O CORONELISMO MODERNO BRASILEIRO: CARACTERÍSTICAS, REFLEXÕES E CONSEQUÊNCIAS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6954024


Autores:
Domingos Sávio Araújo Pinheiro1
Dorinethe dos Santos Bentes2


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a influência política na dominação social, apontando para uma área pouco discutida: as terras em posse de políticos. Mediante uma comparação com o período colonial brasileiro podemos perceber características idênticas entre os dois momentos, chegando a uma conclusão de que, no Brasil, persiste uma espécie de coronelismo moderno, no qual os chefes políticos, representantes do povo, têm grande influência sobre a economia e as terras do país. Utilizou-se, para essa constatação, o método indutivo, a partir da dialética entre autores que tratam do assunto, propondo a afirmação de que o que acontece atualmente no Brasil é o continuísmo de que já foi vivido em outros tempos, fruto de interesses individualistas, demagogos e oligárquicos. Como resultado, além da constatação tácita desse fenômeno continuísta, a partir da análise dos fatos, tem-se a reflexão de que, mais que detentores do poder constituinte indireto, os políticos brasileiros acreditam terem o poder sobre o país, o que é claro em suas palavras e atitudes, influenciando diretamente as normas e o desenvolvimento nacional.

Palavras-chave: Colonialismo; Coronelismo; Democracia;  Sociologia; Ciência Política.

ABSTRACT

The present work aims to demonstrate the political influence on social domination, pointing to an area little discussed: the lands in possession of politicians. Through a comparison with the Brazilian colonial period, we can see identical characteristics between the two moments, reaching a conclusion that, in Brazil, a kind of modern coronelismo persists, in which political leaders, representatives of the people, have great influence over the economy. and the lands of the country. For this finding, the inductive method was used, based on the dialectic between authors who deal with the subject, proposing the statement that what currently happens in Brazil is the continuism that has already been lived in other times, the result of individualistic interests. , demagogues and oligarchs. As a result, in addition to the tacit observation of this continuist phenomenon, from the analysis of the facts, there is a reflection that, more than holders of indirect constituent power, Brazilian politicians believe they have power over the country, which is clear in their words and attitudes, directly influencing national norms and development.

Palavras-chave: Colonialism; Coronelismo; Democracy;  Sociology; Political Science.

INTRODUÇÃO

No período colonial brasileiro, as terras eram massivamente dominadas pela aristocracia agrária. Em um sistema de conquistas, como a defesa do litoral da colônia ou o desbravamento de territórios por meio das missões, por exemplo, foram-se construindo características de garantias e privilégios sobre terras e o poder dos municípios.

Durante o período colonial, a conquista da terra apresenta um carácter essencialmente guerreiro. Cada latifúndio desbravado, cada sesmaria “povoada”, cada curral erguido, cada engenho “fabricado”, tem como preâmbulo necessário, uma árdua empresa militar. Do norte ao sul, as fundações agrícolas e pastoris se fazem com a espada na mão. O processo seguido geralmente na conquista é o “povoamento” preliminar, isto é, o desbravamento da terra, a repulsão dos índios, a eliminação das feras, o amanho dos campos, a formação dos rebanhos. Depois, alegando estes serviços, é que requer o “povoador” a concessão da sesmaria. (OLIVEIRA VIANA, 1922, p. 19)

A ideia de conquista por esforço e não pelo direito seguido por um sentimento de desigualdade e não reconhecimento de feitos concede aos homens a sede pela ganância e pela supremacia sobre o que, por um momento, o prejudicou.

 Como afirmava Hobbes, “se cada homem fizer uso de sua própria maneira e de seus próprios esforços, nada se conseguirá, pois, uma vez que suas opiniões estejam divididas, cada um será obstáculo para o outro […]” (1642, p. 53).

Perceber que não se vale evoluir normativamente (quanto a leis e jurisprudências) se não há a vontade moral do bem coletivo, é o primeiro passo para entender as continuidades ideológicas individualistas do passado, mostrando assim a relevância social do tema analisado.

A produção científica atual na área do direito busca como precípuo a formação de um pensamento que visa à completude do ordenamento jurídico, o papel das leis e das ideologias jurídicas, mas deixa de lado o fato de que são os conflitos de interesses os geradores de instabilidades sociais. Entender quem são as pessoas e os mecanismos que geram esses conflitos é o foco principal deste trabalho científico.

 Entender que a dominação social é claramente perceptível na atualidade brasileira é um dos pontos abordados aqui. Esse fenômeno, gerador de desigualdades sociais e privação da participação social de cada indivíduo, torna-se fomentador de desequilíbrios sociais e propicia a formação de uma guerra de classes, o que remonta os tempos primordiais e desrespeita, totalmente, os direitos conquistados através da evolução humana ao transcorrer da história.

 A influência da posse de terras nessa dominação permite a percepção de um coronelismo moderno e implícito embasado na troca de favores e a busca pela superioridade individualista e oligárquica dos representantes nacionais quanto à administração pública e o poder sobre as leis. A busca pela democracia é fundamentalista no projeto e se torna de grande importância por desmistificar e demonstrar uma área pouco conhecida da influência política brasileira.

O conceito de Coronelismo[1] de Victor Nunes Leal, mesmo conceito que marca outros autores aqui também citados, considera aquele como um método de busca de benefícios, por meio de trocas entre poderosos. Em seu livro, “Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime administrativo no Brasil”, o autor relaciona este fenômeno com a questão agrária brasileira, como a troca de benefícios para maior proveito lucrativo das terras e a progressiva produção e expansão desta, percepção e pensamento este que serão utilizados para o termo “coronelismo” nesse trabalho.

Utilizando-se dos métodos indutivo, quando parte da análise singular de cada período histórico para a formação de um conceito geral individual; comparativo, quando compara esses conceitos para entender suas afinidades; dialético, por mostrar as contradições de alguns autores citados; e dialógico, quando busca refletir sobre os fatos a partir das visões dos autores, o objetivo aqui é buscar a formação de um conhecimento comum na dialética, para entender o que é o coronelismo e firmar se o que realmente acontece atualmente no Brasil é uma ideologia do período colonial deste país, mostrando assim a continuidade das visões de outrora.

Apropria-se de uma abordagem qualiquantitativa onde busca, na forma qualitativa, dentro de produções literárias nacionais, os fatos e qualidades da política brasileira nos períodos designados da pesquisa, dando enfoque para características em comum desses períodos, e na forma quantitativa, quando expõe dados sobre as questões de terras na atualidade brasileira e o número de políticos influentes na economia do país.

Utiliza-se de fonte teórica de obras nacionais sobre o tema, partindo de propostas não expositivas, mas críticas sobre a formação da nação brasileira, também aproveita obras marcantes da literatura mundial sobre a relação social e a construção da cidadania e da boa política, busca na jurisprudência e nos atos legislativos como as questões de poder e da terra se relacionam e, ainda, como as autoridades do país pensam sobre a situação.

O artigo será desenvolvido em fases construtivas que se interligarão e darão fluidez para as conclusões finais. Em um primeiro momento será abordado o conceito de dominação social, ideologia e coronelismo, suas bases e suas constatações e imposições no Brasil através dos tempos, partindo sempre do pressuposto de que esse fenômeno existe no país e tem grande relevância para entender os valores vividos, assim como as dificuldades, resultado do incomodo social, mediante as visíveis corrupções da democracia. Em um segundo momento serão abordados os dados sobre a situação atual de terras no Brasil. No terceiro, serão levantadas as tentativas brasileiras para remediação da questão agrária, mostrando os moldes do pensamento e sua influência no combate às desigualdades sociais do país.

1. O CORONELISMO

Sobre o período colonial brasileiro, vários autores se dispuseram a apresentar suas produções e entendimentos. Obras como “Casa-grande e senzala” de Gilberto Freyre e “Raízes” de Sérgio Buarque de Holanda têm destaque, pois vão além da ideia de ensaios sobre o que foi o Brasil colonial, demonstrando que esse período contribuiu para a formação brasileira de maneira intensa e significante.

Sobre a atualidade, o jornalista Alceu Luís Castilho com a sua obra “O partido da terra: como os políticos conquistam o território brasileiro” é fonte de dados sobre como são divididas as terras e como os políticos são efetivos nas áreas do setor primário do nosso país. Outro autor importante, desta vez sobre o perpetualismo colonial, com enfoque no coronelismo, é Victor Nunes Leal com a sua obra “Coronelismo, enxada e voto”, publicada em 1948 e surpreendentemente atual em suas afirmações.

As tentativas brasileiras, por meio da criação de leis para as questões de igualdade sobre as terras, podem ser observadas, porém, sempre essas propriedades permanecem sobre posse dos coronelistas, as quais, por herança, continuam nas mãos das nobres famílias brasileiras, excluindo a população de baixa condição econômica e proliferando desigualdades sociais permanentes.

Na jurisprudência brasileira é bastante comum encontrar situações na qual as disputas por terras são assunto principal, essas disputas, em sua maioria, se referem ao MST (Movimento Sem Terra) e ao movimento indígena.

1.1 A dominação social e o Coronelismo

A dominação social, através dos tempos, é ditame de toda a vida nacional brasileira. Os poderosos moldam o povo através de ideologias mantendo assim uma população à mercê de suas decisões e opiniões, negando totalmente o princípio da universalidade do direito e da participação política através da crítica social.

A dominação social, segundo Hobbes[2], imposta através do medo, é um fenômeno necessário para o bem estar da nação, o controle de conflitos e a consagração da paz na sociedade. Esse conceito é o que perpetua nos pensamentos elitistas brasileiros, os donos do poder, tomados pela boa vida e os benefícios sociais, temem a perda dessas regalias e fazem de tudo para não dividir, ou compartilhar, de forma branda, suas influências e os seus status de seres mandantes, detentores de um reconhecimento pessoal que lhes inflam os egos.

Para Lebrun[3] a dominação, o monstro da sociedade, é a imposição natural, sempre existente, que dita a condição de um dominador e de um dominado, o Leviatã[4] de Hobbes, a condição de um soberano, que através de um contrato, tem o poder de decidir o melhor para os seus súditos.

O conceito de ideologia de Marx, como forma negativa, o mesmo utilizado neste artigo, é o suposto determinante do pensamento social, para ele a ideologia é um mecanismo refletor de falsos ou limitados pensamentos que corroboram na persuasão e na dominação do povo. Para Chauí, em sua obra “o que é ideologia?”, esta “é um ideário histórico, social e político que oculta a realidade, e que esse ocultamento é uma forma de assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política” (CHAUÍ, 2006).

Para Sérgio Buarque de Holanda, o colonialismo individualista e predatório construiu uma sociedade hipócrita, onde homens são levados por emoções e ganâncias, desrespeitando as leis mediante benefício próprio, uma sociedade mal estruturada e mal administrada que se tornou uma selva, onde o mais forte, o mais esperto sobrevive, aquele que consegue ter mais, predar e dominar pessoas, surgindo assim a grande indiferença social do Brasil, “a raiz da nação”.

De modo orgânico, esses fenômenos da classe dos proprietários rurais foram se fundindo numa só elite que floresceu gradualmente, bem como em alto padrão de vida e finura. Esse processo foi espontaneamente seguido e perpetuado no desenvolvimento das elites urbanas seguintes.

Foi crescendo no território brasileiro o número de povoados, muitos dos quais caminhavam decididamente para a formação de cidades. Nestes centros urbanos constituiu-se uma elite originária, formada, sobretudo, pelos detentores de elevados cargos públicos, civis ou militares, que então conferiam nobreza. A estes foi juntando certo número de nobres ou fidalgos portugueses fixados na Colónia.

Ao mesmo tempo foram aparecendo, pelas próprias necessidades da vida urbana, pessoas que, dedicando-se a atividades diversas, tinham um status civil e um padrão econômico nitidamente distinto dos trabalhadores manuais (médicos, e comerciantes, por exemplo).

No âmbito pequeno dos povoados ou cidades de então, tais pessoas tinham um trato naturalmente frequente com os elementos da elite. Estes aristocratas urbanos juntamente com membros da aristocracia rural formaram a classe dirigente da vida municipal, com acesso às principais funções de governança do Município. Em todos os ciclos socioeconômicos do Brasil processos semelhantes se desenvolveram por uma compreensível analogia de circunstâncias.

É possível perceber, assim, que a colonização brasileira foi muito mais que um núcleo de indivíduos, mas um núcleo de famílias, estas que perpetuaram, de forma herdada, nos confins de uma alta torre de privilégios conquistados por seus antepassados. A família, como ressalta Gilberto Freyre, “não o indivíduo, nem tampouco o Estado, nem nenhuma companhia de comércio é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América” (FREYRE, 2003).

Ainda que atualmente a figura do coronel, em sua determinação, tenha desaparecido da sociedade, na política brasileira constam personagens influentes nas terras do país, estes que, através de forma semelhante ao do termo passado, chamado aqui como “coronelismo moderno”, possuem um vínculo grande, entrelaçando o poder político e as terras, através de parcerias que condicionam benefícios econômicos para proveito individual ou aristocrático, mantendo assim o ciclo perpetuante do coronelismo.

Estes traços brasileiros, resultados de uma cultura organizacional defasada, agem diretamente dentro de órgãos empregatícios, por exemplo. Por meio de características estruturais similares ao fenômeno da dominação social, existe uma diferença muito grande entre empregados e empregadores, o que reflete na maneira de liderar e dirigir uma organização ou uma equipe, em que os traços hierárquicos são mais claros e respeitados pelos seus membros integrantes, ou utilizados pelos mesmos para impor sua autoridade. Os subordinados, através de uma postura de espectadores, obedecem às normas e decisões com firmeza e lealdade.

O resultado, mediante essa situação, aponta para dois lados. Primeiro, pela característica de alguns brasileiros de serem seres subordinados: as empresas buscam profissionais moldáveis, adaptáveis, obedientes e que aceitam fazer tudo sem cobrar muito por isso. Segundo, empresas buscam pessoas com alto grau dominador, impositor, determinante e característico de um líder, essas pessoas são altamente autoritárias e fazem de tudo para vencer.

De acordo com essa construção histórica brasileira, diversas formas culturais de pessoas são formadas, estas são observadas pelo mundo todo, onde alguns países passam a investir no país ou passam a importar mão de obra brasileira. Isso mostra que a dominação pode, em alguns momentos, ser positiva ou negativa, porém, dos dois lados, esse fenômeno ideológico é presente e ditame da sociedade brasileira.

2. TERRAS EM MÃOS DE POLÍTICOS NA ATUALIDADE: O CORONELISMO MODERNO

Ainda que a figura do coronel não seja mais tão evidente na sociedade brasileira, os proprietários de terra mantiveram seu espaço político brigando por interesses e privilégios no Congresso Nacional, é isso que o livro do jornalista Alceu Luís Castilho vem demonstrar. Com base em quase 13 mil declarações de bens entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de políticos eleitos, Castilho fez um mapeamento preciso dos donos de terra no país, revelando dados e histórias surpreendentes de quem são, quanto têm e de que forma eles agem. Colocou em pauta as consequências do coronelismo brasileiro através dos tempos, mostrando o seu continuísmo, e revelando casos de desigualdade, violência, abuso de poder, corrupção e agressão ao meio ambiente.

No decorrer da obra o autor revela nomes e partidos que protagonizam casos de agressividade, desrespeito, exploração e, sobretudo, a impunidade para atos crassos. Percebe-se, assim, que os interesses pessoais estão, na maioria das vezes, acima de qualquer bem social.

 O autor revela não somente a agressão contra o povo, mas contra a natureza e os direitos fundamentais constitucionais, mostrando que o arco do desmatamento, a matança de camponeses e o trabalho escravo coincidem com o arco de posse de terras dos políticos latifundiários. Esses políticos com muitas terras estão espalhados por quase todos os partidos, sejam eles de direita ou esquerda. Nesse sentido, PMDB, PSDB e PR são os líderes dos proprietários com mais hectares no país. No entanto, partidos como PPS, PSB e PT, também passaram a contar em seus quadros com proprietários de terras.

Levantou 2,03 milhões de hectares declarados no TSE, no valor de 1,37 bilhão de reais. Mas, segundo estimativas, cerca de mais 1 milhão de hectares não foram declarados, apresentando somente o valor total de 0,785 bilhão de reais. Em síntese, considera-se que os políticos eleitos em 2008 e em 2010 são proprietários de 3,3 milhões de hectares, o que resulta em 2,16 bilhões de reais. Ainda assim, esses dados são baseados apenas em declarações formais feitas ao TSE nos respectivos anos, já que, alguns daqueles não declararam a extensão de suas propriedades, além do fato de declararem valores extremamente questionáveis de suas terras. Dentro desse grupo pesquisado, 31 políticos apareceram com propriedades de mais de 10 mil hectares cada e estão distribuídos da seguinte forma: seis do PSDB, seis do PR, seis do PMDB, três do PP, dois do DEM, dois do PPS, dois do PDT, um do PT, um do PSB e um do PTB.

Outro fenômeno curioso sobre a propriedade de terras é que os políticos brasileiros possuem mais de 375 mil hectares fora de suas respectivas Unidades Federativas. Essas informações revelam a ocupação do Norte e do Centro-Oeste por políticos de outras regiões do país, sejam eles deputados, governadores, senadores ou prefeitos. Uma das localidades mais exploradas é o estado do Pará, onde a pecuária ocupa posição central nos conflitos por terra e nas ameaças de desmatamento da Amazônia legal.

O livro também possui detalhes sobre a bancada ruralista, mostrando como ela vota o financiamento de campanhas e o posicionamento perante o Código Florestal. Um levantamento de 2010, por exemplo, mostrou que um grupo de 266 deputados e senadores eleitos no mesmo ano formaram a chamada bancada ruralista, dos quais 59% estavam na base aliada do governo.

Os fatos mostram a comunhão entre a posse de terras e a política brasileira. Podemos perceber, a partir dessa concepção, que os poderosos, implicitamente se apoderam de sua posição social para tirar proveito dos bens coletivos, mudar leis em seu favor ou de sua aristocracia e somar, incessantemente, para o seu benefício e sua economia, moldando assim, nas mesmas características passadas, um coronelismo, onde se subordina o povo, através de status social e migalhas, conquistadas muitas vezes de forma ilícita, para continuar no poder, sem se preocupar com quem afeta ou, rapidamente, mudar o que lhe incomoda, transformando as circunstâncias ao seu redor em uma espécie de império onde tudo está subordinado ao seu querer e pensar, o seu benefício.

[…]o chefe municipal, depois de haver construído, herdado ou consolidado a liderança, já se tornou um absenteísta. Só volta ao feudo político de tempos em tempos, para descansar, visitar pessoas da família ou, mais frequentemente, para fins partidários. A fortuna política já o terá levado para uma deputação estadual ou federal, uma pasta de secretário, uma posição administrativa de relevo, ou mesmo um emprego rendoso na capital do Estado ou da República. O êxito nos negócios ou na profissão também pode contribuir para afastá-lo, embora conservando a chefia política do município: os lugares-tenentes, que ficam no interior, fazem-se então verdadeiros chefes locais, tributários do chefe maior que se ausentou. O absenteísmo é, aliás, uma situação cheia de riscos: quando o chefe ausente se indispõe com o governo, não são raras as defecções dos seus subordinados. Outras vezes, é ele próprio quem aconselha essa atitude, operando, pessoalmente, uma retirada tática. (NUNES LEAL, 1948, p. 24)

O fenômeno ocorre em todas as esferas de poderes, porém é de grande destaque na esfera municipal, como mostra Nunes Leal em sua obra. Isso é compreensível, pois a fiscalização é muito precária nessa esfera, além, claro, da corrupção e do coronelismo que camuflam os crimes, sendo assim prato cheio para a exploração de terras e de pessoas.

Porém, como citado por Castilho, a influência sobre essas terras muitas vezes está nas mãos de pessoas distantes, que apenas possuem homens mandados no local. Percebemos então que o poder é muito maior do que este, de esfera municipal, pois estes homens influentes possuem grandes lotes de terra, não só em um lugar, mas em diversas regiões. Esses políticos e poderosos, com contato direto com o poder legislativo, executivo e o judiciário do país, definem o curso da economia, do pensamento e da dominação social brasileira.

3. A LUTA SOCIAL

Não podemos negar que, através da luta social, conquistas foram legitimadas e positivadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. É de conhecimento todas as diversas tentativas brasileiras, tanto no império quanto na república, que tinham como foco buscar a democracia agrária e a possibilidade mútua de crescimento individual e empreendedor do brasileiro.

A lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas do império, em seu artigo primeiro, expressa que ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. Na mesma lei, em seu artigo quarto considera-se todas as terras, que não se acharem ocupadas por posses, como terras devolutas do império. Cabe ressaltar que as grandes propriedades permaneceram sobre posse dos coronelistas, as quais, por herança, continuaram nas mãos das nobres famílias brasileiras, a transformação em mercadoria das terras dificultou a posse pelos menos favorecidos economicamente. Conclui-se que essa lei acabou por contribuir para intensificar a situação deplorável da democracia das terras do país naquele período, pois os poderosos financeiramente poderiam, sem grandes dificuldades, comprar novas terras e expandir o seu domínio territorial.

Posteriormente, a lei nº 8.629 de 25 de fevereiro de 1993, sobre a reforma agrária brasileira, prevista no capítulo II, título VII da Constituição Federal, em seu artigo segundo, desapropria imóvel rural não utilizado, assim não cumprindo sua função social, para fins da reforma agrária. Na mesma lei, em seu artigo XVII, propõe que o assentamento de trabalhadores rurais, beneficiados pela reforma, deverá ser realizado em terras economicamente úteis, de preferência na região por eles habitada. A lei não surtiu grande efeito por conta da barragem dos grandes proprietários de terra que necessitam, com a constante expansão do agronegócio, de um número progressivo de propriedades para cultivo. Poucos foram os beneficiados e dos que foram, poucos têm condições de estabelecer um negócio produtivo, gerando novamente a improdutividade ou pouca produtividade das terras. Atualmente esta Lei é quem dita a questão de terras no Brasil.

Em seu artigo segundo impõe a desapropriação de imóvel, seguindo seu artigo nono que fala sobre as condições sociais da terra, estas que se não estiverem sendo objetos do território causarão a sua desapropriação. Essas condições sociais são referentes à constitucionalidade do bem, nas quais, a preservação da natureza, o proveito racional e adequado e o respeito às condições trabalhistas dos empregados são exemplos dessas condições exigidas.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é a autarquia do Governo Federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) que tem missão principal de promover a reforma agrária de maneira justa e sistematizada, manter e gerir o cadastro nacional de imóveis rurais, administrar terras públicas, além de identificar e registrar, demarcar e titular terras destinadas a assentamentos e comunidades tradicionais quilombolas.

As diretrizes do INCRA englobam uma democratização do acesso e do direito à terra de maneira a implementar a reforma agrária por meio de estratégia que envolvem a implantação de assentamentos sustentáveis em áreas compradas pela União, regularizando terras públicas a serem destinadas para esses assentamentos, promovendo uma gestão mais organizada e justa da estrutura fundiária do Brasil, tudo isso, contribuindo para um desenvolvimento sustentável, para que ocorra uma desconcentração da estrutura fundiária, atualmente composta em sua imensa maioria por latifúndios. Assim, o INCRA visa também a redução da violência e da pobreza, promovendo a equidade na distribuição de terras, evitando conflitos que venham a prejudicar e causar dano às pessoas no decorrer de disputas decorrentes da posse de terras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dominação social é sem dúvida ainda existente no Brasil. Mesmo através de diversas vitórias conquistadas pelo povo, os poderosos continuam com a sua grande influência sobre os fatores de poder estatal e econômico do país. Isso nos abre uma reflexão sobre o que realmente precisa ser mudado.

Podemos perceber que por mais que exista uma revolução e um pensamento social capaz de mudar os fatos, ele não é efetivado por todos. Assim, conclui-se que é grande o número de fatores que impossibilitam a concretização dos propósitos sociais, a possível democracia do poder e consequentemente a democracia das terras.

Se deve questionar o porquê, sendo o povo maioria, os resultados não aparecem ou aparecem de forma ínfima.

Diante desse questionamento chega-se a duas conclusões: Primeiro, a questão de terras se torna crucial para a imposição do poder dos novos soberanos da atualidade, que visam o lucro financeiro, condição de superioridade, e estar nos altos escalões da sociedade, para manter o status e o seu quórum de aliados. Segundo, existe um povo, construído através dos tempos, despreparado e acostumado à submissão.

Construiu-se um país individualista, onde pessoas, através de pequenas regalias, muitas vezes aceitam a submissão e até cumplicidade para atos criminosos de entes maiores, mediante benefício próprio, sem contar a condição de necessidade, que pode fazer com que pessoas se tornem aceitantes de qualquer tipo de imposição.

As condições atuais, por mais que falemos em um período democrático moderno, são semelhantes ao período aristocrático passado. Os soberanos limitam ainda o seu povo, os impõe condições insuportáveis que os deixam à mercê de qualquer pequena ajuda possível, o que se transforma em voto.

A dominação continua entre os mesmos parâmetros passados: o soberano que tira é o mesmo que devolve, mediante um novo pagamento do seu súdito. As condições dificultam os pensamentos individuais, os tornando moldáveis e movidos pela mídia. As pessoas se preocupam em sobreviver, pensam no que irão comer e se vão estar vivas no amanhã e perdem a percepção desses fatores de poder e o foco da luta pela igualdade.

Isso mostra que o foco principal para as mudanças e a promoção da democracia e do convívio social ideal devem partir não da criação de leis, mas da mudança do pensamento e da educação brasileira, com foco na interligação entre as classes sociais, buscando objetivos comuns e não uma hierarquização implícita que coloca condições diferentes para características pessoais e econômicas distintas.

Percebe-se que não há individualidades quanto ao pensamento corrupto de bem pessoal, inúmeros são os partidos que buscam o benefício próprio e a condição de poder. Estes brigam sobre qual a legitimidade e a constitucionalidade de uma lei, mas dificilmente a olham com um foco social e sim partidário e individualista. Em outras palavras, brigam pelo próprio benefício, mas são aliados quando um bem é interessante para todos.

O perpetualismo de ideologias, que visam à dominação social, é fator constituinte do Brasil. Os ideais revolucionários e o espírito renovador são massacrados pela burocracia política e a influência dos poderosos que não aceitam disputar os bens com todos os cidadãos e dificultam a ação desses pelo ato democrático.

A educação é moldada para mostrar um país ressurgido, novo e democrático, com um governo que luta pelas igualdades, formula leis e impõem mudanças. Porém, com um povo acostumado com o pouco, por conta de sua necessidade imediata, a modernidade democrática se torna mais um pensamento ideológico.

É necessário vincular a educação ao desenvolvimento político social. O estudo escolar deve ser crítico e não meramente reprodutivo. Este deve ser adaptado à situação brasileira, promovendo, cada vez mais, a participação social na política e na construção de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, nos parâmetros da nossa Constituição Federal.

A política deve ser construtiva, a sede não deve ser de ganância financeira, mas de produção social. Um cargo público não deve ser sinônimo de poder, mas de responsabilidade maior com o Estado e com as pessoas, não excluída a responsabilidade individual, como pessoa, do cidadão com a participação e o desenvolvimento do pensamento político do país.


[1]“O ‘coronelismo’ é […] uma troca de proveitos entre o poder público e os chefes locais […] Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutura agrária […] base de sustentação do poder privado ainda tão visíveis no Brasil.(LEAL, 1948, p. 23)

[2]HOBBES, Thomas. De Cive. Tradução por Fransmar Costa Lima. 1. ed. São Paulo: Martin Claret, 2006.

[3]LEBRUN, Gérard. O que é poder? 1. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.

[4] Leviatã é uma obra de Thomas Hobbes, publicada em 1651, que aborda a estrutura da sociedade e do governo legítimo, supostamente ideal para uma sociedade. Para o autor, essa forma de governo ideal seria a monarquia, o Leviatã seria uma espécie de” monstro necessário” que ao mesmo tempo que domina, protege a sociedade.

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1Discente do curso de Direito na Universidade Federal do Amazonas-UFAM. Servidor Público Municipal.

2Doutoranda em Direito e Justiça pela UFMG. Mestre em História pela UFAM. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico e Especialista em História Social da Amazônia. Professora da UFAM.