MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO COMO FERRAMENTAS PARA A EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA, E OS OBSTÁCULOS QUE IMPEDEM A SUA PLENA EFICÁCIA PARA ALIVIAR O SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO.

SELF-COMPOSITIVE MEANS OF CONFLICT RESOLUTION: MEDIATION AND CONCILIATION AS A TOOL FOR THE EXECUTION OF JUSTICE, AND THE OBSTACLE THAT STOPS THEIR FULL EFFECTIVENESS TO RELIEVE THE BRAZILIAN JUDICIAL SYSTEM.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11221657


Gabriela Pereira Alves¹;
Pedro Luis Dos Santos Ferreira²;
Daniel Carlos Dirino³.


Resumo: Trata-se de artigo científico abordando a aplicabilidade dos meios autocompositivos no sistema jurisdicional, com ênfase nos institutos da conciliação e mediação, como um dos objetivos a serem alcançados através da agenda da ONU 2030, que elenca vários objetivos a serem alcançados, com ênfase no objetivo 16 que traz a Paz, Justiça e Instituições Eficazes. O presente trabalho versa acerca da importância da efetividade dos meios autocompositivos de solução de conflitos no âmbito jurídico, assim como os obstáculos que restringem o real alcance de seus benefícios, quais sejam a celeridade, simplicidade e a promoção de uma consciência coletiva pacificadora.

Palavras-chave: Conciliação 1. Mediação 2. Autocomposição 3. Métodos autocompositivos de solução de conflitos 4. Pacificação 5.

Abstract: This is a scientific article addressing the applicability of self-compositional means in the jurisdictional system, with an emphasis on the institutes of conciliation and mediation, as one of the objectives to be achieved through the ONU 2030 agenda, which lists several objectives to be achieved, with an emphasis on objective 16 which brings Peace, Justice and Effective Institutions. This work deals with the importance of the effectiveness of self-composed means of resolving conflicts in the legal sphere, as well as the obstacles that restrict the real scope of their benefits, namely speed, simplicity and the promotion of a pacifying collective consciousness.

Keywords: Conciliation 1. Mediation 2. Self-composition 3. Alternative conflict resolution methods 4. Pacification 5.

1. INTRODUÇÃO

Muito se discute a respeito da efetividade da justiça, principalmente no que tange a celeridade processual, a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXXVIII4, elenca o princípio da razoabilidade na duração do processo, que destaca que todos no âmbito judicial e administrativo tem assegurado a razoável duração do processo e dos meios que garantam assim a celeridade de sua tramitação.

Todavia, o aumento do número de processos judiciais, bem como o grande acervo de autos que estão em tramitação nas comarcas brasileiras, suscitam obstáculos que dificultam o acesso dos cidadãos ao direito de ação, o qual é elencado como direito fundamental para uma real efetividade jurisdicional. Nesse sentido, revela-se importante a análise de outros institutos que sugerem maior celeridade e eficácia no que concerne ao acesso à justiça. Assim sendo, o presente estudo terá como escopo dois meios de solução de conflitos, a conciliação e a mediação, onde será abordado os aspectos gerais de cada ferramenta, bem como os obstáculos que as impedem de serem mais efetivas no ordenamento jurídico.

Desse modo, frisa-se a importância dos objetivos a serem alcançados com a agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas) e da criação da Resolução 125 de novembro de 2010 do Conselho Nacional de Justiça, como mecanismos impulsionadores da utilização dos meios autocompositivos de solução de conflitos no poder judiciário. Nesse viés, a temática ganha destaque no cenário jurídico brasileiro ao difundir entre os operadores do direito, bem como na sociedade a cultura da cooperação, assim como a promoção da construção de uma consciência coletiva pacificadora. Assim sendo, é evidente a relevância da presente análise dos meios autocompositivos no âmbito jurisdicional, haja vista serem técnicas que estimulam a celeridade, a simplicidade e a efetividade na resolução de litígios.

Outrossim, serão abordados no presente artigo as nuances da cultura do litígio no Brasil, tendo em vista que se revela um impasse para a concretude da efetividade da justiça, bem como prejudica o emprego das técnicas de conciliação e mediação na solução de contendas. Dessa forma, tal fenômeno será estudado com o fito de esclarecer e elucidar as causas que geram esse cenário que se encontra enraizado na sociedade. Assim, é cediço o estudo da problemática na atual conjuntura do sistema jurídico brasileiro, sendo que o aumento e perpetuação de ações processuais como já supracitado ratifica a importância de transpor tal pensamento.

Ademais, é imprescindível destacar o papel dos conciliadores e mediadores na condução dos meios autocompositivos de resolução de conflitos, assim como todo o sistema operacional e institucional das comarcas. Nesse contexto, serão analisados os mecanismos que regem a estruturação do desempenho profissional dos operadores do direito, como também a qualificação, as condições e os instrumentos necessários, para que estes, por conseguinte, desempenhem suas atividades de modo satisfatório. Tal análise faz-se necessária tendo em vista que a aplicação de uma administração eficiente dos meios autocompositivos promovem maior eficácia jurisdicional.

Em suma, os meios autocompositivos surgem como uma ferramenta de auxílio que vai muito além de desafogar o sistema judiciário brasileiro, tais meios se tornam um instrumento que se bem empregados serão capazes de mudar a cultura do litígio, e a realidade do judiciário. Entretanto, para que isso ocorra é preciso ir muito além da resolução e entender o porquê mesmo após quase 14 anos da resolução 125 do CNJ os meios autocompositivos ainda não são tão utilizados, levando assim a altas demandas no judiciário, fazendo com que os litígios que poderiam ser resolvidos de forma célere perpetuem por longos anos.

2. AGENDA 2030

A agenda 2030 da ONU, é uma agenda de Direitos Humanos, que abrange 193 Países membros, e que foi recepcionada pelo Poder Judiciário Brasileiro, através Conselho Nacional de Justiça, sendo um compromisso assumidos pelos líderes dos países membros que inclui o Brasil, sendo essa agenda coordenada pelas Nações Unidas, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), nos termos da Resolução A/RES/72/279.OP32, de 2018, da Assembleia Geral da ONU.

Sendo 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas a serem atingidas até 2030, dentre tais objetivos destaca-se o de número 16 que abrange a Paz a Justiça e Instituições Eficazes, objetivando a promoção de uma sociedade pacífica e inclusiva para o desenvolvimento sustentável a fim de proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes responsáveis e inclusivas. Ainda dentro dos objetivos a serem atingidos busca-se promover o estado de direito em nível nacional e internacional e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos, bem como que ainda até 2030 que as instituições sejam eficazes, responsáveis e transparentes.

2.1 DA RESOLUÇÃO 125 DO CNJ E SUAS IMPLICAÇÕES     

O novo Código de Processo Civil, alinhado com a Constituição Federal em seu art. 5°, LXXVIII e a emenda constitucional n°45, de 30 de dezembro de 2004, enfatizaram a preocupação em criar mecanismos para acelerar a prestação jurisdicional no país. A emenda trouxe a reforma dos tribunais e a criação do CNJ, reforma essa responsável por evidenciar a preocupação em garantir um processo justo, legal e efetivo visando aumentar a tutela jurisdicional. (TEODORO JR. 2023, p. 08)5.

Dessa forma, com foco na implementação de novos métodos para a resolução dos litígios, surgiu a resolução 125 do CNJ, da necessidade do judiciário de estabelecer políticas públicas para o tratamento adequado aos conflitos resolvidos em seu âmbito, buscando incentivar diretamente os denominados MASC (Meios Autocompositivos de Solução de Conflitos), como alternativa a cultura da judicialização. Sendo importante frisar que o seu objetivo não é substituir ou barrar o acesso ao sistema do judiciário, ao invés disso busca-se que o cidadão que assim necessite tenha uma resposta mais rápida e adequada a sua demanda, para que assim se tenha o direito concretizado, ainda nesse contexto se faz necessário citar Rui Barbosa (1923)6 “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”

Ainda nessa premissa, destaca-se que a resolução foi um marco de suma importância, pois instituiu políticas institucionais para que haja uma percepção de que a conciliação e a mediação trazem um ganho de uma nova cultura ao ultrapassar a cultura do litígio e da judicialização, traz também de forma clara seus objetivos de disseminação a cultura da pacificação social e estimula a prestação de serviços autocompositivos de qualidade além de incentivar os tribunais a se organizarem e planejarem programas de autocomposição reafirmando a função de agente apoiador da implementação de políticas públicas do CNJ.

Diante do exposto, o principal desafio a ser enfrentado será na unicidade das implantações das políticas públicas a fim de evitar distorções em sua estrutura institucional, uma vez superado o desafio, as novas ferramentas serão norteadoras como instrumentos de efetivação de acesso à justiça e de sua desburocratização, tornando-se instrumento para desmantelar a cultura do litígio no âmbito do sistema do judiciário brasileiro.

2.2 O ACESSO À JUSTIÇA E OS MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO PODER JUDICIÁRIO

A garantia do acesso amplo à justiça é um princípio constitucional brasileiro disposto no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal Brasileira de 1988. Nesse sentido, tal princípio fundamental assegura aos cidadãos brasileiros a busca pela solução de litígios no Poder Público, haja vista ser um direito basilar no que tange ao livre acesso da população à justiça.

Nesse viés, os cidadãos recorrem ao Poder Público com o fito de verem seus direitos satisfeitos, tendo em vista que o acesso às vias jurisdicionais garante aos cidadãos segurança jurídica, bem como respaldo legal para solucionar litígios de forma adequada e eficaz.

Embora o sistema judiciário seja uma ferramenta que corrobora a resolução de contendas, o alto número de demandas judiciais tem dificultado o acesso dos cidadãos à uma justiça mais efetiva. Trata-se de inúmeros obstáculos que impedem a concretude da efetividade do Poder Judiciário, bem como o exercício dos direitos intrínsecos à população. Nesse contexto, destacam-se a morosidade da resolução dos processos, o não cumprimento de acordos, perpetuação da cultura litigiosa, tempo e recursos necessários, falta de profissionais adequados, dentre outros empecilhos que prejudicam a atuação da máquina pública.

Assim sendo, com o fito de desafogar o sistema judiciário surge com a resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça a necessidade da criação de uma abordagem pacificadora dentro do âmbito judicial.  Nesse sentido, cabe mencionar a observação de Tarso Genro acerca do estímulo e práticas de meios autocompositivos de resolução de conflitos:

“O acesso à justiça deve, sob o prisma da autocomposição, estimular, difundir e educar seu usuário a melhor resolver conflitos por meio de ações comunicativas. Passa-se a compreender o usuário do Poder Judiciário como não apenas aquele que, por um motivo ou outro, encontra-se em um dos polos de uma relação jurídica processual – o usuário do poder judiciário é também todo e qualquer ser humano que possa aprender a melhor resolver seus conflitos, por meio de comunicações eficientes – estimuladas por terceiros, como na mediação ou diretamente, como na negociação. O verdadeiro acesso à justiça abrande não apenas a prevenção e reparação de direitos. Mas a realização de soluções negociadas e o fomento da mobilização da sociedade para que possa participar ativamente dos procedimentos de resolução de disputas como de seus resultados (GENRO, 2009, p.13)7.”

Diante dessa nova perspectiva os métodos autocompositivos ganham destaque no cenário jurídico brasileiro com o objetivo de fomentar a cooperação entre as partes, assim como facilitar a construção de uma consciência coletiva pacificadora. Nesse viés, consoante o entendimento do doutrinador Fredie Didier Jr., a autocomposição:

“É a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio. É a solução altruísta do litígio. Avança-se no sentido de acabar com o dogma da exclusividade estatal para a solução dos conflitos de interesses (DIDIER JR., 2016, p. 165)8.”

Desse modo, os métodos autocompositivos de resolução de conflitos buscam tornar o acesso à justiça mais objetiva, célere e simples, benefícios que vão de encontro a ideia do autor supracitado. Ademais, cabe mencionar que tais mecanismos são amplamente difundidos dentro da proposta trazida pela resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, a qual estimula a cooperação entre as partes e os envolvidos na lide.

2.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO

Os princípios são norteadores para o desenvolvimento das políticas de implementação da mediação e da conciliação, elencados na própria Resolução 125/2010, esses princípios buscam estruturar e unificar a autocomposição para uma condução ética e eficaz dos métodos, assegurando assim um ambiente propício à resolução consensual de conflitos.

Dentre os princípios estão a confidencialidade, que abrange todas as informações e documentos utilizados durante a mediação ou conciliação, protegendo a privacidade das partes, sendo possível a sua exceção somente para o cumprimento de obrigação legal quando assim a lei exigir como em casos de crimes ou ameaças à segurança pública, mediante autorização por escrito das partes envolvidas ou por determinação judicial de quebra de sigilo.

Outro princípio importante é a decisão informada que consiste na autonomia das partes em tomar decisões livres e conscientes, se baseando nas informações do próprio conflito e as possíveis soluções, sendo assim o mediador ou conciliador deve orientar às partes com informações claras e objetivas sobre o processo, seus direitos, deveres e as consequências do acordo ou não, devendo sempre as partes serem incentivadas a refletir os prós e contras de cada opção, buscando assim a solução mais favorável ao seu interesse.

Outros princípios importantes são o da imparcialidade, onde tanto o mediador e conciliador não podem ter qualquer interesse em relação às partes ou ao objeto do conflito, a capacidade técnica que o profissional deve possuir formação adequada e experiência comprovada em mediação ou conciliação e a neutralidade, o mediador ou conciliador deve agir de forma neutra, não sendo permitido tomar partido ou influenciar as partes em suas decisões.

O profissional atuante é dotado de independência, tendo o mesmo como princípio, sendo que deve atuar de forma autônoma e independente, sem sofrer influência, com total liberdade de expressão, e com isenção de conflitos de interesse, devendo assim evitar situações que possam gerar conflitos. Outro princípio importante é a autonomia da vontade, no qual as partes têm o direito de determinar livremente o curso do processo de mediação ou conciliação, podendo propor soluções, recusar acordos e encerrar o procedimento a qualquer momento, com o objetivo sempre da busca do consenso, cooperação e diálogo e exploração dos interesses.

2.4 A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO COMO FERRAMENTAS DE ACESSO A JUSTIÇA

A mediação e a conciliação são dois principais institutos empregados na justiça brasileira como meios autocompositivos de resolução de conflitos. Nesse sentido, o doutrinador Fredie Didier (2016) preceitua acerca da temática:

“São formas de solução de conflitos pelas quais um terceiro intervém em um processo negocial, com a função de auxiliar as partes a chegar a autocomposição. Ao terceiro não cabe resolver o problema, como acontece na arbitragem: O mediador/conciliador exerce um papel de catalizador da solução negocial do conflito. Não são por isso espécie de heterocomposição do conflito; trata-se de exemplos de autocomposição com a participação de um terceiro (DIDIER. JR.,2016, p.273)”

 A mediação pode ser entendida como uma negociação intermediada por um terceiro, neutro, sem interesse na causa e imparcial denominado mediador, ele busca facilitar a negociação, mas são as partes que apresentam as soluções de suas demandas, denominando assim uma composição.

A presença do terceiro busca facilitar a comunicação das partes, o mediador exerce influência na condução de toda a negociação, porém o diálogo ocorre de forma direta entres as partes, mas estimulada pelo mediador. Vale ressaltar que durante todo o processo de autocomposição as partes têm total liberdade de continuar ou abandonar as negociações, elas não são obrigadas a permanecer contra a sua vontade, até que seu litígio seja solucionado.

Em contrapartida a conciliação consiste também em um processo autocompositivo, no qual as partes interessadas recebem o auxílio de um terceiro neutro e imparcial, ao contrário da medição aqui esse terceiro pode sugerir soluções que possam ser benéficas para ambos.

Tanto a mediação quanto a conciliação buscam solucionar o litígio, porém a mediação se aprofunda em restaurar a relação social entre as partes, não apenas o litígio, que passa a ser o foco exclusivo da conciliação, pouco importando para a relação social que existe ou que possa existir posteriormente.

Sendo assim a mediação seria indicada quando as partes envolvidas já possuem uma relação social, pois buscaria resolver o litígio e restaurar a relação de convívio que permaneceria após tal fato, desse modo a mediação demandaria diversas seções sendo mais demorada. Ao contrário da conciliação que seria possível a resolução do litígio em apenas uma única seção, já que ela é voltada aos fatos que levaram a referida demanda, pondo fim de uma vez aos problemas, sendo essa indicada quando as partes não têm uma relação anterior e tão pouco passariam a ter após findada a problemática.

 2.5 DA CULTURA DO LITÍGIO E OS MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

O alto número de processos em tramitação na justiça brasileira fez com que os tribunais implementassem novas técnicas para tentar diminuir o acervo de autos nas comarcas, assim como agilizar demandas que a priori levariam muito tempo para serem solucionadas no curso de um processo comum. Nesse contexto, os meios autocompositivos, impulsionados pela Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, sugerem uma nova perspectiva no cenário jurisdicional ao suscitar uma justiça mais célere, eficaz e pacificadora.

Nesse sentido, para a efetivação das políticas consensuais de solução de litígios é mister destacar a criação dos Centros Judiciários de Conflitos nas comarcas, o qual está estabelecido no Art. 165 do Código de Processo Civil:

“Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.” (BRASIL, 2015)

A aplicação dos novos métodos revela-se positivo ao passo que promove a desburocratização do acesso à justiça. Nesse viés, conforme ratifica Fredie Didier Jr, a autocomposição pode ser entendida como:

“Compreende-se que a solução negocial não é apenas um meio eficaz e econômico de solução de litígios: trata-se de importante instrumento de desenvolvimento de cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão jurídica que regula as suas relações. Nesse sentido, os estímulos à autocomposição podem ser entendidos como um reforço da participação popular no exercício do poder – no caso, o poder de solução dos litígios. Tem, também por isso, forte caráter democrático. (DIDIER. JR.,2016, p.271)”

Nesse sentido, percebe-se que as técnicas de solução de conflitos visam o protagonismo das partes envolvidas em busca de um resultado pacífico. Além disso, destaca-se que a autocomposição estabelece uma dinâmica mais ágil na solução de contendas, a qual gera custos menores e menos burocracia. Assim sendo, a implementação dos meios autocompositivos reforçam o ideal do princípio da simplicidade o qual, por conseguinte, transpõe a cultura do litígio e suscita uma consciência coletiva pacificadora.

  2.6 A CONCILIAÇÃO NO ÂMBITO JUDICIAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS

Os juizados especiais foram criados pela lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, com competência para a conciliação, processo, julgamento e execução de causas de baixa complexibilidade que não excedam quarenta salários-mínimos. Todo o processo se orienta pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, com o objetivo de reparação dos danos sofridos a vítimas aplicado sempre que possível a conciliação.

A conciliação é uma ferramenta adotada pelo CNJ desde o ano 2006, ainda no mesmo ano houve a implementação do Movimento pela Conciliação, e ainda de forma anual há a promoção da Semana Nacional da Conciliação, onde há o incentivo e junção das partes pelos tribunais para promover acordos nas fases pré-processuais e processual.

Como já citado a resolução 125/2010 trouxe importantes políticas para a implementação de forma efetiva da conciliação e da mediação, com grande destaque para a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), onde ficam com encargo da realização das audiências de conciliação e mediação, bem como pela orientação e atendimento dos cidadãos. Nesse sentido, é importante frisar o que diz o art. 9.º, § 3.º da Resolução n° 125/2010 do CNJ, “os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais deverão assegurar que nos Centros atue ao menos um servidor com dedicação exclusiva, capacitado em métodos consensuais de solução de conflitos, para a triagem e encaminhamento adequado de casos”.

Ainda com o intuito de fomentar a adesão dos tribunais as novas políticas, no ano de 2010 foi criado o Prêmio Conciliar é Legal, com o objetivo de identificar, premiar, disseminar e estimular ações de modernização do Poder Judiciário, desde que contribuam para a aproximação das partes e o aprimoramento da justiça. Sendo reconhecidas práticas de sucesso e produtividade dos tribunais, estimulando a criatividade e disseminando a cultura dos métodos consensuais de resolução dos conflitos. (CNJ 2010).

Desde a publicação da Resolução, inúmeros foram os investimentos para a concretização dessa política nos tribunais. Em 2014, eram cerca de 362 Cejuscs, na Justiça Estadual, em 2015 houve um aumento de 80,7% chegando a 654 centros, já em 2016 foram 808, totalizando no ano de 2022, 1.437 Cejuscs instalados na Justiça Estadual. Os dados ainda demostram que entre 2006 e 2022 houve um índice de processos solucionados por meio da conciliação de 12,3%. (Justiça em números, ed. 2023)

Os números se demostram promissores, porém muito longe do ideal, ainda mais se verificado o índice de congestionamento da justiça de primeiro grau chegando a 74,8%, a autocomposição é o instrumento para mudar esse cenário, mas para isso é preciso a superação da cultura do litígio e o amadurecimento dos cidadãos, buscando ter um papel ativo em busca das soluções de seus conflitos.

 2.7 A CAPACITAÇÃO DOS MEDIADORES E CONCILIADORES NA EFICÁCIA DOS MEIOS AUTOSCOMPOSITIVOS

Mediadores e conciliadores são peças fundamentais para a resolução do litígio, haja vista que serão eles que ajudarão as partes a conduzirem o processo e alcançarem juntos alternativas benéficas para ambos envolvidos na lide. Nesse sentido, embora tenham o mesmo objetivo em comum, qual seja a busca pela resolução do conflito, existem algumas peculiaridades que diferem a atuação e qualificação de mediadores e conciliadores. Assim sendo, torna-se imprescindível o estudo acerca do exercício de cada um deles para melhor compreensão dos meios autocompositivos de solução de conflitos.

Em primeira análise, pontua-se que tanto o mediador judicial quando o conciliador judicial deverá participar de cursos de formação e capacitação realizados pelos tribunais de justiça ou por entidades reconhecidas pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), tudo conforme dispõem a Resolução n.125/2010 do CNJ e a lei n.13.140/2015 do CPC. Nesse sentido, é requisito obrigatório que o mediador seja graduado há pelo menos dois anos, em qualquer área de formação, conforme elenca o art. 11 da lei 13.140 do CPC. Em contrapartida, tal premissa não é imposta ao conciliador, que pode atuar antes de completar o ensino superior, desde que devidamente capacitado.

Os conciliadores são designados pelo juiz titular da vara, onde atuam como auxiliares do juízo, em especial conduzindo as audiências de conciliação com o objetivo de solucionar impasses de maneira imparcial e direta. Nesse sentido, conforme dispõe o art. 165, § 2º do CPC/2015, o conciliador poderá sugerir soluções para o litígio e atuará em especial nos casos que não houver vínculo anterior entre as partes. Assim sendo, o papel do conciliador, em suma, é buscar alternativas que sejam satisfatórias para as partes, explanando os benefícios e malefícios do acordo a ser entabulado, assim como suas implicações perante o juízo.

Já o mediador atua como um terceiro imparcial pautado na confiança entre os envolvidos com o objetivo de conduzir o processo. Desse modo, o mediador auxiliará as partes acerca das questões que integram o impasse, por meio da retomada da comunicação entre as partes envolvidas na lide, sendo que estas deverão construir uma proposta que seja vantajosa para ambos, consoante prevê o Art. 165, § 3º, do CPC/2015. Assim sendo, não cabe ao mediador resolver a controvérsia, este exerce um papel de catalisador da solução consensual do impasse (DIDIER, 2016).

Entretando, é mister destacar que apesar dos requisitos supracitados é possível encontrar muitos profissionais que atuam como mediadores e conciliadores sem a devida capacitação necessária, tendo em vista que a cultura litigiosa que impera no país prejudica a valorização dos atuantes na área. Ademais, frisa-se que o exercício de mediadores e conciliadores no âmbito judicial ainda é restrito, sendo que muitas comarcas carecem de profissionais especializados ou sequer oferecem alternativas consensuais de solução de conflitos a população.

O exercício de mediadores e conciliadores é indispensável para a construção de um ideal mais cooperativo e pacifista, sendo que a valorização dos profissionais, bem como remuneração adequada se revelam necessárias para efetivar resultados mais satisfatórios para as partes, assim como para as comarcas, haja vista que os meios autocompositivos auxiliam o acesso à justiça de maneira mais rápida e assertiva.

Contudo, é notório que a falta de remuneração, incentivos governamentais e políticas públicas voltadas para o desenvolvimento dos atuantes, assim como a escassez de programas de continuidade de formação, asseveram a desvalorização dos mediadores e conciliadores que, por conseguinte, desaponta a esperança das partes em chegar a uma solução por meio dos métodos autocompositivos. (LAGRASTA, 2021).

Logo, suscitar a remuneração adequada de mediadores e conciliadores, tornará os meios adequados de solução de conflitos mais efetivos, sendo que com o emprego de capacitação devida a estes a resposta ao sistema jurisdicional terá respaldo positivo.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho busca analisar as nuances e os desafios enfrentados na consolidação dos meios autocompositivos de solução de conflitos, tendo como elementos de estudo os institutos da mediação e conciliação judicial. Nesse contexto, a criação da nova Lei de Mediação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, assim como as premissas da resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça de 2010 evidenciam a relevância do tema proposto ao destacarem novas alternativas de solução pacífica de conflitos de maneira célere, menos burocrática e eficaz.

É claro os benefícios atrelados a utilização dos meios autocompositivos no que tange ao exercício do direito de ação, o qual é inerente ao cidadão, assim como a garantia do princípio da razoabilidade do processo. Assim sendo, é imprescindível destacar a importância da implementação da conciliação e da mediação no âmbito judicial, considerando que os meios autocompositivos auxiliam de forma significativa a solução de contendas que a priori levariam anos para serem solucionados no curso de um processo normal. Logo, além de suscitar a diminuição do acervo de processos nas comarcas, os meios autocompositivos de solução de conflitos desburocratizam o acesso do cidadão à justiça.

No entanto, é notório que a efetividade do emprego dos meios adequados de solução de conflitos esbarra em diversos desafios, sendo que a cultura do litígio, bem como a falta de profissionais capacitados revelam-se alguns dos principais impasses a serem superados. Nesse sentido, a resistência social em litigar ainda é de fato um grande propagador de processos, isso não significa que as partes são obrigadas a conciliar, contudo, é sabido que muitas ações deixariam de estar em curso caso as partes tentassem de forma consensual solucionar a lide em uma prévia audiência nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania. Ademais, no que concerne à falta de profissionais especializados, incentivos para a capacitação e valorização de conciliadores e mediadores ajudariam a transpor tal problemática, haja vista que a condução de uma conciliação ou mediação efetivas dependem não só das partes envolvidas na contenda, sendo que o auxílio de um bom profissional implicará em resultados mais positivos.

É evidente, portanto, que os meios adequados de solução de conflitos precisam ser mais valorizados e incentivados dentro do Poder Público, uma vez que são ferramentas auxiliares da justiça e buscam a efetivação dos direitos inerentes ao cidadão por meio da cooperação e pacificação coletiva. Assim sendo, o presente estudo objetiva esclarecer a importância da conciliação e da medição como institutos propulsores de uma nova forma de olhar para a justiça, assim como incentivar que as partes percam o medo de solucionar os litígios ao utilizarem novas formas de solução de conflitos, as quais tem promovido resultados positivos no ambiente jurídico contemporâneo.


4Para Uadi Lammêgo Bulos o princípio da razoável duração do processo (art.5°, inciso LXXVIII, CF/88), deve nortear as autoridades jurisdicionais e administrativas, devendo exercer suas atribuições com rapidez, presteza e segurança, sem tecnicismos exagerados, ou demoras injustificáveis, viabilizando, a curto prazo, a solução dos conflitos.
5DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume I: Teoria Geral do Direito Processual civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. 65 ed. Rio de Janeiro-RJ: Editora Forense LTDA, 2023, p. 8.
6Rui Barbosa (Rui Barbosa de Oliveira), advogado, jornalista, jurista, político, diplomata, ensaísta e orador, nasceu em Salvador, BA, em 5 de novembro de 1849, e faleceu em Petrópolis, RJ, em 10 de março de 1923.
7GENRO, Tarso. Prefácio da primeira edição do Manual de Mediação Judicial, Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, p. 13, 2009.
8DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

4. REFERÊNCIAS

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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução 125, de 29 de novembro de 2010. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/Resolucao_n_125-GP.pdf. Acesso em: 15 fev. 2024.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

GENRO, Tarso. Prefácio da primeira edição do Manual de Mediação Judicial, Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, p. 13, 2009.

LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Comentários da Resolução nº 125, do Conselho Nacional de Justiça de 29 de novembro de 2010. In GROSMAN, Claudia F., MANDELBAUM, Helena Gurfinkel (org). Mediação no Judiciário: Teoria da Prática e Prática na Teoria. Primavera Editorial, 2011.

MIGALHAS. Remuneração de conciliadores e mediadores judiciais: Grande desafio. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhasconsensuais/350383/remuneracao-de-conciliadores-e-mediadoresjudiciais-grande-desafio. Acesso em: 13 mar. 2024.

SENADO FEDERAL. Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/587896/CPC_normas_correlatas_14ed.pdf. Acesso em: 16 jan. 2024.

STF. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoConstituicao/anexo/CF.pdf. Acesso em: 12 mar. 2024.


¹Acadêmica do curso de Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail: gabriela.alves1911@hotmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. 2024.Orientador: Prof. Daniel Dirino, Pós-graduado.
²Acadêmico do curso de Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail: pedroluissantosfe@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. 2024.Orientador: Prof. Daniel Dirino, Pós-graduado.
³Orientador: Professor Daniel Carlos Dirino, Pós-graduado em Direito Processual Civil, Advogado e Professor Universitário.