LITERATURE: CONTRIBUTIONS TO HUMAN DEVELOPMENT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch102025005110933
Elaine Lima Nogueira1
Resumo
O homem, como um ser social, é modificado pela história e tem a capacidade de mudá-la. A presente pesquisa tem a finalidade de demonstrar contribuições da literatura, como arte de expressão, no desenvolvimento humano. A sua realização implicou a aplicação do método bibliográfico para a análise e revisão de significações e teorias sobre literatura e as fases do desenvolvimento humano. Também contempla o método descritivo, para detalhar minuciosamente conceitos e aspectos literários, cognitivos, filosóficos, psicossociais e culturais. A pesquisa básica visou à apresentação de informações que buscam a relação entre a manifestação literária com fatos, emoções e ideologias na vida do homem, inseridos em um contexto social. Os resultados teóricos revelaram que a literatura, por meio de suas diversas formas de linguagem, tem a capacidade de humanizar, de transformar e de estabelecer uma interação do sujeito com o mundo, até a sua definição identitária. Sua função não é apenas formativa e de entretenimento, visa à concepção do cidadão. Conclui-se que o desenvolvimento humano sofre grande influência da literatura, por meio de suas temáticas e gêneros diversos, permite ao homem imaginar, criar e se satisfazer, sendo impossível desassociar o repertório de conhecimento do indivíduo e sua alteridade da bagagem informativa, cultural, social, afetiva e política que a linguagem literária transporta ao longo dos séculos.
Palavras-chave: literatura; linguagem; expressão; função; desenvolvimento humano.
Abstract
Man, as a social being, is modified by history and has the capacity to change it. The purpose of this research is to demonstrate the contributions of literature, as an art of expression, to human development. Its implementation involved the application of the bibliographic method for the analysis and review of meanings and theories about literature and the phases of human development. It also contemplates the descriptive method, to thoroughly detail literary, cognitive, philosophical, psychosocial and cultural concepts and aspects. The basic research aimed to present information that seeks the relationship between literary expression and facts, emotions and ideologies in human life, inserted in a social context. The theoretical results revealed that literature, through its various forms of language, has the capacity to humanize, transform and establish an interaction between the subject and the world, up to the definition of its identity. Its function is not only educational and entertaining; it aims to conceive of the citizen. It is concluded that human development is greatly influenced by literature, through its diverse themes and genres, making it impossible to dissociate the individual’s knowledge repertoire and identity from the informative, cultural, social, affective and political baggage that literary language has carried over the centuries.
Keywords: literature; language; expression; function; human development.
1 INTRODUÇÃO
O homem, como única espécie humana do planeta, é um ser sociável, o que significa dizer que sua experiência de vida é atravessada por interações. Essa simbiose humana é fruto de relações emocionais, afetivas, a fins, como também de diversidades ideológicas pelo estranhamento, que se complementam no espaço social, político e cultural.
É nessa troca que o indivíduo se identifica, se opõe e se transforma. A evolução humana, sob a ótica do desenvolvimento humano, é permeada por fatores biológicos, sociais, psicológicos, entre outros. Não há que se falar em desenvolvimento pessoal que não seja por meio do contato com o outro e com o mundo.
Estudos sobre a questão evolutiva, sob um viés cognitivo e psicológico, têm como marco a metade do século XIX (Dessen; Costa Junior, 2008). No entanto, antes mesmo desse período, filósofos como John Locke2, e Immanuel Kant3, defenderam ideias que transpassam as teorias sobre a psicologia do desenvolvimento humano:
[…] De um lado, os modelos mecanicistas que enfatizavam a esfera do empirismo, buscando operacionalizar as investigações dentro do que poderia ser medido e quantificado, sendo o desenvolvimento humano visto como modelado pelo ambiente. […]. A filosofia behaviorista e as teorias de aprendizagem social constituem exemplos deste modelo. De outro lado, os modelos organicistas valorizavam os processos de caráter universal presentes no desenvolvimento de qualquer. Estes modelos ressaltavam os processos internos mais que os externos, sugerindo a existência de uma certa necessidade evolutiva que faria com que o desenvolvimento percorresse determinados estágios. A psicanálise e, até certo ponto, a teoria piagetiana, são exemplos de tal modelo (Dessen; Costa Junior, 2008, p. 23, grifo nosso).
Além do inatismo e determinismo, outras concepções epistemológicas como o interacionismo simbólico de Jean Piaget, no qual o ser humano experimenta fases de desenvolvimento e se constitui na relação com o objeto, e o sociointeracionismo defendido pelo psicólogo Levy Vygotsky, que enfatiza a interação entre sujeitos, sendo a aprendizagem fruto da internalização de experiências externas.
Os instrumentos, porém, são elementos externos ao indivíduo, voltados para fora dele: sua função é provocar mudanças nos objetos, controlar processos da natureza. Os signos por sua vez, também chamados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”, são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo: dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio individuo, seja de outra pessoa, São ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas, como o instrumento (Oliveira, 2006, p. 30, grifo nosso).
Seja qual for a natureza das teorias filosóficas ou tendências da psicologia que expliquem o desenvolvimento humano, é indiscutível que a linguagem é o seu ponto em comum, pois é através dela que o homem se constitui e se manifesta.
Ferdinand Saussure4, ao definir a língua como objeto da ciência linguística, defendia que:
Um sistema lingüístico [linguístico] é uma série de diferenças de sons combinadas com uma série de diferenças de idéias [ideias]; mas essa confrontação de um certo número de signos acústicos com outras tantas divisões feitas na massa do pensamento engendra um sistema de valores […] (Saussure, 2002, p. 139-140).
Para o historiador e teórico da literatura Bakhtin,
Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante” (Bakhtin, 2006, p. 271).
Considerando que a literatura é uma das formas de linguagem, estando presente na vida do homem por meio de contos, poesias, crônicas, novelas, entre outros tipos, quer pelo registro de memórias ou pela produção literária, haja vista a capacidade humana comum como leitor e específica como escritor, desenvolve o pensamento em busca de uma evolução para um ser que pensa, age e transforma o mundo em que vive.
É nesse enredo cognitivo, social e linguístico que o presente artigo foi desenvolvido com o propósito de responder a seguinte indagação: qual é a relação da literatura com o desenvolvimento humano?
Não é possível quantificar, mas há valiosas produções literárias e teorias cujas características e tendências estão imbricadas ao comportamento humano e, consequentemente, ao papel social de cada indivíduo como agente transformador da sociedade de uma época.
Como hipóteses a serem comprovadas, tem-se que a literatura, como artefato histórico e de linguagem, está presente desde a primeira fase do desenvolvimento humano. Outra hipótese permeia a ideia de que a literatura é instrumento de transformação humana e da mesma forma é modificada pelo pensamento humano.
Coube a esta pesquisa a finalidade de demonstrar algumas das contribuições da literatura para o desenvolvimento humano sob o aspecto cognitivo e psicossocial. O objetivo geral foi desdobrado nos seguintes objetivos específicos: apresentar a origem da literatura como linguagem e suas diversas significações; analisar de que forma a literatura serve como registro da vida do homem e de fatos históricos da humanidade; identificar a conexão entre literatura a evolução do homem e avaliar quais tipos literários atravessam os ciclos de vida entretendo, informando, consolidando e ressignificando valores, atitudes e comportamentos.
A presente pesquisa se justifica pela importância da literatura nas diversas áreas constitutivas: um ser que pensa, que é cultural e sociável. Sob o viés da educação, ela deixa suas marcas nos processos cognitivos mais complexos, como a memória e o pensamento, portanto, está inserida na educação básica e superior. Analisando cultura e literatura, é praticamente impossível desatar tais conceitos ao se considerar que a literatura é uma forma de expressão artística, impressa no repertório cultural de uma comunidade. Ademais, ela é uma forma de manifestação ideológica, do pensamento da sociedade de uma época em forma de manifestação escrita e verbal, pois desde os mais remotos, como os contos e fábulas, revela os costumes, o pensar de um coletivo. Assim, o presente artigo tem como pretensão instigar a reflexão sobre a existência humana com base em seu legado de letradura.
2 A HUMANIDADE NA LITERATURA
A história do homem, desde os seus primórdios, é contada por meio de várias formas de apontamentos, tanto escritos quanto orais: objetos, agroglifos, pintura rupestres, lendas e outros. Por meio de uma expressão artística é possível conhecer os costumes, hábitos, valores e tradições da sociedade de uma determinada época. Assim ocorre com a literatura, sendo uma forma de expressão artística, representa as marcas e ideologias de uma sociedade.
2.1 Significações e funções da literatura
A literatura tem sua origem na oralidade. Antes da invenção da escrita, mesmo não sendo possível precisar uma data, histórias, contos, poemas eram narrados com intenção, emoção e imaginação. Já a literatura escrita tem sua origem na Antiguidade5, tendo como registros embrionários as epopeias, como a Ilíada e a Odisseia, de Homero6 (Oliveira, 2022).
Embora faça parte do cotidiano acadêmico, convém destacar algumas interpretações sobre o significado de literatura, ainda mais ao se considerar que é uma representação histórica e social. Não é tarefa fácil. Vários teóricos, doutrinadores e filósofos apresentaram definições diversas ao longo dos séculos.
Inicialmente, insta registrar a derivação do termo,
A palavra letra vem do latim erudito littera […] Mas a palavra latina littera não fica isolada nela mesma. Dela também derivam outras palavras no próprio latim, como litterarius, que nos dá “literário”. Por sua vez, por via erudita, litteratus origina “literato”. […] de lettera chegamos a “leteradura”, “letradura” com registro encontrado no século XIV. Daqui também chegamos a “letrado” – aquele que tem o conhecimento das letras, que tem competência para ler e escrever textos. Contudo, na formação do nosso termo “literatura”, prevaleceu a palavra latina erudita literatura (Cardoso Filho, 2011, p. 24-25).
Assim, chega-se ao termo literatura, eivado de sentidos múltiplos. De acordo com o “Dicionário de termos literários”, Moisés (1988) apresenta inicialmente como “ensino das primeiras letras” e depois “arte das belas letras”, consolidando-se em “arte literária”.
[…] Literatura significava a mesma coisa que “gramática”. A literatura era o trabalho de ensinar a ler e a escrever, de tal modo que o latim litteratura e o grego grammatiké indicavam a mesma coisa. Littera e gramma significavam “letra” e os professores que ensinavam a leitura e a escrita eram chamados de litterator (em latim) ou grammatikós (em grego), bem diferentemente do sentido que têm hoje o literato e o gramático (Cardoso Filho, 2011, p. 25).
Com Aristóteles, a literatura representava a recriação da realidade por meio de palavras, sob um aspecto descritivo e nem tanto normativo. Foi com o filósofo que a literatura foi classificada em gêneros: lírico, épico e dramático (Aristóteles, 2003).
Cabe aqui uma reflexão sobre o significado de representação, abrindo espaços múltiplos de entendimento. Para Bordieu (2008), é o ato de apresentar uma única visão do mundo, a qual será considerada legítima, enquanto para Chartier (1990, p. 10) é “instrumento de um conhecimento mediador que faz ver um objeto ausente através da substituição por uma imagem”.
Fato é que a representação ficcional de uma identidade, de emoções ou de situações do cotidiano nada mais é do que a revelação de uma aparência sob a visão de um autor que, por sua vez, possui ideias que contradizem o real ou nele se confirmam. Além disso, uma história nunca pode ser contada da mesma maneira, pois o dizer é carregado das intenções daquele que diz. É o que assevera Carvalho (2011, p. 1) “a intencionalidade está ligada aos objetivos do produtor na realização de um texto e a aceitabilidade é a contrapartida da intencionalidade”.
Em países europeus, a literatura tem o sentido de grau de instrução e o conhecimento cultural de um povo, sendo que o nível de erudição de uma pessoa é definido de acordo com o número de livros lidos por um leitor.
Nas línguas européias, o sentido de literatura era essencialmente igual ao sentido original latino: o saber e a ciência em geral, e quando se falava em “literatura”, “letras” ou mesmo “letras humanas” se queria significar com isso as várias formas de conhecimento tanto de poetas e oradores quanto de gramáticos, filósofos e matemáticos. No século XVII já se falava em “belas letras”. Mas, em resumo, podese dizer que até a primeira metade do século XVIII, para indicar o que hoje se chama “literatura”, falava-se em eloqüência [eloquencia], poesia, verso (Cardoso Filho, 2011, p. 25).
A definição da palavra literatura ganha complexidade, pois cada sociedade, em épocas distintas, tem valores e culturas distintas e da mesma forma se diferenciam ao classificar uma expressão estética como literária ou não. No entanto, um ponto crucial e comum que instiga toda e qualquer civilização ao definir uma obra como literária é o seu potencial de humanizar, isto porque pela literatura o leitor vivencia antigas ou novas experiências por meio de personagens e fatos com os quais se identifica e focaliza suas emoções e memórias. É uma ficção eivada de representação cultural, política, ideológica, ampliando o repertório intelectual do leitor, que passa por um processo cognitivo de assimilação e acomodação da informação.
É possível, ainda, reconhecer que a literatura, assim como o seu significado, possui uma multiplicidade de funções. É o que afirma a professora de português e literatura Mariana Klafke:
- Função político-social: realizar críticas sociais e políticas
- Função catártica: liberar emoções e sentimentos
- Função estética – gerar admiração pelo belo
- Função cognitiva – transmitir conhecimento
- Função lúdica – entreter, relaxar, envolver (Klafke, 201-, slide 8).
Insta destacar, dessa afirmação, os verbos de ação que permeiam a expressão literária: realizar, liberar, gerar, transmitir, envolver. Eles identificam que a literatura não é um simples aglomerado sistemático de palavras organizadas de forma estética ou que serve apenas para ser lida, ocupando uma posição passiva. A língua é viva, o texto propõe um diálogo e o discurso é abastado de ideologia. É nessa confluência verbal que se percebe na linguagem literária a necessidade de instigar, provocar, inquietar e desconcertar o leitor, para que reflita sobre a sua individualidade e o “eu social”.
Destarte, seja qual for a função da literatura, é dependente daquilo a que o leitor se propõe ao ler um texto e da intencionalidade do autor.
2.2 A sociedade como expressão literária
Para asseverar a assertiva de que a literatura espelha uma civilização, insta destacar alguns períodos da literatura ou estilos de época, cujas expressões artísticas identificam a realidade, aspirações, atitudes e pensamentos humanos.


Nota: Informações obtidas de Ogliari et al. (2013)
A Figura 1 visa demonstrar como o contexto social, político, histórico e cultural de uma sociedade está representado nas diversas formas de expressão literária.
Muitas vezes, uma narrativa possui características do período do qual faz parte, mas contempla, também, características do período que lhe foi anterior ou, ao contrário, “adianta” uma tendência que somente irá firmar-se no período seguinte (Ogliari et al., 2013, p. 16).
Em outras palavras, os períodos literários revelam ideologias de épocas e, portanto, refletem oposições, mas que ao mesmo tempo se complementam e interpenetram em razão das situações ocorridas e seus desdobramentos.
Retomando a interpretação da Figura 1, permite correlacionar os fatos históricos às características do período literário. 7Esse entroncamento possibilita a seguinte reflexão: é a literatura que imprime a história ou o homem representa sua história por meio da literatura?
Destarte, é notório que a literatura possui uma função social, pois confirma a identidade individual e coletiva. Este é o escopo da presente pesquisa, investigar sua função ao invés de analisar sua estrutura.
Um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorre quando pensamos no papel da literatura. A produção e fruição desta se baseiam numa espécie de necessidade universal de ficção e de fantasia, que de certo é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em sua vida, como indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais elementares (Candido, 2012, p. 82-83).
O autor defende que a literatura viabiliza ao leitor experimentar a vivência de uma personagem, suas emoções, conflitos, angústias, conferindo-lhe o aspecto humanizador. Afinal, assim como os signos linguísticos, o eu se constitui por meio do outro.
O leitor, nivelado ao personagem pela comunidade do meio expressivo, se sente participante de uma humanidade que é a sua, e deste modo, pronto para incorporar à sua experiência humana mais profunda o que o escritor lhe oferece como visão da realidade (Candido, 2012, p. 89-90).
3 LITERATURA E AS FASES DE FORMAÇÃO DO SUJEITO
A presente seção visa à investigação das marcas da literatura, sob suas diversas facetas, nas fases de desenvolvimento ou maturação do sujeito. Insta, neste aspecto basilar, apresentar um conjunto de fases consolidadas na história por teóricos e estudiosos do assunto.
Inicialmente, convém ressaltar o que caracteriza o desenvolvimento humano.
Conforme definição da Organização das Nações Unidas (ONU):
O conceito de desenvolvimento humano nasceu definido como um processo de ampliação das escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que desejam ser. Diferentemente da perspectiva do crescimento econômico, que vê o bem-estar de uma sociedade apenas pelos recursos ou pela renda que ela pode gerar, a abordagem de desenvolvimento humano procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades. A renda é importante, mas como um dos meios do desenvolvimento e não como seu fim. É uma mudança de perspectiva: com o desenvolvimento humano, o foco é transferido do crescimento econômico, ou da renda, para o ser humano. O conceito de Desenvolvimento Humano também parte do pressuposto de que para aferir o avanço na qualidade de vida de uma população é preciso ir além do viés puramente econômico e considerar outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. (United Nations Development Programme, 2025).8
O termo é abrangente e considera uma perspectiva interdisciplinar, interligando vários campos do saber: cognitivo, físico, psicossocial, econômico, entre outros. São estes, entre outros fatores, que influenciam a qualidade de vida do sujeito, cuja tendência, ao longo dos anos de vida, pode ser negativa ou positiva.
Trata-se de uma ciência que tem como objeto de investigação os processos de estabilidade e transformações ao longo de toda a vida humana, do nascimento à morte. Sua abordagem é transdisciplinar com a psicologia, sociologia, antropologia, biologia, história, medicina, entre outras, oscilando em definições para o crescimento e maturação física e psíquica.
Para o alcance desse progresso, é fundamental a observação do sujeito, bem como suas interações com o mundo, considerando o outro, fatos e objetos, em diferentes contextos. Assim, é impossível cindir a evolução humana dos processos de interação, nos quais o indivíduo se depara com a identificação ou o conflito de ideias, comportamentos e objetivos. Esse é o mote da presente pesquisa: delimitar o desenvolvimento humano para o individual e coletivo, segundo os aspectos cognitivo e psicossocial, cujo contexto atravessa a expressão literária, afastando-se do estudo do desenvolvimento global do ser.
Partindo do pressuposto que a interação do homem com o mundo se dá pelas diversas formas de linguagem e nas diferentes fases da vida, campo em que a literatura de desenvolve, pois, por ser uma arte expressa em palavra, sonoridade, imagens, faz uso da linguagem para a expressão de sentimentos e pensamento, a proposta deste estudo não é descrever minúcias conceituais e teóricas sobre as fases do desenvolvimento humano e a variedade de categorias da literatura e sim demonstrar o encadeamento entre os termos, constituindo-se mutuamente na história da humanidade.
O estudo considera, ainda, que a identidade individual e coletiva, assim como a cultura e a educação estão inseridos no desenvolvimento cognitivo e psicossocial em um processo dialógico.
Urge preliminarmente retomar as visões do linguista Ferdinand de Saussure sobre a língua como “um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (Saussure, 2006, p. 17). Assim, a linguagem, que é um mecanismo de manifestação da língua, é fruto da necessidade humana de comunicação e interação, portanto, tem função social de estabelecer relações, compartilhar informações e conhecimento. É o que afirma o linguista Benveniste (1974, p. 286) “É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ego”.
Assim, a literatura se faz presente na vida do homem desde as suas primeiras formas comunicativas, seja por gestos, sons, imagens ou escrita, ansiando ressignificar a condição de homem social.
Para estabelecer a correlação entre os estágios de desenvolvimento humano e os tipos de literatura de acordo com o público-alvo, a pesquisa evoca, de forma restrita, teorias acadêmicas de Jean Piaget, estágios de desenvolvimento, Levy Vygotsky, sob a perspectiva sociocultural, e Sigmund Freud com base no desenvolvimento psicossexual.
Jean Piaget desenvolveu sua teoria com base em experimentações e tem como cerne a cognição e seu desenvolvimento através da interação com o mundo. No primeiro estádio, o sensório-motor, embora o bebê não tenha o desenvolvimento cognitivo, o que importa não é o tema ou enredo de uma história e sim a forma como é contada, com foco no gênero narrativo. Para a aprendizagem, um recurso estilístico, e que faz parte também da neurociência, preponderante para estimular os sentidos é a sinestesia.
A palavra “sinestesia” é de origem grega: “syn” (simultaneas) mais “aesthesis” (sensação), significando “muitas sensações simultâneas” – ao contrário de “anestesia”, ou “nenhuma sensação”
[…]
A sinestesia tem também uma curiosa e fascinante história no domínio das ciências – psicologia, fisiologia e neurologia. Desde o século XVIII há relatos descrevendo pessoas que, expostas a um estímulo relacionado a uma determinada modalidade sensorial, experimentam sensação em uma modalidade diversa (Basbaum, 2012, p. 246).
Há pesquisas que evidenciam que ainda na barriga, por volta do quinto mês de gestação, o bebê é capaz de captar vibrações emitidas, como a mãe lendo uma história ou conversando, por exemplo (Adrielia, 2025).9
A percepção é desenvolvida desde a infância e contribui para a compreensão do mundo, evoluindo de acordo com o amadurecimento.
O primeiro ano de vida é o mais plástico do desenvolvimento humano. O homem nasce com um mínimo de padrões de comportamento pré-formados e deve adquirir incontáveis habilidades no decorrer do seu primeiro ano de vida. Nunca mais na vida tanto será aprendido em tão pouco tempo (Spitz, 2004, p. 109).
Os livros para esse estágio correspondem ao aprendizado inicial e estimulam a audição, o tato e a visão.
Na fase pré-operatória prevalece o simbólico, ou seja, o mundo a sua volta é representado por símbolos e imagens, desvinculado ainda de um raciocínio lógico e sistêmico, eivado de imaginação e criatividade.
A primeira etapa dessa reconstrução, que Piaget denomina período pré-operatório, é dominada pela representação simbólica. A criança não pensa, no sentido estrito desse termo, mas ela vê mentalmente o que evoca. O mundo para ela não se organiza em categorias lógicas gerais, mas distribui-se em elementos particulares, individuais, em relação com sua experiência pessoal. O egocentrismo intelectual é a principal forma assumida pelo pensamento da criança neste estádio. Seu raciocínio procede por analogias, por transdução, uma vez que lhe falta a generalidade de um verdadeiro raciocínio lógico (Cavicchia, 2010, p. 10).
A criança desenvolve uma linguagem mesmo que ainda não seja alfabetizada. A comunicação torna-se uma constante e toma forma de expressão, reclamação, atenção e aprendizado.
A literatura, no período operatório-concreto, é permeada de valores e relações humanas, contribui com histórias temáticas sobre o eu e o outro, estimulando a criticidade e o ato reflexivo.
A reversibilidade aparece como uma propriedade das ações da criança, suscetíveis de se exercerem em pensamento ou interiormente. O domínio da reversibilidade no plano da representação — a capacidade de se representar uma ação e a ação inversa ou recíproca que a anula — ajuda na construção de novos invariantes cognitivos, desta vez de natureza representativa: conservação de comprimento, de distâncias, de quantidades discretas e contínuas, de quantidades físicas (peso, substância, volume etc). O equilíbrio das trocas cognitivas entre a criança e a realidade, característico das estruturas operatórias, é muito mais rico e variado, mais estável, mais sólido e mais aberto quanto ao seu alcance do que o equilíbrio próprio às estruturas da inteligência sensório-motora (Cavicchia, 2010, p. 12).
Inicia-se o processo de alfabetização no qual a criança está inserida no ambiente escolar e por meio dele tem acesso às visões de mundo pelas várias práticas pedagógicas que utilizam como material didático o livro.
Para o encerramento da fase da infância, convém compreender abordagem de Adrielia (2025)10 sobre o que a literatura proporciona para o desenvolvimento cognitivo e socioafetivo:
Desenvolve a atenção, a concentração, o vocabulário, a memória e o raciocínio.
Desperta a curiosidade, a imaginação e a criatividade.
Auxilia a criança a compreender e a lidar com os sentimentos e as emoções.
Ajuda no desenvolvimento da empatia (a capacidade de se colocar no lugar do outro). Contribui para minimizar problemas comportamentais, como agressividade, hiperatividade e comportamento arredio.
Auxilia na boa qualidade do sono.
Desenvolve a linguagem oral.
O último estádio de Piaget,
A equilibração é, pois, o processo pelo qual se formam as estruturas cognitivas e constitui, em última análise, a expressão da lei funcional que afirma a atuação das estruturas. É esse fator interno do desenvolvimento, espécie de dinâmica, de processo que conduz, por desequilíbrios e reconstruções, a estados de estruturações superiores o fator determinante do progresso no desenvolvimento cognitivo (Cavicchia, 2010, p. 12).
Corresponde ao final do desenvolvimento cognitivo. Nele, o adolescente instaura questionamentos, deduções e desenvolve autonomia de pensamento, pois possui um repertório cognitivo de conhecimento que o habilita para esse fim. A formação da identidade é latente nessa faixa etária, permeada de comparações com o outro e reflexões sobre o ambiente social e cultural em que vive.
A literatura é muito rica nessa fase, com temáticas relevantes e atuais para estimularem a reflexão, o reconhecimento de sua identidade e o estímulo de seu papel social: bullying, drogas, violência, depressão, amizade, etc. Pode-se explorar, também, uma variação de gêneros, como ficção científica, drama, épico e suspense para o jovem que se encontra no Ensino Fundamental II e Ensino Médio.
Ou seja, a multiplicidade das juventudes não se finda num vazio social ou num nada cultural, não emerge de uma realidade meramente diversa, ininteligível e esvaecida. Tem como base experiências sócio culturais anteriores, paralelas ou posteriores que criaram e recriaram faixas etárias e institucionalizaram o curso de vida individual – projetos e ações que fazem parte do processo civilizador da humanidade (Groppo, 2002, p. 19).
Considerando que o desenvolvimento do sujeito não se limita à fase da adolescência, pois estudiosos e pesquisadores contemporâneos contribuíram com a teoria de Jean Piaget de modo a ampliá-la e complementá-la sob outros aspectos, o médico e psicanalista Sigmund Freud, sustentando sua teoria no desenvolvimento da personalidade, um dos elementos do desenvolvimento global humano, também considera que a progressão se dá por estágios nos quais as zonas erógenas do corpo, de acordo com a faixa etária, são estimuladas, provocando reações, conhecimento e aprendizado. É o que ocorre nas cinco fases definidas por Freud11, no entanto, diferentemente de Piaget, que investiga o consciente, o desenvolvimento humano para Freud estava enraizado no inconsciente.
Na fase sexual, que corresponde à adolescência em diante, há o interesse pelo outro e por objetos importantes. Cessada a fase infantil do egocentrismo, seu foco está em atividades da vida madura (Freud, 1989). Importante destacar o repertório de conhecimento que ele possui em razão de ter atravessado as fases anteriores. Embora possa tomar decisões e resolver problemas com base na seleção de conhecimentos necessários, seu processo de interação e de transformação pessoal continua até o último estágio da vida. Assim, a literatura está presente como fonte de informação, considerando as áreas de interesse, para fomentar o conhecimento: político, econômico, social, entretenimento, cultura, entre outras.
Para Vygotsky, a linguagem atua na estrutura do pensamento, sendo imprescindível à aquisição de conhecimento (Stadler et al., 2004). Ele considera como elementos essenciais ao desenvolvimento a mediação (professor, conteúdo e ambiente escolar) e a escrita como produto cultural, embora não tenha deixado como legado uma teoria pronta e finalizada. É nessa seara que a literatura se mostra como fonte de cultura, de educação no ambiente de aprendizagem, que começa na Educação Infantil até o Ensino Médio. Assim, verifica-se mais uma função da literatura: formativa.
[…] pode assumir nos sistemas de percepção do indivíduo e na formação humana, além de ter especial função formativa nos estágios iniciais do desenvolvimento. Por isso, é necessário possibilitar espaços para que os alunos entrem em contato com literaturas que trazem questões subjetivas e falam sobre temas que são relevantes na construção de uma sociedade humana e empática em suas relações (Corrêa; Machado, 2024, p. 1).
Convém destacar que a literatura não é apenas forma de expressão de arte, de propagação da informação e sem um padrão ou cientificidade. É por meio dela que o homem registra sua história, esse mesmo homem que foi atravessado pela linguagem tem condições de produzi-la e modificá-la através da literatura.
4 METODOLOGIA
A pesquisa concentrou-se na revisão de pressupostos teóricos, baseada no estado da arte, para, de forma lógica, sequencial e sistemática, reunir informações consistentes que permitissem uma reflexão sobre a temática. Para tanto, recorreu ao uso de métodos científicos consolidados e instrumentos de pesquisa, visando à obtenção, análise e organização das informações, com possibilidade de inferências.
Minayo (2007, p. 44) conceitua metodologia em um sentido amplo:
- como a discussão epistemológica sobre o “caminho do pensamento” que o tema ou o objeto de investigação requer;
- como a apresentação adequada e justificada dos métodos, técnicas e dos instrumentos operativos que devem ser utilizados para as buscas relativas às indagações da investigação;
- e como a “criatividade do pesquisador”, ou seja, a sua marca pessoal e específica na forma de articular teoria, métodos, achados experimentais, observacionais ou de qualquer outro tipo específico de resposta às indagações específicas.
Seguindo esse viés, o presente artigo foi desenvolvido com base nas etapas:
a) seleção de conteúdos originários de fontes oficiais e fidedignas;
b) organização das informações obtidas;
c)registro lógico e sequencial das informações;
d)análise das informações;
e)reflexão e alinhamento à temática;
f)análise de resultados.
Quantos aos métodos de pesquisa utilizados, seguem a seguinte classificação que justifica as escolhas:
a) natureza: a pesquisa é básica, considerando que visa gerar conhecimento, mesmo que sem aplicação imediata, nas áreas da educação, letras e ciências humanas pela intersecção entre a literatura e a história das sociedades;
b)objetivos: a pesquisa é descritiva ao apresentar conceitos e teorias da linguagem, desenvolvimento humano e literatura. Também é exploratória, pois visa à imersão sobre o tema de forma a tornar um conhecimento comum ao leitor leigo ou acadêmico;
c)o estado da arte e o raciocínio sistêmico para a resposta à questão-problema ensejaram a adoção da pesquisa bibliográfica, em uma minuciosa análise de artigos, obras literárias e publicações em periódicos;
Por fim, a pesquisa parte de hipóteses dedutivas, que permitiram, por meio da verificação, uma resposta viável à pergunta problema com base em evidências.
Para identificar a convergência entre literatura e desenvolvimento humano, o estudo teve como roteiro:
a) descrição e análise de conceitos e teorias;
b)intercruzamento de características dos períodos literários e os fatos históricos sociais, culturais, políticos e econômicos;
c)compreensão de diferentes fases de desenvolvimento sob o domínio cognitivo e psicossocial na práxis com os gêneros e categorias da literatura.
Insta destacar que os objetivos específicos e geral foram percorridos através da aplicação dos métodos de pesquisa.
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Esta seção contém uma síntese das informações estratificadas e analisadas dos referenciais teóricos apresentados nas seções 2 e 3, bem como inferências e reflexões decorrentes.
Como já observado, a literatura, como forma de expressão de sentimentos e pensamentos, foi atravessada por inúmeros significados que simplificaram e ao mesmo tempo ampliaram o seu uso e seu valor perante o indivíduo e a sociedade. Com origem no latim, tem o significado de letras, constituindo-se, ainda, como uma arte de representação ficcional da realidade e de ensinar a palavra.
Sua função, como visto, é heterogênea, pois contempla vários campos:
a) cognitivo;
b)afetivo;
c)político-social;
d)estético;
e)lúdico.
Cada função é penetrada por uma ação, na qual se compreende que um texto literário não é apenas para ser lido, tem o compromisso de revelar ideologias, expressar sentimentos, provocar encantamento, transmitir informação e promover o entretenimento. É o que se identifica nas amostras a seguir:
Figura 2 – Funções da literatura

Fonte: a autora, 2025
Na sequência, a pesquisa evidenciou uma relação semiótica entre os períodos da literatura e o contexto histórico, político, econômico, social e cultural de sociedades da época pelo mundo. Significa dizer que a literatura, como representação da realidade, manifesta conflitos, desejos e pensamentos da civilização, além de seus costumes e valores.
Compreendendo o contexto de uma sociedade, na qual o homem está inserido e é reconhecido pela sua subjetividade e pelo seu papel social, é possível identificar nas obras literárias os sentimentos e valores de acordo com esse contexto. É o que se observa, por exemplo, na Carta de Pero Vaz de Caminha, no período do Quinhentismo, marcado por uma literatura de informação e de formação.
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber (Pero Vaz de Caminha, 1500, p. 2).
No transpasse temporal para o período Barroco, a humanidade está em meio a guerras territoriais e conflitos. As diversas formas de arte barroca expressam paradoxos, contradições e antíteses.
É o que revela o soneto “A inconstância dos bens do Mundo”, de Gregório de Matos, escrito no século XVII,
Inconstância dos bens do mundo
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância (Gregório de Matos, 2020, p. 9).
No Romantismo prepondera o amor à pátria, além da subjetividade e a idealização de nação e amor. Tais aspectos da literatura refletem, por exemplo, a realidade do Brasil no início do século XIX, com transformações sociais, como a Independência e a abolição da escravatura
Na poesia abolicionista “O navio negreiro” de Castro Alves, verificam-se impressões patrióticas, uma crítica social e a necessidade de uma identidade nacional.
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa!
[…]
Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs! (Castro Alves, 2022, IV).
Avançando para o Realismo, a Revolução Industrial foi um marco do desenvolvimento tecnológico e científico. O cenário social passa por transformações, principalmente de ordem econômica, na qual a burguesia se sobrepõe à aristocracia e o êxodo rural contribui para valorizar os traços da vida nas cidades. Nele, a crítica social e a objetividade estão presentes em textos literários, como
O copeiro trouxe o café. Ergui-me, guardei o livro, e fui para a mesa onde ficara a xícara. Já a casa estava em rumores; era tempo de acabar comigo. A mão tremeu-me ao abrir o papel em que trazia a droga embrulhada. Ainda assim tive ânimo de despejar a substância na xícara, e comecei a mexer o café, os olhos vagos, a memória em Desdêmona inocente; o espetáculo da véspera vinha intrometer-se na realidade da manhã. Mas a fotografia de Escobar deu-me o ânimo que me ia faltando; lá estava ele, com a mão nas costas da cadeira, a olhar ao longe…
“Acabemos com isto”, pensei. (Machado de Assis, 2008, p. 350-351).
Por fim, o Modernismo culmina com movimentos nacionalistas, grandes guerras, avanços tecnológicos, entre outros fatos intrínsecos à modernidade. As obras literárias brasileiras representam expressões nacionalistas e desejos por mudanças. Estão presentes a ironia, o humor e a paródia com temas sociais e linguagem coloquial.
Se não fosse isso… An! Em que estava pensando? Meteu os olhões pela grade da rua. Chi! Que pretume! O lampião da esquina se apagar, provavelmente o homem da escada só botara nele meio quarteirão de querosene.
Pobre de sinha Vitória, cheia de cuidados, na escuridão. Os meninos sentados perto do lume, a panela chiando na trempe de pedras, Baleia atenta, candeeiro de folha pendurado na ponta de uma vara que saía da parede.
Estava tão cansado, tão machucado, que ia quase adormecendo no meio daquela desgraça […] (Graciliano Ramos, 2019, 32).
A seção 3 abordou a literatura presente nas fases do desenvolvimento humano. De acordo com os estágios da vida, o ser humano desenvolve habilidades e capacidades por meio de instrumentos e mecanismos externos.
Considerando que a literatura apresenta a palavra como objeto, é por meio da linguagem, entre outros fatores biológicos, científicos, filosóficos não abarcados aqui, que o ser humano se constitui. Inicialmente, ele utiliza a linguagem para se expressar e, depois, como fonte de interação com o mundo. É na literatura que o sujeito se reconhece socialmente, tornase um ser crítico e está em constante transformação, buscando significar e ressignificar ideias.
Com base nos estudos apresentados anteriormente, foi possível demonstrar de que forma a literatura contribui para o desenvolvimento cognitivo e psicossocial, deixando suas marcas desde a criação de esquemas imaginários até a definição de uma identidade.
Figura 3 – Influências da literatura nas fases de desenvolvimento do indivíduo


Fonte: a autora, 2025
Com base Figura 3, que ilustra alguns exemplos de contribuições, é possível inferir alguns esboços mentais:
a) embora com um escopo diferente de Piaget, Freud também considera que a fase oral é um período de experimentação e que a fase de latência corresponde ao desenvolvimento do raciocínio lógico, de interação com o outro, principalmente no ambiente escolar;
b) a literatura infantil permite o desenvolvimento de habilidades de manuseio, formando referências simbólicas na criança que irão reverberar pelos estágios da vida;
c) a literatura juvenil possibilita a exploração do mundo pelos jovens, considerando diferentes culturas e identidades, com ampliação do repertório intelectual. Ela instiga no adolescente o pensamento reflexivo, além de socializar por meio da identificação com a linguagem e preferências temáticas;
d) a leitura permite uma comparação da narrativa ficcional com o contexto em que o leitor está inserido;
e) é na literatura que o leitor experimenta as vivências múltiplas de personagens e absorve os valores;
f) esse tipo de expressão estética tem cunho provocativo, pois instaura no leitor uma inquietação sobre si e as coisas do mundo, o que o faz buscar soluções para os problemas cotidianos.
Em suma, em cada fase do desenvolvimento humano, a linguagem, representada pela literatura, inicialmente oral e depois escrita, se faz presente, representando a vida humana e contribuindo para o desenvolvimento pessoal, moral, afetivo, intelectual e social do ser.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo se propôs a demonstrar que o desenvolvimento humano é atravessado pela literatura, em todas as fases da vida, e quais as suas contribuições para essa evolução. Para tanto, foi necessário debruçar-se na seleção e análise de um referencial teórico, com a adoção de procedimentos metodológicos envoltos à temática.
Assim, a pesquisa teve em seu percurso a interpretação de conceitos e teorias para se se atingir o objetivo geral, revelado na construção de seu desenvolvimento e na fase de análise e discussões, nas quais se verificam que a literatura tem múltiplas funções associadas ao desenvolvimento de capacidades e habilidades do indivíduo, sob o ponto de vista cognitivo e psicossocial.
Na seção 2 é possível verificar a multiplicidade de funções, da lúdica à político-social, enquanto a seção 3 demonstra que os gêneros e temas literários se imbricam com os estágios de desenvolvimento humano, para a formação da personalidade, da individualidade e da identidade social.
Com relação ao alcance dos objetivos específicos, verifica-se o que segue:
a) apresentar a origem da literatura como linguagem e suas diversas significações: a seção 2 contém dados históricos da literatura;
b) analisar de que forma a literatura serve como registro da vida do homem e de fatos históricos da humanidade: a seção 2 apresenta informações sobre as características dos estilos literários e do momento social universal em que eclodiram;
c) identificar a conexão entre literatura e a evolução do homem: é o que se observa na seção 3, com uma avaliação dos tipos literários que atravessam os ciclos de vida entretendo, informando, consolidando e transformando pensamentos.
Insta consignar que a questão problema foi respondida, pois a reunião e o liame das informações obtidas sobre literatura e desenvolvimento humano permitiram responder que a relação entre ambos está, nas suas diversas formas e gêneros, no desenvolvimento intelectual, afetivo e social, tendo a vista que a literatura tem a função formativa, inclusiva, político-social, entre outras.
Em relação às hipóteses suscitadas na parte introdutória, foram testadas e comprovadas, pois é notório, de acordo com as fundamentações e reflexões apresentadas no desenvolvimento da pesquisa, que a literatura, como artefato histórico e de linguagem, está presente desde a primeira fase do desenvolvimento humano, além do que ela é instrumento de transformação humana e da mesma forma é modificada pelo pensamento humano.
Em suma, este artigo intencionou gerar contribuições significativas para os estudos interdisciplinares futuros nas áreas da literatura, linguística e humanas.
Por fim, do todo o apresentado, são inúmeros os benefícios da literatura ao homem, desde o início de sua constituição até o seu último suspiro como um ser que pensa, age, interage, cria e modifica. Assim, a história da literatura representa a história do homem, das organizações sociais até a contemporaneidade. De igual maneira, pode-se declarar que as memórias sociais perfazem os contos, as crônicas, romances, fábulas, novelas, cinema, teatro, entre tantos outros caminhos que a literatura se expressa, em uma relação dialógica duradoura entre o real e o imagético, entre subjetividade e a coletividade.
2Afirmava que a criança era uma “tábula rasa”, uma folha em branco na qual o ambiente influencia no desenvolvimento cognitivo. O conhecimento é de fora (mundo) para dentro (intelecto).
3Defendia que o conhecimento é inato, de dentro para fora, cabendo apenas o seu despertar por meio da interação com o outro.
4Filósofo suíço e linguista.
5Período que considera as primeiras civilizações até a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C.
6Poeta grego. Em Ilíada a narrativa se desenvolve em torno da Guerra de Troia. Em Odisseia, o poeta narra o retorno do herói Ulisses para casa após a Guerra de Troia.
7Os períodos literários, suas características, bem como os fatos históricos pelo mundo são apenas exemplificativos, não se esgotando as informações neste artigo.
8Fases: oral, anal, fálica, latência e sexual
9Publicação disponível em meio eletrônico sem paginação.
10Publicação disponível em meio eletrônico sem paginação.
11Fases: oral, anal, fálica, latência e sexual
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