O COMBATE À POBREZA EXTREMA NA CHINA APÓS A REFORMA E ABERTURA: 1978-2020

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7503449


Yuhui Wang1
Prof. Dr. Alexandre José Germano de Abreu2


RESUMO

A pobreza é um problema de dimensão mundial determinante para a subsistência e progresso humanos. Atualmente, a situação internacional cada vez mais complexa e o abrandamento do crescimento económico global indicam que a redução global da pobreza continua a ser um desafio de monta. O grande feito por parte da China de erradicar completamente a pobreza extrema em 2021 contribuiu largamente para a realização da Agenda 2030 da ONU. Neste sentido, a sua abordagem constitui um paradigma útil e importante para a redução da pobreza humana. Através de uma revisão da literatura e uma análise das estatísticas disponíveis, esta dissertação discute quais os fatores positivos que permitiram à China concretizar este objetivo ao longo dos últimos quarenta anos. A conclusão final é que, para além do crescimento da economia, são indispensáveis intervenções direcionadas especificamente para o combate à pobreza.

Palavras-chave: China. Redução da pobreza. Política. Governo

ABSTRACT

Poverty is a worldwide problem that is crucial for human livelihoods and progress. At present, the increasingly complex international situation and slowing global economic growth indicate that global poverty reduction remains a significant challenge. China’s great achievement of completely eradicating extreme poverty by 2021 has considerably contributed to the achievement of the UN’s 2030 Agenda. In this regard, its approach provides an important and useful paradigm for human poverty reduction. Through a literature review and an analysis of available statistics, this dissertation discusses what positive factors have enabled China to realize this goal over the past forty years. The conclusion is that, in addition to the overall growth of the economy, targeted interventions are indispensable.

Keywords: China. Poverty reduction. Politics. Government

1 INTRODUÇÃO

A pobreza é um fenómeno muito disseminado no contexto do desenvolvimento mundial e tem persistido desde a criação das sociedades humanas. Em 2015, “erradicar a pobreza em todas as suas formas em todo o mundo ” foi listada no topo dos 17 objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (United Nations, 2015), refletindo a grande determinação da humanidade em combater a pobreza. Nos últimos anos, contudo, muitos países têm enfrentado enormes desafios na redução da pobreza, abrandando o ritmo a que as pessoas estão a ser retiradas desta situação.

Em fevereiro de 2021, a China, o país em desenvolvimento mais populoso do mundo e a segunda maior economia do mundo, anunciou oficialmente que tinha completado a impressionante tarefa de erradicar a pobreza extrema no seu território, alcançando o objetivo da ONU 10 anos antes do previsto (Xi, 2021). Particularmente se consideramos que há apenas 40 anos havia mais de 800 milhões de pessoas em situação de pobreza, o que correspondia a mais de 90 por cento da população daquela época. Desta forma, o sucesso deste país a este nível pode proporcionar “múltiplas lições” para outros países em desenvolvimento (Mohammed,2018). Por isso, o objetivo desse artigo é tratar as seguintes questões de investigação:

– De que modo é que a China combateu a pobreza nos últimos 40 anos (desde 1978, o ano em que a China anunciou a sua reforma e abertura)?

– Que resultados foram alcançados na luta da China contra a pobreza?

Para assegurar a objetividade e a abrangência, utiliza-se uma combinação de métodos qualitativos e quantitativos na pesquisa. Para além de uma revisão das políticas adotadas sobre redução da pobreza desde 1978, são também analisados quantitativamente os dados disponíveis sobre a eficácia da erradicação da pobreza.

2 O PROCESSO HISTÓRICO DE ELIMINAÇÃO DA POBREZA NA CHINA

2.1 Ajustamento da Linha Oficial de Pobreza na China

No início da década de 1980, o governo chinês começou a assumir a linha de pobreza rural estabelecida pelo Bureau Nacional de Estatística da China como critério para aferir a incidência de pobreza rural no país.

A linha de pobreza de 1978 era de 100 yuan por pessoa por ano a preços constantes de 1978. Este é um padrão muito baixo, que assegura que cada pessoa pode ingerir 2.100 calorias por dia, com uma proporção da despesa alimentar a representar 85% do total e com uma elevada proporção de cereais vulgares (como sorgo e milho) e reduzida quantidade de carne e ovos. O limiar de pobreza de 2008 era de 865 yuan por pessoa por ano, a preços constantes de 2000, sendo a proporção da despesa alimentar de 60% deste valor. Já o limiar de pobreza de 2010 era de 2.300 yuan por pessoa por ano a preços constantes de 2010, tendo sido calculado com base nos custos básicos de alimentação, vestuário, ensino obrigatório de 9 anos, serviços médicos e habitação. O limiar de pobreza de 2010 é ainda hoje utilizado, ascendendo a 4000 yuan em 2020, a preços de 2010 e ajustado à inflação (Xian et al, 2016).

2.2. A Base Fundamental: o Crescimento Económico

O ritmo de crescimento económico da China tem permanecido elevado desde a sua reforma e abertura, com a economia nacional a crescer a uma taxa média anual de cerca de 9%. Durante o período de 1978 a 2014, o rendimento per capita da China aumentou 16 vezes, o que reduziu a taxa de pobreza extrema do país (com base no limiar internacional de pobreza de 1,90 dólares por dia em termos de PPC) de 88,3% em 1981 para 1,9% em 2013, retirando assim mais de 850 milhões de chineses da situação de pobreza extrema (World Bank, 2018).

Porém, assinala-se que a relação entre crescimento económico e erradicação da pobreza não é linear e que o impacto da economia nas diferentes classes e grupos de pessoas varia muito. Na realidade, o crescimento económico rápido da China veio a par do aumento da desigualdade, impulsionado pelo aumento das disparidades urbano-rurais, bem como entre regiões, o que reduziu o efeito do crescimento na redução da pobreza, pelo menos até 2010. O índice de gênico base no rendimento da China aumentou de 30 em meados dos anos 80 para 49,1 em 2008, e depois começou a diminuir. As disparidades interpessoais aumentaram à medida que o país passou a ter uma economia de mercado. Se a distribuição não tivesse mudado entre 1990 e 2010, a pobreza teria diminuído mais 6 pontos percentuais (Lugo et al, 2021).

Para maximizar o efeito sobre a pobreza, como referido anteriormente, não basta aguardar pelos efeitos do crescimento económico, sendo igualmente necessário o contributo adequado das políticas públicas.

2.3. Estratégias e Políticas de Redução da Pobreza no Contexto da Intervenção

Governamental Juntamente com o rápido crescimento económico, a China começou um esforço institucionalizado, organizado e planeado de redução da pobreza rural em grande escala desde 1978.

1978-1985: Reforma económica

Realizada em dezembro de 1978, a 3a sessão plenária do 11o Comitê Central iniciou um novo capítulo de reforma e abertura bem como modernização na China. O maior fator positivo na redução da pobreza durante este período foi a reforma do sistema económico (como mencionado anteriormente). Construiu-se uma boa base para os trabalhos posteriores (Wang etal, 2004).

1986-1993: O período de redução da pobreza orientada para o desenvolvimento em grande escala durante esta fase, o governo central integrou o programa de luta contra a pobreza rural numa estratégia nacional global, estabelecendo agências especializadas desde o nível central até ao nível do distrito. Em 1986, foi criado o Grupo Líder do Conselho de Estado sobre Alívio e Desenvolvimento da Pobreza com o objetivo de afetar eficazmente os recursos. O grupo identificou os distritos pobres a nível nacional, utilizando o rendimento per capita dos residentes rurais a nível do distrito como o principal indicador. Juntamente com os que foram definidos a nível provincial, um total de 700 dos 2100 distritos do país foram considerados pobres (World Bank,1992).

A redução da pobreza orientada para o desenvolvimento foi explicitamente adotada como a abordagem básica. A circular emitida pela China (1987) sobre o reforço do desenvolvimento económico nas zonas pobres apontou o desenvolvimento das áreas pobres como um projeto de gestão global. Principalmente, concentrou-se no desenvolvimento de uma economia de mercado, na transformação de indústrias tradicionais e na criação de novas indústrias, tirando partido das vantagens de recursos locais. Mais precisamente, a diferença face ao modelo anterior residiu em: i) a política de fundos de alívio da pobreza mudou de uma distribuição equivalente por população para uma distribuição por projeto; ii) passou de depender unicamente do sistema administrativo do governo para depender de organizações económicas e de todos os sectores da sociedade, com o governo a assumir a liderança; iii) passou do investimento especial de fundos para o investimento integrado de fundos, tecnologia, materiais e formação.

1994-2000: Programa prioritário de alívio da pobreza

Em 1994, a China (1994) lançou o Programa Prioritário de Alívio da Pobreza (1994-2000), o primeiro programa nacional de redução da pobreza da China com objetivos definidos, metas, medidas e prazos finais. Comprometeu-se a assegurar que as necessidades básicas de 80 milhões de residentes rurais empobrecidos seriam satisfeitas durante os sete anos de 1994 a 2000.

No final de 2000, os objetivos do projeto tinham sido amplamente alcançados. Contudo, a distribuição da população pobre mostrou uma diminuição no Leste e um aumento no Oeste, com a proporção de pessoas pobres no Leste a diminuir de 20% para 9%, no centro a mudar de 29% para 30% e no Oeste a aumentar de 51% para 61% (NBS, 2001).

2001-2012: O aperfeiçoamento do trabalho e o sistema de segurança social

No novo milénio, verificou-se que os pobres rurais estavam distribuídos principalmente em aldeias pobres em algumas regiões pobres, mostrando as características de “uma dispersão extensa com concentrações localizadas”. Consequentemente, era necessário refinar o objetivo geográfico dos programas de redução da pobreza.

Em 2001, emitiu-se o Esboço da Redução da Pobreza e Desenvolvimento nas Zonas Rurais da China (2001-2010), melhorando os critérios de identificação da pobreza e expandindo o âmbito da assistência governamental. Durante este período, a China deslocou o alvo da pobreza dos distritos para as aldeias, identificando 148.000 aldeias pobres, incluindo algumas fora dos distritos pobres. Ao mesmo tempo, a fim de reduzir o fosso entre os ricos e os pobres entre as zonas urbanas e rurais e de reforçar o investimento industrial em zonas relativamente desfavorecidas, foram implementados os planos de Programa de Desenvolvimento Ocidental e de Ascensão da China Central. Foi assegurado apoio financeiro e político às regiões centrais e ocidentais para ajudar ao desenvolvimento das principais empresas líderes nessas regiões (China, 2001). A composição do investimento total (formação de capital fixo) deslocou-se da região oriental, cuja quota diminuiu de 66% em 2003 para 43% em 2012, a mesmo tempo que a quota das regiões ocidentais e centrais aumentou de forma correspondente (World Bank, 2020).

Em relação ao sistema de segurança social, após uma série de ensaios-piloto, a China (2007) publicou uma circular sobre o estabelecimento de um sistema de segurança rural de subsistência mínima na China. Foi lançado a nível nacional um programa de rendimento mínimo garantido (Di Bao) para as zonas rurais, o qual se expandiu rapidamente, atingindo mais de 52 milhões de beneficiários em 2010. Esta foi uma mudança fundamental, uma vez que pela primeira vez o governo ofereceu uma garantia de rendimento mínimo à população elegível cujo rendimento estava abaixo da linha de Di Bao (fixado a nível local). A elegibilidade para o Di Bao é verificada com a ajuda de um registo da população, utilizando uma definição de pobreza multidimensional (rendimento, bens, condições de habitação, educação, saúde, emprego).

Em geral, os residentes das aldeias pobres foram os mais beneficiados devido à mudança para baixo nas unidades territoriais alvo. Em especial, o rendimento líquido per capita nas aldeias-chave de alívio da pobreza aumentou de 1.196 yuan em 2002 para 2.485 yuan em 2008, um aumento médio anual de quase 13%, ao passo que a taxa de crescimento média anual nacional do rendimento dos residentes rurais foi de 11,5% durante o mesmo período (Zhang & Wang, 2013).

2013-2020: Precisão no alívio e erradicação da pobreza

À medida que a população em situação de pobreza foi diminuindo, o governo reconheceu que o efeito trickle-down do crescimento económico estava a diminuir e que da abordagem à redução da pobreza assente no desenvolvimento económico começava a mostrar uma tendência decrescente. Entre 2000 e 2010, a proporção de pobres na região oriental diminuiu de 10,2% para 4,6%, enquanto a proporção na região ocidental aumentou de 60,8% para 65,1%. É importante destacar ainda que houve casos em que uma grande quantidade de fundos e projetos de alívio da pobreza foram utilizados para projetos de industrialização sob o pretexto de “redução da pobreza através do desenvolvimento”. A sua motivação era o aumento do PIB em vez do melhoramento direto das condições de vida dos pobres ou dos serviços públicos básicos (NBS, 2011).

Assim, perante esses estrangulamentos, e a fim de erradicar completamente a pobreza extrema até 2020, o presidente chinês Xi Jinping propôs pela primeira vez o conceito de uma “orientação diferenciada para a redução direcionada da pobreza” na sua visita de inspeção à aldeia da região central, província de Hunan na China, em novembro de 2013 (Huang, 2018). Concretizando este princípio, o presidente sublinhou que se deve “ser meticuloso no trabalho, adaptar as medidas para se adequar às condições locais, procurar a verdade a partir dos factos” (Huang, 2018). Pouco depois, o mecanismo de “precisão no alívio e erradicação da pobreza” foi apresentado oficialmente, o que assinalou uma mudança mais decisiva da focalização na pobreza baseada na área para a focalização na pobreza centrada no agregado familiar (China SCIO, 2021a). Desde então, a China entrou numa nova era de redução da pobreza.

A estratégia abrangeu todo o processo desde a identificação das situações de pobreza até à saída da pobreza, determinando quem deve ser ajudado, quem ajuda, como ajudar, como sair e como evitar a reincidência da pobreza. Neste contexto, obtiveram-se melhorias na forma como as famílias pobres eram identificadas. Em primeiro lugar, o rendimento do agregado familiar deixou de ser o único critério para a identificação. Porquanto os governos locais muitas vezes não tinham registos precisos e fiáveis do rendimento de todos os agregados familiares rurais, recorreu-se a informação sobre ativos do agregado familiar tais como a habitação e a posse de bens duradouros para complementar o limiar de pobreza baseado no rendimento. Em segundo lugar, ao nível da execução, cerca de 800.000 funcionários foram enviados para levar a cabo ações de “identificação precisa da pobreza” (Jingzhun Shibie). Para evitar tantos erros quanto possível, por exemplo, erros de inclusão (agregados familiares identificados como pobres que não necessitavam de assistência) e exclusão (agregados familiares pobres que não recebiam apoio suficiente), foram realizadas verificações adicionais, bem como uma estreita supervisão das “saídas” declaradas da pobreza. Criaram-se também mecanismos locais de feedback para suportar a responsabilização de cima para baixo, incluindo o estabelecimento em 2014 da linha direta “12317” para a comunicação de problemas sobre o alívio da pobreza (China, 2014).

No que diz respeito ao esforço financeiro, é importante assinalar um aumento súbito do financiamento a partir de 2016. De acordo com o anúncio do Ministério das Finanças feito a 19de julho de 2016, o governo central tinha concluído a distribuição da FCP central num total de 67,0 mil milhões de yuan para o ano 2016, um aumento de 45,4% a partir de 2015. Em 2017 e 2018, o orçamento central da FCP cresceu mais 29% e 23%, respetivamente, cruzando pela primeira vez a marca dos 100 mil milhões de RMB. Provavelmente, este foi um resultado direto da entrada em vigor do 13o Plano Quinquenal, que enfatizava a importância da erradicação da pobreza como chave para a construção de uma sociedade próspera. O período do 13o Plano Quinquenal é de 2016 a 2020 e inclui a erradicação da pobreza até 2020 como uma meta quantitativa explícita do plano, exigindo fundos adicionais e supervisão para alcançar este objetivo. Até 2020, o fundo ascendeu a 146,1 mil milhões de RMB. Estes aumentos duplicaram os fundos destinados à redução da pobreza através do desenvolvimento. A combinação de fundos centrais e locais para alívio da pobreza representava 0,08 por cento do PIB em 2011, tendo aumentado para 0,20 por cento em 2018 (IPRCC, 2021).

Um mecanismo particularmente importante de apoio à redução da pobreza fora dos recursos da FCP tem sido a geminação de províncias e municípios ricos e pobres, que foi iniciado em 1996 e que ganhou proeminência nos últimos anos. Um exemplo típico é Ningxia, uma província pobre na China, que tem beneficiado da cooperação este oeste para o alívio da pobreza desde 1996. Em novembro de 2016, a parceria entre o Distrito de Yuanzhou em Ningxia e o Distrito de Mawei em Fujian foi finalizada durante o período de precisão no alívio da pobreza, abrangendo seis aspetos: financiamento, funcionários públicos, emprego, saúde e educação, negócios e investimento, e desenvolvimento de competências (Global Times, 2021).

3. ANÁLISE DOS EFEITOS DO MODELO DE REDUÇÃO DA POBREZA NA CHINA

Em primeiro lugar, no final de 2020, após oito anos de trabalho árduo, a China alcançou o objetivo de eliminar a pobreza extrema – um objetivo-chave para a nova era de construção do socialismo com características chinesas. Ao mesmo tempo, a Figura 1 mostra que, após 2000, o número de pessoas pobres e a incidência da pobreza na China diminuíram mais rapidamente durante a fase de alívio preciso da pobreza que começou em 2013. Isto mostra que, nas fases iniciais, a economia desempenhou o maior papel. Mas quanto mais está na fase final, mais os esforços do governo são necessários, espelhando o papel determinante da intervenção pública.

Figura 1 – Alterações na população pobre da China e incidência da pobreza, 1978-2019

Fonte: elaboração da autora segundo o Relatório de Monitorização da Pobreza na China Rural 2020

Segundo, em termos de produto bruto, como é visível na Figura 2, entre 2000 e 2016 o produto
bruto da região ocidental aumentou de 1,7 biliões de yuan para 15,6 biliões de yuan, o que
representa uma parte crescente do produto bruto nacional. Em comparação com 2010, o número
de pessoas que vivem em situação de pobreza rural em 2019 nas regiões orientais, centrais e
ocidentais diminuiu respetivamente 25,4 milhões, 53,7 milhões e 81,6 milhões (NBS, 2020). É

assim evidente que a disparidade interregional está a diminuir de forma constante no contexto
de um crescimento económico progressivo nas regiões ocidentais.

Figura 2 – PIB da Região Oeste em valor e percentagem do PIB nacional

Fonte: Wang & Yang (2020)

4 Conclusão

Olhando retrospectivamente para o processo de erradicação da pobreza extrema na China, verifica-se que todo o percurso seguiu regras objetivas, a maior expressão das quais foi a sua natureza dinâmica. O primeiro disse respeito à natureza dinâmica dos elementos envolvidos. A década de 1980 foi uma fase inicial de participação, com menor envolvimento das organizações sociais e outros atores. Na década de 1990, o Programa de Sete Anos de Alívio à Pobreza Prioritária (1994-2000) propôs claramente mobilizar todos os sectores da sociedade para participarem ativamente na redução da pobreza. Desde então, têm-se vindo a envolver largamente organizações sociais, empresas e outras organizações não governamentais no esforço de combate à pobreza na China. Segundamente, há que ter em conta a natureza dinâmica do planeamento de políticas: começando pelo modelo inicial de alívio direto passando pela redução da pobreza através do desenvolvimento em grande escala durante um período de rápido crescimento económico e, finalmente, a adoção de uma estratégia de precisão no alívio da pobreza a fim de resolver completamente a “última milha” do problema da pobreza. Verifica-se assim que a adoção de uma gama de políticas adaptadas a cada situação funciona sempre melhor.

Em adição a isto, o grande sucesso da prática chinesa de redução da pobreza deve-se precisamente ao socialismo com caraterísticas chinesas, que é geralmente visto a nível internacional como um avanço teórico importante na iniciação do marxismo, bem como ao governo ativo e poderoso, em vez de uma completa mercantilização enfatizada na teoria ocidental (Westmore, 2017). Há muito que se reconhece que um governo capaz, credível e empenhado é a chave para o sucesso das estratégias de desenvolvimento. Tal como mencionado no Relatório de Desenvolvimento Mundial 2017 (World Bank, 2017), instituições de governação eficazes cumprem três funções essenciais: empenho credível, reforço da coordenação e indução da cooperação. As três funções centrais estiveram presentes na conceção e implementação dos esforços de redução da pobreza da China. Ao mesmo tempo, reformas cautelosas foram complementadas com experimentação, permitindo ao país ajustar a política quando confrontado com provas de que não estava a funcionar. Em certa medida, isto reflete a cautela da China em abdicar do controlo governamental demasiado depressa.

Bill Gates, copresidente da Fundação Bill & Melinda Gates, revelou que apesar de o desenvolvimento ter melhorado noutras partes do mundo, as pessoas mais pobres das regiões mais pobres ainda se estão a desenvolver lentamente (Bill Gates, 2019). A razão para tal é que o desenvolvimento económico e a erradicação da pobreza se baseiam em lógicas diferentes. A primeira centra-se na lógica da eficiência e a segunda na lógica da equidade, e há diferenças naturais entre as duas. Contudo, a experiência bem-sucedida da China na redução da pobreza provou ao mundo que ambas podem andar de mãos dadas e reforçar-se mesmo mutuamente.

Melhor dizendo, a China não depende do governo e abandona o mercado, nem confia cegamente no mercado e exclui o governo, porém combina os dois organicamente, resultando num efeito “1+1>2”.

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1Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional no Instituto Superior de Economia e Gestão,
Universidade de Lisboa. e-mail: l54414@aln.iseg.ulisboa.pt
2Professor Auxiliar no Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade de Lisboa. Doutoramento (PhD
Economics) em 2012 pela SOAS Universidade de Londres. e-mail: alexandreabreu@iseg.ulisboa.pt