REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6631458
Autor:
Henrique de Carvalho Curiel
RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar a extrafiscalidade do Imposto de Exportação, evidenciando-se a concepção que se tem na doutrina sobre este tributo, as especificidades em torno de sua instituição, majoração e justificativa para a sua permanência. Os procedimentos metodológicos adotados permitem classificar a pesquisa como exploratória, com uso de levantamento bibliográfico para a coleta de dados. A abordagem do problema é qualitativa, e a análise é crítica de conteúdo. Pode-se concluir que o Imposto sobre a Exportação possui natureza extrafiscal, na medida em que é utilizado para fins que extrapolam o intuito único de arrecadação. Trata-se, pois, de uso destinado à regulação do mercado, funcionando, desse modo, como instrumento de política econômica, na medida em que o Governo faz uso dele para estimular ou desestimular a aquisição de bens e serviços em determinado momento por meio da alíquota a ele aplicada. A incumbência de decidir sobre isso é da CAMEX, seguindo-se entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal. Deve-se tão somente manter observância às condições e limites legais, sem a necessidade de respeitar os princípios nonagesimal e da anterioridade geral. O intuito de assim agir é estimular a exportação dos produtos nacionalizados ou nacionais. Foi o que ocorreu no Brasil durante o recente estado de calamidade pública decretado em função da pandemia da Covid-19, em que se vivenciou recordes na exportação brasileira de bens de primeira necessidade, como algodão, carnes e soja.
Palavras-chave: Direito Tributário. Impostos. Extrafiscais. Imposto de Exportação.
ABSTRACT
This article aims to analyze the extrafiscality of the Export Tax, highlighting the conception that is held in the doctrine about this tax, the specifics around its institution, increase and justification for its permanence. The methodological procedures adopted allow classifying the research as exploratory, using a bibliographic survey for data collection. The approach to the problem is qualitative, and the analysis is content critical. It can be concluded that the Export Tax has an extrafiscal nature, insofar as it is used for purposes that go beyond the sole purpose of collection. It is, therefore, intended for use in regulating the market, thus functioning as an instrument of economic policy, insofar as the Government uses it to encourage or discourage the acquisition of goods and services at a given time through the rate applied to it. CAMEX is responsible for deciding on this, following an understanding signed by the Federal Supreme Court. It is only necessary to maintain compliance with the legal conditions and limits, without the need to respect the nonagesimal principles and general precedence. The purpose of doing so is to encourage the export of nationalized or national products. This is what happened in Brazil during the recent state of public calamity decreed due to the Covid-19 pandemic, in which records were experienced in Brazilian exports of basic necessities, such as cotton, meat and soy.
Keywords: Tax Law. Taxes. Extrafiscal Export Tax.
1. INTRODUÇÃO
O Imposto de Exportação foi instituído no Brasil durante a Constituição de 1967 por meio do Decreto-Lei nº 1.578/1977. A Constituição Federal de 1988 o recepcionou, devendo-se do texto ressaltar disposições sobre a aplicação subsidiária da legislação referente ao Imposto sobre a Importação, bem como delegação à Câmara do Comércio Exterior (CAMEX) de competência para expedir normas complementares sobre este imposto (BATISTA; ABREU, 2019). Deve-se, ainda, considerar os ditames do Decreto nº 6.759/2009, que institui o Regulamento Aduaneiro no país, no qual constam as normas necessárias para a gestão das atividades aduaneiras, bem como para o controle, a fiscalização, e a tributação das operações de comércio exterior (NERIS, 2020).
Além destas normas, é preciso também recorrer ao texto do Código Tributário Nacional Brasileiro, de 1966, e às determinações constitucionais acerca do desenvolvimento nacional, que foi posto pelo legislador como um dos objetivos da República Federativa do Brasil (inciso II do artigo 3º da Constituição de 1988). A relevância de assim proceder é porque, a partir de tais ditames, se extrai que o mercado interno, que se baseia na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, deverá receber incentivos para a formação e fortalecimento de novas empresas, com vistas à promoção do desenvolvimento socioeconômico e cultural, bem como da autonomia tecnológica do país e do bem-estar da população brasileira (NERIS, 2020). Com isso, o que se tem é a tributação deve manter observância aos direitos e garantias constitucionais do contribuinte (BALEEIRO, 2018).
A função extrafiscal dos Impostos de Exportação e Importação, também chamados impostos alfandegários ou aduaneiros, é o objeto de estudo neste artigo, que tem por objetivo analisar a extrafiscalidade do Imposto de Exportação, evidenciando-se a concepção que se tem na doutrina sobre este tributo, as especificidades em torno de sua instituição, majoração e justificativa para a sua permanência. Os procedimentos metodológicos adotados permitem classificar a pesquisa como exploratória, com uso de levantamento bibliográfico para a coleta de dados. A abordagem do problema é qualitativa, e a análise é crítica de conteúdo.
2. O IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Consoante disposição inserida no artigo 23 do Código Tributário Nacional (CTN), “[…] o imposto, de competência da União, sobre a exportação, para o estrangeiro, de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional” (BRASIL, 1966).
Segundo Baleeiro (2018), assim como se dá com o Imposto de Importação, também o Imposto de Exportação terá como fato gerador não o momento em que o negócio é celebrado, mas a data em que a saída do produto foi registrada no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX). Neste processo, o contribuinte do Imposto de Exportação seria o exportador, assim tida qualquer pessoa que venha a promover a saída de mercadorias do território aduaneiro. Em relação ao seu lançamento, veja-se o que Alexandre (2016) dispõe a respeito:
Cabe ao exportador elaborar e registrar no SISCOMEX a declaração de exportação, bem como fornecer à Alfândega os documentos necessários à instrução do despacho, entre eles, na hipótese de haver crédito de IE, o Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF) comprovando o recolhimento antecipado do tributo. Posteriormente, caberá a um Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil verificar a exatidão dos dados declarados pelo exportador em relação às mercadorias, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas a seu desembaraço e a sua saída para o exterior. O ato de desembaraço. Corresponde, portanto, à homologação expressa do procedimento do contribuinte (ALEXANDRE, 2016, p. 654).
O Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 24, dispõe sobre a base de cálculo do IE, prevendo que poderá ser específica, quando é usada a unidade de medida adotada pela lei, como por exemplo, peso, tamanho etc., ou “ad valorem”, utilizando o preço normal que o produto, ou seu similar, tem em uma negociação de livre concorrência, neste caso, aplica-se uma porcentagem sobre o valor negociado.
A alíquota do Imposto de Exportação estipulada no Decreto-lei 1578/1977 é a de 30%, podendo atingir até 150% e pode variar de acordo com o produto, porém, tendo em vista o fato desse imposto atingir o produto nacional ou nacionalizado que sai do território nacional, quase a totalidade dos produtos destinados à exportação são isentos de tal tributo, pois, caso contrário, iria prejudicar a competitividade da indústria nacional perante o comércio internacional.
No que concerne a sua extrafiscalidade, veja-se que, no direito brasileiro, mais precisamente no artigo 26 do CTN, tem-se permissão dada ao Poder Executivo (e à CAMEX, segundo entendimento que fora firmado pelo STF[1]), de alterar as alíquotas do Imposto de Exportação, a seu critério, com o intuito de atender os objetivos do comércio exterior e da política cambial. Deste modo, como bem leciona Baleeiro (2018), este imposto tem caráter extrafiscal porque a sua instituição, majoração ou redução de alíquotas atende interesses que extrapolam a arrecadação, funcionando, assim, como regulador do mercado. Sobre isso, porém, se verá mais detidamente na seção seguinte.
3. A EXTRAFISCALIDADE DO IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO
Para adentrar às considerações pretendidas para esta parte do artigo, propõe-se, inicialmente, tecer breves comentários sobre o poder de tributar do Estado e os modelos de gestão quanto à intervenção na economia (SOUZA FILHO, 2019).
No modelo de governo liberal, tem-se uma atuação do Estado pautada essencialmente nas garantias e liberdades individuais. Deste modo, tem-se um aparelho estatal, por meio da Administração Pública, que praticamente não interfere na economia e na política (SEGUNDO, 2018; BIGOTO, 2020). Neste modelo há, pois, uma autorregulação natural, com a tributação limitando-se à arrecadação de recursos suficientes para a manutenção da máquina estatal (SILVA; 2020; CLEMENTINO, 2021).
Em oposição ao modelo liberal, tem-se o intervencionista, que, ao contrário, busca regular de forma ativa o modo de organização social, política e econômica da sociedade (SEGUNDO, 2018; BIGOTO, 2020). O propósito de assim agir é concernente à garantia da justiça social, evitando, com isso, a ocorrência de disparidades. Neste contexto, o modelo intervencionista atua na regulação e limitação do mercado, recorrendo, para isso, à tributação enquanto um dos seus pilares principais (SILVA; 2020).
Deve-se pontuar, contudo, que, ainda que aparentemente antagônicos, em razão do caráter extremo apresentado por cada um dos modelos aqui desnudados, na prática, cada Estado adéqua o modelo de governo por ele adotado considerando os aspectos que tem por relevantes na regulação que pretende imprimir à sociedade como um todo (CLEMENTINO, 2021).
No Brasil, ao se analisar o conteúdo da Constituição Federal de 1988, vê-se que o legislador fez constar, na redação do artigo 5º, aspectos relativos à garantia da propriedade, a liberdade e a justiça social, estabelecendo tratamento isonômico (isonomia material – tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais) (SOUZA FILHO, 2019). Com isso, têm-se nuances da assunção de um modelo intervencionista, porém sem se despir de todo do modelo liberal (CLEMENTINO, 2021).
Na verdade, ao se tratar a questão da intervenção estatal na economia, deve-se reconhecer a impossibilidade de se estabelecer, de todo, uma divisão e não aproximação entre economia e Estado (SEGUNDO, 2018; BIGOTO, 2020). Na verdade, a intervenção mercadológica faz-se necessária para regulação do mercado, favorecendo-se, assim, o desenvolvimento econômico do país (SILVA; 2020).
Diante disso, e considerando-se o que descrito na literatura pesquisada, tem-se que existem três formas de o Estado influenciar a economia (CLEMENTINO, 2021).
A primeira delas corresponde a um contexto em que o Estado exerce um controla total dos meios de produção, abrangendo desde a qualidade à quantidade, bem como as trocas econômicas ocorridas em seu âmbito (SOUZA FILHO, 2019). Tem-se, portanto, uma atividade estatal indissociável da questão econômica (BIGOTO, 2020).
A segunda delas é a intervenção do Estado enquanto agente econômico, o fazendo por meio da criação de empresas públicas para atuação e competição com as privadas, em um mercado aberto (SEGUNDO, 2018; SOUZA FILHO, 2019). No Brasil, este tipo de intervenção pode ser reconhecido no formato de atuação dos bancos estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (KRONBAUER, 2018; SILVA; 2020).
A terceira delas consiste na intervenção do Estado na economia por meio da imposição de normas jurídicas com o objetivo de coibir ou promover comportamentos (KRONBAUER, 2018).
De todo modo, ao se versar sobre um modelo interventivo do Estado na economia, vislumbra-se no poder de tributar estatal, e, em decorrência, no direito tributário Brasileiro um meio de intervenção econômica (SOUZA FILHO, 2019), o que ressaltaria o caráter de modelo intervencionista, já que, assim agindo, evita-se a ocorrência de uma autorregulação do mercado, utilizando a tributação com escopo que segue para além do meramente arrecadatório (KRONBAUER, 2018; SILVA; 2020).
Em relação a isto, deve-se pontuar, ainda, que a atuação estatal arrecadatória de recursos para os cofres públicos se dá por meio do poder de instituir tributos, perfazendo-se, assim, o caráter fiscal dos mesmos. Contudo, existem ainda dois outros tipos de funções dos tributos, quais sejam, a parafiscal e a extrafiscal (SEGUNDO, 2018). Assim, o que se tem é que, além de financiar o Estado, os tributos também podem assumir duas outras funções, quais sejam, a parafiscal e a extrafiscal. Embora para este artigo interesse somente a última, propõe-se uma breve explanação sobre o conceito de cada uma destas finalidades dos tributos, de acordo com a doutrina (SILVA; 2020).
A finalidade fiscal dos tributos está relacionada à arrecadação (CLEMENTINO, 2021). A finalidade parafiscal dos tributos corresponde também à arrecadação, mas com um destino específico, qual seja, o de custear atividades que, não obstante apresentem afinidade com as funções estatais, são delegadas a certas entidades, como as integrantes do sistema “S” (SENAI, SESI, SESC…), por exemplo (KRONBAUER, 2018). Trata-se de entidades privadas, cujo exercício se dá em prol da sociedade, por isso são por ela custeadas (SILVA; 2020).
A finalidade extrafiscal dos tributos faz uso da tributação como meio de regulação do mercado. O propósito é, pois, intervir no sistema econômico nacional, servindo como instrumento para regular o mercado (SEGUNDO, 2018). Esta finalidade tem fundamento no modelo governamental intervencionista, e corresponde ao controle estatal da economia por meio do aumento ou redução das alíquotas dos tributos com este caráter (KRONBAUER, 2018; SOUZA FILHO, 2019). Agindo assim, estimula ou coíbe condutas e ações previamente selecionadas (BIGOTO, 2020). Um exemplo de imposto com caráter extrafiscal é o Imposto de Exportação, objeto do presente artigo.
Deve-se pontuar, ainda, que a extrafiscalidade tem por objetivo regular a sociedade por meio da tributação, apontando para o fato de que o tributo extrafiscal não serve, necessariamente, somente para este fim, de forma isolada (SEGUNDO, 2018); antes, ele também serve ao Estado com o intuito arrecadatório, sendo esta, contudo, a finalidade secundária (SILVA; 2020).
Deste modo, deve-se pontuar que, embora se trate de tributos extrafiscais, eles não desempenham necessariamente esta característica todas as vezes em que forem cobrados (BIGOTO, 2020). Em alguns momentos, a tributação do fato gerador pode se dar com o fim de financiamento do Estado, extraindo-se deles, nestes casos, a função fiscal, sem se ter o propósito de regulação do mercado interno. Isto ocorre porque os tributos possuem natureza cogente, de modo que, havendo o fato gerador, se terá, também, necessariamente, a cobrança do tributo (SEGUNDO, 2018; SOUZA FILHO, 2019). De outro lado, importante pontuar que os tributos extrafiscais não são apenas aplicados em situações nas quais se têm o objetivo de manipulação do mercado (KRONBAUER, 2018; SILVA; 2020).
Em sua sistemática de ação, é importante que se diga, ainda, que os impostos com caráter extrafiscal, como é o caso do Imposto de Exportação, não observam o princípio da anterioridade tributária – anual (observar o prazo de início do ano-exercício seguinte) ou nonagesimal (viger somente após decorridos noventa dias da edição de lei que cria ou majora tributo), instituídas pelo direito brasileiro com o propósito de promover a segurança jurídica (BIGOTO, 2020; CLEMENTINO, 2021).
Sendo assim, as normas relativas a um tributo extrafiscal podem ser alteradas a qualquer tempo, que sua aplicação será imediata. Em função disso, discute-se a exposição a situação de insegurança jurídica, já que paira uma incerteza acerca de qual alíquota incidirá sobre a mercadoria (SEGUNDO, 2018; SOUZA FILHO, 2019). Contudo, tal imprevisibilidade seria explicada pela urgência dos efeitos da tomada da medida, com o impacto instantâneo nas relações econômicas (KRONBAUER, 2018; SILVA; 2020).
Além dos apontamentos aqui reproduzidos, destaque-se que a extrafiscalidade se perfaz de dois modos distintos: como finalidade e efeito. Um destes modos, contudo, se faz presente em todos os tributos – qual seja, o efeito (KRONBAUER, 2018; BIGOTO, 2020). Assim, ainda que se tenha em alguns tributos específicos o propósito de regulação do mercado, todos os tributos, em menor ou maior grau, são dotados de efeito extrafiscal (SILVA; 2020).
O efeito extrafiscal é manifesto sempre que se tem a cobrança de tributos, já que, quando ela ocorre, tem-se uma movimentação financeira, que impacta de forma positiva ou negativa a economia (SEGUNDO, 2018; BIGOTO, 2020). Também por meio da tributação é possível incentivar ou desincentivar certas condutas. Como exemplo, cite-se o que ocorre com o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, por exemplo (KRONBAUER, 2018; SOUZA FILHO, 2019). Existe o estabelecimento de uma alíquota que varia segundo o automóvel, de modo que uma tributação menor ou maior sobre o bem pode funcionar como fator decisivo para a sua aquisição, revelando-se, deste modo, uma conduta tendente a estimular um comportamento (CLEMENTINO, 2021).
No entanto, ainda que a totalidade dos tributos possua efeitos extrafiscais, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a finalidade extrafiscal apenas para alguns tributos em específico, dotando-se a eles, tão somente, a característica principal de funcionarem como reguladores do comportamento, interferindo, assim, de forma direta, na sistemática do mercado (KRONBAUER, 2018; SILVA; 2020).
Sendo assim, reconhece-se a atribuição do caráter extrafiscal aos seguintes impostos: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Importação (II), Imposto sobre Exportação (IE) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Além deles, também as Contribuições Sobre Domínio Econômico são dotadas de caráter extrafiscal (SILVA, 2020).
A explicação para a adoção de tal sistemática reside na importância destes tributos para o comércio exterior, de forma direta ou indireta, considerando-se um contexto em que a aplicação destes possui relação indissociável com a soberania, a economia interna, e os interesses nacionais (SEGUNDO, 2018; SOUZA FILHO, 2019). Com isso, o Estado, por meio da instituição de uma política tributária, especialmente a partir do controle das alíquotas dos tributos aqui mencionados, é detentor do poder de regulação do desenvolvimento nacional, agindo com incentivos para determinados setores integrantes da economia interna (KRONBAUER, 2018; SILVA, 2020).
Entretanto, há que se mencionar, ainda, que a extrafiscalidade não é limitada ao papel de estímulo da produção nacional, com vistas a promover uma independência e dissociação do Brasil diante do mercado internacional, muito embora seja esta a sua característica mais pontual e marcante (CLEMENTINO, 2021).
O fato é que a urgência na implementação dos ditames relativos aos tributos extrafiscais se justifica por estarem estes associados a esta atribuição de funcionarem como reguladores do mercado (SEGUNDO, 2018; SOUZA FILHO, 2019). Com isso, não seria possível atrelar sua vigência com a observância do princípio da anterioridade (anual ou nonagesimal), porque se perderia, nesta exigência, a sua razão de ser, que demanda urgência na efetivação da medida (SILVA, 2020).
Diante destes apontamentos, cabe destacar que o Imposto de Exportação teve a sua extrafiscalidade explorada durante a pandemia da Covid-19 no país.
Conforme Meira et al (2021), durante o período em que se decretou, nos Estados brasileiros, estado de calamidade pública em razão da pandemia da Covid-19, experimentou-se, em contrapartida, a adoção de medidas governamentais destinadas à regulação do mercado, com clara função extrafiscal. Dentre as commodities da indústria extrativa mineral, o grupo da soja e seus derivados registrou um aumento de 9,5% em 2020 em comparação com 2019, equivalente a um ganho de US$ 2,5 bilhões e de 8,9 milhões de toneladas no volume exportado nesse mesmo período. Também os vários tipos de carne apresentaram alta nas exportações neste mesmo período, atingindo US$ 550,8 milhões e 352,2 mil toneladas no volume exportado (MOTA, 2021).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como ressaltado ao início, o objetivo deste artigo foi analisar a função extrafiscal do imposto de exportação.
Os principais resultados obtidos foram no sentido de que o Imposto sobre a Exportação possui natureza extrafiscal. Em outras palavras, trata-se de imposto utilizado como instrumento de política econômica, o que permite caracterizá-lo como imposto extrafiscal, já que suas finalidades extrapolam a de arrecadação. Assim, pode-se afirmar, como dito, que o Imposto de Exportação possui função regulatória de mercado, de modo que o Governo pode, estimular ou desestimular a aquisição de bens e serviços pela alíquota a ele aplicada.
Tal faculdade é dada ao Poder Executivo (e à CAMEX, conforme entendimento firmado pelo STF), a ele incumbindo a tarefa de estabelecimento das alíquotas do imposto, mantendo observância às condições e limites legais, sem a necessidade de respeitar os princípios nonagesimal e da anterioridade geral. Com isso, espera-se estimular a exportação dos produtos nacionalizados ou nacionais. Foi este, inclusive, o cenário vislumbrado durante o recente estado de calamidade pública decretado em função da pandemia da Covid-19, em que se vivenciou recordes na exportação brasileira de bens de primeira necessidade, como os diversos tipos de carnes e soja.
Por fim, cabe à Receita Federal do Brasil, por meio das suas aduanas, que são responsáveis pelo controle dos produtos que entram e saem do país, o controle sobre o imposto de exportação, assim como, de todos os tributos incidentes no comércio exterior.
[1] “O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou hoje (28) que não há inconstitucionalidade na fixação de alíquota de Imposto de Exportação (IE) de produtos nacionais ou nacionalizados por meio de resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex). O entendimento majoritário da Corte baseou-se no parágrafo 1º do artigo 153 da Constituição, segundo o qual é facultado ao poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados no artigo, com exceção do Imposto de Renda. Para a maioria dos ministros do STF, o dispositivo em questão, ao referir-se ao poder Executivo, não se restringe à pessoa do presidente da República, porque quando o constituinte desejou fazê-lo, o fez expressamente. Os ministros negaram, por maioria de votos, o Recurso Extraordinário (RE 570680) ajuizado pela Indústria de Peles Pampa Ltda., de Portão (RS), que argumentava que a fixação de alíquotas do Imposto de Exportação seria competência pessoal, privativa e indelegável do presidente da República. Entretanto, para os ministros Carlos Ayres Britto e Março Aurélio, a competência para alterar as alíquotas de determinados tributos, entre eles o Imposto de Exportação, é privativa do presidente da República” (STF, 2009).
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