NEUROCIÊNCIA APLICADA À APRENDIZAGEM DE AUTISTAS: HORTOTERAPIA E PRÁTICAS SENSORIAIS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DOS ODS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202508182235


Thainã Porto


RESUMO

A inclusão de alunos autistas no ambiente escolar exige práticas pedagógicas que respeitem a neurodiversidade e promovam experiências significativas de aprendizagem. Este artigo tem como objetivo investigar como a neurociência aplicada à educação pode ser articulada à hortoterapia e ao uso de jardins sensoriais como estratégias para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais e emocionais de estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A pesquisa fundamenta-se nos princípios do ODS 4 da Agenda 2030, que propõe uma educação de qualidade, inclusiva e equitativa. A metodologia adotada é qualitativa, de cunho bibliográfico, com base em autores que abordam a neurociência educacional, a psicopedagogia e as práticas inclusivas, como Cunha (2015), Santos (2009) e Amy (2001), além de documentos normativos como a BNCC e as Diretrizes Curriculares da Educação Básica. A fundamentação teórica foi dividida em dois tópicos principais: o primeiro trata da neurociência como base para a compreensão das especificidades cognitivas de alunos autistas e sua relação com a educação inclusiva; o segundo discute a hortoterapia e os jardins sensoriais como práticas de estimulação multissensorial no contexto escolar. Os resultados apontam que ambientes educativos que valorizam a estimulação sensorial e as práticas ao ar livre contribuem para a autonomia e a participação ativa dos estudantes com TEA. Conclui-se que a integração entre neurociência e práticas pedagógicas sensoriais fortalece o compromisso da escola com a inclusão e com os objetivos do desenvolvimento sustentável.

Palavras-Chave: Neurociência educacional; Transtorno do Espectro Autista; Hortoterapia; Inclusão escolar.

ABSTRACT

The inclusion of autistic students in school environments requires pedagogical practices that respect neurodiversity and promote meaningful learning experiences. This article aims to investigate how neuroscience applied to education can be integrated with horticultural therapy and sensory gardens as strategies for developing cognitive, social, and emotional skills in students with Autism Spectrum Disorder (ASD). The research is grounded in Sustainable Development Goal 4 of the 2030 Agenda, which advocates for inclusive, equitable, and quality education. The methodology is qualitative and bibliographic, based on authors who address educational neuroscience, psychopedagogy, and inclusive practices, such as Cunha (2015), Santos (2009), and Amy (2001), as well as official documents like the BNCC and the National Curriculum Guidelines. The theoretical framework is divided into two main topics: the first discusses neuroscience as a foundation for understanding the cognitive specificities of autistic students and its relationship with inclusive education; the second explores horticultural therapy and sensory gardens as multisensory stimulation practices within the school context. Results indicate that educational environments valuing sensory stimulation and outdoor activities contribute to the autonomy and active participation of students with ASD. It is concluded that integrating neuroscience with sensory pedagogical practices reinforces the school’s commitment to inclusion and to the Sustainable Development Goals.

Keywords: Educational neuroscience; Autism Spectrum Disorder; Horticultural therapy; School inclusion.

1. INTRODUÇÃO

A crescente valorização da inclusão escolar no Brasil tem mobilizado educadores, gestores e pesquisadores em busca de práticas pedagógicas que respeitem as diferenças cognitivas, sensoriais e emocionais dos estudantes. Em especial, a inclusão de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no ambiente escolar demanda estratégias de ensino que considerem suas especificidades e potencialidades, respeitando o princípio da equidade e da educação integral. Nesse contexto, a neurociência educacional tem oferecido importantes contribuições para a compreensão dos processos de aprendizagem de alunos autistas, ao demonstrar como estímulos ambientais e práticas pedagógicas adequadas podem promover o desenvolvimento de funções cognitivas e emocionais relevantes para o seu aprendizado.

As práticas baseadas na estimulação sensorial, como a hortoterapia e a construção de jardins sensoriais, têm se mostrado eficazes na mediação do processo de aprendizagem de crianças com TEA. Ao promoverem o contato direto com a natureza, essas estratégias favorecem a organização neurológica, a atenção, a regulação emocional e a interação social, aspectos frequentemente desafiadores para os estudantes com autismo. Tais iniciativas estão alinhadas às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que defende uma educação voltada para o desenvolvimento integral e para a formação cidadã, bem como aos princípios do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, que visa garantir uma educação de qualidade, inclusiva e equitativa para todos.

O presente artigo tem como objetivo analisar como a integração entre os conhecimentos da neurociência e as práticas pedagógicas sensoriais, como a hortoterapia, pode favorecer o processo de inclusão de alunos autistas no contexto escolar. O problema que orienta esta pesquisa é: de que forma a neurociência pode fundamentar o uso de hortas e jardins sensoriais como estratégias pedagógicas inclusivas para alunos com TEA? Parte-se do pressuposto de que uma educação verdadeiramente inclusiva exige mais do que a presença física do aluno em sala de aula, requerendo práticas que respeitem seu ritmo, suas formas de interação e suas maneiras particulares de aprender.

A fundamentação teórica está dividida em dois grandes tópicos. No primeiro, discutiremos a relação entre neurociência e educação inclusiva, abordando os fundamentos científicos que explicam os processos de aprendizagem no cérebro autista e suas implicações pedagógicas. No segundo tópico, serão exploradas as contribuições da hortoterapia e do jardim sensorial como práticas de estimulação multissensorial, destacando sua relevância no processo de aprendizagem e socialização dos alunos com TEA, bem como sua conexão com os princípios dos ODS.

2. METODOLOGIA

Adota-se uma pesquisa de natureza explicativa, conforme caracterizam Marconi e Lakatos (2017):

“A pesquisa explicativa registra fatos, analisa-os, interpreta-os e identifica suas causas. Essa prática visa ampliar generalizações, definir leis mais amplas, estruturar e definir modelos teóricos, relacionar hipóteses em uma visão mais unitária do universo ou âmbito produtivo em geral e gerar hipóteses ou ideias por força de dedução lógica” (Markoni; Lakatos, 2017).

A investigação demanda esforço de síntese, teorização e reflexão a partir do objeto estudado. O método de abordagem é dedutivo: partindo de premissas verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira; todo o conteúdo factual da conclusão encontra-se, ao menos implicitamente, nas premissas, de modo que os argumentos dedutivos sustentam integralmente ou não suas conclusões (Marconi; Lakatos, 2003).

Quanto aos procedimentos, realizou-se pesquisa bibliográfica, baseada em materiais já publicados — livros, artigos, periódicos, jornais, boletins, monografias, dissertações, teses, material cartográfico e fontes da internet — com o propósito de colocar o pesquisador em contato direto com o estado da arte e assegurar a verificação da veracidade dos dados, atentando a possíveis incoerências entre as obras (Prodanov; Freitas, 2013). Complementarmente, empregou-se pesquisa documental, que utiliza materiais ainda sem tratamento analítico ou passíveis de reelaboração conforme os objetivos do estudo (Gil, 2002).

A leitura dos sujeitos em seus próprios termos é situada em uma perspectiva dialética, na qual os fenômenos são compreendidos em movimento e transformação contínua, de modo que o término de um processo inaugura outro (Marconi; Lakatos, 1991). Como estratégia, procedeu-se à análise e à síntese crítica de evidências pertinentes ao tema, com ênfase teórica e abordagem qualitativa. A vertente descritiva buscou caracterizar o fenômeno e, quando pertinente, estabelecer relações entre variáveis (Gil, 2002).

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A neurociência tem se destacado como uma aliada estratégica no campo educacional ao oferecer subsídios para a compreensão do funcionamento cerebral em diferentes contextos de aprendizagem. A partir dos avanços no entendimento sobre o cérebro em desenvolvimento, é possível pensar em práticas pedagógicas mais assertivas, principalmente quando se trata da inclusão de alunos com necessidades específicas, como os autistas. Segundo Sousa (2011, p. 45), “o cérebro aprende quando está envolvido emocionalmente e quando as experiências fazem sentido”, o que reforça a importância de estratégias que articulem cognição e afeto. Nesse sentido, a BNCC defende que o currículo escolar deve considerar o desenvolvimento integral, respeitando os diferentes tempos e modos de aprendizagem (Brasil, 2018).

A educação inclusiva se configura como um direito fundamental e um imperativo ético e político. O desafio, porém, está em como tornar esse princípio uma realidade concreta dentro das escolas. A neurociência oferece pistas ao demonstrar que o cérebro autista possui padrões específicos de processamento sensorial, atenção seletiva e linguagem, o que exige metodologias que respeitem tais particularidades. De acordo com Caetano (2020, p. 634), “as novas tecnologias e conhecimentos sobre o cérebro podem ser aplicados como instrumentos facilitadores na construção da aprendizagem significativa”. Isso mostra como a educação precisa deixar de lado modelos homogêneos para acolher a diversidade.

Estudos sobre plasticidade cerebral têm demonstrado que o cérebro é capaz de se modificar em resposta ao ambiente, experiências e estímulos apropriados, o que reforça a importância da mediação pedagógica. A criança autista, quando inserida em ambientes ricos em estímulos sensoriais e afetivos, pode apresentar avanços significativos em suas habilidades cognitivas e emocionais. Conforme aponta Damásio (2004), citado por Silva e Barreto (2019), as emoções desempenham papel central na organização do pensamento e da aprendizagem, sendo imprescindível sua valorização no processo educativo. Assim, a inclusão se fortalece com práticas pautadas no cuidado e no afeto.

A BNCC (2018) reconhece que a aprendizagem envolve a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para a resolução de demandas complexas da vida cotidiana. Isso se alinha à proposta de uma educação que considera a neurodiversidade como um elemento constitutivo do ambiente escolar. Conforme argumenta Gardner (1995), cada indivíduo possui diferentes tipos de inteligência e aprende de maneiras distintas, o que exige do professor uma escuta atenta e uma postura investigativa diante dos processos de aprendizagem. A valorização da singularidade, portanto, é condição para a efetivação da inclusão.

O conceito de educação inclusiva transcende a simples presença do aluno com deficiência na sala de aula comum. Trata-se de garantir condições reais de participação, aprendizagem e desenvolvimento. Nesse aspecto, o uso de abordagens fundamentadas na neurociência pode ajudar a criar práticas pedagógicas mais responsivas. Para Goleman (2006, p. 88), “a inteligência emocional é mais determinante para o sucesso do que o QI”, o que mostra a necessidade de desenvolver competências socioemocionais desde a infância. A escola, portanto, deve favorecer espaços de escuta, vínculo e cooperação.

Ao reconhecer que as crianças autistas podem apresentar hiper ou hipossensibilidade a estímulos, a neurociência nos ensina que o ambiente físico e social deve ser cuidadosamente planejado. Estratégias como a redução de ruídos, o uso de cores suaves e a organização visual do espaço são essenciais para evitar sobrecargas sensoriais. Como afirma Santos, Esmeraldo e Ferraz (2020, p. 211), “a estrutura do espaço pode favorecer ou limitar as possibilidades de aprendizagem, principalmente para alunos com TEA”. Dessa forma, a organização do espaço escolar não é neutra, mas interfere diretamente nos processos de ensino-aprendizagem.

Outro ponto importante é a valorização do ritmo próprio de aprendizagem. Crianças autistas podem apresentar avanços em determinadas áreas e dificuldades em outras, o que requer uma avaliação diagnóstica contínua e uma pedagogia da escuta. De acordo com Vygotsky (1991), o desenvolvimento ocorre por meio da mediação e da interação social, e não apenas pela exposição a conteúdos. Essa perspectiva é reforçada por estudos de Cunha (2015), que destacam o papel do educador como mediador e organizador do ambiente de aprendizagem, especialmente em contextos inclusivos.

A neurociência também contribui para o enfrentamento de práticas excludentes que insistem em rotular os alunos. Quando o professor compreende que comportamentos considerados “inadequados” podem estar relacionados a dificuldades de processamento neurológico, ele tende a adotar uma postura mais empática e pedagógica. Conforme afirma Amy (2001, p. 79), “a empatia é uma ferramenta poderosa para transformar a relação ensino-aprendizagem, principalmente com alunos que apresentam desafios comportamentais”. A empatia, aliada ao conhecimento científico, favorece a construção de vínculos e a redução de barreiras atitudinais.

A BNCC orienta que a prática docente deve promover aprendizagens significativas e respeitar as características dos sujeitos. Isso implica em adaptar os objetivos de ensino às condições reais dos alunos, inclusive daqueles com TEA. Como reforça o Caderno Criança Alfabetizada (Brasil, 2019), a avaliação deve ser formativa, contínua e contextualizada, permitindo ao professor identificar avanços e dificuldades sem excluir ou punir. Essa abordagem é coerente com os princípios da educação inclusiva e com os achados da neurociência sobre aprendizagem.

A mediação docente deve ser pautada na sensibilidade e no conhecimento sobre o funcionamento cognitivo dos alunos. Em se tratando de crianças com TEA, isso inclui compreender que sua comunicação, muitas vezes, se dá por gestos, imagens ou comportamentos, e não apenas por palavras. Para Ferreira e Mendes (2018), a linguagem é apenas uma das formas de expressão, e a escola precisa abrir espaço para múltiplas formas de comunicação. Essa visão amplia o conceito de aprendizagem e favorece a inclusão de sujeitos com diferentes formas de estar no mundo.

A educação inclusiva mediada pela neurociência também demanda uma formação docente consistente, capaz de articular teoria e prática. O desconhecimento sobre o funcionamento neurológico de alunos autistas pode levar o educador a adotar práticas ineficazes ou até prejudiciais. Segundo Santos, Esmeraldo e Ferraz (2020), muitos professores ainda se sentem despreparados para lidar com a inclusão e necessitam de apoio institucional e formação continuada. Investir na formação docente é, portanto, um passo essencial para a concretização da inclusão escolar com base científica.

A abordagem neurocientífica reforça a ideia de que o ambiente deve ser preparado para o aluno, e não o contrário. Isso significa reconhecer que todos aprendem, mas nem todos aprendem da mesma forma ou ao mesmo tempo. Como afirma Moraes (2013, p. 102), “a diversidade não é um problema a ser resolvido, mas uma riqueza a ser acolhida”. A escola que acolhe essa diversidade amplia seu potencial transformador e educativo, tornando-se um espaço mais humano e democrático.

Além disso, a neurociência mostra que o vínculo afetivo com o professor é determinante para o sucesso escolar. Crianças autistas que se sentem seguras e compreendidas tendem a se engajar mais nas atividades pedagógicas. Conforme relata Damásio (2004), as emoções influenciam diretamente os processos de atenção, memória e aprendizagem, sendo, portanto, parte constitutiva do processo educativo. Promover vínculos é tão importante quanto ensinar conteúdos.

A escuta sensível do professor é outro elemento apontado pela neurociência como fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Ao escutar com empatia e sem julgamentos, o educador cria um ambiente emocionalmente seguro, condição indispensável para que o cérebro entre em estado receptivo à aprendizagem. De acordo com Goleman (2006), a empatia é uma das habilidades centrais da inteligência emocional, e seu desenvolvimento deve ser promovido desde a infância. A escola, nesse sentido, é espaço privilegiado para a construção de vínculos significativos.

O planejamento pedagógico, quando orientado pela neurociência, considera os diferentes canais de entrada e processamento da informação: visual, auditivo, tátil, entre outros. Para alunos com TEA, isso significa oferecer múltiplas formas de apresentação do conteúdo e diferentes formas de expressão da aprendizagem. Conforme reforça Gardner (1995), ao reconhecer as inteligências múltiplas, a escola amplia suas possibilidades de ensino e inclusão. Uma prática diversificada respeita a individualidade e potencializa a aprendizagem.

A construção de uma escola inclusiva passa também pela valorização das relações interpessoais. A convivência com a diferença favorece o desenvolvimento de atitudes de respeito, empatia e solidariedade entre os alunos. Como destaca a BNCC (2018), uma das competências gerais da educação básica é “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação”. Ao incluir alunos autistas em espaços comuns de aprendizagem, a escola educa para a cidadania e para a convivência democrática.

É necessário também superar a ideia de que apenas especialistas podem ensinar alunos com deficiência. Todos os professores, independentemente da área, devem se comprometer com a inclusão. A neurociência mostra que o processo de aprendizagem é dinâmico e que qualquer educador pode, com formação e apoio, atuar de forma efetiva na mediação do conhecimento. Como aponta Cunha (2015, p. 61), “o conhecimento neurocientífico precisa estar acessível ao professor da educação básica como ferramenta de análise e ação pedagógica”.

A escola inclusiva se fortalece na medida em que cria redes de apoio entre professores, equipe gestora, famílias e profissionais da saúde. A neurociência indica que o desenvolvimento da criança ocorre em contextos interativos e que o envolvimento familiar é fator protetivo. Para Damásio (2004), o cérebro se desenvolve nas interações e é sensível aos vínculos afetivos. Por isso, práticas que envolvem a família e respeitam a cultura da comunidade escolar são mais eficazes.

É preciso compreender que a inclusão baseada na neurociência não se resume a técnicas ou protocolos. Trata-se de uma nova ética do cuidado e do acolhimento, que reconhece o aluno como sujeito singular, com história, linguagem e formas próprias de aprender. Segundo Santos, Esmeraldo e Ferraz (2020, p. 213), “a educação inclusiva exige compromisso ético com a diferença e disposição permanente para o aprendizado do próprio educador”. Essa postura reflexiva e aberta é o que torna possível uma educação realmente transformadora.

3.2 HORTOTERAPIA, JARDIM SENSORIAL E ODS 4

A hortoterapia, prática terapêutica que utiliza o cultivo de plantas como recurso de desenvolvimento físico, emocional e cognitivo, tem ganhado espaço no ambiente escolar como estratégia inclusiva. Quando aplicada a estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a atividade com plantas e jardins sensoriais permite trabalhar habilidades essenciais de maneira integrada e prazerosa. Segundo Freitas (2020, p. 112), “o contato com o solo, as cores, os aromas e as texturas proporcionados pela jardinagem favorece a estimulação multissensorial de forma natural”. Dessa maneira, as experiências vivenciadas nas hortas escolares alinham-se ao propósito da educação integral proposto pela BNCC.

A BNCC defende, em seus princípios, a construção de uma educação que promova a interação entre os sujeitos e o meio, valorizando práticas que contribuam para a formação ética, estética e política dos alunos. A hortoterapia, ao estimular o cuidado com a natureza, a responsabilidade coletiva e a percepção dos ciclos da vida, contribui significativamente para esses objetivos. Conforme destaca Santos (2009), a educação deve proporcionar vivências concretas que estimulem a construção do conhecimento por meio da ação, da experiência e da relação com o mundo. As atividades em hortas e jardins atendem a essa premissa.

No caso de crianças com TEA, que frequentemente apresentam dificuldades em lidar com estímulos sensoriais e em se comunicar por meios convencionais, o trabalho com a terra e as plantas permite expressões não verbais e interações mediadas pelo ambiente. Segundo Amy (2001, p. 97), “a natureza serve como intermediária na construção do vínculo entre a criança e o educador, possibilitando experiências afetivas seguras”. A jardinagem escolar, portanto, pode ser pensada como um espaço de mediação emocional e de aprendizagem significativa.

Os jardins sensoriais são ambientes planejados para estimular os sentidos por meio da diversidade de plantas, cores, texturas, sons e aromas. Para alunos autistas, esses espaços funcionam como dispositivos de organização neurológica, auxiliando na regulação sensorial e emocional. De acordo com Cunha (2015), práticas que envolvem múltiplos sentidos facilitam o desenvolvimento de conexões neurais e favorecem o aprendizado de alunos com necessidades específicas. Nesse sentido, os jardins sensoriais não apenas embelezam a escola, mas cumprem uma função pedagógica e terapêutica.

Além de seus benefícios individuais, a hortoterapia promove a convivência e a colaboração entre os estudantes. Ao trabalharem em grupo no cultivo e manutenção das plantas, os alunos desenvolvem habilidades socioemocionais importantes, como cooperação, empatia, escuta e respeito ao outro. Conforme aponta Goleman (2006, p. 137), “as habilidades sociais são construídas na prática cotidiana e dependem de oportunidades de interação mediada por adultos atentos”. Assim, o jardim torna-se um espaço de construção de vínculos interpessoais e de aprendizagem da convivência democrática.

A proposta dos jardins sensoriais e da hortoterapia também dialoga com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 da Agenda 2030, que defende uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade para todos. Ao integrar a dimensão ambiental, a dimensão social e a dimensão pedagógica, essa prática contribui para a formação de sujeitos críticos, sensíveis e comprometidos com a sustentabilidade. Segundo a ONU (2015), a educação sustentável deve preparar os indivíduos para agir de forma ética e responsável em relação ao meio ambiente e à comunidade. A horta escolar, nesse contexto, é um microespaço de cidadania ativa.

É importante destacar que a construção de hortas e jardins sensoriais não exige grandes investimentos financeiros, mas requer planejamento, criatividade e envolvimento da comunidade escolar. Quando os educadores compreendem o valor pedagógico dessas práticas, mobilizam-se para integrá-las ao currículo, de forma interdisciplinar. Como afirma Libâneo (2005), o currículo deve ser flexível e contextualizado, capaz de dialogar com as realidades e necessidades dos alunos. A horta, então, passa a ser também um recurso didático.

A presença dos jardins sensoriais nas escolas promove ainda o fortalecimento da relação entre a instituição e as famílias. Muitos responsáveis relatam mudanças positivas no comportamento das crianças após sua participação em atividades na horta escolar. Conforme destaca Ferreira e Mendes (2018), o envolvimento familiar é um fator de proteção no desenvolvimento infantil e deve ser estimulado pelas escolas. As práticas ao ar livre, além disso, tornam-se momentos de encontro entre gerações, saberes e afetos.

Outro ponto relevante é que a hortoterapia permite trabalhar conteúdos curriculares de maneira prática e interdisciplinar. Noções de ciências, matemática, linguagem e artes podem ser exploradas no contexto do cultivo e do cuidado com as plantas. De acordo com a BNCC (2018), o ensino deve promover a articulação entre teoria e prática, valorizando a experiência do aluno como ponto de partida para a construção do conhecimento. Assim, o jardim sensorial se transforma em sala de aula viva.

As atividades de hortoterapia favorecem o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças. O ato de plantar, regar, colher e cuidar do espaço estimula a coordenação motora fina e global, bem como o planejamento de ações e a percepção espacial. Para alunos com TEA, essas práticas são ainda mais significativas, pois auxiliam na organização corporal e na antecipação de rotinas. Segundo Santos, Esmeraldo e Ferraz (2020), a previsibilidade e a rotina são fundamentais para o bem-estar de pessoas com autismo, e o cultivo oferece esse tipo de estrutura.

Os jardins também funcionam como espaços de acolhimento e regulação emocional. Crianças com sobrecarga sensorial podem utilizar esses ambientes como refúgio, diminuindo a ansiedade e os comportamentos disruptivos. Como relata Silva e Barreto (2019), os espaços escolares devem ser planejados para promover bem-estar e segurança, especialmente para estudantes com sensibilidade aumentada. Um jardim bem cuidado pode ser terapêutico e pedagógico ao mesmo tempo.

A implementação da hortoterapia na escola também promove a autonomia e o protagonismo dos estudantes. À medida que assumem responsabilidades no cuidado com as plantas, desenvolvem autoestima, senso de utilidade e pertencimento ao espaço escolar. Conforme defende o DCRV (Brasil, 2018), o protagonismo infantil é um dos princípios da educação inclusiva e deve ser garantido em todas as etapas da educação básica. A horta, nesse sentido, é um território fértil para a expressão da infância.

As práticas de jardinagem estimulam a curiosidade e o espírito investigativo. Ao observar os ciclos naturais, os alunos são incentivados a levantar hipóteses, registrar descobertas e refletir sobre os processos vitais. De acordo com Piaget (1998), o conhecimento é construído na ação sobre o objeto, e a experimentação é essencial para o desenvolvimento do pensamento lógico. O jardim é, assim, um laboratório a céu aberto.

As crianças autistas se beneficiam particularmente das atividades de jardinagem porque essas experiências respeitam o ritmo individual e oferecem estímulos organizados e previsíveis. Como aponta Cunha (2015, p. 74), “a previsibilidade das atividades favorece a antecipação de ações e reduz comportamentos de estresse”. Essa abordagem respeitosa com o tempo e o modo de cada aluno é coerente com os princípios da educação humanizadora e inclusiva.

A escola que incorpora práticas como a hortoterapia demonstra compromisso com uma pedagogia do cuidado e da sustentabilidade. Ao promover o contato com a natureza e o respeito aos seres vivos, ela contribui para a formação ética dos estudantes. Segundo Goleman (2006), desenvolver empatia não se restringe à relação com pessoas, mas se estende ao mundo natural. Educar para a empatia é também educar para a vida.

A participação dos professores é fundamental para o sucesso dessas práticas. É necessário que o corpo docente compreenda a importância pedagógica da horta e seja capacitado para atuar nesse espaço. Para Santos, Esmeraldo e Ferraz (2020), a formação continuada é um dos pilares para a efetivação de práticas inclusivas e inovadoras. Investir em formação é investir em qualidade de ensino.

Além disso, a hortoterapia favorece a construção de uma cultura escolar inclusiva. Ao valorizar a diversidade e propor atividades acessíveis a todos, a escola envia uma mensagem clara: todos pertencem e têm algo a contribuir. Como afirma a BNCC (2018), a inclusão deve ser transversal ao currículo e permear todas as dimensões do processo educativo. O jardim sensorial pode ser esse símbolo vivo de inclusão.

A educação para a sustentabilidade, proposta pelos ODS, não se limita ao conteúdo curricular, mas envolve a vivência de práticas concretas no cotidiano escolar. O cultivo de hortas, o cuidado com o solo e a alimentação saudável são temas que atravessam o currículo de forma integrada. Segundo a Agenda 2030 (ONU, 2015), a sustentabilidade deve ser vivenciada desde a infância, em contextos educativos comprometidos com a vida e o futuro.

As atividades com hortoterapia, ao promoverem o engajamento dos alunos com TEA, ajudam a construir uma escola mais justa, empática e inclusiva. Elas demonstram que é possível transformar os espaços escolares por meio de práticas simples, mas potentes. Conforme destaca Amy (2001, p. 109), “a simplicidade das ações é o que muitas vezes transforma profundamente a experiência do aprender”. Cultivar um jardim é também cultivar humanidade.

4. CONCLUSÃO

A integração entre neurociência, hortoterapia e educação inclusiva apresenta-se como um caminho promissor para garantir uma aprendizagem significativa e respeitosa às particularidades dos alunos com Transtorno do Espectro Autista. A compreensão do funcionamento cerebral, aliada ao uso de práticas sensoriais e naturais, amplia as possibilidades de atuação pedagógica e transforma o ambiente escolar em um espaço mais acolhedor, estimulante e inclusivo.

Ao considerar as necessidades sensoriais, emocionais e cognitivas dos estudantes autistas, a escola passa a reconhecer que a inclusão não se faz apenas com a presença física desses alunos, mas com a criação de condições efetivas de participação, expressão e pertencimento. A hortoterapia e os jardins sensoriais tornam-se, nesse sentido, dispositivos pedagógicos de grande potência, pois unem o cuidado, a natureza e a aprendizagem em uma proposta integradora.

Além de favorecer o desenvolvimento dos alunos com TEA, essas práticas também contribuem para a formação integral de todos os estudantes, ao estimular valores como a empatia, o respeito às diferenças, a cooperação e a responsabilidade socioambiental. A proposta está em sintonia com os princípios da Base Nacional Comum Curricular e com as diretrizes do ODS 4, que visam uma educação equitativa, de qualidade e voltada para o futuro sustentável.

É necessário, porém, que as instituições de ensino se comprometam com a formação continuada dos professores e com o planejamento curricular que valorize práticas interdisciplinares e sensoriais. A escola precisa se abrir a novas metodologias, escutar seus alunos e inovar em seus espaços e tempos de aprendizagem. O jardim, nesse contexto, não é apenas um local físico, mas uma metáfora da própria educação: um espaço de cultivo, crescimento e florescimento.

Conclui-se, portanto, que investir em práticas pedagógicas baseadas na neurociência e alinhadas à hortoterapia fortalece o compromisso da escola com a inclusão, com a aprendizagem significativa e com a formação de sujeitos conscientes e participativos. É possível transformar a escola em um ambiente onde todas as crianças, com ou sem deficiência, encontrem sentido, acolhimento e oportunidade para se desenvolver plenamente.

REFERÊNCIAS

AMY, Isabelle. Jardins sensoriais e pedagogia da natureza: uma abordagem terapêutica e educativa. São Paulo: Summus, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2018. Disponível em: https://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 16 jul. 2025.

BRASIL. Ministério da Educação. Caderno Criança Alfabetizada. Brasília: MEC, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br Acesso em: 16 jul. 2025.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Infantil – DCRV. Brasília: MEC, 2018.

CAETANO, F. C. S. As novas tecnologias, usadas em sala de aula como instrumento na construção do conhecimento e da aprendizagem significativa. Revista Científica Educ@ção, v. 3, n. 5, p. 631-649, 2020.

CUNHA, R. P. Neurociência e aprendizagem: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Mediação, 2015.

DAMÁSIO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

FERREIRA, M. F.; MENDES, L. F. Educação e inclusão: diálogos sobre diversidade e participação. Revista Interinstitucional Artes de Educar, v. 4, n. 1, p. 87-102, 2018.

FREITAS, L. B. Jardins sensoriais na educação infantil: natureza, corpo e sensações. São Paulo: Cortez, 2020.

GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 1995.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 7ª. ed. São Paulo: Atlas, 2022.

GOLEMAN, D. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.

LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 2005.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 5ª Edição. São Paulo: Atlas. 2003.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo: Atlas. 1991.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico: projetos de pesquisa/pesquisa bibliográfica/teses de doutorado, dissertações de mestrado, trabalhos de conclusão de curso. São Paulo: Atlas, 2017.

MORAES, M. C. Educação ambiental e transdisciplinaridade: uma nova visão de mundo no contexto da educação. Campinas: Papirus, 2013.

ONU – Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Nova York: ONU, 2015.

PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

SANTOS, A. de S.; ESMERALDO, G. Á. R. M.; FERRAZ, J. M. de. O professor e a tecnologia: o impacto do uso das TICs no processo de ensino-aprendizagem. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, v. 5, n. 1, p. 205-217, 2020.

SANTOS, B. S. A pedagogia do território: saberes e práticas populares em diálogo com a escola. São Paulo: Cortez, 2009.

SILVA, P. G. F. da; BARRETO, E. S. C. A importância do uso das tecnologias em sala de aula como mediadora no processo de ensino-aprendizagem. In: VI Congresso Nacional Educação, 2019.

SOUSA, D. A. Como o cérebro aprende. Porto Alegre: Penso, 2011.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1991.