MANIFESTAÇÕES E TIPIFICAÇÕES DA VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS EM MANAUS: UMA ANÁLISE DA FREQUÊNCIA E VARIEDADES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11263971


Andréia Silva dos Santos;
Roseli Pereira da Rocha;
Taysa Cavalcante Rodrigues


Resumo

Este artigo examina a prevalência e as complexidades da violência contra idosos em Manaus, destacando tanto a eficácia das políticas públicas quanto os desafios culturais e sociais enfrentados por essa população vulnerável. O objetivo deste trabalho visa analisar as várias formas de violência contra idosos em Manaus, mapeando os tipos de violência, identificando fatores de risco socioeconômicos e culturais, e avaliando a eficácia das políticas públicas e programas de intervenção na prevenção e tratamento dessas violências. Utilizando uma abordagem de pesquisa bibliográfica, o estudo analisa diversas fontes literárias para mapear os tipos de violência, identificar fatores de risco e avaliar as respostas institucionais existentes. Os resultados indicam que, apesar das iniciativas como o “Disque Idoso”, existem lacunas significativas na proteção dos idosos, especialmente em termos de implementação prática e acompanhamento dos casos de abuso. A pesquisa também sugere que a falta de integração entre os serviços de apoio social, de saúde e jurídicos contribui para a ineficácia das medidas de proteção. 

PALAVRAS-CHAVE: Violência contra idosos; Políticas Públicas; Manaus; Abuso de idosos; Proteção ao idoso. 

Abstract.

This article examines the prevalence and complexities of violence against the elderly in Manaus, highlighting both the effectiveness of public policies and the cultural and social challenges faced by this vulnerable population. Using a bibliographical research approach, the study analyzes several literary sources to map the types of violence, identify risk factors and evaluate existing institutional responses. The results indicate that, despite initiatives such as “Disque Idoso”, there are significant gaps in the protection of the elderly, especially in terms of practical implementation and monitoring of cases of abuse. The research also suggests that the lack of integration between social, health and legal support services contributes to the ineffectiveness of protection measures. The conclusions emphasize the need for more robust and integrated public policies, as well as more comprehensive awareness campaigns to combat violence against the elderly in Manaus. This study contributes to the literature on gerontology and social work, offering valuable insights for future research and more effective policy development.

KEYWORDS: Violence against the elderly. Public policy. Manaus. Elder abuse. Protection for the elderly.

1. INTRODUÇÃO

A violência contra os idosos é um tema cada vez mais discutido e problematizado na sociedade contemporânea, sendo amplamente reconhecido como um desafio complexo e preocupante. Um nome relevante nesse debate é o de Maria Cecília Minayo, pesquisadora do campo da saúde pública, que tem extensiva obra sobre violência e saúde. Minayo (2013) em sua obra “Violência contra idosos: o avesso do respeito à experiência e à sabedoria” enfatiza a importância de problematizar e discutir a violência contra os idosos como um reflexo de questões sociais mais amplas, incluindo o desrespeito aos direitos humanos e a necessidade de políticas públicas efetivas para sua proteção.

Em Manaus, a violência contra idosos tem sido reconhecida como uma questão preocupante. Um estudo destaca a gravidade do problema, apontando que as manifestações de violência contra pessoas idosas têm impactos profundos na saúde e na qualidade de vida dessas pessoas, especialmente as mulheres idosas que, devido à violência, podem enfrentar uma gama de adversidades, desde físicas à psicológicas. Esta pesquisa enfoca nas experiências de mulheres idosas que sofreram violência e procuraram a rede de proteção, além da perspectiva dos profissionais que atendem casos de violência contra a pessoa idosa em Manaus. Os resultados sublinham uma compreensão predominante de violência associada à violência física, seguida por verbal e moral, todas vividas no âmbito das relações interpessoais. Ressalta-se também a necessidade de promover a divulgação dos instrumentos de proteção legal e de capacitar melhor os profissionais para atender as especificidades desse grupo vulnerável​ (Portal Regional da BVS, 2020)​.

O objetivo geral deste trabalho é analisar as manifestações de violência contra os idosos em Manaus, com foco na frequência e nas diferentes tipificações enfrentadas por essa população. Para atingir esse objetivo, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: Mapear e classificar os diferentes tipos de violência sofridos por idosos na faixa etária especificada; identificar as condições socioeconômicas, culturais e familiares que aumentam a vulnerabilidade dos idosos à violência, e; Avaliar a eficácia das políticas públicas e programas de intervenção social na prevenção e no tratamento da violência contra idosos em Manaus, identificando lacunas e sugerindo melhorias.

Este estudo se concentrará em uma revisão bibliográfica sobre a violência contra idosos em Manaus, seguindo a orientação de autores como Denzin e Lincoln (2011) para explorar a riqueza da pesquisa qualitativa em compreender fenômenos sociais complexos. A metodologia será exploratória e descritiva, baseando-se na análise de conteúdo proposta por Bardin (2011) para sistematizar e interpretar a literatura existente, o que permitirá uma compreensão aprofundada das diversas dimensões da violência contra idosos, considerando fatores como idade, sexo, raça/etnia e condição socioeconômica.

O referencial teórico deste trabalho será dividido em três partes principais. Primeiramente, serão discutidas as diferentes formas de violência contra idosos, incluindo aspectos físicos, psicológicos, financeiros, sexuais, de negligência e abandono. Em seguida, serão exploradas as condições socioeconômicas, culturais e familiares que contribuem para a vulnerabilidade dos idosos à violência. Por fim, serão analisadas as políticas públicas e programas de intervenção social destinados à proteção dos idosos em Manaus, avaliando sua eficácia e propondo possíveis melhorias.

Esta pesquisa apresenta relevância tanto social quanto acadêmica. Do ponto de vista social, visa contribuir para a proteção e promoção do bem-estar dos idosos em Manaus, fornecendo subsídios para o desenvolvimento de políticas e estratégias eficazes de prevenção e combate à violência. Academicamente, busca ampliar o conhecimento sobre o tema, oferecendo uma análise aprofundada das manifestações de violência contra os idosos na cidade e explorando novas perspectivas teóricas e metodológicas para sua investigação.

2. VIOLÊNCIA CONTRAS IDOSOS: CONCEITOS, TIPOLOGIAS, MANIFESTAÇÕES E IMPACTOS 

A violência contra idosos é uma temática complexa que vem ganhando destaque nos estudos sociais e na saúde pública, dada sua relevância e impacto na qualidade de vida dessa população. Diversos autores têm abordado essa questão sob diferentes perspectivas, destacando tanto as causas e manifestações da violência quanto as possíveis estratégias de prevenção e intervenção.

Minayo (2003), uma referência importante nesse campo, ressalta a violência contra idosos como uma questão multifacetada, envolvendo aspectos sociais, econômicos e culturais que demandam uma abordagem interdisciplinar para seu entendimento e enfrentamento. Outro autor, Mark Lachs (2015), destaca em seus estudos a importância da detecção precoce e da resposta institucional adequada às situações de violência contra idosos, sublinhando a necessidade de políticas públicas eficazes e de um sistema de suporte social robusto para proteger os idosos de diferentes formas de abuso.

Esses estudos contribuem para a compreensão da violência contra idosos como um problema de saúde pública que exige atenção integrada dos profissionais de saúde, dos gestores públicos e da sociedade em geral. Ao analisar as categorias de análise que tratam sobre violência contra idosos, é possível identificar padrões de abuso e negligência, além de reconhecer a importância da educação e da sensibilização como ferramentas chave na prevenção e no combate a esse fenômeno. 

Contudo, a violência contra idosos no Brasil tem mostrado um aumento preocupante nos últimos anos. Em 2024, houve um crescimento de 38% nos casos de violência contra essa população, evidenciando a necessidade urgente de ações efetivas para proteger os direitos dos idosos​ (G1, 2023)​. O número de denúncias registradas somente nos primeiros três meses de 2024 alcançou quase 43 mil, refletindo um aumento significativo em comparação com os anos anteriores​ (Agência Brasil, 2024). 

Entre os tipos de violência, a violência psicológica, negligência e o abuso financeiro são particularmente comuns. Em 2023, foram registradas mais de 120 mil violações psicológicas contra idosos nos primeiros cinco meses do ano. Casos de negligência e abandono também são frequentes, muitas vezes ocorrendo tanto em contextos familiares quanto institucionais​ (Agência Brasil, 2024)​. O abuso financeiro também é uma preocupação crescente, com um aumento significativo de casos reportados através do Disque 100​ (Ministério dos Direitos Humano, 2023​).

Além disso, a violência patrimonial e sexual contra idosos continua sendo um grave problema, práticas ilícitas que comprometem o patrimônio dos idosos e abusos sexuais que incluem coação e violência física são alguns dos atos relatados pelo Ministério dos Direitos Humanos (2023). Diante desse cenário, a campanha “Junho Violeta” foi lançada, visando conscientizar a sociedade sobre a necessidade de combater a violência contra os idosos e promover a garantia de seus direitos humanos​ (MDH, 2023​).

2.1 Tipos de Violência contra idosos e sua frequência nas diferentes tipificações

A violência contra idosos representa um dos problemas mais complexos e preocupantes na esfera dos direitos humanos e da saúde pública, manifestando-se através de várias formas que afetam a dignidade, a integridade física e psicológica, e o bem-estar dessa população. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência contra idosos pode ser classificada em cinco principais tipos: física, psicológica, sexual, financeira ou econômica, e negligência (OMS, 2021).

A violência física, caracterizada por qualquer ato que cause danos ou desconforto físico ao idoso, é uma das formas mais evidentes de abuso. Minayo (2003) aponta que golpes, empurrões e a administração inadequada de medicamentos estão entre as práticas mais comuns nessa categoria. Já a violência psicológica, que inclui atos como humilhações, insultos, ameaças e isolamento social, é destacada por Soares, Paiva e Sá (2018) como uma das mais destrutivas, afetando profundamente a autoestima e a saúde mental dos idosos.

Segundo Minayo (2003, p.), 

[…] os agressores frequentemente residem com as vítimas, sendo comum que sejam filhos economicamente dependentes dos idosos, ou vice-versa. Esses filhos podem ter problemas com álcool e drogas, geralmente vêm de famílias que demonstraram pouco afeto ao longo dos anos e são isoladas socialmente. As vítimas de violência muitas vezes são idosas que, historicamente, tiveram um comportamento agressivo com seus familiares e vêm de lares com antecedentes de violência. Os cuidadores que fazem parte desse cenário de violência incluem aqueles que já sofreram ou ainda sofrem violência, enfrentam depressão ou outros distúrbios mentais, e estão em estado de exaustão. 

Em 2023, houve um aumento significativo de 106% nas violações físicas registradas pelo Disque 100 em comparação com o ano anterior, com 129,5 mil casos reportados apenas nos primeiros cinco meses do ano. A maior parte dessas agressões ocorre no ambiente familiar, perpetrada por indivíduos próximos à vítima, como filhos, cônjuges, netos ou cuidadores domiciliares (Brasil, 2023).

A violência sexual, referindo-se a qualquer ato sexual não consentido, ainda é um tabu e possui menor visibilidade, mas suas consequências devastadoras são ressaltadas por Lachs e Pillemer (2015), que discutem a vulnerabilidade dos idosos a tais abusos. Envolve práticas que buscam obter excitação sexual ou erótica através de coação e violência física, afetando desproporcionalmente mulheres idosas e indivíduos com incapacidades físicas ou mentais, tornando-os mais vulneráveis a abusos (Brasil, 2023).

Há também destaque para a violência financeira ou econômica, que é apontada por De Donder et al. (2011) como a exploração ilegal ou inadequada dos recursos financeiros do idoso, representando assim, outra faceta preocupante, pois muitas vezes são perpetradas por familiares ou cuidadores. Em 2023, houve 15,2 mil violações financeiras registradas. A violência patrimonial, por sua vez, inclui práticas como forçar o idoso a assinar documentos sem o devido esclarecimento de suas finalidades, alterações em testamentos, entre outros atos que comprometem o patrimônio do idoso (Brasil, 2023).

Outra violência bastante comum nesse contexto é a negligência, definida pela falta de atendimento às necessidades básicas dos idosos, é uma forma de violência frequentemente observada em âmbitos domiciliares e institucionais, conforme elucidado por Dong (2015). Esta pode incluir a desatenção a cuidados médicos, alimentação inadequada, e ausência de higiene pessoal, refletindo tanto uma violência ativa quanto passiva contra o idoso. O Disque 100 registrou 37,4 mil casos de negligência e 19,9 mil casos de abandono nos primeiros cinco meses de 2023, sendo este último um aumento alarmante de 855% em relação ao ano anterior (Brasil, 2023).

Assim, percebemos que os impactos da violência contra idosos estendem-se por múltiplas dimensões, afetando não apenas a saúde física e mental, mas também a qualidade de vida e a interação social desses indivíduos. Segundo Acierno et al. (2010), vítimas de abuso possuem maior probabilidade de enfrentar problemas de saúde, depressão e isolamento social quando comparados a idosos que não sofrem violência. O autor destaca que o abuso pode levar a consequências devastadoras, como o desenvolvimento de doenças crônicas, agravamento de condições pré-existentes e até morte prematura.

No que se refere às percepções sociais e culturais, Dong (2014) argumenta que a violência contra idosos é frequentemente minimizada ou normalizada em diversas sociedades, devido a estereótipos relacionados à idade e à capacidade de contribuição dos idosos à sociedade. Essa normalização contribui para a invisibilidade do problema, dificultando a identificação e o enfrentamento da violência. A cultura do silêncio e a falta de conscientização sobre os direitos dos idosos exacerbam o problema, criando barreiras significativas para a denúncia e para a busca de ajuda.

Além disso, as percepções sociais em relação à violência contra idosos são influenciadas por fatores como gênero, raça e classe social, como destacam Roberto et al. (2016). Esses fatores podem determinar a visibilidade e a gravidade atribuídas ao abuso, bem como influenciar as estratégias de intervenção e suporte disponíveis para as vítimas. É crucial, portanto, que políticas públicas e estratégias de intervenção considerem essas dinâmicas socioculturais para serem eficazes no combate à violência contra idosos.

3. FATORES DE VULNERABILIDADE DOS IDOSOS 

Os fatores de vulnerabilidade dos idosos são múltiplos e interconectados, refletindo a complexidade das situações de risco que essa população enfrenta. Um dos principais aspectos que contribuem para a vulnerabilidade dos idosos é o socioeconômico. De acordo com Scharlach e Lehning (2013), idosos com recursos financeiros limitados ou que vivem em condições socioeconômicas precárias estão particularmente expostos a diferentes formas de violência e abuso. A falta de acesso a serviços de saúde de qualidade, moradia adequada e redes de apoio social amplifica os riscos enfrentados por esses indivíduos.

A relação entre pobreza e vulnerabilidade dos idosos é destacada também por Dong e Simon (2013), que apontam como as limitações econômicas aumentam a dependência de idosos em relação a familiares ou sistemas de apoio que podem não ser seguros ou confiáveis. Esse cenário pode levar a um ciclo de abuso e negligência, onde a falta de opções viáveis coloca os idosos em situações ainda mais vulneráveis. A pesquisa enfatiza a necessidade de políticas públicas que abordem as causas subjacentes da vulnerabilidade socioeconômica entre os idosos, como uma medida crucial para prevenir a violência e promover o bem-estar dessa população.

Os aspectos culturais desempenham um papel significativo na determinação dos fatores de vulnerabilidade dos idosos. Culturas que valorizam menos a velhice e percebem os idosos como menos úteis ou produtivos contribuem para uma maior vulnerabilidade a abusos e negligências. Segundo a análise de Band-Winterstein (2015), as atitudes culturais em relação ao envelhecimento e aos idosos podem influenciar diretamente a forma como eles são tratados dentro de suas famílias e comunidades. Em algumas culturas, o respeito e o cuidado para com os idosos são valores centrais, enquanto em outras, a marginalização e a discriminação são desafios significativos.

Da mesma forma, Dong (2014) discute como os estereótipos negativos sobre o envelhecimento podem levar a uma desvalorização dos idosos, aumentando sua vulnerabilidade ao isolamento social, abuso emocional e físico. A pesquisa aponta para a necessidade de combater esses estereótipos e promover uma imagem mais positiva do envelhecimento, como estratégia para reduzir a vulnerabilidade dos idosos. Esses estudos sublinham a importância de abordagens sensíveis culturalmente nos cuidados e políticas voltadas para os idosos, reconhecendo e respeitando as diversas perspectivas culturais sobre o envelhecimento. A promoção de uma cultura de respeito e valorização dos idosos é crucial para mitigar os fatores de vulnerabilidade associados a aspectos culturais.

As dinâmicas familiares representam um aspecto crucial na compreensão dos fatores de vulnerabilidade dos idosos. Segundo Lachs e Pillemer (2015), conflitos familiares, dependência econômica de membros da família sobre o idoso, ou do idoso sobre sua família, e a distribuição desigual de cuidados podem aumentar significativamente o risco de abuso. Estes autores destacam que as relações familiares tensas ou disfuncionais são terrenos férteis para o desenvolvimento de formas de violência, incluindo a negligência e o abuso físico e emocional.

Além disso, Roberto et al. (2016) examinam como a sobrecarga dos cuidadores pode levar a comportamentos abusivos, especialmente em famílias que não dispõem de recursos adequados para o cuidado dos idosos. A falta de apoio externo, combinada com o estresse decorrente da prestação de cuidados, pode resultar em cenários onde a violência emerge como um mecanismo de coping mal-adaptativo. Esses estudos sublinham a necessidade de intervenções que ofereçam suporte às famílias e cuidadores, promovendo práticas de cuidado saudáveis e prevenindo a violência contra idosos.

Contudo, estudos realizados por uma equipe de pesquisadores através do Atlas da Violência 2023, analisou a idade média ao morrer entre pessoas negras e não negras ao longo dos anos 2019, 2020 e 2021, revelando diferenças significativas baseadas em raça e gênero no Brasil. 

Segundo Atlas da Violência (2023), para avaliar como o direito à vida está sendo respeitado entre os dois principais grupos raciais, negros e não negros, bem como entre os gêneros e em diferentes Unidades da Federação (UFs), este estudo analisa a proporção de idosos e a idade média de morte desses grupos. De acordo com os dados da PNAD Contínua de 2021, 56% da população brasileira se identifica como negra, mas apenas 47% dos idosos são deste grupo, conforme ilustrado no gráfico 41 da PNAD. 

Gráfico 1: Proporção da população e de idosos por raça/cor – Brasil (2021)

Fonte: Atlas da Violência, 2023.

Isso indica que uma maior porcentagem de idosos é composta por não negros, um padrão que se repete em todas as UFs. As diferenças mais notáveis aparecem em estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo. Por outro lado, na região Norte, essas discrepâncias são menos acentuadas, o que pode indicar barreiras específicas enfrentadas pela população negra em alcançar idades mais avançadas.

Gráfico 2: Razão negro idoso/negro na população total, por UF – Brasil (2021)

Fonte: Atlas da Violência, 2023.

Além disso, o estudo desagregou os óbitos por causas violentas ou externas entre homens idosos negros e não negros. Em 2021, 4,7% do total de óbitos de homens negros e 4,3% dos não negros foram devidos a essas causas, incluindo agressões, quedas e acidentes de transporte. A mortalidade por agressão foi 41% mais alta para negros do que para não negros. Durante o período de 2011 a 2021, observou-se um decréscimo nas taxas de mortalidade por essas causas, embora o declínio tenha sido mais acentuado para não negros. 

Gráfico 3: Idade média ao morrer, por sexo e raça/cor – Brasil (2019-2021)

Fonte: Atlas da Violência, 2023.

De acordo com os dados, mulheres tendem a viver mais do que homens, e indivíduos não negros têm uma expectativa de vida maior do que os negros. Em 2021, especificamente, mulheres não negras viveram em média 10,9 anos a mais do que homens negros, com a raça explicando 58,7% dessa diferença, enquanto o gênero respondia por 41,3%. Notavelmente, essa disparidade diminuiu desde 2019, quando a diferença era de 12,9 anos, com a maioria dessa redução atribuída à diminuição dos diferenciais raciais.

De acordo com um relatório divulgado em 2023 pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com o Itaú Viver Mais, a população idosa no Brasil tem crescido significativamente, representando 15,1% em 2022, comparado a 11,3% em 2012. Este fenômeno é observado globalmente, com projeções da ONU indicando que o número de idosos dobrará até 2050. O estudo revela que o envelhecimento é marcado por desigualdades raciais significativas, sendo mais desafiador para pessoas negras no Brasil, particularmente em termos de segurança financeira na velhice. Em cidades como Salvador, São Paulo e Porto Alegre, foram coletados dados indicando que homens negros enfrentam maiores dificuldades financeiras na terceira idade em comparação com seus pares brancos.

A necessidade de abordar essas desigualdades é urgente, conforme enfatizado por especialistas e estudiosos do tema. O envelhecimento deve ser um processo inclusivo e equitativo, independentemente de raça ou gênero. Políticas públicas eficazes e intervenções direcionadas são essenciais para garantir que todos os idosos possam desfrutar de uma velhice com dignidade e segurança. Medidas como a melhoria do acesso à saúde, educação financeira adaptada para idosos, e a implementação de programas sociais que visam reduzir as desigualdades econômicas e de saúde são passos críticos para reverter o legado de disparidades raciais e de gênero no envelhecimento. Conforme discutido por pesquisadores, o enfrentamento dessas questões não só beneficia as populações marginalizadas, mas também contribui para a saúde e o bem-estar da sociedade como um todo (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, 2023; ONU, 2022).

4. POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO AOS IDOSOS EM MANAUS 

As políticas públicas de proteção aos idosos em Manaus refletem um esforço contínuo para endereçar as diversas facetas da vulnerabilidade enfrentada por essa população. Um exemplo notável é a criação do “Disque Idoso”, um serviço que permite a denúncia e o acompanhamento de casos de violência contra idosos, promovendo um canal direto de comunicação com as autoridades competentes. Este serviço é parte de uma estratégia mais ampla para garantir os direitos e a proteção dos idosos, conforme destacado no Portal do Envelhecimento e Longeviver.

Além disso, programas como o “Programa Longa Permanência”, desenvolvido pela Fundação Doutor Thomas (FDT), demonstram o compromisso da cidade com o fornecimento de cuidados integrais aos idosos em situação de risco. Este programa oferece assistência em caráter asilar a idosos sem vínculo familiar ou em condições de vulnerabilidade, provendo serviços essenciais como alimentação, atendimento médico e psicológico, e atividades ocupacionais, como relatado pelo Portal do Envelhecimento e Longeviver.

Podemos citar também a atuação da Delegacia do Idoso, que é especializada na proteção, apoio e atendimento das pessoas idosas, especialmente aquelas que são vítimas de violência. A delegacia trabalha com uma equipe multidisciplinar para garantir um atendimento adequado e prioriza investigações envolvendo violações contra idosos, mostrando um compromisso com a fiscalização e a responsabilização em casos de abuso​ (Agência Brasil, 2021)​.

Outra ação importante é a promoção de campanhas educativas contínuas através de diversos meios de comunicação para conscientizar sobre os direitos e a dignidade dos idosos, visando combater e prevenir violações e violências​ (Agência Brasil, 2021)​.

Adicionalmente, em uma abordagem mais voltada para a qualidade de vida e inclusão social dos idosos, Manaus oferece políticas públicas de lazer, que consideram as transformações psicológicas e sociais do envelhecimento, promovendo a integração social e o bem-estar dos idosos através de atividades culturais e de lazer adequadas às suas necessidades​ (Silva, 2020)​.

No contexto das políticas públicas voltadas para a proteção dos idosos em Manaus, diversas iniciativas se destacam por seu enfoque na melhoria da qualidade de vida e na inclusão social dessa faixa etária. Uma dessas iniciativas é o Ônibus do Idoso, uma estratégia inovadora apresentada pelo governo do Amazonas para ampliar e facilitar o acesso dos idosos a serviços essenciais. Coordenado pela Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (Sejusc) e lançado em junho de 2022 durante um evento comunitário, o Ônibus do Idoso oferece atendimentos psicossociais, jurídicos e de saúde por toda a capital e Região Metropolitana, evitando que os idosos precisem se deslocar a unidades de saúde ou centros de serviço social (Manaus, 2022).

Além disso, a Universidade Aberta da Terceira Idade (UNATI) desempenha um papel crucial no fornecimento de educação continuada e atividades de integração para os idosos. A UNATI oferece cursos, oficinas e palestras que estimulam a mente e promovem o bem-estar físico e social dos idosos, contribuindo significativamente para o envelhecimento ativo e saudável.

Outros importantes pontos de encontro e atividade para os idosos são o Parque do Idoso e o Centro Social Urbano (CSU), onde são oferecidas atividades físicas adaptadas, como hidroginástica. Essas instalações proporcionam espaços seguros e estimulantes onde os idosos podem praticar exercícios físicos, socializar e participar de programas de saúde projetados especialmente para suas necessidades.

O programa Idoso Empreendedor, uma parceria entre o governo do Amazonas e a Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam), também merece destaque. Este programa oferece microcrédito para pessoas acima de 45 anos que desejam abrir ou ampliar negócios próprios, promovendo a independência financeira e o empreendedorismo entre os idosos. Até o início de 2022, o programa já havia cadastrado 334 pessoas e aprovado 47 cheques, totalizando R$ 225 mil em créditos distribuídos (Manaus, 2022).

Essas iniciativas ilustram a abordagem multifacetada adotada por Manaus para enfrentar os desafios relacionados ao envelhecimento, buscando não apenas prevenir e combater a violência contra os idosos, mas também promover sua inclusão social e bem-estar. A implementação de políticas públicas voltadas para a proteção e o cuidado dos idosos em Manaus é fundamental para assegurar uma qualidade de vida digna e justa para essa população, demonstrando a importância de uma ação coordenada entre diferentes níveis de governo e a sociedade civil.

4.1. Desafios e Oportunidades na Prevenção e Combate à Violência contra Idosos em Manaus

A prevenção e o combate à violência contra idosos em Manaus enfrentam uma série de desafios, mas também apresentam oportunidades significativas para melhorar a segurança e o bem-estar dessa população. Entre os principais desafios, a falta de conscientização e a subnotificação de casos de violência são aspectos críticos. Muitas vezes, os idosos, por medo de represálias ou por desconhecimento dos serviços disponíveis, hesitam em denunciar abusos, dificultando a ação efetiva das autoridades e organizações de proteção (WHO, 2020). Além disso, a capacitação de profissionais para identificar e lidar com situações de violência contra idosos emerge como um desafio importante, exigindo programas de formação continuada e a criação de protocolos específicos de atendimento (NAI, 2019).

Por outro lado, Manaus dispõe de oportunidades valiosas para fortalecer a luta contra a violência aos idosos. A implementação de políticas públicas específicas, como o “Disque Idoso” – discando o número 100 – é um passo significativo na direção certa, oferecendo um canal direto para denúncias e suporte aos idosos vítimas de violência. 

A eficácia das políticas públicas destinadas à proteção dos idosos em Manaus, incluindo iniciativas como o “Disque Idoso”, merece uma análise crítica que ultrapassa a sua mera existência, abordando aspectos de implementação prática e impactos observáveis.

O “Disque Idoso” foi criado como uma linha direta para denúncias de casos de violência contra idosos, facilitando o acesso rápido às autoridades e serviços de apoio. No entanto, a avaliação de sua eficácia envolve verificar não apenas o volume de chamadas recebidas, mas também a resposta subsequente e a resolução dos casos reportados. Uma limitação observada pode estar na capacidade de resposta das agências envolvidas e na falta de recursos para seguir as denúncias de maneira efetiva (Brasil, 2023)

Adicionalmente, a existência de programas de assistência integral aos idosos, como o oferecido pela Fundação Doutor Thomas, demonstra o potencial da cidade para oferecer cuidados e proteção a essa população (Portal do Envelhecimento e Longeviver). A ampliação desses serviços e a integração entre as redes de apoio social, saúde e justiça são fundamentais para criar um ambiente mais seguro para os idosos.

Portanto, enquanto Manaus enfrenta desafios significativos na proteção de seus idosos, a cidade também possui as ferramentas e os meios para avançar nesse campo. A conscientização da população, a formação de profissionais especializados e o fortalecimento das políticas públicas são caminhos promissores para mitigar a violência contra idosos e promover uma sociedade mais inclusiva e segura para todos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Este trabalho analisou as manifestações de violência contra idosos em Manaus, explorando a eficácia das políticas públicas e os fatores sociais e culturais que contribuem para a vulnerabilidade dessa população. Através de uma revisão bibliográfica e análise qualitativa dos dados coletados, obtivemos uma compreensão aprofundada do tema, respondendo ao problema proposto e atingindo os objetivos delineados.

Foi confirmado que a violência contra idosos em Manaus é um problema grave e multifacetado, que abrange abusos físicos, psicológicos, financeiros, sexuais, além de negligência e exploração financeira. Esses abusos estão profundamente enraizados em dinâmicas sociais e econômicas complexas, revelando a necessidade urgente de abordagens mais integradas e eficazes.

O estudo destacou como esses abusos são frequentemente perpetuados dentro do seio familiar e exacerbados por condições socioeconômicas desfavoráveis, isolamento social, e dependência física ou financeira. As contribuições teóricas de autores como Maria Cecília Minayo foram fundamentais para entender as nuances dessa violência, enquanto a análise das políticas públicas de Manaus revelou tanto suas aplicações práticas quanto suas limitações.

A pesquisa identificou que, apesar de haver esforços legislativos e sociais significativos, como a iniciativa “Disque Idoso”, existem lacunas consideráveis na implementação dessas políticas. A necessidade de melhorar a formação de profissionais envolvidos no atendimento aos idosos, a integração de serviços, e a transparência nos processos de denúncia são claras.

Para enfrentar a violência contra idosos em Manaus, recomenda-se a implementação de campanhas de conscientização mais abrangentes, que alcancem todos os estratos sociais e contribuam para mudar a percepção pública sobre o envelhecimento. Além disso, é crucial revisar e fortalecer as políticas públicas, com foco especial na capacitação de profissionais e na melhoria dos sistemas de denúncia e atendimento.

Este estudo não apenas contribuiu para a literatura acadêmica, mas também destacou práticas recomendáveis e áreas para futuras investigações que poderiam melhorar significativamente a qualidade de vida dos idosos em Manaus. As conclusões enfatizam a necessidade de políticas públicas mais robustas e integradas, bem como a importância de campanhas de conscientização para combater a violência contra idosos. Os resultados também sugerem áreas para futuras investigações, tais como avaliar o impacto das intervenções em tempo real, explorar as experiências dos idosos por meio de pesquisas qualitativas, e realizar estudos comparativos com outras cidades para identificar práticas bem-sucedidas adaptáveis ao contexto de Manaus.

7. REFERÊNCIAS 

Acierno, R. et al. (2010). Prevalência e correlatos de abuso emocional, físico, sexual e financeiro e negligência potencial nos Estados Unidos: The National Elder Mistreatment Study. Jornal Americano de Saúde Pública, 100(2), 292–297.

Agência Brasil. Número de denúncias de violência contra idosos cresce em 2024. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-04/numero-de-denuncias-de-violencia-contra-idosos-cresce-em-2024. Acesso em: 26 abr. 2024.

Agência Brasil. Conferência lança caderno de propostas para direitos dos idosos. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-04/conferencia-lanca-caderno-de-propostas-para-direitos-dos-idosos. Acesso em: 26 abr. 2024.

Band-Winterstein, T. (2015). Prestação de cuidados de saúde para idosos: a interação entre preconceito de idade e negligência dos idosos. Jornal de Gerontologia Aplicada, 34(3), NP113-NP127.

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento & Itaú Viver Mais. (2023). Pessoas brancas vivem mais e melhor a velhice do que pessoas negras, aponta relatório. GIFE. Disponível em: https://gife.org.br/pessoas-brancas-vivem-mais-e-melhor-a-velhice-do-que-pessoas-negras-aponta-relatorio/.

Dong, X. (2014). As definições dos subtipos de maus-tratos a idosos são importantes? Resultados do estudo PINE. Jornal de Gerontologia, 69 (Suplemento 2), S68-S75.

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