Para tanto, indica caminhos que devem ser observados pelos educadores, na condução de atividades que contemplem a cultura digital e a tradição literária. Dessa forma, conclui-se que a literatura deve estar presente no currículo e nas práticas pedagógicas do ensino médio, mesmo sem a denominação de uma disciplina ou componente curricular específico, ainda que sem um lugar de destaque, como merecido. 

4 REFERÊNCIAS 

BARBOSA, Carlos Soares. O Novo Ensino Médio de Tempo Integral: reducionismo, privatização e mercantilização da educação pública em tempos de ultraconservadorismo. Revista Multidisciplinar de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, v.8, n.19, setembro-dezembro, 2019. 

BRASIL. Lei 13415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. 

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. 

CECHINEL, André. Literatura e atenção: notas sobre um novo regime de percepção no ensino de literatura. Revista Brasileira de Educação, v. 24, 2019. Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, Brasil. 

FERREIRA, Juliana Cristina. O Ensino de Literatura no Brasil: Uma Abordagem no Currículo do Ensino Médio. Anuário de Literatura, Florianópolis, v. 26, p. 01-11, 2021. Universidade Federal de Santa Catarina. 

GALVÃO, André Luis Machado. SILVA, António Carvalho da. O ensino de literatura no Brasil: desafios a superar em busca de práticas mais eficientes. Letras & Letras, Uberlândia, v. 33, n. 2, p. 209-228, jul./dez.2017. 

MOLL, Jaqueline. Reformar para retardar: A lógica da mudança no EM.Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 61-74, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.esforce.org.br/. Acesso em 26 dez. 2022. 

THEISEN, Marieli Paula Folharim; TONIN, Grazilaine Marques de Oliveira; CASSOL, Claudionei Vicente. O Apagamento da Literatura no Novo Ensino Médio Brasileiro.

Revista Educação em Foco – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, vol. 27, Fluxo Contínuo, 2022.


1Graduação em Letras Português/Inglês – Faculdade Batista de Minas Gerais