MEDIAÇÃO DA LEITURA LITERÁRIA SOB O VIÉS DAS NEUROCIÊNCIAS

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11268890


Matheus Juliano Franz
Rosa Maria Braga Lopes de Moura
Daniella Gauterio Rodrigues das Neves


RESUMO

O presente estudo investigou a mediação da leitura literária bem como a neurobiologia da leitura e sua valência emocional sob o viés das neurociências para nortear a autonomia e o protagonismo discente por meio de uma revisão integrativa da literatura científica nas bases de dados Scielo e Medline com os descritores “Empatia”, “Leitura”, “Literária”, “Neurociências” e “Ocitocina” com predominância de estudos de intervenção, seguidos por estudos de caso e estudos correlacionais. Posteriormente, realizou-se a pesquisa qualitativa de cunho formativo através do projeto intitulado “Mediação da Leitura Literária sob o viés das Neurociências” na biblioteca Dinarte Donati Pereira. Tendo em vista essas considerações, conclui-se que o mediador ao diversificar as ações dentro de suas estratégias metodológicas, propõe significado com respaldo neurocientifico na  formação de leitores mais críticos e éticos.

Palavras-chave: Leitura, Literária, Mediação, Neurociências.

INTRODUÇÃO

As neurociências podem ser definidas como um conjunto de disciplinas que estudam o sistema nervoso pela convergência da neuroanatomia, neurobiologia e da neurofisiologia para decifrar como o cérebro controla o comportamento (COSENZA, 2011).

Estudos científicos apontam que a leitura literária ativa diversas áreas do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal, responsável pelo pensamento analítico e pela tomada de decisões, e o sistema límbico, que está associado às emoções e à memória (HOUZEL,  2005).

A linguagem utilizada na leitura literária não é apenas um instrumento de comunicação, mas uma forma de expandir a criatividade por meio do imaginário, proporcionando o prazer habitual ou desprazer para essa atividade de leitura. A leitura mecânica afasta os leitores da cultura escrita  e contribui para o agravamento do panorama desolador, que assola o país de norte a sul, que é de pouco interesse pela leitura literária. Diante das considerações figuradas na citação em apreço, sugere-se:

“A leitura, sobretudo da literatura, pode valorizar ou resguardar os leitores como participantes da cultura e, como tais, pode permitir que estes assimilem não só os códigos da escrita, mas também a cultura letrada, além de auxiliar na apropriação dessa cultura. Tal alcance se dará por meio da mediação do encantamento pela leitura, a qual envolve situar, levantar o conhecimento prévio acerca do assunto a ser lido, contextualizar, motivar, ajudar no percurso e conhecer as preocupações do aluno para, enfim, sugerir caminhos na literatura para que ele caminhe por si só e se torne autônomo” (CORTELLA, 2016 apud MOURA, FRANZ, COSTA, 2024). 

A formação de leitores traz consigo o desenvolvimento da capacidade de literacia aliada à participação do gênero literário no letramento, acrescentando, ao papel de fatores cognitivos, o destaque a fatores sociais e afetivos, reconhecidos no prazer em ler. Assim, a importância da correspondência entre expressão e existência: “quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma” (PESSOA, 1997: p.10).

Considerando que a pesquisa é desenvolvida a partir das necessidades de mediação, a análise foi construída a partir de oficinas com o escopo de aprofundar e refletir acerca de novas formas de aprender. Assim, a escolha dessa abordagem foi uma decorrência da questão de investigação e do objetivo a ser alcançado para  compreender o objeto de pesquisa: a mediação da leitura literária sob o viés das neurociências.

RESULTADOS & DISCUSSÃO

A compreensão de histórias compartilha áreas cerebrais implicadas no processamento da empatia que corresponde a uma combinação de atos conscientes e inconscientes devido a ação dos neurônios-espelho encontrados nas áreas do córtex frontal pré-motor e parietal inferior, associadas ao movimento e percepção bem como no lobo parietal posterior, no sulco temporal superior e na ínsula, regiões associadas à capacidade de compreender o sentimento de outra pessoa, entender a intenção e usar a linguagem (COSENZA,  2011 apud MOURA, et al., 2024a).

Em uma história emocionalmente envolvente, ocorria o aumento do neurotransmissor oxitocina associada à empatia e à confiança. Essa liberação de oxitocina promove uma conexão entre o narrador e o público, tornando a mensagem mais convincente ( ZAK,  2007).

Hasson (2010) descobriu que contar histórias pode levar a um fenômeno chamado ligação neural. Essa sincronização ocorre quando os modelos cerebrais do narrador e do ouvinte estão alinhados, permitindo uma compreensão mais profunda da mensagem transmitida. Além disso, a presença de metáforas e elementos visuais na narrativa pode aumentar ainda mais o seu impacto.

Os níveis aumentados de oxitocina depois da narração apontam os benefícios da leitura ficcional. Cabe elucidar que esse neurotransmissor está relacionado com a empatia (BROCKINGTON, 2021).

 Oatley (2016) corrobora com o autor supracitado ao pontuar que as narrativas oferecem modelos ou simulações do mundo social por meio de abstração, simplificação e compressão, que então permite a aprendizagem vicária das realidades sociais através da experiência de personagens fictícios.

Os  benefícios da narração proporciona um aumento de oxitocina apoiando as teorias evolucionistas da narração de histórias e demonstrando os seus efeitos fisiológicos. Portanto, o ato de contar histórias tem se mostrado um elemento central para fortalecer as conexões humanas e influenciando emoções subjetivas tanto no contador de histórias quanto no público (BROCKINGTON, 2021; BROWN, 1991; BRUNER, 1987,  WIESSNER, 2014).

Essas narrativas transportes e simulações mentais podem ajudar a reformular experiências, ampliar perspectivas, aprofundar o processamento emocional habilidades, aumentar a empatia e regular os modelos próprios e emocionais experiências (BAL, 2013; TAMIR, 2016).

Evidências implicam fortemente a oxitocina nos processos empáticos de estabelecimento e manutenção de emoções positivas modulando a confiança nas interações sociais e redução o estresse (MEYER-LINDENBERG, 2011).

O hábito da leitura desempenha uma função vital no desenvolvimento do intelecto e da língua, além de oportunizar diferentes leituras de mundo. A leitura é um veículo de comunicação universal e de informações, podendo propiciar ao aluno o alcance da compreensão sociocultural da ciência na contemporaneidade e de informações científicas, tecnológicas e literárias (PALCHA, 2014; SILOCHI, 2014).

Pesquisadores correlacionam narrativas ficcionais e experiências emocionais  com a  empatia em seus componentes cognitivo e afetivo como uma das habilidades mais desenvolvidas pela leitura. Portanto, a leitura de textos ficcionais desenvolve tanto o componente afetivo quanto o cognitivo da empatia o que a leitura de textos não ficcionais, como jornais e revistas, parece não promover. Assim, a leitura de textos narrativos possibilita transformações nos discentes, pois suscita vários processos, incluindo o envolvimento emocional com a história (HIBBIN, 2016; LYSAKER 2015; MCTIGUE et al., 2015).

Na intervenção de Chisholm et al. (2017), a partir da leitura de textos ficcionais, os discentes foram capazes de promover a empatia aumentando as inferências em seus componentes afetivo e cognitivo quando comparados com os do grupo de controle.

A leitura de textos ficcionais pode estabelecer nos discentes diferentes conexões com as personagens das histórias: imaginar-se ao lado dos personagens, querer ajudá-las; ou imaginar que se tornaram as personagens, mas mantendo a identidade pessoal. Esse processo é mais intenso em textos com foco narrativo na primeira pessoa, quando o narrador é a personagem principal da história. Como resultado dessas conexões com os personagens, os discentes do ensino fundamental engajam-se na leitura dos textos, desenvolvendo e aprofundando sua capacidade de entender o ponto de vista dos outros, desenvolvendo também sua capacidade de realizar inferências, o que se relaciona ao componente cognitivo da empatia e contribui para um maior desempenho escolar em outras disciplinas (PARSONS,  2013;  RIQUELME,  2013).

A observação das imagens que acompanham as histórias pode ajudar no desenvolvimento do componente afetivo da empatia, pois os discentes se identificam emocionalmente com as expressões/emoções alegres e tristes, positivas ou negativas das personagens das histórias (KARNIOL, 2012; NIKOLAJEVA, 2012).

Estudos apontam que ao desenvolverem a empatia com base na leitura de textos ficcionais, os discentes demonstram menos agressividade em discussões com colegas que têm opiniões diferentes das suas, bem como passam a evidenciar menos atitudes preconceituosas e discriminatórias com culturas diferentes do padrão dominante (LYSAKER, 2015; LONIGRO et al., 2014).

Na conexão com os personagens de uma história, o cérebro libera ocitocina, geralmente conhecida como o “hormônio da “conexão” ou do “amor”. Isso nos faz sentir próximos dos personagens, embora possamos não ter nenhum contato físico ou pessoal com eles. De acordo com Zak (2019), a quantidade de ocitocina liberada pelo cérebro pode até mostrar se as pessoas estarão dispostas a doar dinheiro para uma causa associada a uma história.

Na perspectiva de Hasson (2018), o cérebro da pessoa que conta uma história realmente se sincroniza com o do ouvinte. Ao construir esse senso de conexão com os personagens, muitas vezes não sabemos onde nossos sentimentos terminam e onde começam os sentimentos deles. Isso pode nos ajudar a nos sentir mais conectados e menos solitários, pois percebemos que somos todos seres humanos que vivenciam uma ampla gama de emoções. Portanto, as emoções aumentam a capacidade de memorizar experiências e, assim, ajudam a melhorar o processamento de informações.

O envolvimento com a leitura literária, estimula a empatia e a teoria da mente que derivam tanto da prática em processos como inferência que ocorrem durante a leitura literária, quanto do conteúdo, que normalmente é sobre personagens humanos e suas interações no mundo social. Em outras palavras, a leitura literária compartilha áreas de ativação cerebral com o processamento da empatia  que inclui fazer inferências e se envolver emocionalmente. Para o autor, “os leitores podem se tornar mais capazes de empatizar e compreender outras pessoas, e de compreender e mudar a si próprios” (OATLEY, 2016 apud FRANZ & MOURA, 2023).

Segundo Rizzolatti (2004), a área de Broca não está somente envolvida com o processamento da linguagem oral e do significado de gestos linguísticos. A homologia proposta entre a área de Broca e a área F5 dos macacos, junto com a comprovação recente da participação da área de Broca no SNE sugere que os neurônios-espelho podem ter contribuído para a gênese da linguagem humana.

Em estudo posterior,  Rizzolatti (2006) demonstrou que os neurônios-espelho estão fortemente relacionados com a capacidade de aprender. Além de responder as ações dos outros – daí o nome espelho -, eles podem ser a chave para descobrir como o ser humano começa a sorrir, andar e falar. Os neurônios-espelho são a redefinição do processo de ensino-aprendizagem e nos permite compreender o que o outro está sentindo e, consequentemente, entrar em empatia, evidenciando a capacidade que temos de estabelecer ressonâncias com as outras pessoas e de construir uma aprendizagem eficaz.

Na análise do autor, os neurônios-espelho estão associados a imitação, teoria da mente e aprendizado de novas habilidades. Desse modo,  emoções podem ser espelhadas pois, as células refletem a expressão do sentimento que pode estar por trás das lágrimas e trazem de volta a lembrança de momentos que já vivenciamos. Sendo assim, dá-se o nome de empatia, uma das capacidades para decifrar o comportamento e a socialização do ser humano (RIZZOLATTI, 2006). Portanto, os neurônios-espelho representam parte do processo de empatia, podendo ser vistos como uma espécie de indicador biológico da competência social do indivíduo. Dentro dessa rede, os neurônios espelhos fornecem, através da ínsula, simulação de expressões faciais e gestos observados. Dessa forma, fornece-se um sistema alternado de emoções ao indivíduo, baseado na simulação que a cognição social permite parcialmente. Essa teoria é chamada de “teoria da simulação”.

O conhecimento  neurocientífico sobre a fisiologia da aprendizagem acontece por meio dos neurônios-espelho, portanto,  por imitação. Esse conhecimento, auxilia na relação com os discentes sobre o viés das comunicações, emoções e comportamentos tais como compaixão e confiança no constructo de autoeficácia. De acordo com Petrovic (2008), existe uma ligação direta entre neurônios-espelho, oxitocina e empatia e a capacidade de inferir os estados emocionais de outras pessoas. 

Estudos recentes utilizando aplicação intranasal revelam que um aumento na ocitocina resultou em uma atenuação da resposta ao estresse psicossocial, causando uma diminuição da ansiedade e uma sensação crescente de calma bem como um aumento de confiança comportamento durante a interação social (BAUMGARTNER, 2008; KIDD, 2013).

Kurby (2013) sugere que histórias com simulações auditivas ou motoras ativavam o córtex sensório-motor de forma congruente. Dessa forma, narrativas que descrevem sons ativam o córtex auditivo, giro temporal superior esquerdo e sulco temporal superior bilateral, além do giro temporal superior posterior esquerdo no junção temporoparietal e giro frontal inferior esquerdo – regiões associado ao processamento de eventos auditivos e de nível superior linguagem e pensamento conceitual. 

Da mesma forma, narrativas que consideram eventos motores, como o movimento corporal, ativam regiões do córtex pré-motor esquerdo e sensório-motor secundário esquerdo (NIJHOF, 2015).

A imersão nas narrativas envolvem as regiões cerebrais como o córtex dorsomedial e pré-frontal, precuneus, lóbulo parietal superior e posterior sulco temporal superior, apoiando a visão de que as narrativas estão associado a fazer inferências sobre os estados mentais de outros (JACOBS, 2018).

Outros resultados indicam que as narrativas ativam a rede de modo padrão, incluindo o córtex pré-frontal medial, córtex cingulado posterior, sulco temporal superior posterior, junção parietal temporal, giro temporal medial anterior e lobos temporais mediais, todos envolvidos nos processos de simulação mental e teoria da mente (HSU, 2014; YUAN, 2018).

Esses processos parecem relevantes para explorações clínicas de imagens visuais como ferramentas terapêuticas fornecidas a sobreposição de áreas corticais envolvidas por narrativas, imagens mentais e conteúdo emocional (PEARSON, 2015).

A narração de histórias e a ficção narrativa vão muito além do simples valor de entretenimento. Até o momento, relativamente pouco a pesquisa científica examinou possíveis mecanismos psicológicos por trás da narrativa. Ainda há muito que entender sobre o papel de histórias e como as características e estruturas da história produzem vários efeitos psicológicos e fisiológicos (HSU, 2014).

Os resultados fornecem informações sobre como variáveis ​​fisiológicas, biológicas e culturais estão intimamente interligadas. Além disso, sugerem um local promissor para o desenvolvimento de  intervenções comportamentais seguras, inovadoras e econômicas (HOLMES, 2018).

Em Vigotsky (1999)  nenhum objeto de estudo desponta como produto concluído, como verdade que pode ser generalizada; ao contrário, revela-se como algo provisório, em constante transformação, que representa determinado contexto.

A leitura é um veículo de comunicação universal e de informações, podendo propiciar ao aluno o alcance da compreensão sociocultural da ciência na contemporaneidade e de informações científicas, tecnológicas e literárias (PALCHA, 2014; SILOCHI, 2014).

Nesse ínterim, a literatura é um mundo de descoberta, que instiga a curiosidade e pode servir à educação para motivar o gosto pela leitura, projetando o leitor em outras direções e possibilitando o compartilhamento de descobertas e experiências, inclusive as científicas e as tecnológicas, as quais “[…] ocuparam um lugar na literatura e nas outras artes para louvar suas conquistas, seja para alertar sobre seus perigos, seja para pura e simples admiração das possibilidades que elas trazem”, conforme afirma Piassi (2007).

O uso de obras literárias ou trechos delas são poderosas ferramentas no processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, a literatura pode ser um instrumento que auxilia na compreensão e apreensão dos conteúdos científicos (CABRAL, 2014; GIRALDELLI, 2008; GROTO, 2015; SANTOS, 2013).

Uma narrativa hábil ajuda os ouvintes a compreender a essência de conceitos e ideias complexos de maneira significativa estimulando as redes cerebrais envolvidas na narração e audição de histórias  a ser utilizada muito além do domínio da comunicação para acrescentar uma dimensão mais profunda à comunicação (WENDY, 2018).

Do ponto de vista de uma perspectiva prática, é de grande interesse compreender como a narração de histórias pode ser usada para nos ajudar a melhorar a forma como nos envolvemos na ciência e a expandir quem se envolve na ciência. Há muito mais que precisamos aprender sobre como nós, como cientistas, podemos incorporar a narrativa de histórias em nossas vidas profissionais, à medida que nos esforçamos para tornar a ciência mais compreensível, mais inclusiva e, em última análise, mais benéfica para o mundo ( YESHURUN, 2017).

Estratégias diferentes, e que principalmente coloque o discente como protagonista de sua aprendizagem, reforça a premissa de uma escola viva e ativa dentro desse currículo cognitivo, uma vez que também englobam as metodologias ativas. Para Cardoso (2019), “o ambiente favorecedor de aprendizagem e rico em estímulos é essencial em todos os níveis de ensino, uma vez que o cérebro responde ao ambiente”.

O mediador propõe um ambiente cheio de estímulos atribuindo significado ao que se ensina para efetivar o processo de aprendizagem. Logo, a função do mediador é sensibilizar os alunos para que possa relacionar o que foi internalizado (input) com o que ainda tem a ser aprendido. Para Cardoso (2019), “o ambiente favorecedor de aprendizagem e rico em estímulos é essencial em todos os níveis de ensino, uma vez que o cérebro responde ao ambiente”.

De acordo com Palcha (2014, p. 103), o funcionamento social da leitura e da literatura pode ser considerado

[…] “um processo simbólico plural e reflexivo de compreensão da realidade. Na relação com o saber, ambos os processos operam sob os processos de significação, e, portanto, a escola como uma instituição produtora do conhecimento precisa promover reflexões acerca da relação de sentidos entre o ensino e a linguagem”.  

Embora o avanço da tecnologia informacional tenha tornado os livros disponíveis em formato digital sem custo algum, facilitando o seu acesso, o que ainda se observa é o pouco interesse em se dedicar à leitura de textos escritos. Realidade que se repete com as bibliotecas, pois, apesar de serem os locais por excelência para se ter acesso à informação, não somente no suporte papel, mas eletrônico e digital, ainda se nota pouco empenho de uma boa parcela da população em frequentar estes espaços. De acordo com Carrenho (2016, p. 107), o motivo para tal desinteresse talvez seja o fato do livro digital ser “[…] ainda pouco conhecido, divulgado e comercializado”, denotando falta de “[…] marketing e investimento das livrarias para divulgar seus dispositivos e lojas”. 

Conforme Pinto (2017), a utilização da literatura no ensino é uma técnica que se mostra muito positiva no processo de ensino-aprendizagem. Para além dos conteúdos científicos, a prática de leitura carrega uma potencialidade que parece não ser valorizada. Ademais, tampouco houve trabalhos que discutiram o espaço da biblioteca, enquanto local para promover atividades relacionadas à literatura e ao ensino. Isso indicou que, tendencialmente, o ensino de é visto como uma atividade própria para a sala de aula, para os laboratórios e para os museus, em detrimento da biblioteca, espaço próprio para as obras literárias.

O ato de ler desempenha uma função vital no desenvolvimento do intelecto e da língua, além de oportunizar diferentes leituras de mundo. A leitura é um veículo de comunicação universal e de informações, podendo propiciar ao aluno o alcance da compreensão sociocultural da ciência na contemporaneidade e de informações científicas, tecnológicas e literárias (PALCHA, 2014; SILOCHI, 2014).

Acerca dessa assertiva, Pinto (2012) também cita que a leitura é uma atividade da linguagem que oferece conhecimentos específicos e auxilia os alunos a interagirem com o mundo de forma compreensiva e crítica, conquistando meios para atuarem como cidadãos. 

Nesse ínterim, a literatura é um mundo de descoberta, que instiga a curiosidade e pode servir à educação para motivar o gosto pela leitura, projetando o leitor em outras direções e possibilitando o compartilhamento de descobertas e experiências, inclusive as científicas e as tecnológicas, as quais “[…] ocuparam um lugar na literatura e nas outras artes para louvar suas conquistas, seja para alertar sobre seus perigos, seja para pura e simples admiração das possibilidades que elas trazem”, conforme afirma Piassi (2007).

Cabe elucidar que, assim como outras formas de manifestações artísticas – como a música, o cinema, a pintura e a escultura –, a literatura incorpora uma visão científica e técnica do mundo. Por conseguinte, a imaginação para as questões científicas despertada por essas manifestações “[…] permite que a ciência faça sentido não apenas para os que dela se ocupam, mas por todos, pela formação geral que a escola se propõe a proporcionar” (PIASSI, 2007, p. 404).

A análise desses dados e categorias acerca da implicação e efeitos da biblioteca e da leitura como contributos na transformação da realidade de um indivíduo nos faz assentar a sua importância nos mais diversos campos, seja educacional, social, cultural ou político, campos estes que englobam o ensino crítico nos moldes de uma educação emancipadora e libertária. Se, de um lado, a biblioteca e a leitura apenas se prestam a saciar a necessidade de prazer, podem, de outro, ser comparadas às armas que munem uma pessoa a se defender ou a se resguardar da maciça influência de consumo e valores da indústria cultural (ADORNO, 1947).

Tendo em vista essas considerações, cabe relembrar, que a sobrevivência dos seres humanos é o fato de sermos capazes de nos organizar socialmente, e isso só é possível porque entendemos a ação de outras pessoas. Além disso, também somos capazes de aprender através da imitação e essa faculdade é a base da cultura humana. Assim, a linguagem utilizada na leitura literária não é apenas um instrumento de comunicação, mas uma forma de expandir a criatividade por meio do imaginário. Portanto, o termo “mediação” refere-se ao ato ou efeito de mediar; ato de situar-se entre duas coisas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mediador ao diversificar as ações dentro de suas estratégias metodológicas, propõe um ambiente cheio de estímulos atribuindo significado ao que se ensina para efetivar o processo de aprendizagem. Logo, a função do mediador sob a luz das neurociências é sensibilizar o discente para que possa relacionar o que foi internalizado (input) com o que ainda tem a ser aprendido. Corroborando com Fonseca (2014) a escola do “futuro” tem de passar, inevitavelmente, pela contribuição dos conhecimentos propostos pelas neurociências que abrange a educabilidade cognitiva, conativa e executiva em todos os graus de ensino.

Por fim, ao pensar na mediação da leitura literária na biblioteca sob o respaldo neurocientifico, significa fazer uso desses recursos para promover a autonomia e o protagonismo discente.

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