O EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA EM MEIO A DITADURA MILITAR (1970-1980): AS PRÁTICAS DE UMA PROFESSORA LEIGA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.12753187


Janaina Aguiar da Silva


Resumo

Este trabalho tem como intenção refletir sobre o exercício da docência nas décadas de 70 e 80 do século XX, a partir das práticas de uma professora sem formação profissional, fazendo um entrelaçar do contexto histórico da ditadura militar e os relatos de memória utilizados como fontes de pesquisa para o meu trabalho de conclusão de curso intitulado: Valdirene Maria dos Santos Rosas: as práticas pedagógicas de uma professora leiga (1974-2002), no curso de Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Federal da Paraíba/CAMPUS IV. Esse texto trata-se de um trabalho reflexivo, embasado no olhar dos autores: Brandão(1986); Furlan (2008) e Savini (2008) e tem como foco principal o trabalho de professores(as) leigos(as) marcados(as) pela falta de informação, recursos metodológicos e didáticos para desenvolverem suas atividades com plena eficiência durante o período militar, oportunizando ainda um confronto entre o que se conhece da história dos professores leigos no Brasil com as memórias de quem protagonizou e vivenciou esta realidade. 

Palavras-chaves: Profissão docente; Professora leiga; História da educação.

1 Iniciando o discurso 

A falta de formação profissional de professores tem sido um dos temas de discussão nos estudos da história da educação brasileira. Essa discussão atenua-se no período da ditadura militar, como um retrocesso às conquistas educacionais alcançadas nos governos anteriores. O período da ditadura foi marcado por grandes acontecimentos e mudanças no meio social, político e econômico, de modo que a educação não ficaria de fora.

Este trabalho tem como intenção refletir sobre o exercício da docência nas décadas de 70 e 80 do século XX, a partir das práticas de uma professora sem formação profissional, fazendo um entrelaçar do contexto histórico da ditadura militar e os relatos de memória utilizados como fontes de pesquisa para o meu trabalho de conclusão de curso intitulado: Valdirene Maria dos Santos Rosas: as práticas pedagógicas de uma professora leiga (1974-2002), no curso de Licenciatura em Pedagogia, da Universidade Federal da Paraíba/CAMPUS IV. Esse texto trata-se de um trabalho reflexivo, embasado no olhar dos autores: Brandão(1986); Furlan (2008) e Savini (2008) e tem como foco principal o trabalho de professores(as) leigos(as) marcados(as) pela falta de informação, recursos metodológicos e didáticos para desenvolverem suas atividades com plena eficiência durante o período militar, oportunizando ainda um confronto entre o que se conhece da história dos professores leigos no Brasil com as memórias de quem protagonizou e vivenciou esta realidade. 

Para melhor refletir sobre esta temática, este estudo será dividido em dois momentos. O primeiro momento faz um breve percurso histórico educacional, destacando o professorado frente ao exercício de suas funções sob o regime militarista, enquanto o segundo momento traz os relatos de memória das práticas pedagógicas da professora Valdirene Maria dos Santos Rosas durante sua atuação nas décadas de 1970 e 1980 ainda sem formação docente. Desta forma, oportunizando um confronto entre o que se conhece da história dos professores leigos no Brasil com as memórias de quem protagonizou e vivenciou esta realidade.

2 – O governo militarista e suas intervenções educacionais

Com a tomada do governo pelo golpe militar de 1964, o Brasil entrou em uma nova etapa educacional. Apesar das conquistas educacionais decretadas por leis em que o professorado deveria receber formação para dar início a sua atuação, o exercício da docência sofre perdas que afetam diretamente ao ensino e elas estão diretamente ligadas a sua formação profissional.

O Brasil já estava vivendo mudanças educacionais, antes do golpe militar, pensava-se numa educação voltada a independência e preparo dos cidadãos para o desenvolvimento industrial, no entanto, tratava-se dos temas educacionais arraigados pelas ideias democratas, ao contrário do que pensava o regime militar, que tinham como principal conduta, a imposição pelo poder.

Os militares praticaram uma política educacional valendo-se do aparelho de ensino para atender a demanda das classes sociais menos favorecidas e também para atenuar conflitos/pressões das alas opositoras. Se por um lado os militares utilizaram a política educacional como estratégia de hegemonia, por outro deixaram de fornecer a escolarização e qualificação dos trabalhadores necessários ao Estado capitalista, privilegiando a classe elitizada em detrimento das classes populares sofredoras da exclusão social (PAULINO e PEREIRA, 2008, p. 1945)

É legível a partir desta fala, que o privilégio se fazia presente no governo militarista, que as políticas públicas não alcançavam de forma justa as classes minoritárias. Por mais que se criassem propostas para o desenvolvimento educacional, essas propostas tinham um direcionamento específico que não enquadrava o todo. 

Tanto o governo federal, estadual e municipal, tinham por incumbência investir cada um, um percentual para a educação, esta determinação estava inscrita na constituição Brasileira de 1967 e foi modificada pelo poder militar que criou a Emenda Constitucional de 1969, obrigando apenas os municípios a investirem na educação, como é destacado por Saviani (2008):

A Emenda Constitucional n. 1, baixada pela Junta Militar em 1969, também conhecida como Constituição de 1969 porque redefiniu todo o texto da Carta de 1967, restabeleceu a vinculação de 20%, mas apenas para os municípios (artigo 15, § 3º, alínea f) apud (SAVIANI, 2008, p. 298)

Percebe-se que, com a queda nos investimentos direcionados a educação, inicia-se um declínio em tudo o que a envolve, a começar pela formação profissional dos docentes e consequentemente uma defasagem no ensino, pois os municípios alegavam falta de verbas e apoio do governo federal.  

Com o golpe militar, a educação passa a ser de direito obrigatório, imposta tanto na fase primária quanto secundária, na preparação de cidadãos apenas para o cumprimento das leis, preocupando-se com o desenvolvimento do país sob a visão capitalista. Os cidadãos deveriam ser obedientes e dedicados ao governo e proibidos de sequer ter opinião própria, como ressalta Furlan (2011)

O governo militar impôs seu objetivo de transformar a forma de pensar e de agir das pessoas, visto por ele como padrão necessário à manutenção do sistema vigente que, geralmente, ocorre por meio da educação ou da imposição (FURLAN, 2011, p. 3)

As mudanças educacionais atingiram todo o interior escolar desde a sua organização, as ações e atuações dentro desse espaço. A escola deveria voltar sua metodologia para a ordem moral e cívica. A educação passou por uma grande transição. No papel, essas intervenções pareciam resolver os problemas econômicos, educacionais e políticos, no entanto, a obrigatoriedade acabou por se tornar um abismo entre a criticidade e a autonomia, sendo permitidas todas as decisões ao regime militar, segregando e fragilizando ainda mais o trabalho do professor, principalmente nas zonas rurais, onde a informação levava tempos para chegar ou não chegava e os professores eram incumbidos de ensinar seus alunos sem nenhum respaldo. Não se pode negar, que esse foi um período de grandes oportunidades empregatícias e para os professores a oportunidade de trabalhar mesmo sem comprovação profissional, só nos anos 80 começaram a ser ofertadas qualificações aos professores que já exerciam sua função, isso, para que pudesse manter-se dentro da lei e com isso, não perder verbas.

3 – Uma professora leiga durante a ditadura militar

Apesar do crescimento na demanda de contratação de professores(as), o exercício da docência nas décadas de 70 e 80 do século XX sofreu grandes impactos relativos ao ensino e a aprendizagem, esses impactos se espalharam por todo o país, no entanto, se intensificaram nas escolas das pequenas cidades ou na zona rural, onde as pessoas viviam a escassez de informação, onde se situavam as camadas sociais menos favorecidas. Falava-se em grandes demandas de alunos inscritos nas escolas, da formação necessária aos professores(as), no entanto o que se via, eram salas sem estrutura adequada ao ensino, professores contratados sem formação profissional e muitos deles sem o mínimo conhecimento para exercerem sua função. Diante dessa realidade, os docentes eram obrigados a criarem sua própria metodologia utilizando o que lhes era oferecido, ou do que estava disponível.

Durante a minha pesquisa para o trabalho de conclusão de curso intitulado: Valdirene Maria dos Santos Rosas: as práticas pedagógicas de uma professora leiga(1974-2002) na Universidade Federal da Paraíba. Utilizei como fonte de pesquisa as narrativas orais e durante as entrevistas com esta professora, encontrei vários vestígios de uma educação fragilizada, principalmente pela falta da formação docente no início de carreira. A feminização no magistério também era uma questão de grande visibilidade e o quantitativo de professoras leigas se apresentavam em grande escala nas zonas rurais, bem mais do que nos centros das cidades.

A feminização das mulheres no magistério não é algo próprio do regime militar, no entanto, continuou a destacar-se com o aumento das contratações de professores para o ensino primário e com isso, a necessidade de professores que fossem capazes de cuidar e educar. Nas palavras de Louro (1997) muitos pensavam que “[…] as mulheres tinham “por natureza” uma inclinação para o trato com as crianças, que elas eram as primeiras e “naturais” educadoras. (LOURO, 1997, p. 450). Elas eram sempre mais cotadas para o cargo pela sua familiarização com o cuidado da casa e das crianças e mesmo sem consenso essa visão ainda perdura dentro do exercício do magistério até os dias atuais.

Discutindo a questão de professoras leigas, Brandão (1986) evidencia fatores determinantes entre o trabalho leigo na cidade e na zona rural. Na cidade por exemplo, por ser um espaço de crescente desenvolvimento e estar no foco das atenções políticas, econômicas e sociais, havia uma preocupação em manter nessas escolas, professores(as) capacitados(as) para servir de exemplo em caso de comprovação no cumprimento da lei, já nas comunidades rurais, afastadas dos centros das cidades, não se tinha essa preocupação, pensava-se apenas em manter as escolas funcionando, obedecendo as leis educacionais de atendimento e do direito à educação sob a ótica tecnicista. Por isso Brandão (1986) afirma que “[…]a zona rural é obrigada a aceitar por mais tempo agentes desqualificados cuja prática já não é mais aceita na cidade, em seu estado (BRANDÃO, 1986, p.14)”. Ou seja, é a necessidade do trabalho quem determina o tempo que irá ocorrer a efetivação dos direitos.

Em conformidade com Brandão (1986), os relatos da professora Valdirene Maria dos Santos Rosas, trazem algumas respostas ao que Brandão se refere sobre a diferenciação entre professores da cidade e os da zona rural. De acordo com os relatos da professora supracitada, sua contratação se deu aos 16 anos de idade, tendo apenas concluído a 4ª série do 1º grau. Os fatores apresentados por ela desde o convite ao início no magistério foram em primeiro lugar, residir na comunidade em que a escola estava situada, diminuindo para o governo municipal os gastos de locomoção, por segundo ser conhecida ao desenvolver atividades relacionadas à escrita e a leitura, no seu caso, dava aulas em casa para seus vizinhos, e em terceiro ter uma boa indicação por outras pessoas. De acordo com seu relato:

Naquela época, se escolhia os professores pelo jeito que eles tinham para ensinar e eram os outros que falavam se você tinha jeito pra isso ou não. No meu caso, foi a própria Dona Sivi (professora da comunidade) que me indicou, porque ela já sabia que eu dava aula em casa e as pessoas aprendiam comigo. (VALDIRENE M. S. R. 2019)

Não se falou em nenhum momento sobre a questão da exigência da maioridade para atuar no magistério, nem da necessidade de formação profissional, no entanto foi solicitado a professora Valdirene M. S. R. que fizesse a adesão de seus documentos pessoais modificando o ano de seu nascimento para que estivesse dentro dos padrões exigidos pela lei e que retomasse seus estudos. 

Ao analisarmos essa conduta do governo municipal, compreendemos que as leis eram e alguma forma burladas para que se cumprisse as determinações vindas do governo federal, já que de acordo com as novas medidas tomadas pelo regime militar de atribuir aos municípios a incumbência de investir na educação, estes municípios se cercavam de suas próprias medidas para diminuir os seus gastos.

Como dito anteriormente, dentro da história da educação percebe-se um grande quantitativo do professorado sem formação docente, Picanço (1986) em sua pesquisa sobre professores leigos nos dá uma dimensão em que pés se encontrava o Brasil nas décadas de 1980 com relação a esse quantitativo.

Em termos dos estados brasileiros, a presença dos leigos é constante em todos eles, exceção feita ao Distrito Federal que, em 1982, apenas para confirmar a regra, indicou a existência de um professor leigo; em 1981 tinha quatro. No mesmo ano de 1982, o estado com a maior presença de leigos era o Ceará (47%); o Rio de Janeiro, com 1,4%, era o de menor presença. Além do Ceará, estavam com mais de 40%, Rondônia (44,3%), Maranhão (43,3%) e Acre (41,3%). Com um terço do seu professorado leigo encontravam-se Paraiba (38,2%), Pará (36,9%), Roraima (32,3%) e Bahia (31,6%). Os de menores porcentagens, além do Distrito Federal e Rio de Janeiro, eram Espírito Santo (3,3%), São Paulo (3,1%) e Amapá (1,5%) (PICANÇO 1986, p. 10)

Observa-se que as menores porcentagens de professores leigos encontravam-se nos estados onde se situavam as sedes governamentais e as “escolas modelos”, intensificando a ideia de desigualdade social, ou seja, eram nas zonas rurais que se encontravam a maior parte de professores leigos.

No início de carreira, os professores leigos encontravam muita dificuldade para desenvolverem seu papel dentro da sala de aula, pois a maioria não tinham sequer, material base para se guiarem, como foi o caso da professora Valdirene M. S. R. que começou a lecionar no ano de 1974 aos 16 anos de idade numa casa utilizada como sala de aula, que atendia alunos de várias idades, localizada na comunidade de Curral de Fora, município de Rio Tinto, no estado da Paraíba. Só depois de alguns anos já na década de 1980 com a chegada da reforma agrária, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), construiu uma pequena escola com uma sala de aula, uma cozinha e 2 banheiros, apesar de visivelmente pequena, para a comunidade de Curral de Fora, foi uma grande conquista. 

As lembranças do início de carreira da professora Valdirene demonstram que suas práticas estavam interligadas a sua falta de conhecimentos. Em um de seus relatos diz:

Lembro perfeitamente do primeiro dia de aula, era uma turma de 35 alunos, naquela época eu ainda pensava e gostava muito de brincar, eu era adolescente, mas ainda tinha aquela vontade de brincar, quando cheguei e vi aquela turma toda o que mais fiz com a turma foi brincar, acredito que pela falta de tempo de não poder brincar, aproveitava pra fazer isso junto com eles. Era uma turma muito boa, era um tempo diferente, as crianças iam pra escola com vontade de aprender e viam a gente professor com tanto amor, tinham muito respeito conosco. Não só na escola, mas na comunidade em geral, o professor era visto como pessoas muito importantes e eles eram tudo apaixonados uns pelos outros. (VALDIRENE M. S. R. 2019)

Percebe-se nesta fala da professora Valdirene que, pelo fato de não ter conhecimento sobre como planejar suas aulas, procurou preencher esse espaço de tempo com algo que prendesse a atenção de seus alunos e ainda lhe permitisse momentos de prazer. De acordo com a própria professora, ao passar do tempo, foi inserindo dentro dessas brincadeiras, a leitura e a escrita e assim foi conseguindo cumprir com o objetivo educacional, que segundo ela, deveria fazer com que seus alunos aprendessem a ler e escrever até o final das aulas do ano em vigência. 

Em se tratando da época, fiz alguns questionamentos à professora Valdirene sobre o que ela sabia das leis do país para a educação e sobre os direitos dos cidadãos. Essa é uma das questões que envolve a ditadura militar e suas ações voltadas de fato às comunidades rurais. Em resposta disse:

Eu nem ouvia falar como era a educação no Brasil, porque eu vivia aqui nesse pedacinho, sem ter notícia de quase nada, diferente de hoje, mas eu sei que aqui a educação era muito precária, principalmente na zona rural, aqui mesmo, era muita dificuldade, na escola mesmo não tinha quase nada e os meninos nem livro tinham, eu trabalhava usando a própria necessidade deles. Por exemplo, não tinha água na escola, cada criança levava pra escola uma garrafinha de água, eles traziam de casa e para fazer a merenda a gente pagava pra alguém levar uma carga de água num burro, então aproveitava esse assunto pra trabalhar com eles. […] A merenda era um pó que vinha do INCRA, uma vizinha sempre nos ajudava e pedia pra preparar. Era um ponche vermelho, que tinha um cheiro tão ruim, mas só tinha aquilo mesmo, ai eles bebiam e voltavam para as tarefas. (VALDIRENE M. S. R. 2019)

Essas palavras desenham a precariedade da educação nas escolas da zona rural, no entanto, apresenta a criatividade da professora ao utilizar-se dos fatores reais para ensinar seus alunos. Apesar das imposições do regime militar, essa distância entre comunidades e o governo, talvez tenham permitido que a educação crítica e libertadora não se dizimasse e de alguma forma tenha influenciado para a queda do regime militar. No entanto, não se pode deixar de citar as questões tradicionais que envolviam a escola, tanto a religiosidade com o catolicismo muito presente nos espaços escolares, tratados pela professora como algo muito importante e por esse motivo antes de iniciar as aulas sempre fazia orações. Da mesma forma os atos de patriotismo, que é representativo ao militarismo, mas para Valdirene, era parte da educação. O relato a seguir apresentam esses atos de civismo e patriotismo presentes na escola e na comunidade.

[…] na semana da pátria, agente pegava as latas de almôndegas, saco plástico e uns barbantes daquelas borrachas que parece ser de pneu e fazia uns tambores, pegava galhos de carrapateiras e fazia flautas, aí no dia 7 de setembro eles vinham pra escola tudo arrumadinho com o que tinha e eu colocava eles pra desfilar pela comunidade e os pais iam olhar, ah, eles ficavam tão animados, eu desfilava com eles. Eles iam tocando naqueles instrumentos, tudo tão feliz. (VALDIRENE M. S. R. 2019)

Naquele contexto, as escolas mantinham essas tradições como princípios educativo, no entanto, as práticas da professora Valdirene abriram espaço para um outro olhar sobre essas práticas, como está explícito na citação acima, utilizava dos temas patriotas para incentivar a participação, o trabalho em grupo, tanto dos alunos, da escola e da comunidade. Essas práticas também são enxergadas como práticas libertadoras. Mesmo sem ter conhecimento das propostas de Paulo Freire, as práticas da professora Valdirene se mostram no mesmo caminho que elas, pois de certa forma não se ateve a falta de instrumentos pedagógicos e formação profissional, mas utilizou de suas experiências com as próprias crianças e até mesmo com outras professoras para direcionar suas ações. Paulo Freire (1983) afirma que são “Nestas relações com o mundo, através de sua ação sobre ele, o homem se encontra marcado pelos resultados de sua própria ação (FREIRE,1983, p. 17)”. Desta forma, a ação é determinante para os bons ou maus resultados.

 Apesar de ter sido justamente no período do regime militar que Freire teve de ser exilado e suas propostas ocultadas da sociedade brasileira, outros “Paulos Freires” viviam espalhados por entre os espaços escolares e sociais, acreditando nas transformações que a educação poderia causar, utilizando-se de suas próprias experiências e das experiências dos outros para construírem e reconstruírem a educação do Brasil e se transformando pelas suas próprias ações

3 Conclusão

Ao refletir sobre o trabalho leigo de professores no contexto da ditadura militar e todas as intervenções impositoras lançadas sobre a educação brasileira, percebemos a degradação e desrespeito ao direito a uma educação de qualidade. Foram tempos de retrocesso às conquistas educacionais e com isso, uma desestruturação no sistema educativo. O ensino e a aprendizagem se apresentaram de formas diferentes para cada camada social, tendo seu foco no atendimento à elite, limitando as camadas mais pobres desse mesmo acesso. As pessoas eram tratadas como objetos e não como sujeitos. O professorado foi enxergado como repositores de mão de obra e reprodutores de imposição. 

O docente teve que adequar-se às propostas do governo, tendo que desenvolver seu trabalho mediado por suas próprias experiências ou por suas intuições, arriscando tudo o que tinha para cumprir com seu dever. Tiveram que aprender na prática o papel do professor, descobrindo no dia a dia o que era útil ou não para a aprendizagem da criança. Seus desafios não estavam no ensinar a ler e a escrever, estava em lidar com as questões desumanas que envolviam as crianças, as questões de precariedade que assolavam a escola e a comunidade e que tinham na escola a esperança de dias melhores. Desta forma, acredito que este, tanto quanto outros motivos fizeram com que os professores, ainda que “leigos”, fossem vistos como grandes sábios, aqueles que poderiam transmitir conhecimentos a uma geração e essa geração haveria de ter uma vida digna e justa.

Apesar da desvalorização da formação docente durante longos anos, o trabalho dos professores leigos não foram em vão, os enfrentamentos vivenciados durante todo o percurso serviu como inspiração para que essa classe se unisse em outros momentos em busca de seus direitos.  

Mediante os relatos da professora Valdirene M. S. R. encontramos vários vestígios de transformação social ainda que em meio a tantos obstáculos, tanto na vida das crianças, quanto da comunidade que a envolve, desta forma, nos conduz a outras questões a serem refletidas sobre o trabalho do professor leigo. Elenco deste modo que, diante de tantos desafios como os professores leigos, como permaneceram atuantes por tanto tempo e se conseguiram os objetivos a eles propostos, podem mesmo serem considerados “professores leigos”? e porque não, formados pela prática?

Referências

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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Professores Leigos. In: INEP – Em aberto. n. 32. Brasília-DF: MEC, 1986.

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FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra, 1983

SAVIANI, Demerval. O legado educacional do regime militar. Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 76, p. 291-312, set./dez. 2008.

RIBEIRO, Maria Luísa Ribeiro. História da educação brasileira. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.

PAULINO, Ana Flávia Borges; PEREIRA, Wander. A educação no estado militar (1964-1985) UNISAL. Uberlândia, 2008. Disponível em:http: //www.lo.unisal.br/nova/sala2008/sala2008_2/textos/educacao_regime. Acessado em: 14 de maio de 2020.

Fontes Orais

ROSAS, Valdirene Maria dos Santos Rosas. Entrevista concedida à Janaina Aguiar da Silva. Rio Tinto, 2019.