O INÍCIO DA ATIVIDADE DE ESTUDO: APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO, MUDANÇAS NO CÉREBRO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10537115


Akeber Emmanuelle Ferreira de Quadros Azevedo1


RESUMO: O presente artigo tem como objetivo compreender alguns aspectos de como acontece o desenvolvimento psíquico na criança ao iniciar a atividade de estudo, no ensino fundamental  e suas implicações para o tipo de pensamento que nela será desenvolvido, bem como, algumas mudanças que ocorrem no cérebro da criança nesse início de escolarização, tomando como referências os estudos de Vigotski, Leontiev, Elkonin, Davidov e outros. 

Palavras chave: Desenvolvimento psíquico, criança, pensamento, atividade de estudo, cérebro.

Introdução 

Este estudo se propõe a apresentar alguns aspectos vinculados à periodização do desenvolvimento humano na abordagem histórico cultural dando destaque especial para a atividade de estudo e as mudanças que ocorrem no cérebro, bem como, a relevância desta no desenvolvimento psíquico da criança.  

De acordo com a psicologia histórico-cultural a idade escolar como todas as outras idades, inicia-se por uma etapa de crises ou mudanças súbitas de situação ou atitudes denominadas por Vigotski de viraje. Conforme Vygotski(2006, p.380)

A criança de idade escolar generaliza os sentimentos, quer dizer, quando uma situação se repete várias vezes nasce uma formação afetiva que tem a mesma reação com a experiência isolada ou o afeto, que o conceito com a percepção isolada ou com a recordação(…)

Assim, acontece a lógica dos sentimentos, ou seja, acontecem coisas que deixam ela triste ou feliz é, a mesma tem consciência disso.  Vygotski fala que todo avanço no desenvolvimento infantil modifica a influência do meio sobre ele e, a vivência constitui a unidade da personalidade. Sendo que, toda vivência é uma vivência de algo.

De acordo com Vygotski (2006) a criança é um ser social e a vivência possui uma orientação biossocial, é algo intermediário entre a personalidade e o meio, que significa a relação da personalidade com o meio. Um estudo detalhado das idades críticas demonstra que se sucedem entre elas mudanças de vivências principais da criança. As crises representam um momento de viragem: a criança passa de umas vivências de seu entorno a outras.

De acordo com a psicologia histórico-cultural neste período, a percepção não está separada do pensamento visual direto. O processo do pensamento visual direto está unido com a denominação semântica dos objetos. Antes a percepção era direta, agora ela não é isolada dos fatos, ela é conceitual, generalizada e categorizada. Pela possibilidade dos signos, cria-se a generalização.

Vigotski(2007) explica a relação entre o uso do instrumento e a fala dizendo que afeta várias funções psicológicas, em particular a percepção, a atenção e as operações sensório-motoras.

Vygotski (2006) ressalta que a essência de toda crise reside na reestruturação da vivência interior, reestruturação que reside na transformação do momento essencial que determina a relação da criança com o meio, quer dizer, na mudança de suas necessidades e motivos, que são os motores de seu comportamento. O incremento e a mudança dessas necessidades e desejos é a parte menos consciente e voluntária da personalidade e, à medida que a criança passa de uma idade a outra nascem nela novos impulsos, novos motivos, ou dito de outra forma, os propulsores de sua atividade. 

A reestruturação das necessidades e motivos, a revisão dos valores é o momento essencial no passo de uma idade a outra. Ao mesmo tempo, se modifica também, o meio, quer dizer a atitude da criança diante do meio.

PENSAMENTO, LINGUAGEM, DESENVOLVIMENTO, MUDANÇAS NO CÉREBRO  

Vigotski(2008)  esclarece que a transmissão racional e intencional de experiência e pensamento a outros requer um sistema mediador, a fala humana, oriunda da necessidade de intercâmbio nas relações sociais no momento do trabalho, deixando claro que a verdadeira comunicação requer significado , ou seja, generalização.

Dessa forma, a verdadeira comunicação humana pressupõe uma atividade generalizante e, as formas de comunicação humana somente são possíveis porque o pensamento do ser humano reflete uma realidade conceitualizada. Sendo assim, o significado da palavra é uma unidade do pensamento generalizante e de intercâmbio social. E, Vigotski (2008, p.84) diz que “a linguagem do meio ambiente, com seus significados estáveis e permanentes, indica o caminho que as generalizações infantis seguirão.”  

Vigotski diz que a história da linguagem mostra que o pensamento por complexos, com todas as suas particularidades, é o fundamento real do desenvolvimento linguístico e, a linguística estabelece uma distinção entre o significado de uma palavra, ou expressão, e o seu referente, ou seja, o objeto que indica. Para Bonadio e Mori ((2013) a linguagem provoca alterações significativas no pensamento, promovendo assim, o desenvolvimento das capacidades cognitivas.

Com o início da atividade de estudo, a criança irá se apropriar da escrita que é a forma da fala mais elaborada. Na escrita, a comunicação é obtida por meio das palavras e suas combinações. Assim, a atividade da fala assume formas complexas e, nesse momento, tem se a necessidade dos rascunhos e, a evolução destes para a cópia final, reflete o processo mental. Vigotski(2008, p.186) “Uma frase pode expressar vários pensamentos, um pensamento pode  ser expresso por meio de várias  frases”.

Vigotski diz que desenvolvimento e aprendizagem se influenciam e quanto mais aprendizagem mais desenvolvimento. Rego (1995) nessa perspectiva é a aprendizagem que possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento; sendo a aprendizagem o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas humanas e culturalmente organizadas. Assim sendo, o desenvolvimento completo do ser humano depende da aprendizagem que realiza em um determinado grupo cultural, a partir da interação com outros sujeitos da sua espécie. Asbahr(2017) diz que para Vigotski o aprendizado escolar produz desenvolvimento psicológico pois atua na zona de desenvolvimento proximal produzindo assim, neoformações psicológicas. O sujeito se   desenvolve nas interações, apropriando-se de formas novas de pensar e agir. A aprendizagem inicia-se desde o nascimento nas diversas interações e vai ser sistematizada na escola com a apropriação do conhecimento científico na qual, o professor atuará como mediador intervindo na zona de desenvolvimento proximal dos educandos, quer dizer na distância entre o que o aluno já domina e o que faz com ajuda. Vigotski destaca que a intervenção pedagógica provoca avanços que não aconteceriam espontaneamente. Dessa forma, Oliveira (1992, p.33) retrata a visão do autor ao mencionar que:

A aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que só podem ocorrer quando o indivíduo interage com outras pessoas. O processo de ensino aprendizagem que ocorre na escola propicia o acesso dos membros imaturos da cultura letrada ao conhecimento construído e acumulado pela ciência e a procedimentos metacognitivos, centrais ao próprio modo de articulação dos conceitos científicos.

A função da escola é a transmissão do conhecimento científico. Sendo então, a mesma responsável pela transmissão dos conceitos sistematizados, o professor deve motivar os estudantes, despertar o interesse, utilizando metodologias variadas, como músicas, jogos, diferentes tipologias textuais presentes na realidade das crianças para que, elas compreendam a necessidade do aprender, o aprender deve fazer sentido para a criança, ser motivador. O educador precisa despertar nos alunos a necessidade de aprender. Na visão do autor o pensamento passa primeiro pelos significados e depois pelas palavras. Desta forma, o pensamento é gerado pela motivação, ou seja, pelas nossas necessidades, interesses, emoções e desejos.

Para Elkonin(1986) o desenvolvimento da criança é um processo dialético e, a passagem de um degrau a outro acontece revolucionariamente. Sendo assim, o desenvolvimento da criança é a permanente passagem de um degrau evolutivo para outro e, esta passagem está relacionada à mudança e a estruturação da personalidade da criança. Ao passar por esses degraus a criança chega na idade escolar, isso vai mudar a maneira como ela estava acostumava, suas obrigações aumentam. Elkonin ressalta que os processos de desenvolvimento psíquico estão relacionados de maneira muito estreita com o ensino e a educação, quer dizer, a própria articulação do sistema educativo instrutivo fundamenta -se em uma vasta experiência prática. 

Dessa forma, o autor destaca que o estudo é a atividade na qual ocorre a assimilação de novos conhecimentos e, a direção constitui o objetivo fundamental do ensino e, nesse período, é a atividade dominante. Na atividade de estudo ocorre uma intensa formação das forças intelectuais e cognitivas da criança e, também, através dela se mediatiza o sistema de relações da criança com os adultos que a rodeiam, incluindo a comunicação pessoal na família.

De acordo com Asbahr(2016) a entrada da criança no  ensino fundamental  representa um marco importante em seu desenvolvimento, podendo modificar sua personalidade pois, a atividade de estudo tem como especificidade a constituição  de neoformações psicológicas, tais como, o pensamento teórico e a consciência. Na visão da autora, “uma das mudanças produzidas pela atividade de estudo é justamente a formação da necessidade cognoscitiva e dos motivos correspondentes.” (ASBAHR, 2016, p.174) 

Para Leal e Nogueira (2011) apud Riesgo (2006) para que se entenda o processo de aprendizado, é preciso entender a sequência pela qual ocorrem os eventos neuromaturacionais da criança, enquanto ela cresce, desenvolve se e aprende. De acordo com o autor, as células gliais podem modificar se com a chegada de novas informações ao SNC e que também, participam dos mecanismos celulares do aprendizado. Sendo, as células gliais responsáveis pela capacidade de recuperar as células nervosas, isto é, neuroplasticidade e outras funções. Nesse sentido, é importante entender algumas das funções dos lobos, que existem muitas conexões entre eles e, que atuam em conjunto.  O lobo occipital está relacionado com a visão e, pelo qual passa todo o aprendizado do conteúdo visual. O lobo temporal está relacionado com a memória, as emoções, o comportamento, a linguagem compreensiva, com o olfato, a audição e outras. O lobo frontal apresenta várias funções, entre elas a da fala, dos atos motores e do planejamento, participa da linguagem falada, dos impulsos e do controle do humor. O lobo parietal é responsável pelas gnosias, realiza a associação auditiva e visual.

Conforme a criança aprende, o cérebro vai se desenvolvendo e modificando. De acordo com Leal e Nogueira (2011) apud Ohlweiler(2006) durante transcurso do aprendizado- evento sináptico- são produzidas mudanças moleculares nas quais acontecem as etapas  de aquisição e consolidação. Quando um estímulo novo chega ao cérebro, produz-se um padrão diferenciado de descargas, provocando uma mudança que persiste. A retenção dessa mudança relaciona-se com a memória. Sendo assim, a teoria molecular da aprendizagem está associada com mudanças que são produzidas nos ácidos nucléicos do neurônio, que levam à formação de novas proteínas. Quando elas são conduzidas para lugares próprios da membrana plasmática e inseridas às suas estruturas lipídicas, a memória de curto prazo torna-se memória de longo prazo. Desta forma, na etapa da aquisição da aprendizagem, acontece o surgimento de novas sinapses, e, na etapa de consolidação, acontecem alterações bioquímicas e moleculares referentes à memória.

Na visão de Leal e Nogueira (2011) apud Rotta (2006) o cérebro além de produzir novos neurônios, também, responde à estimulação do meio ambiente, com um aprendizado relacionado com mudanças ligadas à experiência, mudanças que são a expressão da plasticidade.

Compreende-se que quanto mais a criança aprende, mais ela se desenvolve, acontecem no cérebro novas conexões e, a atividade de estudo não acontece naturalmente. De acordo com Asbahr(2016) é preciso preparar a criança para a organização de sua atividade cognoscitiva, e, isso é responsabilidade da escola nos anos iniciais do ensino fundamental,  formar na criança uma postura de estudante. A organização da atividade de estudo é importante para que a criança assimile o conhecimento de forma sistemática e voluntária. Sendo importante neste processo, a formação dos motivos para o estudo. 

Petróvsky(1970) diz que o traço mais característico do período dos sete  aos dez anos consiste em que o pré-escolar se converte em escolar. É um período de transição na qual a criança reúne traços da infância pré-escolar com as oportunidades do escolar. Todo estado de transição é rico em possibilidades ocultas de desenvolvimento e, nesse momento, é importante estimular a criança adequadamente.  

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DE ESTUDO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

A tese de Vigotski é que o ensino e a educação constituem as formas universais do desenvolvimento mental das crianças; nelas se expressam a colaboração entre os adultos e as crianças, orientadas para que elas se apropriem das riquezas da cultura. 

Petrovsky destaca que com o ingresso da criança na escola, com o início da atividade de estudo começa uma nova etapa completamente nova para sua vida e com muitas obrigações. O pequeno escolar tem direito a contar com o respeito por seus estudos por parte dos que o rodeiam e também, está obrigado a realizar sistematicamente as tarefas propostas pelo professor e a comportar-se de acordo com as regras escolares. Sendo que, a exigência da restrita obediência das novas regras e normas não é uma severidade desnecessária para os alunos do primeiro grau, senão condição imprescindível para a organização de sua vida.

Petrovsky também diz, que no início escolar a criança ainda não conhece de verdade o conteúdo das disciplinas escolares, ainda não tem interesse pelo material didático. Isso irá acontecer à medida que se aprofundar nas matérias e, o professor deve despertar o interesse da criança ele manterá a afeição das crianças mediante a comunidade de interesses. De acordo com o autor, o conteúdo e a forma das situações de estudo determinam em conjunto à psicologia pedagógica, a didática e as metodologias particulares.

Ainda na visão de Petrovsky a especificidade das funções psíquicas do ser humano é que estas se desenvolvem em um processo de assimilação por parte da criança, da experiência histórico social. A criança nasce e vive em um mundo humano, de objetos humanos, das relações humanas.

Desta forma, a atividade psíquica do ser humano em suas formas superiores têm um caráter mediatizado. Sendo o processo ensino-aprendizagem determinante no desenvolvimento psíquico da criança. A atividade psíquica do homem constitui uma formação muito complexa, suas particularidades estão condicionadas pela vida e educação da criança. A memória lógico verbal, o pensamento conceitual, a percepção dos objetos e das outras funções psíquicas superiores especificamente humanas, não se fixam nem transmitem se biologicamente por via hereditária, isto cria a possibilidade de reestruturação e aprimoramento no processo de desenvolvimento histórico.

Petrovsky coloca também, que a complexidade dos conhecimentos e dos meios na realização das atividades constitui o aspecto mais importante e determinante do desenvolvimento das crianças no processo ensino aprendizagem. Na idade escolar menor a assimilação do novo está vinculada ao grau considerável, a significação da atividade de estudo   e também, ao desenvolvimento dos interesses cognitivos. Sendo importante formar na criança o interesse pelo estudo e, o conhecimento do novo deve ser significativo e interessante.

Davidov(1987) explica que a entrada da criança na escola, no ensino fundamental é uma das transições, ou seja, passagens cruciais na sua vida, na qual a evidência externa dessa transição é notada nas mudanças, na organização de vida das crianças e nas novas obrigações que assume como aluno. Com o ingresso na escola, a criança começa a assimilar as estruturas iniciais das formas mais desenvolvidas de consciência social, ou seja, a ciência, a arte, a moralidade e a lei que estão relacionados à consciência e ao pensamento teórico. Em relação a isso Davidov(1987, p.158) destaca que

No processo de aprendizagem, que é a atividade principal dos primeiros períodos da idade escolar, as crianças reproduzem não somente o conhecimento e habilidades correspondentes aos fundamentos daquelas formas de consciência social, mas também, as capacidades construídas historicamente, que estão na base  da consciência e do pensamento teóricos: reflexão, análise e experimento mental.

De acordo com o autor o conteúdo da atividade de estudo, é o conhecimento teórico e o termo da atividade de estudo não deve ser confundido com o termo aprendizagem. As crianças aprendem através dos mais variados tipos de atividades (jogos, trabalhos, esportes etc) mas, a atividade de estudo (na escola) tem conteúdo e estruturas especiais e deve ser diferenciada de outros tipos de atividade que, as crianças realizam tanto nos anos iniciais da escolarização quanto, em outros momentos da vida. A atividade de estudo determina o surgimento das principais formações psicológicas básicas de uma faixa etária, define o desenvolvimento mental geral das crianças em idade escolar. 

Davidov diz que o principal no processo de ensino é a assimilação pelos alunos dos conteúdos das matérias. Sendo que, cada matéria escolar representa a peculiar projeção de uma ou outra forma superior da consciência social no plano da assimilação. O eixo da matéria escolar é seu programa, isto é, a descrição sistemática e hierárquica dos conhecimentos e habilidades a serem assimilados. O programa que determina o conteúdo da matéria, determina também, os métodos de ensino, a natureza do material didático, o período de ensino e outros elementos do processo.

De acordo com Davidov, um importante componente da matéria escolar é o método de seu ensino, que é determinado pelo seu conteúdo e pelo programa. Por exemplo, se o conteúdo da matéria escolar está estruturado conforme o princípio da ascensão do pensamento abstrato ao concreto, o método de ensino deve garantir uma atividade de estudo que faça com que as crianças possam assimilar o conteúdo de forma precisa. O autor diz que o desenvolvimento mental do ser humano é, antes de tudo, o processo de formação de sua atividade, de sua consciência e de todos os processos mentais que as servem e também, que cada período de desenvolvimento associado à idade é caracterizado por um tipo principal de atividade. Dessa maneira, a periodização do desenvolvimento mental na criança está associada à análise do processo na qual a atividade e a consciência da criança são moldadas.

Vigotski e Leontiev destacam que a educação e o ensino são a apropriação dos conhecimentos científicos sendo, as formas universais de desenvolvimento mental do ser humano. Davidov (1987, p.70-71) diz que:

A base do desenvolvimento mental é simplesmente a substituição do tipo de atividade praticada, que através da necessidade determina o processo pelo qual novas formações psicológicas começam a ser modeladas no indivíduo. Desta maneira, o novo tipo de atividade que sustenta o desenvolvimento mental da criança em uma idade específica foi chamada de atividade principal.

Ao estudar a periodização percebe-se que em cada período existe uma atividade dominante denominada por Leontiev como atividade principal sendo, a atividade que ocasiona as mudanças mais marcantes nas diferentes características psicológicas da criança, em um determinado período do desenvolvimento. Destaca que, as mudanças psicológicas básicas vivenciadas pela criança em um determinado período do desenvolvimento relacionado à faixa etária são mudanças eventuais à própria atividade, salienta que outras novas formas de atividade surgem e são diferenciadas dentro da atividade e, que, os processos mentais individuais aparecem moldados e reestruturados dentro da atividade.

A atividade de estudo, devidamente organizada e sistematizada, cumpre o papel social de promover o acesso aos conhecimentos científicos histórico e culturalmente produzidos pela humanidade às novas gerações. Nesse processo, tal atividade direcionada à apropriação dos conceitos científicos tem a possibilidade de desencadear internamente no educando o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, da tomada de consciência e consequentemente das capacidades de abstração e generalização acerca da realidade circundante. Desenvolvendo e modificando, assim, o cérebro.

Vigotski (2008) destaca a relevância do ensino enquanto possibilidade de desenvolver modalidades de pensamento específicas, ao mesmo tempo que possui um papel insubstituível, na apropriação pela criança da experiência cultural. Atribui principal importância a atividade de ensino porque esta caracteriza-se e se diferencia das demais por trabalhar sistematicamente com os conceitos científicos, responsáveis em elevar o nível de desenvolvimento psíquico da criança, a partir da transição de conceitos não conscientes para conceitos conscientes, isto é, da tomada de consciência dos seus próprios processos mentais. Ao apropriar-se dos conceitos científicos a criança se transforma, se desenvolve. As atividades desenvolvidas e os conceitos aprendidos introduzem novos modos de operação intelectual: abstrações e generalizações mais amplas acerca da realidade.

Vigotski salienta que não é qualquer ensino que promove o desenvolvimento intelectual dos alunos, mas sim, aquele que se adianta ao seu desenvolvimento, levando a repensar as metodologias de ensino que busquem elevar o aluno a nível intelectualmente superior ao que ele se encontra pela via dos conceitos científicos. Nisto consiste o papel principal da aprendizagem no desenvolvimento.

De acordo com o autor, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores do aluno deve ser observado de forma prospectiva, ou seja, deve-se focar a atenção sobre os conceitos que ainda precisam ser dominados na sua trajetória acadêmica. Percebe-se assim, que o aprendizado é uma das principais fontes de conceitos na criança em idade escolar e, é também o que direciona o seu desenvolvimento. 

Por isso, ele salienta os conceitos espontâneos e os científicos destacando que os científicos serão apropriados por meio da instrução escolar, ou seja, na escola que os alunos irão se apropriar dos conceitos científicos. O aprendizado de modo geral, e o aprendizado escolar em particular possibilitam, orientam e estimulam processos de desenvolvimento. O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal destacando que, aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã.

Para implementar o conceito de zona de desenvolvimento proximal na instrução, os professores devem auxiliar na análise dos processos internos de desenvolvimento que são estimulados ao longo do ensino e que são indispensáveis para o aprendizado subsequente. Assim sendo, o ensino representa, então, o meio através do qual o desenvolvimento avança, em outras palavras, os conteúdos socialmente elaborados do conhecimento humano e as estratégias cognitivas necessárias para sua internalização são lembrados pelos alunos segundo seus níveis reais de desenvolvimento

O trabalho pedagógico deve promover avanços no desenvolvimento dos alunos e para tanto é necessário que o professor propicie uma prática significativa, por isso é relevante o momento da escolha da atividade de estudo. Leontiev (2004) retrata sobre a importância da atividade trazendo contribuições significativas com relação ao desenvolvimento psíquico da criança, ressalta que o desenvolvimento do psiquismo é a mudança do lugar que a criança ocupa no sistema das interações sociais, e, que a consciência é o começo de uma etapa superior ao desenvolvimento psíquico, é o reflexo da realidade e depende do conhecimento científico sistematicamente organizado. Sendo que, a estrutura da consciência se transforma com a estrutura da atividade. Por isso, as atividades são relevantes na apropriação dos conhecimentos científicos. Segundo Leontiev (2004, p.309-310)

A primeira coisa que devemos notar, quando nos esforçamos para resolver a questão das forças motoras no desenvolvimento do psiquismo, é a modificação do lugar que a criança ocupa no sistema de relações sociais … este lugar não determina por si só o desenvolvimento. Ele caracteriza simplesmente o nível atingido num dado momento. O que determina diretamente o desenvolvimento do psiquismo da criança é a sua própria vida, o desenvolvimento dos processos reais desta vida, por outras palavras, o desenvolvimento desta atividade, tanto exterior como interior … depende por sua vez das condições em que ele vive. 

Contudo, a atividade à qual se refere Leontiev não é qualquer atividade, mas a atividade dominante. Explica que em determinadas épocas, algumas atividades são dominantes, tendo uma importância maior para o desenvolvimento ulterior. De acordo com ele a atividade dominante comporta três características:

Primeiramente, é aquela sob a forma da qual aparece no interior da qual se diferenciam tipos novos de atividade. Assim, por exemplo, o ensino, que aparece pela primeira vez na idade pré-escolar, ocorre antes de mais nada no jogo, que é a atividade dominante neste estágio do desenvolvimento. A criança começa a aprender jogando. Segundo, a atividade dominante é aquela na qual se formam ou se reorganizam os seus processos psíquicos particulares. É no jogo, por exemplo, que se formam os processos da imaginação ativa, no estudo os processos de raciocínio abstrato… Terceiro, a atividade dominante é aquela de que depende o mais estritamente as mudanças psicológicas fundamentais da personalidade da criança observadas numa dada etapa do seu desenvolvimento. É no jogo, por exemplo, que a criança pré-escolar se aproxima das funções sociais e das normas de comportamento que correspondem a certas pessoas (que faz de “diretor”, de “engenheiro” …), e isto constitui um elemento muito importante da formação da personalidade. (LEONTIEV, 2004, p.311).

Conclui que “a atividade dominante é aquela cujo desenvolvimento condiciona as principais mudanças nos processos psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da sua personalidade num dado estágio de desenvolvimento.” (LEONTIEV, p. 312). A passagem de uma atividade para outra atividade dominante é determinada pelo motivo. 

Designamos pelo termo de atividade os processos que são psicologicamente determinados pelo fato de aquilo para que tendem no seu conjunto (o seu objeto) coincidir sempre com o elemento objetivo que incita […] a uma dada atividade, isto é, com o motivo. (LEONTIEV, 2004, p.315)

Segundo Leontiev existem os motivos apenas compreendidos e os que agem realmente, destacando que os motivos apenas compreendidos transformam- se, em algumas situações, em motivos eficientes e, assim, a operação é o modo de executar a ação. Para o autor existe uma relação de reciprocidade entre o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e o desenvolvimento da atividade. 

… o que se torna realmente agente, no caso da mudança de atividade dominante, são os “motivos compreendidos” que não pertencem à esfera das relações em que a criança está efetivamente inserida, mas a uma esfera de relações que caracterizam o lugar que a criança poderá ocupar no estágio seguinte do seu desenvolvimento. […] Nos casos em que o aparecimento de um novo motivo, não corresponde às possibilidades reais de atividade da criança, esta atividade não pode tomar o lugar dominante e deverá desenvolver-se, num primeiro tempo, isto é, no dado estágio, de maneira “complementar”. (LEONTIEV,2004, p. 319).

Em relação a atividade, DAVIDOV (1987), retrata a autêntica atividade de estudo e as bases do pensamento teórico bem como, o caráter objetal salientando que o ensino deve levar os educandos a pensar, desenvolvendo neles os fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual é importante organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento.

Conforme Leontiev (1983), atividade não é uma reação nem um conjunto de reações, senão um sistema que tem estrutura. Assim, pesquisar a atividade requer a análise de sua estrutura e das relações entre seus componentes, requer também, descobrir qual é o motivo da atividade. De acordo com Leontiev é muito relevante para a pesquisa e estudo do psiquismo discriminar quais são as unidades constitutivas da atividade e que função estão desempenhando. O professor deve saber que a escolha da atividade é fundamental e que, é importante investigar o desenvolvimento da atividade nos alunos, a fim de elucidar o processo de construção na sua consciência, assim é possível perceber o papel da educação que deverá operar na reação do aluno frente a realidade, sendo que é através dessa reação que é determinada a formação estrutural de sua psique, a consciência. 

Para Leontiev o motivo eficaz está vinculado com o objeto da necessidade e, é o motivo que leva a criança a compreender determinados conhecimentos. Ao surgir um motivo este gera a disposição para a ação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das leituras realizadas e do que foi exposto neste artigo constata- se a importância da atividade de estudo no desenvolvimento psíquico dos educandos e a relevância do papel do professor, como é importante a escolha da atividade, aquela que irá despertar o interesse da criança, sua motivação. Para isso, é importante que o educador conheça a realidade de seus alunos, organize suas aulas com metodologias variadas e significativas para as crianças, conhecendo a necessidade dos mesmos.  De acordo com o estudo, quanto mais a criança aprende mais ela se desenvolve e, o seu cérebro vai mudando e, fazendo novas conexões. 

Para Davidov, a atividade de estudo tem por finalidade a transformação do educando. A compreensão das atividades pelo aluno está associada à generalização teórica, sendo que o conteúdo das atividades de estudo são formas elevadas da consciência social.

A escola é o lugar apropriado para a aprendizagem. Mas antes de iniciar as atividades na escola a criança já possui certos conhecimentos. Desde o nascimento a criança interage com sua família e nessa interação a criança já inicia o seu processo de aprendizagem. Ao chegar à escola essa aprendizagem vai ser aprimorada e o conhecimento já existente se tornará em conhecimento sistematizado. Vigotski (2010) o conceito de desenvolvimento tem uma história muito longa e, na criança, ele se desenvolve muito antes dela ingressar na escola. Ao entrar na escola a mesma encontrará um caminho novo no desenvolvimento dos conceitos. Rego (1995, p.104) relata a visão de Vygotsky em relação ao ingresso da criança na escola ao dizer que:

Na escola, as atividades educativas, diferentes daquelas que ocorrem no cotidiano extra-escolar, são sistemáticas, têm uma intencionalidade deliberada e compromisso explícito (legitimado historicamente) em tornar acessível o conhecimento formalmente organizado. Nesse contexto, as crianças são desafiadas a entender as bases dos sistemas de concepções científicas e a tornar consciência de seus próprios processos mentais.

Ao interagir com esses conhecimentos, os sujeitos se transformam. Rego (1995) destaca que na perspectiva Vygotskiana, os conceitos são compreendidos como um sistema de relações e generalizações contidas na palavra sendo, determinados por um processo histórico cultural, explica o papel da escola no processo de desenvolvimento do sujeito ao distinguir os conhecimentos construídos na experiência pessoal, concreta e cotidiana das crianças, chamados por ele de conceitos cotidianos ou espontâneos e aqueles abordados em sala de aula, adquiridos por meio do ensino sistemático, chamado pelo autor de conhecimentos científicos. Na visão dele, o aprendizado de modo geral, e o aprendizado escolar em particular possibilitam, orientam e estimulam processos de desenvolvimento. O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal destacando que, aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã.

Vigotski (2007) destaca o aprendizado como social, enfatizando o diálogo e as diversas funções da linguagem na instrução e no desenvolvimento cognitivo mediado. Para implementar o conceito de zona de desenvolvimento proximal na instrução os professores devem auxiliar na análise dos processos internos de desenvolvimento que são estimulados ao longo do ensino e que são indispensáveis para o aprendizado subsequente. Assim sendo, o ensino representa, então, o meio através do qual o desenvolvimento avança, em outras palavras, os conteúdos socialmente elaborados do conhecimento humano e as estratégias cognitivas necessárias para sua internalização são lembrados pelos alunos segundo seus níveis reais de desenvolvimento. Conforme a criança aprende, se desenvolve e o cérebro se modifica.

Oliveira (1992, p.31) destaca a visão de Vygotsky ao mencionar que” o desenvolvimento de um conceito científico, por outro lado, geralmente começa por sua definição verbal e com sua aplicação em operações não espontâneas […]”. 

Vigotski (2008) esclarece que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e dos não espontâneos se relacionam e se influenciam constantemente e o aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar. Dessa forma, torna-se muito importante a relação do professor com o aluno sendo, uma condição do processo de aprendizagem, pois, esta relação agiliza e dá sentido a este. Desta forma, é relevante que o professor propicie uma prática significativa às crianças, elas devem ser motivadas, compreendendo a necessidade do aprendizado e, como destaca Leontiev, a necessidade constitui o objeto do conhecimento psicológico, as necessidades estimulam a atividade.

Compreende-se assim a importância do professor no processo ensino aprendizagem bem como, a relevância da atividade de estudo principalmente, no início do ensino fundamental. Sendo assim, o professor deve planejar suas aulas com metodologias variadas e apropriadas de acordo com o conteúdo que será sistematizado destacando entre outros, os jogos, músicas, brincadeiras, dramatizações, poesias, livros de literatura , textos informativos presentes no contexto social dos alunos, notícias para que as mesmas sintam necessidade e sejam motivadas para aprender salientando, que estas devem ser mediadas e com função social fazendo com que, os alunos compreendam a necessidade do aprendizado para a vida em sociedade.

 Considerando as mudanças nas leis atualmente, deve-se levar em conta que quando os autores salientam a entrada da criança na escola e o início da atividade de estudo, há alguns anos atrás aos 7 anos, primeiro grau. Atualmente, de acordo com as mudanças da LDB, deve se considerar a idade de 6 anos para o primeiro ano, fundamental I, iniciando neste, a atividade de estudo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96 em seu artigo 32 destaca que “O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão…”

REFERÊNCIAS

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