REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10077086
Nathalye Figueiredo Tinel1
Livya Ramos Sales Mendes2
Resumo: O descumprimento deliberado da Lei do Acompanhante representa uma grave preocupação no contexto do parto, afetando diretamente a experiência e o bem-estar da mulher em situação de parto. Este artigo científico investiga os impactos desse fenômeno, analisando suas implicações legais, sociais e de saúde, buscando compreender as dimensões desse desrespeito e suas consequências para as mulheres, profissionais de saúde e sistemas de assistência ao parto. A pesquisa examina os direitos das parturientes, os obstáculos à sua implementação e os resultados adversos associados ao descumprimento da Lei do Acompanhante, fornecendo uma visão abrangente das complexidades que envolvem essa questão crítica na assistência ao parto.
Palavras chave: Violência Obstétrica, Vitimologia, Lei do Acompanhante, Parturiente.
Abistract: Deliberate non-compliance with the Birth Companion Law raises a serious concern within the context of childbirth, directly impacting the experience and well-being of women in labor. This scientific article investigates the impacts of this phenomenon, analyzing its legal, social, and health implications, with the aim of understanding the dimensions of this disrespect and its consequences for women, healthcare professionals, and childbirth assistance systems. The research examines the rights of parturients, the barriers to their implementation, and the adverse outcomes associated with non-compliance with the Birth Companion Law, providing a comprehensive overview of the complexities surrounding this critical issue in childbirth care.
Keywords: Obstetric Violence, Victimology, Birth Companion Law, Parturient
1 INTRODUÇÃO
O parto é um momento importante na vida da mulher. Isso envolve desafios físicos, emocionais e mentais significativos. A presença do companheiro durante o trabalho de parto e o próprio parto é reconhecida como uma prática que pode contribuir para a experiência positiva da mulher e para a segurança do processo. A presença de um parceiro pode proporcionar apoio emocional, informação, conforto e defesa dos direitos da mulher durante o processo de parto.
Nesse contexto, muitos países e estados têm promulgado leis e regulamentos que garantem o direito da mulher de ter um acompanhante de sua escolha durante o parto. Essas leis visam não apenas promover uma experiência mais humanizada e respeitosa do parto, mas também melhorar os resultados para a saúde da mãe e do bebê.
No entanto, apesar da existência dessas leis, em algumas situações, o descumprimento deliberado da lei do acompanhante ainda ocorre em estabelecimentos de saúde. Isso pode acontecer por diversas razões, incluindo falta de informação, resistência por parte da equipe médica ou falhas no sistema de saúde. O descumprimento da lei do acompanhante pode resultar em impactos profundos para a mulher em situação de parto, que vão desde sentimentos de desamparo e desrespeito até possíveis complicações médicas decorrentes da falta de apoio adequado.
Portanto, o estudo sobre o descumprimento deliberado da lei do acompanhante e seus impactos sobre a mulher em situação de parto é de grande relevância. Ele não apenas contribui para a compreensão das barreiras que as mulheres enfrentam ao buscarem um parto mais humanizado, mas também destaca a importância da implementação efetiva das políticas de saúde relacionadas ao acompanhamento no parto.
A presença de um acompanhante durante o parto é mais do que uma questão de comodidade; é uma questão dos direitos humanos das mulheres e da criança, para que seja digno, respeitoso, com o cuidado necessário e o envolvimento do afeto que não tão importantes nesse momento, para um melhor nascer do bebê. A importância da lei do acompanhante no contexto do parto é multidimensional e abrange várias dimensões cruciais: empoderamento da mulher, apoio emocional e psicológico, defesa dos direitos da mulher, promoção de um ambiente de parto humanizado e benefícios para o recém-nascido.
A lei do acompanhante não é apenas uma questão legal, mas uma questão de saúde, bem-estar e direitos humanos das mulheres. Dentro desse contexto uma pergunta pertinente surge “Por que é tão difícil entender que as mulheres precisam de um acompanhante na hora do parto?”. A negação desse direito fundamental muitas vezes perpetua práticas desumanas e violações dos direitos das mulheres durante o parto, ressaltando a necessidade de uma mudança cultural e de políticas de saúde que promovam o respeito pelos direitos reprodutivos e a dignidade das gestantes.
2 VIOLÊNCIA E VITIMIZAÇÃO NOS PROCESSOS DE PARTO
A violência obstétrica é uma preocupação global os números apontam que 25% das mulheres Brasileiras já passaram por esse mal de saúde pública que afeta mulheres durante o processo de parto e pós-parto. Caracterizada por práticas inadequadas, desrespeitosas e, em alguns casos, violentas por parte de profissionais de saúde, a violência obstétrica coloca em risco a integridade física e emocional das gestantes, comprometendo a qualidade da assistência no momento mais sensível de suas vidas. Apesar de sua relevância, a falta de discussões, de debates públicos, acadêmicos e estudos vitimológicos sobre a violência obstétrica é uma lacuna que precisa ser preenchida, a fim de compreender a extensão do problema, suas causas e consequências, bem como desenvolver estratégias eficazes de prevenção e combate. (FUNDAÇÃO 2010).
Em se tratando de um âmbito da própria vitimologia que segundo Gonçalves, Vanessa Chiari (2016) o movimento vitimológico teve suas raízes na década de quarenta do século XX, após o terrível impacto da Segunda Guerra Mundial, quando a descoberta dos campos de concentração nazistas e o sofrimento infligido a milhares de pessoas despertaram um senso global de solidariedade para com as vítimas inocentes. Este período inicial enfocou principalmente a macrovitimização, com o genocídio como seu principal objeto de pesquisa. No entanto, ao longo da década de setenta, o movimento se expandiu para abraçar a microvitimização, examinando situações específicas de vitimização e, assim, possibilitando uma compreensão mais profunda da interação entre autor e vítima.
Havendo assim, Barros, Lívya Ramos Sales Mendes et al (2012) um aumento da atenção às vítimas e um fortalecimento do movimento em prol dos direitos humanos. Esse período marcou uma preocupação crescente com infrações penais, crimes e o aumento da criminalidade, levando à criação de organizações destinadas a preservar a ordem internacional e proteger as minorias e os desfavorecidos, oferecendo amparo às pessoas que sofressem processos de vitimização.
A vitimologia com o enfoque na violência contra a mulher é algo praticamente novo e esses estudos foram impulsionados principalmente pelo movimento feminista. Este movimento destacou a ineficácia do sistema de justiça criminal e evidenciou sua tendência seletiva.
Por sua vez, os estudos vitimológicos, relacionados ao estudo da violência doméstica contra a mulher, são ainda mais recentes, tendo sido impulsionados especialmente pelo movimento feminista, que denunciava a ineficácia do sistema de justiça criminal demonstrando sua seletividade. Tal seletividade existia não-somente em relação aos agentes, mas também em relação às vítimas, uma vez que a mulher era uma “vítima invisível”, pois a cifra obscura da criminalidade ocultaria um maior número de delitos praticados contra as mulheres do que aqueles registrados nas estatísticas oficiais (Gonçalves, Vanessa Chiari, p 41, 2016)
Os criminologistas identificam que, Santos, Francisca Mamede (2022), apesar da presença de leis destinadas à proteção das mulheres, estas não conseguiram produzir os resultados desejados na realidade. Há um reconhecimento geral da ineficácia do sistema legal em proporcionar proteção adequada às mulheres. Em resumo, argumenta-se que o sistema penal brasileiro acaba por re-vitimizar as mulheres, ao submetê-las a julgamentos ao lado de seus agressores e apesar dos esforços contínuos na luta pelos direitos, os desafios persistem quando se trata de concretizar esses direitos. A cultura brasileira ainda tende a manter as vítimas em segundo plano, o que muitas vezes resulta na atribuição de culpa às situações de ofensa.
O Anuário das Mulheres Brasileiras, organizado pelo Departamento Intersindical de Esta!s”ca e Estudos Socioeconômicos – DIEESE1 aponta que, no Brasil, em 2009, do total de pessoas agredidas na própria residência 43,1% eram mulheres e 12% homens. Quanto à relação das vítimas com os agressores, esse Anuário chama atenção para o fato de que, do total das vítimas mulheres, 25,9% foram agredidas por cônjuge/ex-cônjuge e 11,3% por parentes. No caso dos homens, 2,0% foram agredidos por cônjuge ou ex-cônjuge e 5,6% por parentes. Especificamente em relação à ocorrência de homicídios, no caso das mulheres, 24,8% desses eventos ocorreram no domicílio e, no caso dos homens, 8,4% nesse espaço. Esses dados dão visibilidade à existência de um padrão de “ domes”cidade” da violência contra as mulheres, deixando clara a relevância da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha. (Barsted, Leila Linhares, 2012)
Nos últimos vinte anos, segundo Falcão, Marcia Thereza Couto, et al, (2005) o Brasil tem sido palco do surgimento e da expansão notável de instituições cujo foco principal é o atendimento e o suporte às mulheres, adolescentes e meninas que se encontram em situações de violência. Este período foi caracterizado por um aumento substancial na produção de conhecimento científico relacionado a essa questão crucial.
Durante esse período, um número crescente de organizações, tanto governamentais quanto da sociedade civil, emergiu para enfrentar os desafios da violência de gênero. Essas instituições têm desempenhado um papel fundamental na criação de redes de apoio, oferecendo serviços de aconselhamento, abrigo, orientação jurídica e psicológica, e promovendo conscientização sobre os direitos das mulheres. Além disso, o aumento significativo na produção de conhecimento científico sobre violência de gênero tem contribuído para uma compreensão mais profunda das causas, consequências e dinâmicas desse problema social. Pesquisadores, acadêmicos e profissionais de diversas disciplinas têm se dedicado ao estudo da violência contra mulheres, adolescentes e meninas, gerando evidências que podem embasar políticas públicas mais eficazes e estratégias de prevenção e intervenção.
Nas últimas duas décadas, o Brasil testemunhou o surgimento e o crescimento de instituições dedicadas ao atendimento de mulheres, adolescentes e meninas em situação de violência, acompanhado por um aumento significativo na produção de conhecimento científico sobre o tema, surgimento de Conselhos da Condição da Mulher e das Coordenadorias da Mulher em administração estaduais e municipais, e da assinatura pelo país de diversas Conferências Internacionais, comprometendo-se a combater a violência baseada nas relações e gênero. Delegacias de Defesa da Mulher, Casas Abrigo, Serviços de Atendimento à Violência Sexual, Centros de Referência, instituições governamentais e não-governamentais de diversos setores (saúde, segurança pública, justiça, bem- estar social) foram criados e passaram a atender meninas e mulheres em situação de violência(…)Esses serviços possuem culturas institucionais variadas, operam com diversos profissionais(advogados, assistentes sociais, policiais,psicólogos, médicos, juízes, educadores) com saberes distintos e por sua vez, conflitantes, sobre um mesmo problema: violência exercida principalmente contra as meninas, adolescentes e mulheres, que em uma grande parcela dos casos atendidos é doméstica.” (Figueiredo, Wagner dos Santos, et al, p 137,138, 2005)
Portanto, as últimas duas décadas representaram um período de avanços significativos no Brasil, tanto em termos de infraestrutura de apoio às vítimas de violência de gênero quanto no fortalecimento da base de conhecimento que sustenta a abordagem desse problema crítico em nossa sociedade. No entanto, é crucial destacar que esses avanços não se limitaram apenas à esfera da violência de gênero em um contexto amplo. Também houve um reconhecimento crescente da violência obstétrica como uma questão de grande relevância e preocupação.
3 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Historicamente, Rezende, Fernanda Ferreira, et al, (2018), políticas têm sido desenvolvidas com o objetivo de eliminar ou mitigar o sofrimento das mulheres que se encontram em situações de violência. Um marco fundamental para a promoção da emancipação dessa população foi a promulgação da Lei n. 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Esta lei introduziu mecanismos destinados a reduzir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, estabelecendo medidas de assistência e proteção, ao mesmo tempo em que prevê penas mais severas para os autores de agressões.
A Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011), segundo Souza, Tatiana Machiavelli Carmo, et al, (2018), representa um marco significativo que visa oferecer suporte às mulheres em situações de violência por meio de programas nacionais abrangentes e coordenados, juntamente com ações de diversos setores envolvidos, como saúde, segurança pública, justiça, educação e assistência social, entre outros. O objetivo principal dessa política é propor ações que desfaçam as desigualdades e combatam as discriminações de gênero, assegurando que as mulheres recebam atendimento qualificado e humanizado.
No âmbito da saúde, ainda no pensamento de Souza, Tatiana Machiavelli Carmo, et al, (2018), a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, publicada pela Secretaria Nacional de Saúde (Ministério da Saúde, 2004), estabelece diretrizes para a humanização e melhoria da qualidade dos atendimentos prestados às mulheres nos serviços de saúde. Entre essas diretrizes, destaca-se o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) na orientação e capacitação dos profissionais para a promoção, proteção, assistência e recuperação da saúde das mulheres, com ênfase na perspectiva de gênero e etnia, em conformidade com seus direitos. Além disso, o SUS é orientado a atender as mulheres considerando seu contexto sociocultural, com o objetivo de respeitá-las em suas singularidades, sem qualquer forma de discriminação.
Frente às numerosas conquistas alcançadas pelos movimentos femininos ao longo da sociedade moderna, Gomes, Juan Pablo Ferreira (2020), torna-se imperativo abordar e examinar um fenômeno das práticas que passaram a ser reconhecidas como violência obstétrica. Este termo, ainda relativamente desconhecido no século XXI, contrasta com a abundância de casos e relatos de constrangimentos, abusos, agressões verbais e tratamentos humilhantes vivenciados por mulheres em todo o mundo, em diversas unidades de saúde. Isso resulta em um grande contingente de vítimas que muitas vezes não têm consciência de sua situação, seja devido à falta de informação, seja devido à carência ou à insuficiência de mecanismos de proteção de seus direitos.
Na década de 70, Gomes, Juan Pablo Ferreira (2020), as Nações Unidas introduziram uma inovação significativa com a realização da I Conferência Internacional da Mulher, que ocorreu em 1975, no México. Nessa conferência, que contou com uma participação majoritariamente feminina, reconheceu-se o direito à autonomia reprodutiva. Isso implica que as mulheres têm o direito de fazer escolhas relacionadas à reprodução e, portanto, possuem controle sobre sua integridade corporal nesse contexto.
Como demonstra itens 113 e 216 da declaração citada
113 – No contexto dos serviços gerais de saúde, os Governadores devem prestar atenção especial às mulheres, especialmente nas necessidades de saúde, fornecendo: serviços de entrega e pré-natal e pré-natal; serviços de ginecologia e planejamento familiar durante os anos reprodutivos; serviços de saúde abrangentes e contínuos direcionados a todos os bebês, crianças em idade pré-escolar e escolar, sem preconceito em razão do sexo; conhecimento específico para meninas pré-adolescentes e adolescentes e para os anos pós-reprodutivos e velhice: e pesquisas sobre os problemas especiais de saúde das mulheres. Os serviços básicos de saúde devem ser reforçados pelo uso de pessoal médico e paramédico qualificado. (tradução feita por Gomes, Juan Pablo Ferreira (2020).
216 – Algumas das desvantagens enfrentadas pelas mulheres no processo de mudança foram discutidas. Devido às suas funções reprodutivas e ao fato de as mulheres serem as principais responsáveis pelos assuntos familiares, as mulheres foram consideradas relativamente menos capazes do que os homens de aproveitar as oportunidades de envolvimento total no desenvolvimento social e econômico da sociedade. (tradução feita por Gomes, Juan Pablo Ferreira (2020)
Quatro anos após a realização da I Conferência Internacional da Mulher, Juan Pablo Ferreira (2020), as Nações Unidas adotaram a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, amplamente conhecida pela sigla CEDAW. Essa convenção se tornou notável por ser o primeiro tratado internacional a abordar detalhadamente os direitos humanos das mulheres, estabelecendo-se como uma referência e um padrão para ações governamentais relacionadas aos direitos humanos das mulheres. Em seu artigo 1° define que:
a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Em resposta às reivindicações dos movimentos feministas de alcance global, Souza, Suellen André (2013), vários países aprovaram leis destinadas a combater a violência contra as mulheres e promover a igualdade de gênero. Na América Latina, uma série de nações, incluindo Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, Uruguai, Brasil e Venezuela, promulgaram legislação desse tipo em diferentes momentos.
A Convenção tornou-se notória por ser o primeiro tratado internacional a abordar de forma abrangente os direitos humanos das mulheres, Juan Pablo Ferreira (2020), estabelecendo-se como um marco de referência e uma base para as políticas governamentais relacionadas aos direitos humanos das mulheres. O Brasil, ao se tornar Estado-parte da Convenção, o fez por meio do Decreto n. 4.377/02 (2002), o que implica a responsabilidade de eliminar a discriminação contra as mulheres através de políticas públicas e medidas legais. Isso inclui a proteção das mulheres durante o período gestacional e além, como expresso na convenção.
É importante destacar que, Palma, Carolina Coelho (2017) diferentemente de países como Argentina (Lei Nacional nº 25.929) e Venezuela (Guerra, 2012), o Brasil ainda não possui uma legislação específica que caracterize a violência obstétrica. De acordo com a definição da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP, 2013), a violência obstétrica é definida como a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por parte dos profissionais de saúde, envolvendo tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais. Isso resulta na perda da autonomia e da capacidade das mulheres de tomar decisões livres sobre seus corpos e sexualidade, causando impactos negativos na qualidade de vida das mulheres.
Em 2014, Juan Pablo Ferreira (2020), a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu uma declaração com o objetivo de prevenir e eliminar os abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Essa iniciativa tinha como propósito proteger as mulheres em todo o mundo e garantir o acesso universal aos cuidados em saúde sexual e reprodutiva. Ao dar visibilidade a um dos problemas mais prevalentes na sociedade, que é a violência contra o gênero feminino, destacando ainda que, apesar das normas culturais arraigadas, essa visibilidade pode contribuir para o abandono, prevenção e combate dessas práticas prejudiciais.
No contexto dessa temática, Palma, Carolina Coelho (2017) com a emissão dessa declaração intitulada “Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde” em 2014. É importante destacar que ainda não existe um consenso internacional sobre como definir e medir cientificamente esses problemas. Como resultado, a prevalência e o impacto na saúde, no bem-estar e nas escolhas das mulheres não são plenamente conhecidos. Conforme indicado na declaração da OMS, é necessária uma pesquisa científica adicional para uma definição mais precisa, medição e compreensão aprofundada do desrespeito e abuso das mulheres durante o parto, bem como para desenvolver métodos de prevenção e eliminação da violência obstétrica.
Nos últimos anos, diversas definições têm surgido para abordar o conceito de violência obstétrica, segundo projeto de lei de n° 17.097/2017, sancionado pelo Estado de Santa Catarina, em seu artigo 3° diz: “Considera-se violência obstétrica todo ato praticado por membro da equipe de saúde, do hospital ou por terceiros, em desacordo com as normas regulamentadoras ou que ofenda verbal ou fisicamente as mulheres gestantes, parturientes ou puérperas”.
A violência obstétrica, Martins, Fabiana Lopes et al (2019), muitas vezes mascarada por comentários preconceituosos, frequentemente apresenta-se com tom de brincadeira, ironia ou ignorância. Frases como “na hora de fazer você não gritou”, “ano que vem você volta, então não adianta chorar”, “foi bom fazer né? Agora aguente”, ou até mesmo “cala a boca e fica quieta, senão eu deixo você aí sentindo dor”, ilustram essa forma de violência que infelizmente persiste. É importante destacar que essa violência é mais comum do que se imagina e afeta muitas mulheres durante o parto em todo o mundo. O tratamento violento e agressivo nas maternidades do Brasil é uma realidade que não pode mais ser ignorada.
Vários podem ser os procedimentos que se qualificam como violência obstétrica, sejam eles físicos ou psicológicos ocorrendo em diversas instituições de saúde, tanto na rede pública quanto na privada. Entre as categorias de violência obstétrica que podem ocorrer antes do parto, destacam-se a prestação de um pré-natal insuficiente, a falta de informações adequadas sobre o progresso da gestação, recomendações indevidas para cesarianas, a falta de esclarecimento sobre a fisiologia do parto e os riscos associados à cirurgia de cesárea, bem como a ausência de autonomia da mulher na escolha do tipo de parto e do local.
Durante o parto, a violência pode ser tanto física como psicológica, o abuso físico se caracteriza como o excesso de intervenções, com procedimentos sem justificativa, como toques vaginais dolorosos e repetitivos, tricotomia e episiotomias desnecessárias, muitas vezes sem anestesia. A episiotomia pode trazer vários malefícios para a mulher, como risco de infecção, dor no pós-parto e necessidade de analgésicos. A imobilização física também é muito utilizada, mantendo a mulher em posições muitas vezes dolorosas, não permitindo que ela se movimente. Existem ainda as imposições de intervenções não consentidas, aquelas no qual a mulher verbalmente ou por escrito não autoriza alguns procedimentos como a episiotomia. Aplicação de soro com ocitocina sintética, a fim de contrair artificialmente o útero, acelerando o trabalho de parto. Silva, Bruno de Oliveira et al (2019)
A prática comum na área médica de utilizar puxões, Carvalho, Fábio Luíz Oliveira et al (2019) como a manobra de Kristeller, durante o parto é objeto de preocupação. De acordo com o MINISTÉRIO DA SAÚDE (2016), essa manobra, que envolve a compressão do fundo uterino durante o segundo período do trabalho de parto com o objetivo de abreviá-lo, tem sido associada a riscos significativos tanto para a mãe quanto para o bebê. Portanto, essa manobra não deve ser realizada durante o trabalho de parto e é considerada uma forma de violência obstétrica. As possíveis consequências para o bebê incluem um aumento da probabilidade de um parto difícil, com risco de fraturas de clavícula, úmero e costelas, traumatismo craniano, hipóxia entre outras. Para a mãe, os riscos incluem hemorragias, contusões, fraturas de costelas, rotura uterina, aumento do risco de grandes lacerações do períneo e vagina, deslocamento prematuro de placenta e prolapso urogenital
Além disso, David, Marina Leitão et al (2019) prática de lavagem intestinal durante o parto é considerada uma violência à parturiente. Embora seja realizada com a crença de acelerar o trabalho de parto e reduzir a contaminação do períneo, estudos demonstraram que o enema indiscriminado não oferece esses benefícios. Em vez disso, submete a mulher a humilhação, dor e desconforto desnecessários. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também considera esse procedimento prejudicial ou não eficaz e recomenda que não seja realizado nas rotinas hospitalares durante o trabalho de parto.
A pressão psicológica é uma das formas mais comuns de violência obstétrica, Costa, Dalmo de Moura (2019) na qual a comunicação desrespeitosa e desencorajadora pode ter um impacto significativo no trabalho de parto. Isso inclui tratamento verbal que subestima e ridiculariza a dor da mulher, desconsidera seus pedidos de ajuda e inclui humilhações de caráter sexual. Essas formas de violência podem causar sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, atuação e insegurança na mulher durante o parto. Realizado nas rotinas hospitalares durante o trabalho de parto.
No que diz respeito às associações, como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (MFC), Knobel, Roxana et al (2015) a manifestação de apoio e engajamento social e político na luta contra a violência obstétrica, na redução das taxas excessivas de cesarianas e na promoção de ambientes, serviços e práticas obstétricas de qualidade é uma medida que pode ser adotada. Em vários países, a assistência ao parto de risco habitual por profissionais de Medicina de Família e Comunidade já é uma realidade, e isso frequentemente está associado a taxas reduzidas de episiotomias.
Apesar da alta taxa de cobertura do pré-natal no Brasil, Tesser, Charles Dalcanale et al (2015) que atinge 98,7%, apenas 40% das mulheres relatam ter recebido informações sobre práticas benéficas para o trabalho de parto. Essas orientações muitas vezes se concentram mais em aspectos relacionados à gravidez e aos sinais de risco. É crucial que haja uma mudança nessa abordagem, capacitando os profissionais de Medicina de Família e Comunidade a fornecer informações sobre os benefícios do parto natural e as potenciais complicações de intervenções médicas questionáveis. Isso contribuirá para o empoderamento das mulheres e suas famílias, capacitando-as a demandar um atendimento obstétrico seguro e digno. Portanto, lidar com a violência obstétrica requer que os profissionais de saúde assumam uma responsabilidade que vai além das rotinas do pré-natal e do entendimento estritamente biomédico da gestação e do parto.
No estudo sobre violência no parto realizado por Palma, Carolina Coelho et al (2017) com uma amostra de 1626 mulheres brasileiras, a média de idade das participantes foi de 31,16 anos, a maioria da região Sul do Brasil, com um expressivo número de mulheres com ensino superior e pós-graduação (62,7%) e uma renda mensal familiar superior a três salários-mínimos (65,5%). O aumento na preferência por cesárea ao longo da gestação é notável, com 51,6% das respondentes optando por esse tipo de parto. Além disso, a maioria dos nascimentos ocorreu em hospitais privados, com partos vaginais geralmente realizados por médicos obstetras. Vale destacar que a grande maioria das participantes não enfrentou complicações durante a gestação (72,2%) ou o parto (79,4%).
Ainda em sua pesquisa Palma, Carolina Coelho et al (2017) notou, no que diz respeito às experiências e emoções relatadas pelas participantes em relação ao atendimento prestado por profissionais de saúde durante seus partos, é notável que uma parcela significativa, 52,3% (n=850), expressou sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade e insegurança. Além disso, quase metade das participantes, ou seja, 49,8% (n=810), sentiu-se exposta e privada de sua privacidade. Outro aspecto a ser destacado é que 42,2% (n=686) delas se sentiram desconfortáveis em fazer perguntas, pois muitas vezes não obtinham respostas satisfatórias ou as respostas eram inadequadas.
No que concerne aos procedimentos e comportamentos observados entre os profissionais de saúde que caracterizam a violência obstétrica, algumas práticas se destacam, como o adiamento do contato da mãe com seu bebê em 29,7% (n=483) dos casos, muitas vezes devido à realização de procedimentos desnecessários ou que poderiam aguardar; o corte imediato do cordão umbilical em 29,0% (n=337) dos casos; a remoção imediata do bebê para a sala de procedimentos em 27,7% (n=450) dos casos, frequentemente sem explicação adequada por parte dos profissionais; e a prevenção ou dificultação da amamentação na primeira hora de vida do bebê em 26,8% (n=435) dos casos, sem justificativa plausível para tal atitude. Palma, Carolina Coelho et al (2017).
Como mencionado anteriormente, o conceito de violência obstétrica ainda está em processo de construção entre profissionais de saúde e pesquisadores. Dado que não existem instrumentos estabelecidos para avaliar essa prática, a pesquisa elaborada por Palma, Carolina Coelho et al (2017) citada acima em foi desenvolvida para auxiliar na caracterização e identificação da violência obstétrica. O questionário abrange uma variedade de sentimentos, experiências e procedimentos que caracterizam essa forma de violência. Essa abordagem está alinhada com estudos atuais na área, como o de Tesser et al. (2015), que propõe dividir a violência obstétrica em categorias que incluem abuso físico, imposição de intervenções não consentidas, intervenções aceitas com base em informações parciais ou distorcidas, cuidados não confidenciais ou privativos, cuidados indignos e abuso verbal, discriminação com base em certos atributos, abandono, negligência ou recusa de assistência e detenção nos serviços de saúde.
4 HISTÓRIA DA LEI DO ACOMPANHANTE NO BRASIL
A gestação é um período muito delicado, pois envolve uma série de sentimentos e experiências novas na vida da gestante, de acordo com Maldoro (2002, p.2) “A gestação é um evento complexo, onde ocorrem diversas mudanças na vida da mulher. Trata-se de uma experiência repleta de sentimentos intensos, variados e ambivalentes que podem dar vazão a conteúdos inconscientes da mãe.
Assim, fica claro que esse período demanda muito cuidado e zelo pelos sentimentos e pela própria vida da mulher. O que não ocorre com muita frequência quando chegamos no assunto o “parto”.
“Alguns autores como (LONGO; SAUTHIER, 2007), entendem que a parturiente, ao ser internada, é automaticamente segregada da família, sendo isolada na sala de pré-parto. A equipe de saúde exerce o seu poder na determinação de procedimentos e ações intervencionistas, enquanto a parturiente torna-se objeto passivo do processo parturitivo. Assim, a possibilidade do ato fisiológico do parir repleto de calor humano é desvirtuada por aparatos tecnológicos, procedimentos e rotinas que retardam o vínculo afetivo entre mãe e filho, havendo, também, a exclusão do pai e da família. (FIALHO, Marcelito Lopes1, et al, p 4)”
O termo “parto” refere-se ao processo e ao resultado do ato de parir, David, Marina Leitão et al (2019), marcando o término da gestação e o nascimento de um novo ser. Ainda não existem evidências conclusivas que expliquem as causas exatas do trabalho de parto. Sabe-se que o trabalho de parto é influenciado por vários fatores, incluindo o controle fetal e as mudanças hormonais. Durante o trabalho de parto, o corpo feminino libera diversos hormônios que desempenham papéis essenciais nesse processo. Isso inclui a ocitocina, responsável pelas contrações uterinas; as endorfinas, que ajudam a diminuir a sensação de dor; a prolactina, que está relacionada à produção de leite; o ACTH (hormônio adrenocorticotrófico), liberado pelo feto como um sinal de que ele está pronto para nascer; e as prostaglandinas, que preparam o colo do útero para a dilatação.
A duração do trabalho de parto normal varia consideravelmente e depende do processo fisiológico individual de cada mulher. Alguns trabalhos de parto, Costa, Dalmo de Moura et al (2019), podem ser extremamente curtos, com poucas contrações, enquanto outros podem ser prolongados. O trabalho de parto geralmente é mais demorado em primíparas em comparação com multíparas, principalmente devido à maior resistência oferecida pela cérvix, pelas partes moles da vagina e pelo periné.
A humanização do parto é algo muito discutido atualmente e segundo Diniz, Simone Grilo (2002) essa humanização seria uma atenção com o reconhecimento dos direitos fundamentais tanto das mães quanto das crianças, assim como o direito a uma tecnologia apropriada, onde são incluídos o próprio direito de escolha do local, de seu acompanhante, os métodos em que a parturiente irá permitir aplicar na hora de ter o bebê, a preservação de seu corpo e o cuidado com o nascituro, respeitando o parto como uma experiência tanto pessoal quanto familiar tendo toda a assistência à saúde e ao amparo emocional, social e material e a própria proteção a violência ou negligência que essa mãe pode sofre.
Humanizar o parto envolve o respeito pela parturiente e a espera pelo momento do nascimento sem intervenções desnecessárias, Silva, Bruno de Oliveira et al (2019) como a indução do parto com ocitocina sintética ou a realização de episiotomias não justificadas. Trata-se de acreditar e respeitar a fisiologia da gestação e do parto, bem como preservar não apenas a saúde física, mas também a saúde psicológica da mulher, levando em consideração seus aspectos culturais, individuais e emocionais, assim como os de sua família. A humanização do parto permite que a mulher seja a protagonista desse momento, garantindo seu direito à informação e à escolha.
É importante ressaltar que a humanização do parto não se limita ao parto vaginal e não deve ser encarada como um tipo específico de parto. Pelo contrário, Bueno, Deolinda Marcia Pompeu et al (2019) é um processo que busca tornar mais humano o momento do parto e nascimento, independentemente de ser por via vaginal ou cesariana. Essa abordagem visa resgatar a naturalidade e o instinto do parto que, em determinado momento, foram interferidos por intervenções mecânicas e práticas que desrespeitam os direitos das mulheres, ao medicalizar excessivamente o nascimento e impor regras que tentavam enquadrar todas as mulheres em um único formato e evento denominado “parto
Dessa forma, é notório que a mulher grávida possui uma vulnerabilidade maior, quando o assunto é violência, esclarecendo melhor Leite, Tatiana Henriques, et al, (2022) onde há uma aceitação cultural maior da violência contra a mulher a mesma estará vulnerável a uma naturalização desses atos, incluindo os ocorridos em sistemas de saúde, a despeito disso várias mulheres no mundo vêm sofrendo abusos, maus tratos e desrespeito durante seu período gestacional e o parto.
A violência contra a mulher pode ser muitas das vezes, apesar de clara e recorrente, invisível, não porque não se pode vê-la, mas por estar tão enraizada em nosso cotidiano e em nossa história que achamos normal.
É claro que não podemos dizer que não existem episódios de violência no sentido de que ela não acontece. De um lado, por essa falta de frequência, a ponto de torna-se algo comum, corriqueiro como já comentamos, de outro por ser de gênero, tendo por base a submissão feminina- o que tem sido culturalmente criticado, mas ainda prevalece nas relações entre homens e mulheres-, essas situações de violência não são valorizadas como problemas sociais ou de saúde. No máximo, seriam problemas individuais, de cada mulher (D’Oliveira, Ana Flávia P. L. et a, 2005)
A violência que as parturientes enfrentam, tanto em âmbito familiar quanto nos próprios hospitais é a dita violência obstétrica que é definida de maneira clara por Leite, Tatiana Henriques, et al, (2022) trazendo uma definição venezuelana, mas muito utilizada em toda a américa latina, da qual essa agressão é considerada toda ação ou a falta dela, produzida pela equipe de saúde, seja ela realizada de maneira direta ou indireta, em local público ou privado, tendo como seu maior enfoque a “apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos pelo profissional de saúde, que se expressa por um atendimento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre o seu corpo e a sua sexualidade, afetando negativamente a sua qualidade de vida”.
Essa violência como já citado anteriormente pode ser mostrada de diversas formas, Medeiros, Rita de Cássia da Silva, et al, (2022), as vezes pela própria preferência de tratamento, na qual a paciente que se comporta de maneira quieta é mais bem tratada do que as que fazem “escândalos”, chegando até gerar momentos de agressões indiretas como falácias “Na hora de fazer não chorou”, do qual também é uma forma de violência, pois a mulher em trabalho de parto já se encontra em uma situação frágil e de cuidados.
Dessa maneira fica claro a fragilidade na mulher nessa hora, pois a parturiente fica completamente submissa aos profissionais da saúde que a guiam nesse momento, o que pode ocasionar alguns desentendimentos ou até abuso de poder da parte deles. Visando a proteção dessas gestantes foi instaurada em 07 de abril de 2005 a “Lei do acompanhante” que visa a proteção dos direitos dessas mulheres em exercer suas vontades na hora do parto.
Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
§ 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.
§ 2o As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.( Lei nº 11.108/ 2005).
Com essa possibilidade da entrada de um acompanhante na hora do parto a gestante pode ter uma segurança e um acolhimento maior, pois estará amparada por alguém de sua confiança, dando todo apoio tanto emocional quanto físico, diminuindo assim a questão do isolamento já citado anteriormente de acordo com, Juliana Evaristo Sousa, et al, p. 7 “(…) permitir que a gestante tenha a seu lado uma pessoa conhecida, de sua confiança durante o período parturitivo pode contribuir para a humanização do parto.”
A previsão legal garante o direito da gestante de escolher o acompanhante que melhor atenda às suas necessidades, não permitindo restrições não previstas pela legislação. Isso significa que não se pode restringir o acompanhante com base no tipo de parto (normal ou cesárea), período do dia ou da noite, gênero (feminino ou masculino) ou exigir preparação prévia do acompanhante. A autonomia da gestante deve ser respeitada integralmente, sem necessidade de justificação ou imposições de requisitos prévios para o acompanhante.
Portanto, Castro, Thamis Dalsenter Viveiros (2020) qualquer cobrança relacionada ao cumprimento da legislação do acompanhante é indevida, uma vez que os estabelecimentos de saúde têm o dever de se adequar às determinações da Lei do Acompanhante sem repassar custos adicionais para a parturiente. Infelizmente, são comuns relatos de gestantes que enfrentam exigências financeiras para permitir a presença do acompanhante, para esterilizar suas vestimentas ou para permitir a pernoite e as refeições do acompanhante no ambiente hospitalar. Todas essas cobranças são ilegais e devem ser denunciadas às autoridades competentes, além de poderem ensejar ações de reparação de danos materiais e constrangimento, especialmente em um momento de grande vulnerabilidade para a mulher e sua família
A legislação tem buscado proteger a integridade física e psicológica da mulher em diversas etapas do parto, incluindo a proteção da parturiente e do bebê. A presença de um acompanhante durante o parto é um direito reiteradamente garantido, o que enfatiza a importância desse acompanhamento para a parturiente. No entanto, conforme relatado em pesquisas, como as de Diniz, Carmen Simone Grilo et al (2014), observa-se que esse direito das mulheres grávidas ou parturientes de serem acompanhadas antes, durante e após o parto frequentemente não é respeitado, contribuindo para a violência obstétrica. Uma das razões para esse descumprimento é a falta de conhecimento sobre esse direito por parte das pessoas que deveriam assegurá-lo. Portanto, é fundamental que as mulheres sejam informadas sobre seu direito ao acompanhante em todas as fases da internação, desde o pré-parto até a recuperação cirúrgica ou anestésica, incluindo casos de aborto e complicações como gestação ectópica e molar. Para que esse direito seja efetivamente exercido, é crucial que a informação seja divulgada com antecedência e clareza, permitindo que a mulher e sua família tomem as providências necessárias para garantir a escolha e a participação do acompanhante.
O parto e o nascimento são experiências humanas singulares, Ramos, Edith Maria Barbosa et al (2020) caracterizadas por uma intensidade física, psicológica e social excepcionais. Esse evento é historicamente construído e possui uma ampla variabilidade cultural e geográfica. Além disso, a qualidade do cuidado oferecido à parturiente durante o parto, bem como a experiência global para ela, reflete sua posição nas hierarquias sociais, que abrangem aspectos como classe social, raça/etnia, estado de saúde, estado civil, capacidade física, respeitabilidade sexual e outros. Portanto, a humanização do tratamento durante o parto desempenha um papel fundamental ao reafirmar o protagonismo da mulher nesse momento crucial de sua vida.
Apesar das disposições legais e da comprovada vantagem da presença do acompanhante durante o parto, a legislação frequentemente não é cumprida, resultando na violação do direito das mulheres. Durante a recusa do acompanhamento, as justificativas muitas vezes são fundamentadas em necessidades institucionais, como a estrutura física dos hospitais, ou nas decisões dos profissionais de saúde, quando a determinação se torna critério médico.
Resultados da pesquisa de Diniz et al (16) demonstraram que, entre as mulheres que não tiveram acompanhante durante o parto, 52% dos casos se deu pelo não cumprimento institucional da legislação, principalmente sob o argumento de que não se permitia nenhum tipo de acompanhante no hospital, além de outras formas de restrições:“[…] somente para cesarianas ou para adolescentes, para acompanhantes mulheres, para aqueles que participaram de um curso, para aqueles que tivessem pago etc. (Almeida, Natalie Maria de Oliveira et al p 12, 2020)
A privação do direito ao acompanhante Castro, Thamis Dalsenter Viveiros (2020) durante o parto ou no pós-parto representa uma séria violação do direito fundamental a um parto humanizado. Além de ser uma das formas mais frequentes de violência obstétrica, essa privação pode contribuir para o surgimento de outras práticas que violam a autonomia da gestante durante o parto. A presença de um acompanhante familiar não apenas aumenta o conforto físico e emocional da mulher, mas também a auxilia na expressão de sua vontade durante o parto. Portanto, como uma ferramenta que promove o respeito à autonomia da gestante, a presença do acompanhante desempenha um papel significativo na desestimulação da violência obstétrica.
O termo violência obstétrica é oficialmente reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma violação dos direitos humanos das mulheres e meninas. Durante a 74ª sessão da ONU, Castro, Thamis Dalsenter Viveiros (2020) realizada em julho de 2019, a Relatora Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre a violência contra a mulher, suas causas e consequências, Dubravka Šimonović, apresentou um relatório que analisou a questão da violência contra as mulheres nos serviços de saúde reprodutiva, com foco nas causas e nos problemas estruturais que levam à violência contra gestantes antes, durante ou após o parto.
Além de reconhecer a violência obstétrica como uma violação dos direitos humanos das mulheres e meninas, a ONU elaborou importantes recomendações para combater essa forma de privação de direitos. O crescente interesse no tema, tanto a nível nacional quanto internacional, deve-se em grande parte ao aumento no número de denúncias e relatos feitos por gestantes sobre os terríveis episódios de violência que sofreram durante e após a gestação, especialmente em um dos momentos de maior vulnerabilidade da mulher, quando ela busca assistência nos serviços de saúde para o nascimento de seus filhos. O informe da ONU também destaca o ativismo nas plataformas digitais como um fator influente para romper o silêncio e dar maior visibilidade aos relatos das vítimas.
Embora seja reconhecida como uma violação de direitos em nível global, recebendo atenção da comunidade internacional comprometida com a erradicação das formas de violência contra a mulher, a questão se mostra especialmente delicada no contexto brasileiro, no qual pelo menos uma em cada quatro mulheres foi vítima de violência obstétrica, de acordo com a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC, em 2010. Esses indicadores se tornam ainda preocupantes considerando que os nascimentos anuais no Brasil somam mais de três milhões de crianças e, seguindo a tendência mundial de hospitalização na atenção ao parto, 98,5% das mulheres brasileiras tiveram seus filhos em uma instituição de saúde (LEAL, 2018, p. 1917), fato que evidentemente amplia a exposição das gestantes à violência praticada nos serviços de saúde reprodutiva e torna ainda mais necessária a presença do acompanhante durante a gestação, o parto e o pós-parto. (Castro, Thamis Dalsenter Viveiros p 4, 2020)
Dessa forma, é essencial que o conhecimento da Lei do Acompanhante Rodrigues, Diego Pereira et al (2017) seja difundido de maneira eficaz, permitindo à mulher a garantia de seus direitos, promovendo um processo de respeito, apoio e confiança durante o parto. A divulgação adequada dessa informação deve começar durante o acompanhamento pré-natal, capacitando a mulher a compreender seus direitos legais e a tomar decisões informadas. A falta de conhecimento sobre o direito ao acompanhante muitas vezes facilita a violação desses direitos estabelecidos. Ao negar à mulher a escolha de seu acompanhante, as instituições de saúde podem perpetuar práticas que se baseiam em ‘rotinas’ e ‘normas’ historicamente enraizadas no cuidado durante o parto e o nascimento.
Contudo, a despeito da existência da Lei n. 11.108/2005, em vigor há mais de uma década, que estabelece a obrigatoriedade da presença de um acompanhante escolhido pela mulher durante o pré-parto, parto e puerpério imediato nos serviços de saúde do SUS ou conveniados, evidências de pesquisa realizada por Alves, Valdecyr Herdy et al (2017) destacam a persistente falta de informação sobre esse direito entre as mulheres. A Política de Humanização do Parto e Nascimento ressalta a importância da divulgação da legislação para empoderar a mulher como detentora de direitos em relação à escolha de acompanhante no processo de nascimento. Isso ressalta a necessidade de um modelo de assistência ao parto que valorize o conhecimento da mulher e a inclusão do acompanhante como parte integral do cuidado e apoio durante o processo de parturição
Além disso, frequentemente, Castro, Thamis Dalsenter Viveiros (2020) a negação do direito ao acompanhante é justificada com base na natureza emergencial do parto, argumentando que não há tempo adequado para preparar o acompanhante, a fim de evitar qualquer risco para a parturiente e o bebê. No entanto, se for devidamente comprovada a impossibilidade de incluir o acompanhante devido às circunstâncias, levando em consideração os protocolos de segurança em um ambiente de alto risco, a legalidade da ação que impediu a presença do acompanhante deve ser reconhecida.
4.1 Mulheres Negras e a Violência Obstétrica
É válido ressaltar que, Rattner, Daphne et al (2018) considerando o contexto sociocultural e programático do Brasil, as mulheres negras enfrentam uma vulnerabilidade agravada por duas frentes distintas. Por um lado, vivenciam experiências de exclusão histórica profundamente enraizadas, marcadas pela produção e perpetuação de preconceitos que permeiam a sociedade. Por outro lado, enfrentam a ausência de medidas específicas destinadas a combater e superar a desigualdade que as afeta. O desafio inerente à proposição de ações eficazes para essa população reside na necessidade premente de desenvolver estratégias que reconheçam e integrem de forma interseccional as dimensões de gênero e raça, como defendido por acadêmicos envolvidos no debate sobre a questão no país. Esse olhar interseccional se torna essencial para abordar as complexas interações entre discriminação de gênero e racial que impactam a vida das mulheres negras e para promover a igualdade e a justiça que elas merecem.
Numa pesquisa realizada por Curia, Paula Land et al (2020) ponta que no cenário contemporâneo, no contexto do ativismo digital, torna-se evidente a emergência de relatos significativos relacionados ao que é conhecido como “violência obstétrica”, muitos dos quais estão vinculados ao que tem sido nomeado como “racismo obstétrico”. Embora ainda não tenhamos investigado minuciosamente as razões subjacentes à criação desse termo, é possível suspeitar que ele tenha surgido devido ao “reconhecimento do racismo e da discriminação racial como elementos que contribuem para a produção e perpetuação das desigualdades sociais vivenciadas pelas mulheres no Brasil”. A introdução desse conceito visa destacar e enfatizar a importância da questão racial no contexto das hierarquias de gênero, não permitindo que ela seja negligenciada ou subestimada.
É evidente que a violência obstétrica foi oficialmente reconhecida como uma preocupação de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2014, Curia, Paula Land et al (2020) à luz das comprovações de desrespeito e abusos cometidos contra as mulheres durante o atendimento no momento do parto. Essa forma de violência ocorre em um dos momentos mais vulneráveis da vida das mulheres e se manifesta de diversas maneiras, incluindo negligência, violência verbal, violência física resultante de procedimentos desnecessários, indesejados ou negados, e até mesmo violência sexual. É importante notar que essa violência afeta as mulheres de maneira diferenciada, especialmente aquelas que são percebidas como socialmente marginalizadas, dependendo de como as interseções de gênero e raça se entrelaçam em suas experiências.
Assim, Marra, Camilla Bonelli et al (2020) as mulheres negras frequentemente se tornam as principais vítimas dessa forma de violência, enfrentando estereótipos, exclusão e preconceitos disfarçados de fundamentação científica. Essas mulheres enfrentam negligência de suas narrativas e vontades por parte dos profissionais de saúde, enfrentando desigualdades no acesso à anestesia, e, lamentavelmente, têm uma maior probabilidade de enfrentar a mortalidade materna. Além disso, são alvo de perseguição, esterilização forçada, criminalização e até mesmo mortes evitáveis, muitas vezes justificadas como consequências de suas escolhas. Esses abusos e violações ocorrem porque, nesses corpos, duas categorias se sobrepõem de forma interseccional: elas são mulheres e são negras.
No estudo realizado por Pereira, Éverton Luís et al (2018), do qual, diversas variáveis foram consideradas para compor o perfil sócio-demográfico das participantes. Entre as variáveis sociais e demográficas, foram analisados fatores como raça/cor, idade, estado civil, nível de escolaridade, renda familiar, recebimento de bolsa família e região de residência. No que diz respeito à atenção pré-natal, foram investigadas questões como se a gravidez foi planejada, onde o pré-natal foi realizado, o número de consultas de pré-natal na rede pública, a participação em atividades educativas, a eventual internação no Sistema Único de Saúde (SUS) devido a complicações, o principal motivo da internação no SUS, se a mulher recebeu informações sobre parto normal e informações sobre o local do parto. Além disso, foram levadas em consideração variáveis relacionadas à atenção durante o parto, tais como se o parto ocorreu no primeiro serviço de saúde procurado, o tempo de espera para ser atendida, a presença de acompanhante no parto, os motivos para a falta de acompanhante, o tipo de parto, a ocorrência de agressões (verbais, físicas e mau atendimento) durante o parto e a possibilidade de pagamento adicional por serviços relacionados ao parto.
Em tal estudo, foi constatado que o tempo de espera para o atendimento no parto foi significativamente maior para as mulheres pretas/pardas, atingindo 16,6%. Além disso, uma proporção mais elevada de mulheres pretas/pardas (68,0%) não teve a presença de acompanhantes durante o parto, e, em mais de 50% dos casos, a razão para a ausência de acompanhante estava relacionada à desautorização por parte dos serviços de saúde. Notavelmente, as mulheres pretas/pardas apresentaram uma proporção maior de partos normais, atingindo 53,3%, em comparação com as mulheres brancas, que registraram uma taxa de 48,8%. Todas essas discrepâncias foram consideradas estatisticamente significantes, com um valor de p inferior a 0,05, enfatizando a relevância das diferenças identificadas.
Dessa forma é enfatizada por Pereira, Éverton Luís et al (2018) a preocupação de que, apesar do direito estabelecido por lei de ter um acompanhante de livre escolha durante o parto, esse direito não está sendo garantido para a maioria das mulheres, independentemente de sua raça ou etnia. A pesquisa ressaltou que o percentual mais elevado de ausência de acompanhante foi observado entre as mulheres pretas/pardas, o que reforça a necessidade de implementação de protocolos e treinamento de profissionais de saúde, como proposto no estudo “Nascer do Brasil”, com o objetivo de estabelecer essa política de saúde como universal e equitativa.
4.2 A Violência Obstétria em Época de COVID 19
É importante mencionar também, que a pandemia da Covid-19 gerou uma série de sentimentos de medo, especialmente no contexto do isolamento social, preocupações com contágio e transmissão, além do aumento do estresse e problemas emocionais, que se tornam ainda mais desafiadores durante a gestação, um período caracterizado por uma grande instabilidade emocional. Além disso, a suspensão do direito da mulher ao acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto foi uma das principais preocupações decorrentes da pandemia.
Conforme as diretrizes do Ministério da Saúde (BRASIL, 2020a), a presença de acompanhante durante o parto é permitida, mesmo quando a mulher é diagnosticada positiva para o Sars-Cov-2. No entanto, algumas restrições devem ser observadas, incluindo a proibição de revezamentos e a exigência de que o acompanhante não faça parte de grupos de risco para Covid-19. Além disso, Estrela, Fernanda Matheus et al (2020) de acordo com os protocolos de saúde, o parto normal pode ser realizado em mães infectadas, desde que não apresentem complicações. É fundamental que as instituições de saúde reconheçam e respeitem os direitos das gestantes, garantindo um cuidado humanizado e seguro. Para isso, podem ser implementados protocolos de paramentação e outras estratégias de proteção e prevenção, a fim de evitar a transmissão do vírus e assegurar os direitos das gestantes.
Segundo pesquisas realizadas por Araujo, Juliane Pagliari et al (2022), durante esse período pandêmico, foi notado que algumas maternidades restringiram a presença de acompanhantes durante o processo de parturição. Além disso, algumas mulheres tomaram a decisão de não ter acompanhante neste momento tão especial, devido ao receio do risco de contágio.
Estes dados corroboram à um estudo realizado com 1049 mulheres, dentre elas gestantes e puérperas das cinco regiões do país, no qual 79% das gestantes se preocupavam em não poder ter acompanhante no pré-parto e durante o trabalho de parto e 88% se preocupavam em ficar sem o acompanhamento no pós-parto imediato. Estes dados possuem índices maiores que: medo do bebê ou de ela própria de contrair a Covid-19, medo de morrer, medo de sofrer violência obstétrica dentre outros. Outros dados que chamam a atenção são os casos de puérperas positivas para Covid-19, que referem medo de não poder amamentar (69%) e não poder fazer o contato pele a pele (70%) logo após o nascimento de seu bebê. (Araujo, Juliane Pagliari et al p 6, 2022)
A crise desencadeada pela pandemia afetou a qualidade do cuidado, Silva, Rafaela Sterza et al (2022) levando à suspensão de acompanhantes e à realização de intervenções obstétricas desnecessárias, incluindo um aumento nas taxas de cesariana. Além disso, práticas como o desencorajamento do contato pele a pele e da amamentação em casos suspeitos ou confirmados de puérperas com diagnóstico de Covid-19 foram justificadas como precauções, embora possam ter impactos negativos na experiência reprodutiva das mulheres, na saúde de seus bebês, famílias e comunidades. No entanto, é importante notar que as recomendações do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Pediatria e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) continuam enfatizando a importância de estimular e promover o aleitamento materno, independentemente do status de suspeita ou confirmação de Covid-19 nas mães, devido aos benefícios significativos e ao papel insignificante na transmissão de outros vírus respiratórios pelo leite.
No entanto, todas as medidas adotadas pelas instituições que restringem a presença de acompanhantes não são benéficas para as parturientes, já que a presença de alguém conhecido pode proporcionar um maior bem-estar à mulher e reduzir as dores relacionadas ao parto. Em um estudo realizado com puérperas, Silva, Lorena Aparecida et al (2022), para analisar suas percepções sobre o direito à presença de um acompanhante durante o processo de trabalho de parto, parto e puerpério, as mulheres enfatizaram a importância fundamental desse apoio, considerando o momento único, especial e desafiador para ser vivido sozinho. A privação de acompanhantes foi vista como desrespeito, gerando sentimentos de medo, solidão e desumanidade, pois, em alguns casos, os pais foram impedidos de testemunhar o nascimento de seus filhos. No entanto, as mulheres destacaram a necessidade de maior proteção no ambiente hospitalar e afirmaram que, se os acompanhantes estivessem presentes, estariam dispostos a tomar todas as medidas necessárias para prevenir a disseminação e propagação do vírus.
Nesse sentido é fundamental compreender as percepções das puérperas em relação à presença do acompanhante durante o parto e nascimento durante a pandemia de Covid-19, Mathiolli, Carolina et al (2022) a fim de refletir sobre a importância de garantir os direitos das mulheres e promover uma assistência de qualidade para elas e seus filhos. Isso inclui o cumprimento das leis e programas de assistência à saúde. Embora haja uma escassez de estudos específicos sobre esse tópico, as observações deste estudo são consideradas relevantes para ampliar o entendimento da necessidade de garantir os direitos das mulheres. Em todos os contextos, independentemente de culturas e países, não foram relatadas quaisquer mudanças no direito ao acompanhante durante o parto. Portanto, é essencial que os profissionais de saúde e as instituições sejam capacitados e conscientizados de que o direito ao acompanhante é protegido por lei e prevalece sobre quaisquer normas institucionais relacionadas à assistência às parturientes e puérperas.
5 PESQUISA DE CAMPO
5.1 Métodos
A pesquisa a seguir foi conduzida com o propósito de avaliar a incidência de violência obstétrica em parturientes durante o período de 2000 a 2023. A análise visou determinar a média de mulheres que vivenciaram essa forma de violência durante seus procedimentos de parto.
População e Método
Foi executada por meio de pesquisa de campo através de respostas concernentes ao formulário do Google Forms no qual as mulheres ex-parturientes deveriam responder perguntas simples sobre sua experiência na hora do parto.
Questionário realizado com 6 questões com respostas fechadas e abertas.
A pesquisa foi realizada com mulheres, de forma anônima, que já passaram pela experiência do parto.
O método de seleção das mulheres – a amostragem da pesquisa se deu de forma não probabilística, por conveniência, com divulgação do link do formulário em uma das redes sociais da pesquisadora, com veiculação entre as participantes (mulheres com relatos de violência obstétrica ou similar) e replicação do link de acesso entre essas participantes para outras possíveis para compor a amostragem deste estudo.
Foram consideradas diversas variáveis na análise do perfil sociodemográfico das participantes deste estudo. Isso inclui informações relevantes, como raça/etnia, o ano em que deram à luz, se o parto ocorreu em uma maternidade particular ou pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, investigou-se se essas mulheres tiveram a presença de um acompanhante durante o parto, e, no caso de ausência, foram detalhadas as justificativas para a falta desse acompanhante. Outro aspecto relevante foi a avaliação de quantas delas relataram ter sofrido violência obstétrica, e, nos casos afirmativos, as circunstâncias e a natureza dessa violência foram descritas pormenorizadamente.
Para fins de análise foram excluídas as mulheres que informaram que não tiveram filhos (1,6%).
O primeiro gráfico mostra a quantidade de participantes que aceitaram responder a pesquisa, sendo 61 (sessenta e uma) mulheres, dentre elas 98,4% tiveram filho:
Figura 1- relação de % das participantes
O segundo gráfico refere-se ao ano em que tiveram o filho, com a maior ocorrência de 2015 a 2023, tendo 85% das mulheres
Figura 2- relação de % referente ao ano de nascimento do filho(a)
O terceiro gráfico é relacionado ao local do parto, se ele foi realizado em um hospital particular ou pelo SUS, com 60,7% tendo seu parto pelo Sistema Único de Saúde e 39,3% particular
Figura 3-relação de % referente ao local do parto
O terceiro gráfico refere-se a cor/raça ou etnia das participantes, sendo 50,8% pardas, 34,4% brancas, 13,1% pretas e 1,7% amarelas
Figura 4- relação de % referente a cor/raça/etnia
O quinto gráfico mostra quanto dessas mulheres tiveram a companhia de um acompanhante de sua escolha, com 11,5% não tiveram acompanhantes
Figura 5-relação de % referente a presença de acompanhante no parto
O sexto gráfico mostra quantas mulheres sofreram violência obstétrica, com revelando que 31,1% das participantes sofreram algum tipo de violência na hora do parto
Figura 6 -relação de % referente a violência obstétrica sofrida
Isso destaca de maneira incontestável a preocupante realidade de que uma considerável porção de mulheres em trabalho de parto enfrentou situações de violência obstétrica. Veremos alguns relatos impactantes compartilhados por essas corajosas mulheres, que sofreram nas mãos de profissionais de saúde durante o processo de parto. Essas histórias são um poderoso lembrete da urgente necessidade de conscientização e mudança, no sentido de garantir que todas as gestantes recebam cuidados de saúde dignos, respeitosos e livres de qualquer forma de abuso:
“Por estar com falta de ar e sem conseguir falar, lembro que a anestesista falou que ajudaria a empurrar a bebê (cesárea), pois ela estava comprimindo a veia cava. Não senti incômodo no momento, mas sei que isso é um tipo de violência obstétrica, no momento eu só queria não desmaiar e poder vê minha filha.”
“Me induziram com oxitocina sem eu permitir!”
“Não sofri no parto, apenas no pós-parto com mal tratamento da enfermeira”
“Palavras desencorajando. Palavras hostis.”
O que muitos podem considerar meras intercorrências durante o parto, na realidade representam atos de violência contra mulheres que, neste momento de extrema vulnerabilidade, contavam com o apoio e os cuidados da equipe médica. Lamentavelmente, muitas vezes isso não aconteceu. Estas histórias revelam um quadro alarmante de situações em que as mulheres não receberam o respeito e a assistência de que necessitavam em um momento tão crucial de suas vidas, vejamos outros relatos:
“Bora mãe, força. Na hora de fazer o menino não estava bom”
“Na época eu não sabia que não era, porém eu tive a episiotomia.”
“A ignorância para dar a anestesia rápido, eu pedi um tempo para respirar fundo e passar o nervoso. E a obstetra disse assim: na hora de fazer não pediu pra respirar né? Temos tempo para perder não. Se for respirar, se retire da sala para respirar e dê vaga para outra pessoa. Aí chorei e foi aplicada anestesia.”
Observa-se dessa forma uma notável carência de empatia por parte da equipe médica, o que resulta na desvalorização do sofrimento das parturientes. Isso é um exemplo adicional de violência obstétrica, onde as mulheres, em um momento tão delicado de suas vidas, são submetidas a uma experiência desumanizante, com seus sentimentos e angústias ignorados, minimizados ou desacreditados. Essas situações evidenciam a necessidade urgente de reformas no atendimento obstétrico, com ênfase na promoção de uma abordagem mais compassiva e respeitosa em relação às mulheres durante o parto.
“Parto induzido sem ao menos me perguntar, a demora que as enfermeiras vinham e quando vinham era com ignorância, subiram em cima de mim para meu bebê nascer e etc.”
“Tive parto normal e a Médica puxou minha filha antes de passar a cabeça e nisso ocasionou uma fratura no ombro.”
“Minha bolsa estourou, liguei para a médica que fez meu pré- natal ela pediu que eu fosse para o hospital, que ela logo chegaria. O parto foi pago à parte. Assim fizemos. Lá na Unimed a médica foi acionada do plantão para fazer a ultrassom enquanto minha médica chegava. A médica durante a ultrassom começou a reclamar, dizer que não sabia por que tanta pressa para acordar e chamar ela, que eu devia saber pois já era mãe de segunda vez que quando a bolsa estoura ainda temos muito tempo para criança nascer e coisa e tal, que não precisa essa agonia toda para fazer exame. Eu estava de 7 meses ainda e essa monstra falando isso. Eu perdi a paciência e falei umas coisas com ela e ela viu a merda que fez e me pediu desculpas. Fiz um parto de urgência após isso. Quase sem líquido eu estava e essa louca fez isso no momento que eu estava super preocupada e aflita com o parto de urgência.”
“O médico cirurgião montou em cima da minha barriga para o bebê descer e ele pode puxar”
“A médica fez o corte da cesária muito alta, a justificativa dela foi que por conta da outra cesárea não podia cortar mais embaixo, acontece que desde o nascimento do meu segundo filho o corte da cesária me causou muitos danos psicológicos, auto estima baixo.”
“No meu acompanhamento do pré natal tinha um documento relatando que eu não tinha passagem para um parto normal pois eu não tinha uma vida sexualmente ativa mesmo assim fui direcionada para o parto normal e teve a Manobra de Kristeller que não havia necessidade.”
Desde violências psicológicas até físicas, torna-se evidente que muitas mulheres enfrentam uma vulnerabilidade significativa durante o parto. Uma maneira de combater essas violências é oferecer o suporte de um acompanhante nesse momento tão delicado. Esse acompanhante desempenha o papel de porto seguro, sendo responsável por reforçar os desejos da parturiente em relação ao seu parto. No entanto, é angustiante perceber que, em muitos casos, até mesmo esse direito fundamental de ter um acompanhante é negado a essas mulheres, como demonstrado nos relatos a seguir:
“Disseram que não teria direito a acompanhante por conta da COVID”
“Não podia segundo a instituição”
“O médico não permitiu a entrada do acompanhante (disse que não precisava)”
“Meu último parto foi na pandemia e não pode ter”
“Tive acompanhante, mas não foi o pai do meu filho, pois disseram que homem não podia entrar”
Dessa forma, fica evidente que há, de fato, um déficit no cumprimento da Lei 11.108, de 7 de abril de 2005, que garante o direito ao acompanhante durante o parto. Embora a pesquisa em questão revele poucos relatos diretamente relacionados a essa problemática, é crucial levar em consideração que a pesquisa foi conduzida com um número limitado de 61 mulheres. Dessas, alarmantes 11,5% não tiveram o seu direito ao acompanhante respeitado, e até mesmo aquelas que tiveram permissão para um acompanhante muitas vezes enfrentaram a negação da entrada do genitor do bebê, com o argumento de que homens não deveriam estar presentes na sala de parto.
Isso nos leva a refletir sobre a extensão do problema em uma escala nacional. Quantas mulheres no Brasil já sofreram ou ainda sofrem esse tipo de violência obstétrica, privadas do apoio e proteção de alguém de sua confiança? A implementação efetiva da Lei do Acompanhante é crucial não apenas para garantir os direitos das mulheres, mas também para proporcionar um ambiente mais acolhedor e humano durante o processo de parto. Essa é uma questão que exige uma conscientização mais ampla e esforços contínuos para garantir que todas as gestantes recebam o apoio que precisam e merecem neste momento tão significativo de suas vidas.
Em um estudo realizado por Ribeiro, Cristiane (2005), que trata sobre a lei do acompanhante – sua importância e descumprimento em junho de 2019 foram realizadas buscas nas bases de dados PubMed, e SciELO para localizar estudos abordando relatos sobre o descumprimento e/ou importância da Lei no 11.108/05 em hospitais brasileiros. A pesquisadora realizou toda a avaliação dos resultados obtidos.
Nessa mesma pesquisa Ribeiro, Cristiane (2005) constatou que, evidenciado na literatura técnico-científica nacional, a presença de um acompanhante pode contribuir para uma experiência positiva durante o parto, atuando como apoio para a mulher. No entanto, é importante destacar que, em muitos casos, a ausência desse suporte ocorre devido a decisões dos profissionais de saúde e à inadequação da estrutura organizacional. A falta de acompanhamento durante o parto e o nascimento frequentemente resulta em sentimentos negativos, incluindo estresse, desgaste e tensão.
Além disso, a pesquisa não identificou estudos específicos na rede privada de atendimento, mas revelou que, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Lei número 11.108/2005 ainda não é plenamente cumprida em maternidades públicas. Isso se deve, em grande parte, à falta de conhecimento das mulheres sobre seu direito a um acompanhante de livre escolha, bem como à privação desse direito devido a desigualdades nas relações de poder entre profissionais de saúde, às estruturas tradicionais das instituições e às características do modelo de gestão atual. Esses dados destacam que, apesar da existência da Lei, as mulheres de baixa renda, com menos escolaridade e não brancas são as que mais frequentemente são privadas dos benefícios da presença de um acompanhante durante o parto e segundo a pesquisadora:
Conforme apontado em estudo, foi identificado que mulheres que receberam apoio e acompanhamento emocional durante o parto manifestaram sua satisfação e reconheceram esse cuidado como importante. O suporte emocional foi identificado como importante para diminuir o percentual de anestesia/analgesia e o uso de octócicos. Outros benefícios do suporte constatados foram o menor traumatismo perineal e a redução da probabilidade de dificuldade na maternagem e de interrupção precoce da amamentação. (Ribeiro, Cristiane 2005)
Demonstrando assim que apesar dos muitos benefícios associados à presença de acompanhantes para as parturientes, e da existência de uma Lei Federal que protege esse direito, ainda persiste a falta de cumprimento dessa legislação nos estabelecimentos de saúde pública. Isso contribui para que o processo de parto se torne uma experiência emocional e física estressante e desgastante.
É válido mencionar também a solidão que a parturiente pode sentir nesse momento tão delicado, Amorim Torcata et al (2015), durante a internação, a mulher deixa seu lar, local onde se sente protegida, segura e acolhida por pessoas de sua confiança e passa para um local estranho, isolada de seus familiares e companheiro, dividindo, na maioria das vezes, um espaço com outras parturientes e profissionais que jamais viram. Diante disso, um ambiente acolhedor e confortável indica a qualidade da assistência e conduz ao relaxamento psicofísico da mulher, do acompanhante e da equipe de profissionais.
No contexto do parto, Silva, Uanisléia Lima et al (2015), que frequentemente é cercado por medos, ansiedades e altas expectativas influenciadas pelas experiências passadas das mulheres, informações recebidas de familiares, profissionais e relatos de outras mães, permanecer ao lado de estranhos durante o trabalho de parto pode evocar sentimentos negativos e afetar as respostas fisiológicas durante os primeiros períodos do parto. Ter alguém conhecido ao lado, nesses momentos, representa uma alternativa segura para estabelecer comunicação, fortalecer vínculos e promover segurança psicológica. É evidente que a insegurança está presente neste período de expectativa, enquanto se aguarda o nascimento do filho. Informações inadequadas sobre o parto podem levar a situações de crise e ansiedade, prejudicando o desenrolar desse processo.
Outro estudo realizado por Vilanova, Ana Karine Lopes et al (2015) em seus resultados desvela as seguintes categorias: o significado da presença do acompanhante para a parturiente; sentimentos experimentados pela parturiente; o conhecimento das mulheres acerca da Lei do Acompanhante.
Relata que é evidente que, na prática, a adesão à Lei do Acompanhante por parte das maternidades tem sido limitada, Vilanova, Ana Karine Lopes et al (2015). Algumas maternidades alegam que a lei é relativamente recente e que ainda não tiveram oportunidade de reorganizar sua infraestrutura para permitir a presença de acompanhantes, embora seja notável que maternidades construídas após a promulgação da lei também não o façam. Quanto ao conhecimento das parturientes em relação a essa lei, a perspectiva é variada. Algumas mulheres afirmam não ter conhecimento sobre a lei, enquanto outras evitam exercer esse direito, muitas vezes por acreditar que não podem exigir sua aplicação em um ambiente de serviço público.
Havendo assim um verdadeiro desconhecimento entre as parturientes sobre seus direitos Paes, Ana Raquel Mesquita et al (2015). Muitas delas expressam receios em relação aos profissionais de saúde e adotam uma postura como se estivessem sendo agraciadas, sentindo a necessidade de agradecer, sem compreenderem plenamente que tudo isso representa seus direitos e que merecem receber assistência digna
Tal estudo demonstrou que as parturientes percebem o acompanhante como alguém que lhes proporciona apoio emocional e conforto físico Paes, Ana Raquel Mesquita et al (2015). Algumas delas, no entanto, expressaram preocupações quanto à presença do acompanhante, afirmando que poderia atrapalhar a experiência do parto. Em relação aos sentimentos experimentados pelas mulheres, foram destacados sentimentos de medo, solidão e abandono, que muitas vezes surgem devido à falta de orientação e à carência de cuidados humanizados por parte dos profissionais de saúde durante o trabalho de parto. Quanto ao conhecimento das parturientes sobre a Lei do Acompanhante, constatou-se que muitas delas desconhecem ou têm informações incompletas sobre esse direito. Isso enfatiza a importância de fornecer orientações no pré-natal e nas maternidades a fim de garantir que as mulheres tenham a oportunidade de exercer seu direito de escolher um acompanhante. Diante dos resultados deste estudo, fica claro que a humanização da atenção obstétrica ainda requer progressos significativos. Isso demanda investimentos na sensibilização dos profissionais de saúde, com foco na valorização dos sentimentos vivenciados pelas mulheres durante o processo de parturição, bem como na compreensão da relevância do acompanhante nesse momento.
A escolha do acompanhante é uma decisão pessoal e varia entre as mulheres dais quais algumas preferem o marido/companheiro, outras a mãe ou até pela irmã, Gualda, Dulce Maria Rosa et al (2016). A seleção do acompanhante é influenciada por fatores culturais e sociais, comumente envolvendo membros da família, como amigas, mães, irmãs, cunhadas e, principalmente, o companheiro ou marido, que são, em regra, os familiares mais escolhidos. A presença do pai da criança como acompanhante é vista como uma escolha ideal, pois pode contribuir para o estabelecimento de vínculos e o fortalecimento dos laços familiares. A mulher desempenha um papel ativo e protagonista no processo de parto, tendo o direito de decidir pela presença do acompanhante e fazer a escolha.
As razões para a escolha dos acompanhantes incluíram a busca por segurança, apoio e tranquilidade, estando alinhadas com os motivos encontrados na literatura, Gualda, Dulce Maria Rosa et al (2016). As ações desempenhadas pelos acompanhantes, como transmitir calma, estar presente, encorajar, fornecer apoio emocional e físico durante o trabalho de parto. O papel do acompanhante pode variar, indo desde a mera presença física até o fornecimento ativo de suporte durante o processo.
No que diz respeito ao contato físico Souza, Silvana Regina Rossi Kissula et al (2016), atividades como segurar a mão, fazer massagens e auxiliar na troca de posição são destacadas como importantes formas de apoio. Em relação ao apoio emocional, o carinho oferecido pelos acompanhantes foi enfatizado pelas mulheres. A ausência de companhia neste momento pode gerar sentimentos de medo, abandono e solidão, enquanto a presença do companheiro proporciona confiança, segurança e fortalecimento dos laços familiares e do relacionamento do casal. Essa experiência é descrita muitas vezes como um momento único, mágico e inexplicável, repleto de emoção ao ver o nascimento do filho e oferecer apoio, assim deve-se ter todo o cuidado necessário com as parturientes.
6. CONCLUSÃO
A presente pesquisa lançou luz sobre uma questão de extrema importância no cenário da assistência ao parto: o descumprimento deliberado da lei que assegura à mulher o direito de ter um acompanhante de sua escolha durante o processo de parturição. Ao longo deste estudo, investigamos as raízes desse problema, suas consequências diretas e os impactos profundos que essa falta de cumprimento gera na experiência da mulher durante o parto.
Ficou claro que, apesar da existência de uma legislação que ampara o direito da parturiente a contar com um acompanhante de sua livre escolha, a realidade nas maternidades muitas vezes diverge desse ideal. Inúmeras justificativas são apresentadas para não cumprir essa lei, desde a falta de infraestrutura até a alegação de que a legislação é recente. É notável que, mesmo em maternidades construídas após a promulgação da lei, a recusa em permitir a presença do acompanhante é uma realidade.
No entanto, o impacto mais substancial recai sobre as mulheres que vivenciam o parto. A ausência do acompanhante durante o trabalho de parto pode despertar sentimentos de medo, solidão e abandono. Esses sentimentos, por sua vez, podem afetar negativamente as respostas fisiológicas da mulher e sua adaptação aos diferentes estágios do parto. Além disso, as parturientes frequentemente desconhecem seus direitos, mostrando-se inseguras ou relutantes em exigir o cumprimento da lei em ambientes de serviço público.
Contudo, os relatos das mulheres que tiveram a oportunidade de contar com a presença de um acompanhante destacam a importância dessa figura. O acompanhante desempenha um papel fundamental, transmitindo calma, fornecendo apoio emocional e físico, encorajando, proporcionando carinho e contribuindo para o fortalecimento dos laços familiares. A presença do acompanhante representa uma fonte de segurança e conforto em um momento crucial e único na vida da mulher.
Diante dessas constatações, fica evidente que a necessidade de sensibilizar os profissionais de saúde e promover o cumprimento da lei é premente. A humanização da assistência obstétrica não deve ser vista como uma opção, mas sim como um imperativo ético e legal. É fundamental que as instituições de saúde, em consonância com a legislação vigente, tomem medidas concretas para garantir o direito da mulher a um acompanhante durante o parto, reconhecendo o impacto positivo que essa presença tem sobre a experiência da parturiente.
Em última análise, esta pesquisa sublinha a necessidade de promover uma assistência ao parto mais humanizada e respeitosa aos direitos das mulheres. As mudanças nesse cenário não apenas aprimorarão a experiência das parturientes, mas também contribuirão para a construção de uma sociedade mais justa e consciente da importância do respeito aos direitos reprodutivos e à dignidade da mulher em situação de parto.
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1 Bacharelanda de Direito do Centro Univercitário Mário Pontes Jucá
2 Mestra, Pesquidadora, Especialista em Direito e Processo Pena, Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas GÊNERO e VITIMOLOGIA no Centro Universitário Mário Pontes Jucá- UMJ.