MANIFESTAÇÕES CULTURAIS NEGRAS E SUA INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10707451


Fernanda Sousa Rabelo1
Maria das Graças Santos Mourão2


RESUMO

A presente pesquisa trata-se de uma busca acerca das manifestações culturais que foram trazidas pelos negros, buscando entender de que forma esses costumes influenciaram e influenciam a cultura brasileira. Assim elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: os negros trouxeram consigo para o Brasil manifestações culturais? Que manifestações foram essas? Elas influenciaram e ainda influenciam na vida do brasileiro? De que forma? A partir dos questionamentos elencados, buscou-se analisar como se deu a vinda das manifestações culturais trazidas pelos negros para o Brasil. Utilizou-se a análise bibliográfica nesta pesquisa, a mesma envolveu pesquisa em livros, artigos, sites e fontes confiáveis. O referencial teórico que deu subsídios a esta pesquisa foi feito com base em autores como Felinto (2012), Munanga (2012), Dantas (2012), Mattos (2012) entre outros. Assim, os resultados obtidos mostraram que o legado constituem o patrimônio histórico, social, econômico, cultural e principalmente religioso com o qual eles constroem sua identidade e continuam a influenciar a sociedade brasileira ao preservarem suas manifestações culturais, compondo assim a cultura afro-brasileira. Com isso, reforça-se a importância desse trabalho para o meio educacional e social, como também acadêmico.

Palavras-chave: Negro. História. Manifestações. Cultura Afro-brasileira. 

ABSTRACT

The present bibliographical research is a search about the cultural manifestations that were brought by the blacks and in what way these customs influenced and influenced in the culture of the Brazilian society. Thus the following research question was elaborated: did blacks bring cultural manifestations to Brazil? What were these manifestations? Have they influenced and still influence the life of the Brazilian? In what way? Based on the questions raised, it is sought through the general objective to analyze how the coming of the cultural manifestations brought by the blacks to Brazil occurred. The qualitative approach was used in this research. The collection procedure of the same involved research in books, articles, websites, in other words, reliable sources. The theoretical framework that gave support to this research was based on authors such as Felinto (2012), Munanga (2012), Dantas (2012), Mattos (2012) and others. Thus, the obtained results showed that the legacy constitutes the historical, social, economic, cultural and mainly religious patrimony with which they construct their identity and continue to influence the Brazilian society while preserving its cultural manifestations, thus composing Afro-Brazilian culture. This reinforces the importance of this work for the educational and social environment, as well as academic.

Keywords: Black. Story. Manifestations. Afro-Brazilian culture.

INTRODUÇÃO

O senso comum sobre a disciplina de História explicita que a disciplina é apenas o resgate do passado. É a busca de compreender as antigas civilizações. Porém, a Historia vivida refere-se às experiências vivenciadas pelas diversas sociedades, mas este passado não poderá ser reconstruído em sua totalidade, não há como resgatar o passado na sua extrema exatidão da realidade vivida da época. Africanos que foram trazidos para o Brasil e obrigados a trabalhar como escravos sofreram na pele o peso da violência e opressão que trouxeram consigo, mesmo sem intenção desse desatino. Mesmo com tantos desalentos, africanos e descendentes, resistiram e conviveram com outros povos e encontraram diversas maneiras de se concentrar e manifestar suas culturas e, dessa forma, influenciar a sociedade brasileira. 

 Com tal pensamento, somos instigados a refletir sobre as manifestações culturais trazidas pelos negros de outros países. Assim surge o interesse pelo tema, onde relaciona-se atividades realizadas por outros povos, que influenciaram e influenciam a sociedade brasileira. Percebe-se que diversas manifestações foram trazidas por outros povos e aqui chegando foram adaptadas e moldadas para permanecerem.

Com tal perspectiva, Mattos (2012) afirma que os africanos, quando chegaram ao Brasil, passaram a conviver com diversos grupos étnicos – portugueses, indígenas e africanos originários de diferentes partes da África. Assim que chegaram ao Brasil com seus costumes e hábitos, aqui já encontraram povos também pertencentes a outros costumes e práticas. Ainda neste pensamento, Souza reafirma com relação aos afrodescendentes, “ao se integrarem à sociedade brasileira que estava sendo formada também com a sua participação, tinham de lidar com diversidades culturais e sociais entre eles” (2014, p. 92).

Dessa maneira, pode-se dizer que para conseguir preservar sua cultura e suas crenças, o negro foi obrigado a buscar caminhos como a “aceitação” do que era imposto pela igreja católica (religião majoritária vigente na época), miscigenando com o que era compatível com sua cultura, como também, os que conseguiam fugir, através da manutenção de seus ritos nas sociedades clandestinas por ele formadas, chamadas de quilombos.

Dessa forma, algumas questões se fazem necessárias para entender como se dão essas relações que são apontadas acima, assim, a presente pesquisa pauta-se na seguinte problemática: mesmo com tantos desalentos, africanos e descendentes, conseguiram resistir e conviver com outros povos? De quais maneiras encontraram para se concentrar e manifestar suas culturas? E, dessa forma, como influenciaram a sociedade brasileira?

Partindo do pressuposto de que os africanos foram trazidos a força de sua terra para um lugar totalmente desconhecido, dentre tantas outras dificuldades vivenciadas pelos negros como nos conta a história oficial, uma delas foi justamente manter viva sua cultura. Muito além dos fatores internos, como distância da “terra mãe”, convívio com seus semelhantes e difusão das práticas costumeiras de geração a geração, o negro sofria demasiada pressão externa no intuito de “perder” sua cultura.

Embora a pesquisa proporcione diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto, talvez por isso seja uma experiência tão completa, deve-se fazer uma relação entre a teoria e a prática. Para isso é necessário se aprofundar no assunto, examinar minuciosamente essa relação, levantar dados e compreendê-lo em um contexto geral, tudo isso em prol de um conhecimento mais concreto (PEREIRA, 2007). Quanto a abordagem da pesquisa, realizou-se um estudo bibliográfico com base em autores como Felinto (2012), Munanga (2012), Dantas (2012), Mattos (2012), entre outros.

Influência da cultura africana na formação cultural brasileira

Durante muito tempo a África foi representada no imaginário das pessoas como um continente onde se encontrava somente guerras, miséria, uma população pobre em condições subumanas de existência e desenvolvimento. A influência da cultura africana no processo de formação cultural brasileira começou a ser delineada com a chegada dos africanos no continente brasileiro, por intermédio do tráfico de escravos, com uma grande diversidade cultural vindos de várias regiões da mesma.  

O escravo africano era um elemento de suma importância no campo econômico do período colonial sendo considerado “as mãos e os pés dos senhores de engenho porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente” (ANTONIL, 1982, p. 89). Contudo, a contribuição africana no período colonial foi muito além do campo econômico, uma vez que, os escravos souberem reviver suas culturas de origem e recriarem novas práticas culturais através do contato com outras.

É importante salientar que não houve uma homogeneidade cultural praticada pelos negros africanos, visto que imperava uma heterogeneidade favorecida pelas origens distintas dos africanos, que apesar de oriundos do continente africano, geralmente os escravos apresentavam uma prática cultural diferenciada em alguns aspectos devido à região que pertenciam, pois, a África caracteriza-se em um continente dividido em países com línguas e culturas bastante diversas.

De acordo com Souza:

Algumas sociedades africanas formaram grandes unidades políticas ou Estados, como o Egito, o Mali, Songai, Oió, Axante e Daomé. Outras eram agrupamentos muito pequenos de pessoas que caçavam e coletavam o que a natureza oferecia ou plantavam o suficiente para o sustento da família e do grupo. Mas todas, das mais simples às mais complexas, se organizavam a partir da fidelidade ao chefe e das relações de parentesco. […] Havia assim um conselho que ajudava o chefe a governar, no qual os responsáveis pelos assuntos ligados ao sobrenatural eram muito importantes. Se a forma de organização dos grupos girava em torno das relações de parentesco, a orientação de tudo na vida era dada pelo contato com o sobrenatural: com os espíritos da natureza, com antepassados mortos e heróis místicos, que muitos grupos consideravam os fundadores de suas sociedades. (2014, p. 31)

 De início, fica evidente a constatação de que assim como a sociedade brasileira é constituída pela junção de vários povos, inclusive o retratado aqui, as sociedades africanas também tenham esse cenário diversificado. Assim como sua formação e agrupamento de forma a gerar uma rede de cooperação e colaboração coletiva que mostra sua eficiente distribuição de deveres e tarefas individuais e coletivas.  

Quando os navios aportavam em terras brasileiras, segundo Mattos (2012), os escravos era levados em pequenas embarcações até a alfandega para ser feita uma listagem com os dados do carregamento. Realiza-se então uma triagem onde separava-se os escravos para o diversos centro comercial para consumar sua venda. Conforme Pereira (2012) os escravos eram vendidos como mercadorias para aqueles que tivessem condição de pagar por eles. Eram escolhidos pela possível capacidade de trabalho na lavoura ou na mineração, eram selecionados independentes de sua vontade e da existência de vínculos afetivos ou sanguíneos.  

Nas Américas, a escravidão se revestiu de mais uma característica que a tornava diferente: a instituição passou a ter uma base racial. Com o crescimento do tráfico de africanos, os escravos se tornaram sinônimos de negros. Embora nem todos os negros fossem escravos, a maioria o era. A cor da pele era um elemento fundamental para identificar a condição do escravo e também para estigmatizar e marcar a inferioridade social. (DANTAS, 2012, p. 20)

 Com o avanço da escravidão nota-se uma singularidade presente nas Américas: o preconceito racial. A cor da pele passa a ser marcante na sociedade brasileira. Segundo o Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2011), de um total de 190 milhões de brasileiros, 91 milhões se classificaram como brancos (47,7%), 15 milhões como pretos (7,6%) e 82 milhões como pardos (43,1%). Assim, somando-se a população auto declarada como preta com a parda, uma vez que esta decorre da miscigenação do branco com negro, tem-se uma população que representa 50,7% do total, ou seja, atualmente a população brasileira é formada, em sua maioria, por negros e seus descendentes. 

À medida que o africano começou, e de fato, fez e faz parte da sociedade brasileira, Souza (2014) afirma que o africano se tornou afro-brasileiro e, mais que isso, tornou-se um brasileiro nato. E que essas misturas estão presentes nas raízes de formação da sociedade brasileira, principalmente nos traços fiscos, na música e na religiosidade é que essas junções de manifestações culturais se tornam mais evidente.  

Manifestações culturais: uma discussão teórica

É valido ressaltar que as práticas dos escravos africanos eram diferenciadas, pois eles eram oriundos de pontos diferentes do continente africano. De acordo com VAINFAS (2001), durante o período colonial, quase nada se sabia sobre a origem étnica dos africanos traficados para o Brasil. Entretanto, Souza (2014) enfatiza que além dos traços físicos, talvez na música e na religiosidade que a presença africana esteja mais evidente entre os brasileiros, visto que a religião ocupa um lugar centralizado na religiosidade nas culturas africanas, sendo o núcleo de onde provem todo o ensinamento para a vida seja sozinho ou vivendo em comunidades.  

a) Religiosidade:

Desde que atracaram as terras brasileiras, os africanos já traziam consigo suas irmandades religiosas. Dantas (2012) as irmandades eram associações religiosas que possibilitavam aos negros se reunirem em torno da devoção a um santo católico. Visto, que ao chegarem no Brasil, religiões africanas foram transformadas; ritos e crenças se misturaram com o de outros povos, como afirma Souza (2014), com o dos portugueses, contudo, nesse processo de transformação, muito das características africanas foram mantidas.  

O primeiro e ser listado será o Candomblé, que de acordo com Felinto:

os adeptos do candomblé veneram um conjunto de dezesseis orixás cujos aspectos e representações podem ser conferidos numa infinidade de mitos que descrevem suas histórias e características particulares. Além de reunirem atributos, personalidades, comportamentos, sentimentos e paixões humanas, os orixás também se associam a determinados locais, elementos e forças da natureza (água, terra, fogo, ar; mares, lagos, cachoeiras, matas, montanhas, florestas etc.); desempenham certas atividades humano-culturais (caça, guerra, justiça, maternidade, cura etc.); distinguem-se através de cores, vestimentas e emblemas rituais; são sincretizados com santos católicos cuja correspondência pode variar conforme a região geográfica. (2012, p.12)

Os devotos do Candomblé são conhecidos como pai e mãe de santo, e de acordo com Mattos (2012) os devotos dessa forma de expressão religiosa precisam passar por um processo de iniciação para incorporarem os espíritos dos ancestrais. No candomblé de origem ioruba os seres sobrenaturais que orientaram o mundo dos vivos e regem as forças da natureza são chamados de orixás. Os principais orixás existentes no Brasil são: 

  • Exu ou Elegbara- considerado o mensageiro entre os orixás; simbolizado com um tridente; as cores que representam esse orixá são vermelho e preto e o dia da semana é segunda-feira;
  • Iansã- é um orixá feminino, considerada uma guerreira; seu símbolo é um raio; suas cores são branco e vermelho e o dia da semana é quarta-feira;
  • Iemanjá- considerada a mãe de todos os outros orixás; representa as águas. Sua cor é azul e o dia da semana é sábado;
  • Ogum- é o orixá das guerras; tem o poder de abrir os caminhos para a evolução do mundo usando a sua espada. As cores que representam são vermelho ou anil, e o dia da semana é a quinta-feira;
  • Oxalá ou Obatalá- é o criador da humanidade; seu símbolo é o cajado; sua cor é branco e o dia da semana é a sexta-feira;
  • Oxóssi- é o orixá da caça e junto com Ogum desbrava os caminhos e remove os obstáculos da vida. É representado pelo arco e flecha, pela cor verde e seu dia é quinta-feira;
  • Oxum- representa a beleza e o amor; seus símbolos são os seixos rolados e sua cor é amarelo; seu dia da semana é sábado;
  • Xangô- é o orixá do poder e da justiça- domina os raios e os trovões- seu símbolo é o machado de suas lâminas e as cores são branco e vermelho; dia da semana é quarta-feira. 

Uma outra forma de organização dos africanos e que levava em conta a nação a qual pertenciam, eram as irmandades religiosas. Conforme Dantas (2012) as irmandades eram associações religiosas que permitiam aos negros se reunirem de modo relativamente autônomo em torno da devoção a um santo católico. Permitindo se encontrar nesses locais com outros africanos e seus descendentes, facilitando o contato com companheiros de cor e de condição social ( MATTOS, 2012).

Muitas irmandades de negros e pardos possuíam capelas próprias, o que era extremamente valorizado, pois isso dava a elas maior autonomia e independência em suas tarefas do dia a dia. Quando uma irmandade não tinha recursos suficientes para adquirir um terreno e construir uma capela, a saída era ocupar os altares laterais das igrejas que já existiam. Por exemplo, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos do Rio de Janeiro abrigava em sua sede outras congregações pequenas, devotadas a diferentes santos. ( DANTAS, 2012, p.47)

Conforme demonstrado acima, muitas irmandades não tinham um local próprio para realização de seus cultos tendo que dividir com outros santos que já tinham capela as partes laterais que lhe proporcionavam a realização e professavam sua divindade. Às irmandades, como cita Felinto (2012) cabia a assistência material e espiritual de seus membros, denominados irmãos. Ou seja, frequentemente os irmãos deveriam dedicar um donativo a irmandade que pertencia para fundos de arrecadação e utilização de maneira que beneficiasse a todos os irmãos. 

Chamada inicialmente de espiritismo de umbanda, conforme nos diz Mattos (2012) a umbanda é uma religião afro-brasileira que mistura o candomblé baiano com o espiritismo kardecista e o catolicismo. Desse último a umbanda incorporou alguns valores, as devoções a

Jesus, à Maria e aos santos e as orações. Seus praticantes cultuam,

Além de orixás e santos católicos, inúmeros guias, espíritos ou entidades que, segundo o discurso religioso, tiveram vida terrena mas retornaram ao mundo dos homens e que se incorporam em seus médiuns para orientar, aconselhar ou guiar através de seus poderes e conhecimentos mágico-curativos. Eles são agrupados em linhas, falanges ou legiões (de espíritos) lideradas por um orixá ou um santo católico que, ao atuar dentro de uma determinada faixa ou corrente vibratória, desempenha funções especificas. ” (FELINTO, 2012, p. 15)

De acordo com Mattos (2012) o princípio básico da umbanda é a crença na existência de forças sobrenaturais que interferem neste mundo. A umbanda faz a distinção entre as forças benéficas e maléficas. As forças benéficas são chamadas de guias de caridade e as maléficas formam um panteão de exus-espíritos e pombagiras. Desse modo, a umbanda é uma religião que professa tanto o bem quanto o mal de forma sobrenatural de espíritos de seres místicos que um dia habitaram a terra e voltam no corpos de médiuns para realizar ações de bem ou de mal. 

b)Danças e festas:

O batuque era uma manifestação cultural marcada pela música e por movimentos de dança que foi incorporado à pratica da religião católica ao ser realizado em rituais e festas em homenagens aos santos das irmandades, nos desfiles de reis e rainhas e nos cortejos fúnebres (MATTOS, 2012). Para os africanos, a dança e a música tinham relação matrimonial com o universo religioso, muitas vezes serviam de ligação com o mundo espiritual. 

Outras manifestações culturais seriam derivadas das rodas musicais praticadas pelos africanos, como o lundu e o samba. Segundo Mukuna (2006) apud Felinto:

a palavra samba é originaria da palavra semba do idioma quimbundo, que significa umbigada e dá nome a uma dança tradicional desta etnia em que o passo principal é justamente a umbigada entre um homem e uma mulher. […] Em razão de a grande maioria doa portugueses desconhecer idiomas africanos, e dado que os negros davam nomes às suas danças, todas elas manifestações musicais em que há a presença do tambor e da umbigada, estas ficaram conhecidas como batuque. (2012, p. 46)  

O lundu e o samba eram marcados pela introdução de palmas e pelo movimento do corpo de forma constante. O batuque era para o africano um importante momento de encontro com seus companheiros de cor, de condição social e de origem, ou seja, uma das poucas chances de compartilhar experiências e conquistar laços de solidariedade (MATTOS, 2012).

Conceituada por Munanga (2012), a capoeira é um jogo atlético afro-brasileiro cuja etimologia é controversa; para alguns capoeira vem de kapwila, que no umbigo significa espancar, bofetada, tabefe. Para proteger de roubos suas mercadorias, que carregavam em cestos chamados capoeiras, os negros de ganho balançavam seus corpos, de modo que parecesse fazer uma coreografia, surgindo uma dança ou brincadeira ( MATTOS, 2012).

a partir do século XIX, os reis africanos de ‘nação’ passaram a ser chamados de ‘reis do Congo”, título que representava os líderes das comunidades negras, mesmo que estes não fossem originários daquele reino. Com o passar do tempo, uma identidade negra foi construída em torno dessa manifestação, englobando não somente os africanos de várias regiões da África, mas também seus descendentes. E hoje, conhecida como Congada, é uma das festas negras mais populares no Brasil. (MATTOS, 2012, p.192)  

 Congada é uma expressão cultural e religiosa que envolve o canto, dança, teatro e espiritualidades cristãs e de matriz africana. Nela se louva Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia, lembrando da proteção que esses santos deram aos escravos negros. Em algumas congadas, se recorda a figura de Chico Rei e da luta entre cristãos e mouros. A congada é celebrada de norte a sul do Brasil. O maracatu tem sua origem também nas festas de coroação de reis e rainhas negros e que depois de alguns anos foi incorporado as manifestações carnavalescas de Pernambuco.

c) Gastronomia:

Pode-se caracterizar a cozinha de herança africana no Brasil como adaptativa, criativa e legitimadora de muitos produtos africanos e não africanos que foram incluídos regionais e em outros de presença nacional. O coco-verde vem da índia, passando antes pela África Oriental, África Ocidental, Cabo Verde e Guiné para então fixar-se no Nordeste brasileiro.

O dendê é uma das marcas da cozinha genuinamente africana no Brasil e o dendezeiro é sagrado para os Ioruba, sendo conhecido como igí-opé. De acordo com Souza há grande influência africana na culinária brasileira, principalmente no estado da Bahia , onde:

o uso da pimenta e do azeite de dendê lembra a proximidade que ela já teve com a Costa da Mina. Acarajé, vatapá, aluá, e xinxim de galinha são alguns dos pratos que, além do nome, têm receitas parecidas com as feitas na África, satisfazendo o paladar dos que se criaram dentro dos gostos dos seus pais. Além dos pratos preparados, o inhame, o cará, a noz-de-cola (aqui chamada de obi e Orobó e usada em cultos religiosos) e a nossa tão típica banana vieram do continente africano, esta ultima depois de atravessá-lo inteiramente a partir da costa oriental, para onde foi levada pelos que vinham da Índia. (2014, p. )  

            Algumas comidas afro-brasileiras:

  • Acarajé- Bolo de feijão-macaça temperada e moída com camarão seco, sal e cebola,frito com azeite de dendê;
  • Mungunzá- Alimento preparado com milho em grão e servido doce (com leite de coco) ou salgado (com acompanhamento de carne -de-sal/ ou torresmo) com leite;
  • Vatapá- Papa de farinha-de-mandioca com azeite de dendê e pimenta, servida com peixe e crustáceos;
  • Abará- Bolinho de origem afro-brasileira feito com massa de feijão-fradinho temperada com pimenta, sal, cebola e azeite-de-dendê, algumas vezes com camarão seco, inteiro ou moído e misturado à massa, que é embrulhada em folha de bananeira e cozida em água. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida a Iansã, Obá e Ibeji);
  • Aberém- Bolinho de origem afro-brasileira, feito de milho ou de arroz moído na pedra, macerado em água, salgado e cozido em folhas de bananeira secas. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida a Omulu e Oxumaré);
  • Abrazô- Bolinho da Culinária Afro-Brasileira , feito de farinha de milho ou de mandioca, apimentado, frito em azeite-de-dendê;
  • Acaçá- Bolinho da Culinária Afro-Brasileira , feito de milho macerado em água fria e depois moído, cozido e envolvido, ainda morno, em folhas verdes de bananeira. (Acompanha o vatapá ou caruru. Preparado com leite de coco e açúcar, é chamada acaçá de leite). No candomblé, é comida-de-santo, oferecida a Oxalá, Nanã, Ibeji, Iêmanja e Exu.
  • Ado- Doce de origem afro-brasileira feito de milho torrado e moído, misturado com azeite-de-dendê e mel. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida a Oxum);
  • Aluá- Bebida refrigerante feita de milho, de arroz ou de casca de abacaxi fermentados com açúcar ou rapadura, usada tradicionalmente como oferenda aos orixás nas festas populares de origem africana;
  • Quibebe- Pato típico do Nordeste, de origem africana, feito de carne-de-solou com charque, refogado e cozido com abóbora;
  • Cuscuz- É uma herança dos povos islamizados da África ,e é composto de farinha de trigo ou de arroz e servida com carne e verdura, já as nossa cozinheiras introduziram leite de vaca e leite de coco mais carne-seca e o torresmo como complemento;
  • Arroz-de-hauçá- Arroz cozido em apenas em água, que pode ser servido com picadinho de carne-seca frita com molho de pimenta. Sem o molho de pimenta, comida oferecida ao orixá oxalá;
  • Bobó- Pequeno bolo de massa de feijão mulatinho cozido em água, com sal e bananaterra, a que se junta azeite-de-dendê, podendo ser comido com farinha-de-mandioca;
  • Caruru- Comida feita a base de quiabo cortado, fervido e temperado com camarões secos, azeite-de-dendê, cebola e pimenta;

 De acordo com Mattos (2012) outro prato que resultou da criatividade africana foi a feijoada, preparada com feijão, que já fazia parte da dieta africana, aqui acrescido de pedaços de carnes. Geralmente as sobras dos animais comestíveis rejeitados pelos senhores da casa grande. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os diversos povos africanos que desembarcaram forçadamente aqui no Brasil para trabalhar nos engenhos de produção de açúcar, nas lavouras de café, fumo, algodão, nas minas de extração de ouro, etc., trouxeram consigo seus costumes, suas línguas, seus valores, deuses e suas crenças. Diante das contingências que viriam daí por diante, foram obrigados a negociar com os dominantes, Igreja e senhores de escravos, e a dialogar com as culturas indígenas da nova terra. Mesmo assim, conseguiram estratégias para aproximar suas divindades e reelaborar seus mitos, seus costumes e rituais religiosos. 

Com relação à manifestação da religiosidade, os africanos seguiram basicamente por três vertentes: a catolicismo, o islamismo e o candomblé. Os africanos fizeram dos irmãos, componentes das mesmas irmandades, os seus parentes de nação, construindo uma família simbólica. Nos dias de descanso de trabalho árduo, africanos e crioulos, escravos e libertos aproveitavam para se reunirem e se divertirem. Uma das manifestações culturais promovidas por eles era o batuque, marcado por música, palmas e movimentos dançantes.  

A capoeira era outra manifestação cultural de influência africana, que contava coma participação de crioulos e brancos. Assim como o samba, um dos gêneros musicais populares mais conhecidos e que constitui uma das facetas da identidade cultural brasileira. 

Na visão dos brasileiros afrodescendentes de modo geral, consciente e inconscientemente, todos esses legados constituem o patrimônio histórico, social, econômico, cultural e principalmente religioso com o qual eles constroem sua identidade e continuam a influenciar a sociedade brasileira ao preservarem suas manifestações culturais, compondo assim a cultura afro-brasileira.

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[1] Licenciada em Pedagogia e Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI. Pós-graduada em História e Cultura Afro-brasileira pela NEAD/UESPI; Pós-graduada em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e o Mundo do Trabalho pela CEAD/UFPI.

[2]Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI. Pós- graduada em Psicopedagogia pela Universidade Estadual do Vale do Acaraú-UVA.