LIMITAÇÃO DA PENHORA PARCIAL DO SALÁRIO NO ART. 833, § 2° DO CPC EM EXECUÇÃO CÍVEL NÃO ALIMENTAR

REGISTRO DOI:


Blenda Cristina Lira Reis;
Orientador: João Paulo Bezerra de Freitas


RESUMO

A presente monografia tem o estudo focado no tema de grande importância no sistema jurídico brasileiro, pois envolve a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, como o direito ao mínimo existencial e à dignidade. No entanto, a aplicação do Art. 833, § 2° do CPC, que limita a penhora parcial do salário, em execuções cíveis não alimentares, tem gerado controvérsias e debates jurídicos significativos. A justificativa para esta pesquisa reside na necessidade de: revitalização na limitação na penhora, avaliar os impactos dessa aplicação restritiva e propor recomendações para melhorar a legislação ou sua interpretação, a fim de garantir um equilíbrio justo entre os interesses das partes envolvidas focando em três objetivos: analisar a aplicação e os impactos da limitação da penhora parcial do salário, conforme estabelecido no Art. 833, § 2° do CPC, em execuções cíveis não alimentares no Brasil; Realizar uma revisão histórica da legislação brasileira relacionada à penhora apresentando a natureza jurídica de penhora e impenhorabilidade e propor recomendações para possíveis reformas legislativas ou aprimoramentos na interpretação e aplicação do Art. 833, § 2° do CPC, visando um equilíbrio mais justo entre os interesses das partes envolvidas, bem como, garantir a efetividade da tutela executiva.

Palavras-chave: penhora, limitação, 50 salários-mínimos, reformas.

ABSTRACT

This monograph’s study focuses on the topic of great importance in the Brazilian legal system, as it involves the protection of citizens’ fundamental rights, such as the right to an existential minimum and dignity. However, the application of Art. 833, § 2° of the CPC, which limits partial garnishment of wages, in non-food civil executions, has generated significant legal controversy and debate. The justification for this research lies in the need to: revitalize the limitation on attachment, evaluate the impacts of this restrictive application and propose recommendations to improve the legislation or its interpretation, in order to guarantee a fair balance between the interests of the parties involved focusing on three objectives : analyze the application and impacts of the limitation of partial wage garnishment, as established in Art. 833, § 2° of the CPC, in non-food civil executions in Brazil; Carry out a historical review of Brazilian legislation related to seizure, presenting the legal nature of seizure and unseizability and propose recommendations for possible legislative reforms or improvements in the interpretation and application of Art. 833, § 2° of the CPC, aiming for a fairer balance between interests of the parties involved, as well as guaranteeing the effectiveness of executive supervision.

Key-words: attachment, limitation, 50 minimum wages, reforms.

INTRODUÇÃO

O objetivo desta monografia é analisar a possibilidade de penhorabilidade parcial do salário do devedor, tanto em sede de sentença como em processo de execução, nos termos do artigo 833, § 2° do Código de Processo Civil de 2015.

Com esse propósito, isso requer um breve estudo da história do direito romano e sua aplicação, seguido de uma análise conceitual da aplicação dos parâmetros atuais no Brasil. Em seguida, as formas de implementação do Código de Processo Civil de 2015, ou seja, nos processos de execução.

A relevância social do estudo reside na importância da questão da penhora de salário dentro do sistema jurídico brasileiro, já que está diretamente ligada à proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, como o direito ao mínimo existencial e à dignidade. No entanto, a aplicação do Art. 833, § 2° do CPC, que estabelece limites à penhora parcial do salário em execuções cíveis não alimentares, tem sido objeto de intensos debates e controvérsias no campo jurídico. O propósito desta pesquisa é justificado pela necessidade de revitalizar a limitação da penhora, analisar os efeitos dessa aplicação restritiva e sugerir recomendações para aprimorar a legislação ou sua interpretação, visando assegurar um equilíbrio justo entre os interesses das partes envolvidas. 

Partindo-se desses pressupostos, estruturou-se a seguinte problemática: quais são os impactos legais dessa aplicação na interpretação seca da lei?

No que tange às hipóteses do projeto de pesquisa presente, o artigo 833, § 2° do CPC em execuções cíveis não alimentares pode ser excessivamente restritiva e ineficaz para o padrão financeiro do brasileiro. Destarte a aplicação do Art. 833, § 2° do CPC pode levar a decisões judiciais inconsistentes, protegendo de forma excessiva o patrimônio do executado, prejudicando a busca do credor pelo seu direito à satisfação do crédito executado.

O objetivo geral deste trabalho foi analisar a aplicação e os impactos da limitação da penhora parcial do salário, conforme estabelecido no Art. 833, § 2° do CPC, em execuções cíveis não alimentares no Brasil.

Os objetivos específicos foram: realizar uma revisão histórica da legislação brasileira relacionada à penhora; apresentar a natureza jurídica de penhora e impenhorabilidade; e propor recomendações para possíveis reformas legislativas ou aprimoramentos na interpretação e aplicação do Art. 833, § 2° do CPC, visando a um equilíbrio mais justo entre os interesses das partes envolvidas.

Na referida pesquisa utilizou-se uma metodologia na abordagem indutiva, que permite a análise de diversos casos concretos de aplicação do artigo 833, § 2º CPC. A técnica de pesquisa baseou-se na pesquisa bibliográfica de livros e artigos, bem como na escuta da constituição e do texto legal fora da constituição, bem como na análise jurisprudencial no que se refere ao tema.

Assim, este estudo foi estruturado conforme descrito abaixo, fazendo parte dele também a introdução e a conclusão. Na Seção 1, discorre-se sobre os aspectos histórico-conceituais no direito Romano e definições atuais; a Seção 2 apresenta o percurso metodológico no que tange aos conceitos, objetivos e efeitos da penhora, enquanto a Seção 3 traz a apresentação das relatividades na sua tramitação e análise dos resultados.

Por fim, cabe ressaltar que o objetivo desta monografia é analisar a eficácia do art. 833, CPC §2º, levando em consideração principalmente indicadores de congestionamento de processos de penhora que mede a efetividade dos tribunais na resolução de processos, levando em consideração os padrões de orçamento familiar no Brasil, o que indica uma aconselhável relatividade no referido dispositivo, que dê aos juízes em um caso específico mais liberdade para determinar o valor confiscável do salário do devedor sem perder a dignidade humana e o mínimo existencial do devedor.

1. ASPECTOS HISTÓRICOS DE EXECUÇÃO NO DIREITO ROMANO E NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Um dos elementos marcantes do sistema jurídico romano era a adoção de ações severas em relação ao devedor em falta. O credor possuía vastos poderes para efetuar o pagamento da dívida, sendo comum a utilização da prisão do devedor como meio de cumprir a obrigação. No Brasil atual, as formas de coação são o confisco de bens, o encerramento de contas bancárias e outras formas de coação, mas sempre dentro dos limites prescritos pela lei e pela proteção dos direitos fundamentais do devedor. A diferença entre a lei de execução romana e a brasileira é óbvia. Enquanto o direito romano enfatizava o amplo direito do credor de saldar suas dívidas, muitas vezes às custas da liberdade pessoal do devedor, o direito brasileiro moderno concentra-se mais na proteção dos direitos individuais e na regulação estatal do processo de execução. E além disso, o direito executivo brasileiro caracteriza-se por um procedimento formal que visa equilibrar os interesses do credor com os direitos do devedor e garantir que a execução ocorra de forma justa e dentro dos limites da lei. Este desenvolvimento não reflete apenas a mudança de percepções sobre a justiça e os direitos individuais ao longo dos séculos, bem como a influência das diferentes tradições jurídicas e a adaptação das leis às necessidades e valores modernos da sociedade.

1.1 HISTÓRICO DA EXECUÇÃO NO DIREITO ROMANO

Uma das principais influências no direito brasileiro é o direito romano, de onde se originam as primeiras formas de execução. Antes da introdução da actio, que será discutida mais adiante, as execuções eram feitas diretamente com o corpo do devedor, como uma punição física. No entanto, graças aos avanços no direito romano, foi estabelecido um sistema legal em que o devedor executado responderia apenas com seus bens.

No âmbito do direito romano, o exercício do direito de ação era conduzido inicialmente perante o Pretor e seguia com a participação do iudex, que recebia autorização delegada pelo Pretor para resolver a disputa entre as partes. O iudex emitia uma sentença para solucionar a demanda, porém não possuía poderes para garantir sua execução. Portanto, a única maneira de efetivar a sentença era através de uma nova ação, depois que o direito do credor fosse confirmado pela sentença proferida pelo iudex. Essa nova ação era conhecida como actio iudicati.

Apenas por meio de outra ação, seria viável o Estado conceder proteção para garantir o pagamento definitivo do crédito reconhecido pelo juiz na sentença judicial, caso o devedor se recusasse a saldar suas dívidas voluntariamente. Naquela época não existia um título executivo extrajudicial disponível e era imprescindível ter uma sentença emitida pelo juiz para iniciar o processo de execução forçada. Não havia também uma estrutura específica responsável pela administração da justiça, correspondente ao atual Poder Judiciário.

Posteriormente, o Império Romano estabeleceu um sistema de Justiça Pública, passando a resolver disputas exclusivamente perante o Pretor e seus assessores especializados, reduzindo o papel individual do juiz particular. Assim, a exigência de realizar duas ações distintas para alcançar a execução forçada foi eliminada.

Entretanto, mesmo havendo distinção entre a actio e actio iudicati, o direito romano contava com alternativas processuais em situações que demandavam medidas urgentes ou envolviam a disputa do direito de uma das partes. Nessas circunstâncias, o Pretor tinha autorização para adotar medidas executórias imediatas por meio dos interditos através de decretos. O Pretor resolvia a questão litigiosa sem aguardar a decisão do iudex. Essas medidas são similares ao que conhecemos atualmente como liminares nos processos.

Com a queda do Império Romano e a ascensão dos povos germânicos na região, surgiram novos costumes culturais, como destacado por Humberto Theodoro Junior, em suas palavras:

Operou-se um enorme choque cultural, pois os novos dominantes praticavam hábitos bárbaros nas praxes judiciárias: a execução era privada, realizada pelas próprias forças do credor sobre o patrimônio do devedor, sem depender do prévio beneplácito judicial. Ao devedor é que, discordando dos atos executivos privados do credor, caberia recorrer ao Poder Público para formular sua impugnação. Dava-se, portanto, uma total inversão em face das tradições civilizadas dos romanos: primeiro se executava, para depois discutir-se em juízo o direito das partes. A atividade cognitiva, portanto, era posterior à atividade executiva, a qual, por sua vez, não dependia de procedimento judicial para legitimar-se.1 

Após um período seguindo o evento chamado de “choque de culturas” pelo autor, houve uma integração dos métodos romano e germânico. De acordo com uma abordagem, a execução privada foi abolida e passou-se a reconhecer previamente os direitos do credor no contexto judicial. Por outro lado, as ações duplicadas foram abolidas. Não era mais necessário abrir um novo processo, pois o juiz tinha a obrigação, por conta própria, após emitir uma sentença, de tomar medidas para garantir que sua decisão fosse cumprida, estabelecendo assim, na Idade Média, a executio per officium iudicis.

Durante muitos séculos, esse sistema foi mantido na Europa. Contudo, no final da Idade Média e no início da Idade Moderna, os títulos de crédito surgiram com o desenvolvimento do comércio, surgindo também a necessidade de um processo judicial mais ágil do que o do processo de conhecimento.

Por essa razão, a actio iudicati do direito romano reapareceu diante da demanda por uma atividade judicial puramente executiva, sem a necessidade de uma sentença do processo de conhecimento. Com isso, conferiu-se ao título de crédito o poder de uma sentença, permitindo ao credor iniciar o processo na fase executiva.

No século XVIII, tanto a execução por oficial de justiça para sentenças condenatórias quanto a ação de julgamento para títulos de crédito eram utilizadas.

Entretanto, o Código Napoleônico unificou novamente o processo de execução, argumentando que as execuções envolvendo títulos de crédito eram mais comuns do que as execuções de sentença. Com isso, as partes passaram a depender de um longo processo legal para obter uma sentença antes de iniciar a execução.

Portugal foi fortemente influenciado pelo direito romano, mas a partir do ano 1140, com o rompimento das relações com Roma e a independência dos lusitanos, um sistema jurídico com suas próprias características começou a surgir. Como colônia portuguesa, o Brasil herdou traços do sistema jurídico lusitano, os quais foram aos poucos sendo substituídos por leis próprias.

No Brasil, no mês de novembro de 1850, entrou em vigor o Regulamento 737, que tinha como objetivo inicial estabelecer as etapas dos processos comerciais. No entanto, acabou sendo utilizado para aplicar a legislação proveniente do Código Comercial de 1850.

O regulamento era dividido em três partes: a primeira abordava os procedimentos comerciais; a segunda tratava da execução; e a terceira versava sobre recursos e anulação de decisões. Em relação à execução, houve uma subdivisão em três modalidades: execução de sentença, prazo de 10 dias para cumprimento (influenciado pelo direito português) e ação executiva. Apenas uma sentença judicial poderia servir como título executivo para iniciar o processo de execução, enquanto nas demais situações era necessário um processo breve com natureza investigativa antes da execução.

Apenas os detentores de um título estavam autorizados a entrar com uma ação de assinação de 10 dias. Esse documento era equiparado a uma escritura pública, letras de câmbio e notas promissórias, mas para iniciar uma execução era necessário ter um título relacionado a atividades comerciais, como o recebimento de fretes e comissões.

Além disso, segundo o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco, o Regulamento 737 foi responsável por introduzir no ordenamento jurídico a possibilidade de conferir efeito executivo a atos fora do ambiente judicial, algo que não existia no direito português antes da Independência do Brasil.2

Posteriormente, o Código de 1939 unificou em um único diploma legal os procedimentos presentes nos códigos estaduais. Este código eliminou a ação de assinação de 10 dias, restando apenas a execução da sentença e a ação executiva.

No Código de 1973, o legislador brasileiro promoveu grandes mudanças: eliminou completamente a distinção entre processos (para garantir a averiguação e a realização dos direitos), igualou os títulos executivos extrajudiciais e judiciais e aboliu a ação executiva (unificando todo o processo de execução e conferindo total independência em relação ao processo de conhecimento). Assim, percebe-se que a combinação entre cognição e execução é estabelecida nessa etapa. Quanto às medidas condenatórias, torna-se necessário propor duas ações para que o direito material se efetive.

Uma das razões para a disseminação desse sistema é que a execução passou a ser limitada ao patrimônio do devedor e deixou de incluir punições pessoais, transformando a propriedade em um direito quase inquestionável no sistema jurídico brasileiro – o que resultou em grandes frustrações para os credores. Outra razão é a autonomia do direito processual em relação ao processo de conhecimento, ou seja, a separação do direito material.

A distinção entre cognição e execução no sistema jurídico brasileiro não é diretamente derivada do direito romano, nem justifica o bloqueio processual enfrentado pela execução. Essa separação ocorreu por motivos técnicos, uma vez que a cognição trata do direito material enquanto a execução se concentra no cumprimento da sentença. Essa separação ainda persiste atualmente, já que são fases processuais distintas que exigem atos executórios diferenciados.

No entanto, essa situação causou um desequilíbrio significativo na entrega da justiça, uma vez que o princípio de causar o menor prejuízo ao devedor era enfatizado em detrimento do princípio da máxima efetividade da execução.

Assim, diante da ineficácia desse sistema, buscou-se estabelecer como padrão no ordenamento jurídico brasileiro o sincretismo processual. O termo “sincretismo” refere-se à fusão de dois ou mais elementos opostos em um único elemento. Em outras palavras, o atual caminho dos processos envolve a harmonização de fórmulas e procedimentos visando agilizar e simplificar a prestação jurisdicional.

Portanto, o processo sincretizado buscou automatizar a execução nos procedimentos de natureza mandamental e condenatória. As etapas de análise e execução ocorrem no mesmo processo, perante o mesmo juiz conhecedor da questão, com o intuito de tornar os procedimentos mais eficazes.

1.2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA EXECUÇÃO NO CPC/2015

O Código de Processo Civil que entrou em vigor desde 2015, introduziu mudanças significativas na área da execução, definindo novas diretrizes e procedimentos para assegurar a eficácia das sentenças judiciais.

1.2.1 Definição de execução

O ato de execução tem como objetivo cumprir uma obrigação pendente. Se um devedor assume uma dívida que venceu e não foi paga, desde que seja clara e determinada, o credor tem o direito de exigir o cumprimento. Essa obrigação pode ser cumprida voluntariamente, ou então, se isso não acontecer, pode ser feita de forma coercitiva, com a intervenção do Estado responsável pela execução de tais atos. Tradicionalmente, no campo do Direito Civil, o cumprimento voluntário é conhecido como execução espontânea. Refere-se a quando o devedor cumpre a obrigação de forma livre e voluntária, sem ser compelido a ser forçado.

A finalidade da execução consiste na concretização material do direito. Segundo Liebman, “de forma natural, apenas quem tem razão possui direito à tutela jurisdicional, não aquele que ostenta um direito inexistente”.3  Sob essa ótica, a execução representa a prática de atos realizados pelo Estado com o intuito de efetivar materialmente o direito estabelecido no título executivo. Seu propósito não é conceder títulos, mas atribuí-los a quem se encontra em uma posição jurídica mais favorável.

O Judiciário, portanto, tem não apenas a obrigação de reconhecer os direitos, mas também de garantir por meio de medidas executivas provenientes de seus órgãos. Por definição, a execução é um conjunto de ações estatais que não dependem da vontade do devedor. Na prática, visa alcançar o resultado concreto esperado pelo direito material objetivo através dos bens do devedor. O Estado tem o papel e a autoridade de garantir a aplicação e a eficácia das leis do direito material, especialmente quando o devedor não as cumpre voluntariamente, oferecendo ao credor condições semelhantes às que teria se as leis tivessem sido cumpridas.

Dessa maneira, se houver uma sentença ou um documento executivo extrajudicial que reconheça uma obrigação e ocorra o não cumprimento, o Estado agirá coercitivamente para garantir a aplicação do direito material e satisfazer o credor.

Durante a execução, a obrigação do devedor não é mais objeto de controvérsia, assim como sua decisão de cumprir ou não com a obrigação. A própria resistência do devedor é um pressuposto lógico para o processo de execução, quer seja devido a impossibilidade prática ou a mera recusa em cumprir a obrigação, já que basta cumpri-la para evitar o início da execução forçada.  Entretanto, caso haja oposição por parte do devedor, o credor tem garantido o direito de iniciar o processo de execução para superar essa resistência.

Após revisitar o conceito de execução, é possível examinar as maneiras pelas quais o Código de Processo Civil legisla sobre a execução, assim como os métodos e procedimentos pelos quais ela se efetiva, juntamente com os princípios relevantes à fase satisfatória.

1.2.2 Trajetória Da Execução

O Código de Processo Civil de 2015 apresenta duas formas de realizar a execução: o cumprimento da sentença e o processo de execução. O cumprimento de sentença consiste na execução de decisão judicial.

Enquanto no Código de Processo Civil de 1973 era utilizado somente em casos de execução judicial por quantia certa, no atual Código de Processo Civil de 2015, de maneira mais abrangente, prevê o cumprimento de sentença como forma de efetivar qualquer tipo de obrigação, seja ela de fazer, não fazer, dar, pagar quantia ou fornecer alimentos.

Embora no Código a regulamentação do cumprimento de sentença esteja entre os procedimentos de conhecimento e os procedimentos especiais, e ainda esteja distante do Livro II, que aborda o processo de execução, isso não altera sua natureza como atividade executiva. É notável que o artigo 513 do CPC dispõe, de forma deliberada, que as normas do Livro II da Parte Especial do CPC são aplicáveis no cumprimento de sentença.4

Quando a execução de uma sentença se baseia nos títulos dos incisos I a V do artigo 515 do CPC, é considerada uma etapa do processo. Por outro lado, se a execução fundamenta-se nos incisos VI a IX desse mesmo artigo, é instaurado como um processo independente. Em outras palavras, quando deriva de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, sentença arbitral ou decisão interlocutória estrangeira – após a concessão do execução à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça – a execução da sentença é tratada como um processo autônomo.5

No entanto, excetuam-se os casos em que a execução dessas decisões requer a realização de uma liquidação, nesse contexto, a liquidação em si se torna um processo independente e o cumprimento de sentença passa a integrar a liquidação.

Ademais, o órgão julgador determinará por conta própria a execução da sentença somente nos casos em que esta impuser a obrigação de realizar, não realizar ou entregar algo que não seja dinheiro, sem necessidade de provocação da parte requerente. No entanto, quando a sentença impuser a obrigação de pagamento em dinheiro ou quando a execução se der por meio de processo autônomo, é essencial que haja solicitação da parte interessada, conforme previsto no art. 2º do CPC. Por outro lado, o processo de execução tem como base a execução de títulos executivos extrajudiciais e está descrito no Livro III da Parte Especial do CPC.

O procedimento de execução, por outro lado, baseia-se na concretização de títulos executivos extrajudiciais e encontra-se regulamentado no Livro III da Parte Especial do CPC. Essas regras aplicam-se também, quando pertinente, a procedimentos especiais de execução previstos em leis específicas (como a Lei nº 5.741/1971, que aborda a execução hipotecária no contexto do sistema financeiro habitacional; a Lei nº 9.514/1997, que trata da execução dos bens gravados por alienação fiduciária em garantia, entre outras), aos atos executórios realizados na etapa de cumprimento de sentença e às consequências de atos ou eventos processuais aos quais a lei confere caráter executivo.6

No procedimento de execução, não se faz necessária a instauração de um novo processo. Diferentemente do processo de conhecimento, o executado não será citado para se defender, mas sim receberá um mandado para cumprir a obrigação, sob risco de ter seu patrimônio invadido caso não o faça voluntariamente.

No entanto, é importante destacar que as ações executivas sobre os bens do devedor só podem ser realizadas mediante o estabelecimento de uma relação processual específica para tal fim, similar a uma ação executiva. A diferença reside no fato de não haver uma fase preliminar de dívida, como ocorre nos cumprimentos de sentença, devido à existência de um título executivo extrajudicial.

1.2.3 Meios, Atos E Objetos Da Atividade Executiva

Na mesma linha do CPC/1973, o Código de Processo Civil nomeia os procedimentos de execução como “modalidades de execução”, encontrados no Título II do Livro II da Parte Especial, porém também se aplica ao cumprimento da sentença (art. 513 CPC).7

Esses procedimentos de execução variam de acordo com a natureza da obrigação assegurada ao credor. Entre elas, encontra-se a execução para entrega de coisa (certa e incerta), estabelecida nos artigos 806 e 811 do CPC; a execução das obrigações de fazer e de não fazer, determinadas nos artigos 815 a 823 do CPC; e a execução por quantia certa, determinada nos artigos 824 e seguintes do CPC.

No que diz respeito à função executiva, esta incide sobre os bens do devedor. Podem ser divididos em objetos específicos, que são os próprios objetos da obrigação de direito material (como, por exemplo, o bem devido na execução de dar coisa certa), e objetos instrumentais, que consistem nos bens utilizados pelo juiz da execução para obter a quantia necessária para pagar o credor, através de uma alienação forçada (nos casos de execução por quantia certa).

Isso significa que, por meio dos atos da atividade executiva, que afetam os bens do devedor, ocorre o deslocamento forçado de pessoas ou coisas, resultando na transferência de valores para um patrimônio diferente, o que também é feito contra a vontade do executado.

Já que este trabalho aborda o tema específico da execução por quantia certa, serão discutidos de forma breve os atos executivos presentes nesse tipo de execução.

O primeiro e mais importante ato executivo é a penhora – assunto que será explorado com mais detalhes posteriormente -, e encontra-se regulamentado nos artigos 831 e seguintes do CPC. Trata-se do ato pelo qual o Estado, por meio do Poder Judiciário, identifica um bem ou determinada quantia do executado para posterior expropriação (transferência de bens ou valores do patrimônio do executado para o do exequente), geralmente realizada por meio de leilão judicial eletrônico ou presencial.

1.3 PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO

Para garantir a satisfação do credor, como já mencionado previamente, ocorre a execução civil, seja baseada em decisão judicial, para cumprir sentença, ou baseada em títulos extrajudiciais, por meio de um processo de execução. Para viabilizar isso, é crucial a presença de princípios em que a execução é guiada, onde representam a base para a formação de regras normativas.

Assim, os princípios na execução constituem um método técnico. O autor José Miguel Medina destaca opinião sobre o tema que:

Os princípios de organização técnica antes tradicionalmente tidos como fundamentais da execução, foram sendo mitigados à luz do CPC/73, cedendo espaço a outros, que refletem a maior participação do juiz na criação da solução jurídica.8

Portanto, destaca a existência de princípios tradicionais, como a autonomia da execução e a tipicidade das medidas executivas, mas também menciona princípios mais contemporâneos que visam otimizar a eficiência da proteção executiva, com uma maior atuação do juiz. Não será explorado a fundo os princípios neste trabalho, entretanto, é fundamental elucidar de maneira clara alguns dos princípios que orientam os processos de execução.

1.3.1 Princípio Da Autonomia Na Execução

Inicialmente, compreendia-se o processo de execução como desprovido de qualquer aspecto cognitivo, levando a acreditar que o processo de conhecimento não implicaria em atos executivos.

A doutrina costumava pregar a existência de processos puros, nos quais cada etapa concentraria uma atividade específica. Isso levou o CPC/73 a separar a execução em um livro próprio, exigindo um procedimento distinto após a fase de conhecimento. Era necessário ingressar com uma ação executiva para garantir o direito reconhecido na fase de cognição.

No entanto, a partir de 1994, com a criação da tutela antecipada e da tutela específica, o ordenamento jurídico brasileiro passou a permitir a união de duas ou mais atividades distintas dentro do mesmo processo. A atividade cujo propósito era o reconhecimento de um direito podia ser realizada ao mesmo tempo que a satisfação desse direito, como observado na execução da tutela antecipada, mesmo durante a discussão do direito a ser concedido no julgamento amplo.

Diante dessa evolução na jurisprudência, em 2005, houve a reforma da Lei 11.232/2005, introduzindo no sistema jurídico brasileiro o sincretismo processual, que permite a execução da sentença e a constituição do título no mesmo processo.

A execução de título extrajudicial e a execução que reconhece a obrigação de pagar uma quantia específica continuam tendo como base principal a autonomia processual, dispensando uma ação de conhecimento devido ao caráter executivo conferido pela própria lei. A cognição nesses processos se restringe à análise dos requisitos da execução, à adequação e à validade dos atos executivos.

1.3.2 Princípio Da Realidade Na Execução

O início está previsto no artigo 789 do CPC, o qual declara: “o devedor é responsável com todos os seus bens atuais e futuros para o cumprimento de suas obrigações, exceto as restrições estabelecidas em lei”. Com base no princípio destaco a fala de Eduardo Talamini e Luiz Rodrigues Wambier:

De acordo com o princípio da realidade da execução, a execução civil recai precipuamente sobre o patrimônio do executado, e não sobre sua pessoa. Mas há marcantes exceções: pense-se, por exemplo, na remoção, com uso de força, do executado do bem imóvel objeto de execução; no uso da prisão civil contra o devedor de alimentos; no emprego dos meios de pressão psicológica, mesmo quando esses têm caráter patrimonial. A diretriz de responsabilidade patrimonial implica que: (i) todos os bens do devedor respondem por suas obrigações (inclusive os que ingressaram em seu patrimônio depois de contraída a dívida ou iniciada a execução); (ii) somente os bens do devedor respondem por suas obrigações. Mas também aqui há marcantes exceções, legalmente estipuladas: (i) impenhorabilidades; e (ii) responsabilidade patrimonial de terceiros, respectivamente.9

Embora, em geral, apenas o patrimônio do executado (atual e futuro) seja utilizado para a execução, pode-se concluir que existem exceções que permitem ações diretas contra o próprio executado, como no caso da prisão civil do devedor de alimentos, ou as impenhorabilidades, que serão mais detalhadamente analisadas em momento posterior.

1.3.3 Princípio Da Máxima Utilidade Na Execução

Seu principal intuito é alcançar um desfecho similar ao que o credor obteria se o devedor cumprisse sua obrigação. Com base no tema, destaco o entendimento de Talamini e Wambier que:

O princípio da máxima utilidade na execução assume especial importância na execução, na medida que, nesta, a atuação da sanção e a satisfação do credor só são concretamente atingidos mediante obtenção de resultados materiais, fisicamente atingíveis: só se estará dando a quem tem direito tudo aquilo e exatamente aquilo que lhe cabe quando se consegue, mediante meios executivos, modificar a realidade, fazendo surgir situação concreta similar, quando não idêntica, a que se teria com a observância espontânea das normas.10

É por esse motivo que o credor pode, a qualquer momento, desistir da ação sem que o devedor faça objeções.

1.3.4 Princípio Nulla Executio Sine Titulo

Este princípio destaca a importância de contar com um título para dar início a uma execução. O título é um requisito essencial estabelecido pela lei para a realização do processo de execução, possibilitando a realização dos atos executivos sem a necessidade de uma análise judicial prévia sobre a existência ou não do direito implícito,

A força executiva é rigidamente estabelecida pelo CPC/15, conferindo a cada documento que a possui uma validade comprovada, sendo considerado ilegal adicionar ou ampliar esse rol sob risco de violação injusta da esfera do devedor, com exceção do art. 784, XII, que permite a criação de novos títulos pela legislação.

2 PENHORA E IMPENHORABILIDADE

Examinados os principais elementos da realização da execução, prossegue-se com a análise mais minuciosa dos conceitos e da essência legal referentes às figuras da penhora e da impenhorabilidade contempladas na efetivação da decisão judicial e no procedimento de execução. Estas figuras são de suma importância para o presente estudo por representarem medidas opostas que, em determinados momentos, visam resguardar o credor e, em outros momentos, visam resguardar o executado, afetando, portanto, diretamente o êxito (ou fracasso) da conclusão satisfatória.

2.1 CONCEITO JURÍDICO DA PENHORA

A penhora é um dos meios pelos quais o Estado se utiliza para pressionar o devedor a quitar sua dívida, que é o principal objetivo da execução de uma sentença ou de um processo de execução, restringindo assim a venda ou transferência dos bens do devedor para terceiros.

Não é coincidência que a penhora tenha uma semelhança em sua nomenclatura com o penhor, um instituto do direito civil. Isso se deve à influência do direito romano, onde a penhora era originalmente um penhor judicial. No contexto do direito brasileiro, a penhora é uma ação executiva que difere em natureza do penhor e do arresto, e não retira o poder de disposição do devedor sobre seus bens.

A penhora é o ato característico através do qual o Estado, ao apropriar-se materialmente dos bens que compõem o patrimônio do devedor, adentra em sua esfera jurídica. Isso implica na delimitação dos bens sujeitos à venda forçada, ou seja, na identificação do bem que será alvo da restrição patrimonial.

É característico da fase de execução por quantia certa quando são apreendidos e depositados os bens do devedor para serem utilizados, de forma direta ou indireta, para quitar a dívida em questão.

Em termos simples, consiste no ato que vincula um bem específico à execução e invalida qualquer ato de disposição realizado pelo seu dono, sendo o primeiro ato de execução coercitiva no processo.

A penhora, porém, não implica diretamente na expropriação do bem. Ela apenas o identifica e o coloca sob a guarda do tribunal, para que posteriormente possa ser expropriado. Além disso, a penhora não se restringe apenas a apreender o bem; ela também é responsável por guardá-lo e depositá-lo, garantindo sua preservação até o momento da expropriação, tanto materialmente quanto legalmente.

Marcelo Abelha observa que quando um crédito é reconhecido, seja judicialmente ou extrajudicialmente, e o devedor permanece em situação de inadimplência, cabe ao credor buscar a tutela executiva, utilizando as técnicas disponibilizadas pelo Estado para executar a dívida.11

Dessa forma, na visão do autor, a penhora representa uma forma de expropriação utilizada pelo Estado nessas circunstâncias. Contudo, é fundamental primeiro identificar o patrimônio do devedor para encontrar os bens que serão tomados para quitar a dívida.

Apesar de ter a função de manter o bem penhorado até a sua expropriação, a penhora não deve ser considerada um ato cautelar, pois não é apenas um instrumento para garantir a segurança dos interesses do litígio quando se discute a sua natureza jurídica.

Por esta razão, não basta que a penhora seja apenas uma apreensão, é também um ato de guarda do bem, uma vez que ele precisa permanecer intacto para garantir o sucesso da expropriação. Contudo, ainda que tenha essa função de depósito, não perde sua essência como ato executivo, tampouco adquire caráter cautelar.

É evidente, então, que a penhora é um passo preparatório executivo que determina o bem do patrimônio do devedor, com ou sem sua concordância, a fim de preservá-lo para a futura expropriação que satisfará o crédito executado. Na execução por expropriação, a penhora representa um ato executor que torna a responsabilidade efetiva.

Logo, pode-se afirmar que a penhora é um estágio fundamental para viabilizar a expropriação, pois seleciona o patrimônio a ser alienado para quitar a dívida.

2.2 EFEITOS, FUNÇÕES E OBJETIVOS DA PENHORA

Com base nos conceitos de penhora apresentados anteriormente, fica claro que a consolidação, a penhora e o depósito dos bens do devedor são as suas principais tarefas, que visam garantir e satisfazer a atividade, preparar futuras ações de expropriação e preservar os bens do devedor, bens confiscados para evitar a sua deterioração ou migração ao custo da execução contínua.

Por esta razão, não basta que a penhora seja apenas uma apreensão, é também um ato de guarda do bem, uma vez que ele precisa permanecer intacto para garantir o sucesso da expropriação. Contudo, ainda que tenha essa função de depósito, não perde sua essência como ato executivo, tampouco adquire caráter cautelar.

É evidente, então, que a penhora é um passo preparatório executivo que determina o bem do patrimônio do devedor, com ou sem sua concordância, a fim de preservá-lo para a futura expropriação que satisfará o crédito executado. Na execução por expropriação, a penhora representa um ato executor que torna a responsabilidade efetiva.

Logo, pode-se afirmar que a penhora é um estágio fundamental para viabilizar a expropriação, pois seleciona o patrimônio a ser alienado para quitar a dívida. Ao contrário do que foi afirmado, a apreensão não afetou as relações jurídicas materiais e de fato o afetou. Não dá ao réu o direito de reclamar perda ou dano ao valor de sua propriedade. Quanto aos efeitos da penhora, estes também se dividem em consequências materiais e processuais.

No entanto, existem diferenças na doutrina relativamente aos efeitos da penhora, se são realmente consequências materiais ou processuais. Trata-se essencialmente de uma ação processual, mas há quem defenda que os seus efeitos são apenas processuais. A penhora tem por objetivo iniciar ou preparar a transmissão compulsória dos bens do devedor, afim de determinar as medidas necessárias do valor a ser pago.

2.3 A IMPENHORABILIDADE

Assim como em outras legislações, no direito brasileiro, a impenhorabilidade é uma forma de proteger o patrimônio do devedor. Sendo um recurso do direito processual, a impenhorabilidade é regulada pelo Código de Processo Civil.

A penhora e a impenhorabilidade estão intrinsecamente ligadas ao processo, porém na prática não são apenas utilizadas como ferramentas do direito processual. É comum a exclusão de certos bens do devedor da lista de bens passíveis de penhora através de leis ou até mesmo normas constitucionais.

Essas leis retiram a responsabilidade patrimonial de diversos bens do devedor, seja por motivos jurídicos ou humanitários, consequentemente declarando-os como impenhoráveis.

Ao abordar o assunto, o legislador estabelece regras que afetam diretamente a proteção dos interesses em conflito, que, de acordo com Marcelo Abelha, poderiam ser melhor descritas como “limitações naturais ou culturais” (políticas) à expropriação.

A impenhorabilidade, que é o oposto da penhorabilidade, surgiu como uma medida de proteção ao devedor adotada pelo legislador, evitando que ele sofresse as consequências da execução que poderiam comprometer sua dignidade e prevenindo possíveis abusos por parte do Estado ou do credor nos processos de execução em geral. Essa medida funciona como uma restrição à responsabilidade patrimonial do devedor.

O objetivo do legislador foi garantir que o devedor não fosse colocado em uma situação que violasse sua dignidade humana, conforme observado por Humberto Theodoro Jr:

Isso quer dizer que, segundo o espírito da civilização cristã de nossos tempos, não pode a execução ser utilizada para causar a extrema ruína, que conduza o devedor e sua família à fome e ao desabrigo, gerando situações aflitivas inconciliáveis com a dignidade da pessoa humana. E não é por outra razão que nosso Código de Processo Civil não tolera a penhora de certos bens econômicos (…)12

Portanto, ao aplicar a impenhorabilidade, o juiz da execução deve evitar ações prejudiciais nas quais o credor não obtenha benefício algum, além de impedir que a execução traga apenas danos e prejuízos ao devedor.

2.4 CARACTERÍSTICA DE IMPENHORABILIDADE

Os artigos 833 e 834 do Código Civil revelam duas classes de impenhorabilidade, o absoluto e relativo. A primeira categoria é aquela que não permite de forma alguma a contração. Um exemplo disso é o inciso VI. 833, que proíbe o seguro de perda de vida.

Vê-se que para o autor, o artigo 833 do Código de processo civil, onde traz consigo as presunções de impossibilidade absoluta e o artigo 834 às impossibilidade relativa, ao contrário de Araken de Assis, também considera o artigo 833, §2° como hipótese relativa.

Para Araken de Assis, a classificação de impossibilidade relativa de apreensão é aquela que retorna à regra da apreensão quando determinados requisitos são atendidos.13  Por exemplo, é possível a penhora de compensações financeiras por trabalho humano para crédito alimentar e cumprimento de valores superiores a cinquenta salários mínimos.

2.5 SUPOSIÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO CÓDIGO 833 DO CÓDIGO CIVIL 2015

O inciso I do referido artigo diz que não são passíveis de penhora os bens intransferíveis e voluntariamente declarados, que não sejam passíveis de compulsão. Temos, por exemplo, bens públicos, pois o art. 100 do CPC/2015 estipula a sua não penhora:

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.14

Logo, sendo os bens públicos intransferíveis, tornam-se inconfiscáveis, pelos motivos já explicados no tópico anterior. No caso de propriedade privada, no caso de doações ou testamentos, por exemplo através da criação de cláusula estrangeira, é importante que o bem se torne incapturável, ou mesmo através de simples cláusula de penhora independente, bem como os casos de imóveis, propriedade e família. São também impenhoráveis os subsídios mencionados na parte II do artigo, que asseguram a residência do arguido. O objetivo do legislador ao estabelecer esta limitação foi evitar a apreensão de bens cujo valor seja insignificante e que possa causar lesões pessoais e danos à família do arguido.

No entanto, o legislador faz uma reserva na Secção II para bens que possam servir de residência ao arguido e cujo valor seja elevado ou superior às necessidades comuns correspondentes ao nível de vida médio. Assim, o Legislativo proporciona alguma proteção ao credor evitando a regra da apreensão para evitar possíveis abusos ou fraudes do devedor.15

A mesma linha de raciocínio permaneceu no Título III quando decretou a impenhorabilidade de roupas, bem como bens de uso pessoal do executado, salvo se forem de valor elevado, bem como de alta costura, bebidas finas importadas, joias, relógios de valor elevado, etc.16 

No inciso IV, que merece destaque como objeto principal deste trabalho, confirma a impossibilidade de penhora de outros recursos relacionados à alimentação bem como verbas alimentares, em destaque:

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2.17

 As máquinas, livros, ferramentas e equipamentos são impossibilitados de confisco e são apresentados na Parte V. No entanto, este confisco não está relacionado com o valor do bem e não exige que o imóvel seja necessário para a ocupação, basta que tais bens sejam necessários.

É evidente que a intenção do legislador no referido artigo é apenas um profissional, de manter móveis utilizados na sua atividade, mas bens imóveis, mesmo se organizarem uma atividade profissional, não está incluído no caso, portanto podem ser confiscados.

Além disso, foi compreendido pelo CPC também a impossibilidade de confisco de equipamentos, ferramentas e máquinas agrícolas pertencentes a um indivíduo nos termos do §3° artigo 833, com exceção das pessoas jurídicas que exerçam atividade agrícola em escala societária.

O item VI aborda a proteção dos valores provenientes do seguro de vida contra penhora. Os montantes recebidos após a liquidação de eventuais sinistros não poderão ser utilizados para saldar dívidas do segurado, sendo garantida sua impenhorabilidade em favor do beneficiário.18  Além disso, o artigo 794 do Código Civil também trata sobre esse tema:

Art. 794. No seguro de vida, ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

A partir do artigo mencionado, compreende-se que a norma sugere que o valor recebido do seguro de vida terá como objetivo prover o sustento do beneficiário, caracterizando-se assim como de natureza alimentar.

Os materiais utilizados em obras em andamento estão protegidos contra penhora, conforme o inciso VII do artigo 833 do CPC. Contudo, há uma exceção que permite a penhora desses materiais caso a própria obra seja objeto de penhora.

A pequena propriedade rural é resguardada pelo inciso VIII do artigo 833 do CPC, em conformidade com o artigo 5º, XXVI da Constituição Federal, que estabelece:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.19

Além disso, para ser considerada impenhorável, a pequena propriedade rural precisa ser “trabalhada pela família”, de acordo com a Constituição. Dessa forma, a redação do inciso VIII do artigo 833 do CPC está em harmonia com a disposição constitucional, ao estipular que a impenhorabilidade se aplica à pequena propriedade rural, “desde que trabalhada pela família”.

A Secção IX prevê a impenhorabilidade de fundos públicos para fins sociais. Neste caso, o legislador baseou-se na impenhorabilidade no interesse público. Em regra, estes fundos provêm de recursos orçamentais de pessoas públicas sob a forma de apoios financeiros ou subsídios. Esta seção também abrange os recursos recebidos de particulares por meio de contratos financeiros, por se tratar de hipótese de confisco absoluto, independentemente da natureza do crédito.

A impenhorabilidade de valores depositados em conta poupança está prevista no inciso x, todavia essa impenhorabilidade não é absoluta, se for avistado valores superiores a 40 salários mínimos, sendo possível a penhora.

O inciso IX estabelece a impossibilidade de penhorar recursos públicos provenientes do fundo partidário. Apesar de os bens dos partidos políticos, em geral, não serem impenhoráveis, a exceção prevista no inciso restringe essa impenhorabilidade apenas aos recursos públicos transferidos do fundo partidário, conforme previsto em lei. Por outro lado, os demais bens que compõem o patrimônio dos partidos políticos podem ser penhorados durante a execução.20

Por fim, o inciso XII aborda a impenhorabilidade de créditos provenientes da venda de unidades imobiliárias sob o regime de incorporação imobiliária, os quais estão vinculados à execução da obra.

Essa é uma novidade introduzida pelo CPC/2015, em que o legislador buscou proteger o andamento da obra até sua conclusão e entrega aos compradores. Dessa forma, o crédito ligado à execução da obra, decorrente da venda da unidade imobiliária, torna-se impenhorável, garantindo a proteção do chamado patrimônio de afetação nos conforme da lei 4.591/1964, modificada pela Lei nº 10.931/2004.21

2.5.1 Inciso IV – A Impenhorabilidade

Como mencionado brevemente no parágrafo anterior, o inciso IV do artigo 833 determina que estão protegidos de penhora os rendimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, benefícios de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, além de valores recebidos por cortesia de terceiros com a finalidade de sustentar o devedor e sua família, os lucros de trabalhadores autônomos e honorários de profissionais liberais.

Esta lista exemplificativa elaborada pelo legislador visa esclarecer a amplitude de qualquer valor que contribua para o sustento do devedor e de seus familiares, com o objetivo principal de garantir a aplicação concreta dos princípios da dignidade e do mínimo existencial ao devedor.

Como anteriormente mencionado, esse item representa um dos pilares mais importantes do beneficium competentiae, que consiste na impenhorabilidade do estritamente necessário para garantir a sobrevivência.

Abordando a perspectiva do Direito do Trabalho, mas estabelecendo comparações necessárias em relação às diferentes categorias de rendimentos mencionadas no artigo 833, IV do CPC, essa modalidade de impenhorabilidade representa uma salvaguarda legal contra os credores do empregado – que, neste contexto, abrange a proteção aos credores do servidor público, militar, pensionista, profissional autônomo, e outros.

Sobre o assunto, Mauricio Godinho Delgado:

À luz dessa garantia, as verbas salariais não podem sofrer constrição extrajudicial ou judicial, não podendo cumprir papel de lastro a qualquer crédito contra o obreiro, nem receber restrições a seu recebimento direto pelo próprio trabalhador. As leis processuais se referem a salário e também remunerações, indicando sua intenção realmente ampliativa.22

3. ARTIGO 833, §2° DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2015, A PENHORA PARCIAL DO SALÁRIO

No capítulo anterior, foi tratado das situações em que os bens não podem ser penhorados, focando especificamente na impenhorabilidade do salário de forma ampla. Entretanto, o presente capítulo abordará a possibilidade de penhora do salário conforme descrito na segunda parte do § 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil, ou seja, a penhora de valores excedentes a 50 salários mínimos mensais em execuções civis não relacionadas a alimentos.

O legislador percorreu diversas vias para chegar à redação atual desse dispositivo legal, o que também será discutido neste capítulo, explorando o contexto da Lei 11.383/2006 seguida pelo veto presidencial.

Além disso, será apresentado como o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado e aplicado essa norma, juntamente com as situações apropriadas para análise em casos concretos, avaliando a eficácia real desse dispositivo diante da realidade dos processos de execução no Brasil.

3.1 DO ADMISSÍVEL

Como já explicado no capítulo anterior, o artigo 833 do Código de Processo Civil apresenta uma lista de bens que não podem ser penhorados, ou seja, são protegidos da execução. Assim, o legislador não estabeleceu impenhorabilidade absoluta para essa lista, trazendo uma exceção à regra.

Vale ressaltar o parágrafo segundo do artigo 833, abordado neste capítulo, o qual estipula que:

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, §8º e no art. 529, § 3º.23

 No caso da proteção dos salários em geral, prevista no inciso IV desse artigo, há uma exceção especificada pelo legislador no próprio dispositivo legal. Essa exceção possibilita a penhora de valores que ultrapassem cinquenta salários mínimos mensais para o pagamento de dívidas que não sejam alimentares.

Portanto, para a hipótese de impenhorabilidade do inciso IV no mencionado artigo, que se refere à regra de impenhorabilidade dos salários em geral, existe uma exceção prevista pelo legislador no próprio artigo, que possibilita a penhora de rendimentos que ultrapassam cinquenta salários mínimos mensais para o pagamento de dívidas não alimentares.

Ao estabelecer essa norma, o legislador concedeu ao credor não apenas a titularidade de um direito de crédito, mas o direito a uma proteção jurisdicional justa e eficaz, que:

(…) não só o devedor tem direitos fundamentais. Também o direito à tutela executiva constitui autêntico direito fundamental, componente obrigatório que é do direito fundamental ao processo devido. Assim, o direito à tutela executiva submete-se ao regime próprio dos direitos fundamentais, sendo munido de força positiva e aplicabilidade imediata.24

Em outras palavras, o objetivo do legislador foi eliminar a excessiva “bolha de proteção” conferida ao devedor pelo CPC/1973, que declarava seus rendimentos como totalmente impenhoráveis, permitindo assim ao credor credor a garantia da efetivação da tutela executiva.

3.2 PROSSEGUIMENTO LEGISLATIVO DO DISPOSITIVO

Inicialmente, no texto do CPC/1973, no artigo 649 (artigo 833 do CPC em vigor), era reconhecida a total impenhorabilidade dos bens listados, incluindo a remuneração de indivíduos, que eram totalmente poupados das dívidas. A única exceção, porém, permitia a penhora de parte desses bens apenas para a quitação de dívidas alimentares.

Posteriormente, críticas extensas foram feitas por alguns especialistas em processo, que questionavam a rigidez do artigo, argumentando que a flexibilização da impenhorabilidade deveria ser permitida nas execuções de dívidas não alimentares.

Depois, o Projeto de Lei 4.497/2004, que se tornou a Lei 11.382/2006, propôs uma alteração que poderia satisfazer as demandas dos especialistas e mitigar, explicitamente, algumas das impenhorabilidades absolutas, como a inclusão de um novo dispositivo no artigo:

§ 3º Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários-mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios.25

No entanto, houve um veto do Presidente da República ao § 3º ao sancionar a Lei 11.382/2006, pelos motivos que foram apresentados da seguinte forma:

O Projeto de Lei quebra o dogma da impenhorabilidade absoluta de todas as verbas de natureza alimentar, ao mesmo tempo em que corrige discriminação contra os trabalhadores não empregados ao instituir impenhorabilidade dos ganhos de autônomos e de profissionais liberais. Na sistemática do Projeto de Lei, a impenhorabilidade é absoluta apenas até vinte salários-mínimos líquidos. Acima desse valor, quarenta por cento poderá ser penhorado. A proposta parece razoável porque é difícil defender que um rendimento líquido de vinte vezes o salário-mínimo vigente no País seja considerado integralmente de natureza alimentar. Contudo, pode ser contraposto que a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, de remuneração. Dentro desse quadro, entendeu-se pela conveniência de opor veto ao dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral.26

Conforme Fredie Didier Júnior, a justificativa do veto é simples, incorreta, contraditória, lamentável e inútil. Isso ocorre pois, em sua visão, a aplicação do princípio da proporcionalidade – base principal da proposta – não foi abordada no veto. Esse princípio, por intermédio do parágrafo § 3º, resolveria o conflito entre o direito fundamental à dignidade humana do réu e o direito fundamental à dignidade humana do credor.

Posteriormente, o Projeto de Lei 2.139/2007 tramitou na Câmara dos Deputados com o propósito de modificar o inciso IV do art. 649 do CPC e permitir a penhora de um terço da remuneração do executado. No entanto, o PL não foi aprovado.

O projeto atual do Código de Processo Civil, conforme redação inicial apresentada no Anteprojeto ao Senado pela Comissão de Juristas, não houve modificações em relação ao artigo do código anterior que mantinha a inflexibilidade da impenhorabilidade absoluta.

Durante a análise do PLS 166/2010 (projeto do Novo Código de Processo Civil) no Senado, a Comissão Temporária de Reforma do Código de Processo Civil alterou a regulamentação do artigo 758 do projeto e acrescentou ao artigo 790 do Substitutivo o parágrafo 2°, que permite a penhora da remuneração do executado que ultrapassa 50 salários mínimos mensais, independentemente da natureza do crédito em execução (conforme artigo 833, parágrafo 2° do CPC atual).

3.3 ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A INFLEXIBILIDADE DO ARTIGO 649, IV NO CPC/1973

Através da rigidez concedida pelo legislador no art. 649, IV do Código de Processo Civil de 1973, que trata da impenhorabilidade total do salário em um sentido amplo para o pagamento de dívidas não alimentares, e após várias tentativas de alterações por parte do Legislativo buscando se adaptar à realidade dos processos judiciais brasileiros, muitos processualistas passaram a defender uma interpretação mais flexível desse artigo.27

O legislador, através desse artigo, reforça ao intérprete a ideia de que a impenhorabilidade absoluta dos bens do devedor impede o credor de exercer seu direito fundamental aos meios de execução. Em outras palavras, ao buscar proteger de maneira excessiva os direitos fundamentais do devedor, o legislador muitas vezes prejudica os direitos fundamentais do credor em sua busca pela execução e satisfação do crédito.

Por essa razão, a jurisprudência, ao se deparar com situações específicas, precisou adotar uma interpretação diferente da literalidade do artigo. Portanto, as situações de impenhorabilidade poderiam não ser aplicadas em cada caso.

O órgão judiciário realizava uma avaliação prévia entre os interesses do credor e do devedor a partir da análise das circunstâncias de cada situação concreta, além de considerar os princípios em jogo: o princípio da dignidade humana do devedor ou o princípio da máxima eficácia da execução em favor do credor.

Essa interpretação pode ser claramente observada no julgamento a seguir destacado:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. ART. 649 DO CPC/1973. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA.

1. Caso em que o acórdão recorrido consignou que o salário, soldo ou remuneração são absolutamente impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973 (833, IV, do CPC/2015).

2. A Corte Especial do STJ, recentemente, por maioria, adotou o entendimento de que a regra geral da impenhorabilidade de salários, prevista no Código de Processo Civil, pode ser excepcionada quando for preservado percentual capaz de dar amparo à dignidade do devedor e de sua família (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, DJe 16/10/2018). Conforme consignado na ementa da orientação vencedora: “A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais.

3. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente.

4. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes”.

5. Recurso Especial provido para afastar a conclusão acerca da impenhorabilidade absoluta dos soldos, determinando o retorno dos autos à origem, para que o Tribunal regional prossiga no julgamento do feito, como entender de direito.28

No caso em questão, a parte estava sendo executada devido ao não cumprimento de um contrato de empréstimo com consignação em folha de pagamento. Na primeira instância, foi deferido o pedido do exequente para retomar os descontos do empréstimo no valor de 30% da remuneração da executada.”

Indignado, o autor do processo apresentou um Recurso Especial, que foi aceito com base na decisão consolidada da Corte Especial de que a regra geral de impenhorabilidade dos salários pode ser aberta exceções, desde que seja garantido um valor suficiente para preservar a dignidade do devedor e de sua família. Portanto, no caso em questão, o STJ considerou os princípios que regem a execução e concluiu que os descontos de 30% no salário da parte executada não violariam o princípio da dignidade humana e ainda assegurariam o direito do autor de buscar a execução judicial.

É relevante ressaltar que, apesar do recente julgamento do Recurso Especial, ele foi analisado com base no CPC/1973, uma vez que foi protocolado em 2014.

Por outro lado, para exemplificar a interpretação flexível do artigo em questão e para demonstrar a análise detalhada de cada situação específica, realizado pelo STJ pelo Excelentíssimo Ministro Luis Felipe Salomão:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. VERBA REMUNERATÓRIA. IMPENHORABILIDADE, REGRA. EXCEÇÕES DISPOSTAS NO ART. 833, § 2°, DO CPC/15. PAGAMENTO DE VERBA NÃO ALIMENTAR. GANHOS DO EXECUTADO SUPERIORES A 50 SALÁRIOS-MÍNIMOS.

1. A regra geral da impenhorabilidade dos vencimentos, dos subsídios, dos soldos, dos salários, das remunerações, dos proventos de aposentadoria, das pensões, dos pecúlios e dos montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2° do CPC/2015, quando se voltar: I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários-mínimos mensais, ressalvadas eventuais particularidades do caso concreto. Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.

2. As exceções à regra da impenhorabilidade não podem ser interpretadas de forma tão ampla a ponto de afastarem qualquer diferença entre as verbas de natureza alimentar e aquelas que não possuem tal caráter.

3. As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2°), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade.

4. Na hipótese, trata-se de execução de dívida não alimentar proposta por pessoa jurídica que almeja o recebimento de crédito referente à compra de mercadorias recebidas e não pagas pelo devedor, tendo o magistrado autorizado a penhora de 30% do benefício previdenciário (auxílio-doença) recebido pelo executado. Assim, pelas circunstâncias narradas, notadamente por se tratar de pessoa sabidamente doente, a constrição de qualquer percentual dos rendimentos do executado acabará comprometendo a sua subsistência e de sua família, violando o mínimo existencial e a dignidade humana do devedor.

5. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial.29

Diferentemente da decisão anterior, o juiz de primeira instância considerou que os ganhos previdenciários recebidos pelo devedor são destinados à compra de bens e serviços e, portanto, devem ser usados para pagar a dívida executada, flexibilizando a regra do artigo 649, inciso IV do Código de Processo Civil de 1973.

Com o recurso de Agravo de Instrumento, o Tribunal estadual confirmou a decisão de base de penhorar parte do benefício previdenciário recebido pelo devedor que excedeu o salário mínimo vigente. Diante do conflito de direitos fundamentais – o direito à garantia do mínimo existencial do devedor e o direito à efetividade do credor -, não seria justo conceder ao devedor um patrimônio totalmente intocável, mesmo sendo um recurso de natureza alimentar. Portanto, o Tribunal de origem optou por equilibrar os interesses em jogo.

No Agravo Interno ao Recurso Especial, o Excelentíssimo Ministro Relator apesar de haver um entendimento da Corte Superior a favor da flexibilização da regra de impenhorabilidade do salário em casos excepcionais, foi considerada a natureza do benefício previdenciário recebido pelo devedor no presente caso (auxílio-doença).

Além disso, sustenta-se que, independentemente da aplicação ou não do novo CPC neste caso específico, decidiu-se pela não manutenção da penhora. O argumento foi de que, por se tratar de uma pessoa doente, qualquer valor retido comprometeria sua subsistência e a de sua família, levando em conta a alta possibilidade de o devedor ter gastos excessivos com tratamentos médicos ou medicamentos.

No Recurso Especial nº 1.673.067 – DF de relatoria da Excelentíssima Ministra Nancy Andrigh durante o cumprimento da sentença de uma ação monitória, em uma decisão de primeira instância, foi autorizada a penhora de 20% dos salários mensais do sócio da empresa devedora, após a desconsideração da personalidade jurídica.

Entretanto, em uma decisão de Agravo de Instrumento, o TJDFT determinou que é impossível penhorar o salário do executado, conforme o voto da Ministra no Recurso Especial, no qual ela esclarece:

Outrossim, a jurisprudência desta Corte vem evoluindo para admitir, em execução de dívida não alimentar, a flexibilização da regra de impenhorabilidade quando a hipótese concreta dos autos relevar que o bloqueio de parte da remuneração não prejudica a subsistência digna do devedor e de sua família.

Busca-se, nesse contexto, harmonizar duas vertentes do princípio da dignidade da pessoa humana – de um lado, o direito ao mínimo existencial; de outro, o direito à satisfação executiva, atribuindo ao art. 649, IV, do CPC/73 interpretação teleológica, de modo a fazer incidir a norma quando, efetivamente, estiverem presentes as exigências econômicas e sociais que ela procurou atender.

Sob essa ótica, a aplicação do art. 649, IV, do CPC/73 exige um juízo de ponderação à luz das circunstâncias que se apresentam caso a caso, sendo admissível que, em situações excepcionais, se afaste a impenhorabilidade de parte da remuneração do devedor para que se confira efetividade à tutela jurisdicional favorável ao credor. 30

Apesar do entendimento do STJ sobre a flexibilização da regra da impenhorabilidade e harmonização dos princípios que protegem os direitos tanto do credor quanto do devedor, a Ministra decidiu manter a decisão, argumentando que no acórdão contestado não foram apresentados elementos que comprovariam a capacidade do executado de suportar a penhora parcial de sua remuneração sem prejudicar sua subsistência e de sua família.

Com a diversidade de opiniões, no julgamento dos Embargos de Divergência nº 1.582.475/MG, a Corte Especial reconheceu a discordância entre a Segunda e a Terceira Turma. A Segunda decidiu que é permitida a penhora das verbas descritas no art. 649, IV do CPC/73,apenas podem ser aceitas em situações de créditos de caráter alimentar. Por outro lado, a Terceira propôs uma interpretação mais ampla da regra, permitindo a penhora em casos de empréstimos consignados e quando houver comprovação de que o devedor não terá sua dignidade e subsistência afetadas, assim como a de sua família.31

No seu parecer, o Ministro Relator Benedito Gonçalves argumenta que, para além da exceção explicitada no § 2º do artigo 649 do CPC/73, é possível também estabelecer uma exceção implícita à regra geral da impenhorabilidade, especialmente em casos de execução de dívidas não alimentares. Ele defendeu a igualdade de tratamento processual entre as partes, buscando equilibrar o direito do credor de receber o crédito executado, por um lado, e o direito do devedor de quitar a dívida sem comprometer sua dignidade, por outro.32

Na presente situação, é compreendido que a penhora de parte dos rendimentos do executado não afetaria a qualidade de vida elevada que ele e sua família desfrutam, a qual supera significativamente a média das famílias brasileiras. Isso porque, sendo um servidor público com renda líquida mensal de R$ 20.996,00, a impenhorabilidade integral de seus proventos neste contexto específico poderia incentivar atitudes irresponsáveis de indivíduos assalariados ou aposentados que optaram por não pagar suas dívidas sem justificativa, mesmo se possuírem rendimentos substanciais. Nesse sentido, a interpretação da Terceira Turma sobre a regra de impenhorabilidade estabelecida no art. 649, IV do CPC/73 é considerada adequada.

Dessa forma, apesar do mencionado artigo estabelecer a impenhorabilidade total, a interpretação predominante sob a vigência do CPC/1973 foi no sentido de evitar uma proteção excessiva concedida pelo legislador ao devedor/executado em detrimento dos interesses do credor quanto à eficácia da execução.

3.4 A RELATIVIZAÇÃO DA PENHORA DO SALÁRIO NO ARTIGO 833, § 2º DO CPC/2015 CONFORME A INTERPRETAÇÃO ATUAL DO STJ E DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS.

Com a implementação do CPC/2015, como já mencionado anteriormente, houve algumas alterações. Uma delas é a inclusão do parágrafo 2º do artigo 833, que estabelece um limite para a remuneração do devedor que pode ser penhorada, independentemente da situação específica. Foi determinado que apenas os valores excedentes a 50 salários mínimos podem ser penhorados.

O texto da lei é claro quanto à interpretação do artigo. O legislador definiu o montante considerado essencial para garantir uma vida digna ao devedor e sua família, sem comprometer o mínimo existencial. Atualmente, esse valor é R$ 49.900,00.

Assim, o STJ, que anteriormente, antes do CPC/2015, costumava permitir a penhora de salários de forma mais flexível, dependendo da situação específica, agora está seguindo estritamente o que está estabelecido na lei. Não há mais espaço para interpretações, o valor da penhora está claramente definido.

Para exemplificar de maneira mais clara, vamos analisar o julgamento do REsp. número 1.803.343 – SP, conduzido pelo distinto Ministro Luis Felipe Salomão. Inicialmente, trata-se da execução de uma decisão provisória que determinou a penhora dos créditos provenientes de honorários advocatícios de outra ação em curso há mais de nove anos nos autos.33

Após a executada recorrer, o Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu o recurso alegando que os créditos a serem recebidos têm natureza alimentar e, portanto, são impenhoráveis conforme o artigo 833, inciso IV do CPC.34

O exequente apresentou Recurso Especial argumentando que os créditos aos quais a parte recorrida tem direito ultrapassam em muito o limite de cinquenta salários-mínimos previstos como exceção à impenhorabilidade, conforme o artigo 833, parágrafo 2º do CPC.35

É inquestionável a natureza alimentar dos honorários advocatícios. No entanto, no caso em análise, foi comprovado um ganho significativo, que somado chegou a R$116.329,03 (cento e dezesseis mil, trezentos e vinte e nove reais e três centavos).36

Assim sendo, a Corte Superior seguiu à risca o artigo 833, parágrafo 2 do CPC e determinou que os autos retornassem à instância inicial para efetuar a penhora dos valores que excedem os 50 salários mínimos a serem recebidos como honorários advocatícios.37

Uma situação diferente ocorreu durante a análise do AgInt no REsp número 1.790.619 – SP, sob a responsabilidade do Ministro Luis Felipe Salomão. O caso trata de uma ação de despejo por falta de pagamento, na qual o pedido de penhora dos rendimentos do devedor foi negado por não haver comprovação de que o executado recebia uma renda superior a 50 salários mínimos.38

Apesar de o apelante mencionar a existência de jurisprudência da Corte Superior no sentido de permitir a relativização da impenhorabilidade do salário em sentido amplo, o Ministro relator afirmou em seu voto:

Como dito, o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência do STJ, que entende que as dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2º).39

O entendimento dos Tribunais Estaduais não difere do atual entendimento do STJ. Um exemplo disso é o julgamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reformou a decisão inicial de penhorar 30% dos rendimentos do agravado no Agravo de Instrumento nº 2273115-12.2018.8.26.0000, acolhendo o recurso do Agravante:

Agravo de instrumento. Contratos bancários. Descumprimento de acordo. Penhora de 30% do valor dos rendimentos. Se o valor bloqueado é proveniente de salário, de natureza alimentar, de rigor sua impenhorabilidade, nos termos do art. 833, IV, do Código de Processo Civil. Inadmissibilidade, porquanto inocorrente qualquer das hipóteses previstas no § 2º de referido dispositivo legal. Recurso provido.40

Da mesma forma, no Agravo de Instrumento nº 2220072-29.2019.8.26.0000, sob a relatoria do Desembargador Mário de Oliveira, o agravante contesta a decisão que negou a penhora de 30% do salário do agravado em uma ação de execução por quantia certa contra um devedor solvente. A justificativa foi a falta de demonstração das exceções à impenhorabilidade previstas no § 2º do art. 833 do CPC.41

Na mesma linha de pensamento, é possível observar a decisão do Agravo de Instrumento nº 2210006-87.2019.8.26.0000, também vindo do Tribunal de Justiça de São Paulo. Este foi interposto contra uma decisão no processo que envolve uma ação de obrigação de fazer, cumulada com indenização por danos materiais e morais em fase de cumprimento de sentença. Neste caso, foi negado o pedido de expedição de ofício ao INSS com o intuito de averiguar se a parte agravada estava recebendo benefícios provenientes de vínculo empregatício ou previdenciário.  Segue emenda de decisão:

PROCESSUAL CIVIL Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais e morais julgada parcialmente procedente Fase de cumprimento de sentença Decisão de primeiro grau que indefere pedido de expedição de ofício ao INSS para constatar se um dos executados recebe proventos decorrentes de trabalho com vínculo empregatício ou de aposentadoria Agravo interposto pelo exequente Expedição de ofício à autarquia Medida desprovida de utilidade prática Inviabilidade de se obter penhora sobre percentual do vencimento, do salário, da remuneração ou dos proventos do executado Hipótese não abrangida na exceção prevista no artigo 833, inciso IV e § 2º, do Código de Processo Civil Ausência de elementos que evidenciem que a penhora sobre percentual não comprometerá a subsistência do devedor Precedentes Decisão mantida Agravo desprovido.43

O cerne da discussão para a negação do agravo foi a não existência de qualquer situação prevista no § 2º do artigo 833 do CPC, bem como a ausência de elementos que comprovassem que a eventual penhora não comprometeria a subsistência do devedor.

Contudo, apesar da maioria de interpretação do Tribunal de Justiça de São Paulo em favor da aplicação literal da exceção de impenhorabilidade prevista no art. 833 do CPC em questão, há uma decisão que se destaca dos julgamentos mencionados anteriormente.

Trata-se do Agravo de Instrumento nº 2228125-96.2019.8.26.0000 apresentado contra a decisão de primeira instância que negou o pedido de penhora de parte do salário da parte contrária em uma ação de cumprimento de sentença. A autora do processo demonstrou que a executada possuía um rendimento anual de R$ 58.688,29 e solicitou a penhora de 20% do salário líquido mensal da executada até a quitação do crédito, em segundo grau, o recurso foi acatado.  Com base na alegação subsequente:

O sistema jurídico ampara a prevalência da dignidade humana como vetor interpretativo máximo, vedando a adoção de medidas que ofendam ou impeçam a manutenção do mínimo existencial. Entretanto, não existem direitos absolutos. A questão da impenhorabilidade das verbas de natureza alimentar é um desses direitos aparentemente absolutos que, contudo, admite exceção. (…) é possível verificar que os salários, proventos de aposentadoria e todas as demais verbas de natureza alimentar perdem essa característica e, por conseguinte, tornam-se penhoráveis, se houver apreciação concreta de que os valores não interferem de modo significativo na manutenção da pessoa do devedor e de sua família. O objetivo da lei não é simplesmente blindar o devedor que não possui outros bens ou outra fonte de renda, mas sim garantir que suas obrigações sejam pagas, ainda que em forma diferente da pactuada originalmente, garantindo-se também o direito do credor, mas sem deixar o devedor desamparado. Não é possível pretender que não haja qualquer interferência no salário, já que o simples fato de uma pessoa se obrigar a algum pagamento já acarreta uma potencial diminuição patrimonial, pois deverá dispor de alguma parte da renda para adimplir a obrigação voluntariamente contraída.45

O recurso foi aceito em instância superior com o argumento subsequente, apesar dos embasamentos elogiáveis apresentados pelo Desembargador Relator, esta decisão não está alinhada com o entendimento atual do tribunal de Justiça de São Paulo da mesma forma que o entendimento do STJ não foi levado em consideração anteriormente, nos autos está evidenciado que a executada possui uma renda anual de R$ 58.688,29, o que resultou na penhora de 20% de seus ganhos mensais. Contudo, houve o descumprimento da legislação que permite a penhora de rendimentos mensais (não anuais) acima de 50 salários-mínimos. 46

Adicionalmente, é possível observar do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0707955-11.2019.8.07.0000 no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), em que o recurso foi provido para desconstituir a penhora da remuneração da agravante, na segunda instância, o recurso foi deferido em relação ao pleito de invalidação da penhora.47  Com base nos seguintes argumentos:

Consoante se afere do estampado literalmente no artigo 833, inciso IV c/c § 2º do novel estatuto processual, o legislador contemplara com o atributo da impenhorabilidade o produto do trabalho assalariado, somente excetuando essa proteção quando se trata de débito alimentício, do que não se cogita, ou os executados aufiram valor excedente a 50 salários-mínimos mensais, tornando viável a penhora do que excede essa margem. A intangibilidade derivada de aludido preceptivo traduz verdadeiro dogma destinado a resguardar o fruto do labor de constrição judicial, somente sendo permitida a mitigação da proteção naquelas pontualmente excetuadas.

(…)

Do estampado em aludido dispositivo deriva a irreversível constatação de que o produto oriundo do labor do devedor é impassível de ser penhorado. Deflui do nele esculpido, ainda, a certeza de que, em não contemplando nenhuma ressalva a esse regramento, salvo em se tratando de obrigação alimentícia e o que excede a limitação fixada, dele não é passível se extrair exceção além daquele que expressamente prescreve ao véu que resguarda os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlio e montepios, tornando-os intangíveis, ainda que qualificada a inadimplência do obreiro e sua renitência em não satisfazer os débitos que legitimamente restaram consolidados em seu desfavor. Deve ser frisado que presumivelmente a agravante não aufere rendimentos mensais que extrapolam a limitação estabelecida – 50 salários mínimos -, consoante se infere do contracheque acostado aos autos.48

O Tribunal considerou como base única e exclusiva a legislação para embasar sua decisão para embasar o mencionado acórdão, é válido ressaltar que, mesmo que o devedor se esforce ao máximo para não cumprir suas obrigações voluntárias, ele estará sempre amparado pelo limite imposto pela legislação, o qual é de até 50 salários mínimos.

Da mesma forma, é possível observar a análise do Agravo de Instrumento nº 0708660-09.2019.8.07.0000, também do TJDFT, onde o requerente teve seu pedido de penhora de 30% da remuneração da devedora negado em primeira instância, visando quitar um crédito de natureza não alimentar.49

No segundo grau, o requerente teve seu recurso negado, sob o argumento de que a penhora de valores provenientes de salários, remunerações e aposentadorias só é permitida quando ultrapassar o valor de 50 salários mínimos mensais, a fim de evitar que devedores com rendimentos mais elevados sejam protegidos da penhora em detrimento dos direitos de crédito do credor.

No julgamento do Agravo de Instrumento número 14063643.2017.8.12.0000 realizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), o recorrente contesta a decisão de primeira instância que autorizou a penhora de 30% de sua remuneração. A decisão inicial foi favorável ao autor da ação de execução, justificando que o executado recebe um salário mensal de R$29.849,08, próximo ao teto estabelecido na Constituição Federal (subsídio de um Ministro do STF), e que a penhora não prejudicaria a sua subsistência, sendo possível flexibilizar a aplicação do artigo 833, parágrafo 2 do Código de Processo Civil.50

Além disso, em segunda instância, o recurso foi aceito para reformar a decisão contestada, afastando a penhora dos valores referentes à remuneração do recorrente como bombeiro militar. Isso ocorreu porque o dispositivo do artigo 833, parágrafo 2 do CPC não reduz a impenhorabilidade dos salários, mas visa ampliar a proteção desses rendimentos, não cabendo ao intérprete restringir essa proteção.51

Na mesma direção, a decisão referente ao Agravo de Instrumento número 1407803-83.2016.8.12.0000 foi favorável ao recurso do agravado que contestou a decisão singular de primeira instância que permitia a penhora de 10% da remuneração do executado.52

Em resumo, o recorrente alega ter feito empréstimos no Banco do Brasil para conseguir a liberação de seus rendimentos, os quais já foram alvo de penhora em outras ações judiciais, além de outro acordo realizado em um processo distinto, restando apenas um rendimento líquido de aproximadamente R$ 3.800. Além disso, argumenta que a penhora de 10% de sua remuneração comprometeria sua própria subsistência e a de sua família.

Em consonância com os demais entendimentos jurisprudenciais citados, em segunda instância considerou-se que a penhora de 10% da remuneração líquida recebida pelo executado recairia sobre um valor que não ultrapassa os 50 salários mínimos mensais, o que não é permitido pela legislação atual.

Entretanto, no mesmo recurso, o desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva apresentou um voto divergente em relação ao do Desembargador Relator. Ele votou pela manutenção da penhora de 10% da remuneração do executado, explicando que no cenário em questão há uma clara divergência jurisprudencial, com os argumentos que:

Em que pese a previsão legal neste sentido, tem-se admitido a penhora de percentual de vencimentos do devedor, desde que não haja comprometimento da subsistência deste, circunstância aferida no caso concreto. Em princípio, poder-se-ia alegar que tal compreensão estaria em manifesto confronto com a legislação de regência que, como dito, veda a penhora sobre salário, rendimento, proventos de aposentadoria, dentre outros. No entanto, interpretando normas do direito processual civil reinante, sobretudo aquelas que regem o processo de execução, levando em consideração em especial as disposições que visam atingir a efetividade da prestação jurisdicional, tem-se que o art. 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, comporta interpretação mais liberal (…).

(…)

O contexto fático recomenta que se aplique os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, desapegando-se à literalidade da lei, tendo em vista que tal proceder, em verdade, será capaz de promover o efetivo escopo da jurisdição, qual seja, entregar o bem da vida a quem de direito.53

Mesmo que a lei especifique os valores de remuneração que podem ser relativizados, alguns julgamentos optam por interpretar de forma mais flexível, levando em consideração a situação específica.

Essa discrepância também é evidente na jurisprudência do Tribunal de justiça de Santa Catarina (TJSC), como observado no julgamento do agravo de instrumento nº 40002954-44.2019.8.24.0000. Neste caso, a agravante contestou uma decisão interlocutória em uma ação de execução de título extrajudicial que determinou a penhora de 30% de seus rendimentos provenientes de pensão por morte para saldar despesas condominiais inadimplidas depois de descumprir o acordo extrajudicial.54

Após a determinação de penhora online e o bloqueio bem-sucedido de R$ 13.545,01, a parte executada contestou a penhora, alegando que o valor bloqueado provém de benefício previdenciário de pensão por morte e, portanto, é impenhorável por se tratar de recursos essenciais. A impugnação foi parcialmente aceita, com o juízo determinando o bloqueio de até 30% dos ganhos da executada. Posteriormente, houve a decisão que está sendo contestada.55

Porém, a ilustríssima Desembargadora Relatora negou o recurso da executada, uma vez que constatou que ela recebe rendimentos previdenciários no valor de R$ 28.740,15 (inferior a 50 salários mínimos). Desta forma, a retenção de 30% dos rendimentos mensais não comprometeria sua dignidade ou o mínimo necessário para sua subsistência e de sua família.56

Além disso, ressalta que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça permite a flexibilização da impenhorabilidade nos casos em que o devedor possui renda mensal suficiente para quitar a dívida sem comprometer o seu próprio sustento e o de seus familiares, apesar da legislação prever apenas a penhora de rendimentos acima de 50 salários mínimos por mês.57

Em situação semelhante, também no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o recurso de agravo de instrumento nº 4003165-80.2019.8.24.0000 foi interposto pela agravante contra decisão interlocutória de primeira instância em ação cominatória cumulada com indenizatória, em fase de cumprimento de sentença, que determinou a penhora mensal de 10% sobre os valores líquidos recebidos pela executada a título de salário para quitar os aluguéis e encargos contratuais de uma sala comercial. 58

Na sua argumentação recursal, a parte executada afirmou não ter condições de suportar a penhora mensal mencionada sem prejudicar a si mesma e sua família, considerando que sua renda líquida média é de apenas R$2.869,00.59

No entanto, o recurso foi indeferido com base no entendimento de que, mesmo sendo reconhecida a impenhorabilidade do salário conforme o art. 833, IV do CPC, a jurisprudência tem flexibilizado essa impenhorabilidade além das exceções previstas no § 2º desse dispositivo legal, visando equilibrar a eficiência da execução e garantir o mínimo existencial do executado. 60

Além disso, foi mencionado que caberia à executada comprovar que o desconto acarretaria prejuízos à sua subsistência, o que não foi feito. Por outro lado, destaca-se a decisão do agravo de instrumento nº 4009145-13.2016.8.24.0000, também do TJSC, no qual a agravante questiona uma decisão interlocutória em um processo de execução de título extrajudicial que foi deferida uma parte de 30% do seu salário líquido de R$ 2.544,87, recebido como professora estadual, foi penhorada.61

 Dessa forma, o juiz de segunda instância acatou o recurso, destacando, resumidamente, a impenhorabilidade dos salários de forma ampla, conforme estabelecido no inciso IV do art. 833 do CPC. Além disso, no caso específico, não identificou nenhuma das condições previstas no § 2º desse artigo que permitiriam a penhora do salário. 62

Portanto, observa-se que, apesar de muitos tribunais seguirem a interpretação literal do § 2º do art. 833 do CPC, sem espaço para flexibilização, ainda existem tribunais que adotam a interpretação mitigada desse dispositivo legal, seguindo a antiga posição do STJ sobre o assunto, anterior à entrada em vigor do CPC/2015.

3.5 A EFICÁCIA DO ARTIGO 833, PARÁGRAFO 2 DO CPC/2015 NOS PADRÕES BRASILEIROS E UMA PROPOSTA NORMATIVA PARA SUA ADEQUAÇÃO

Como observado nos tópicos anteriores, o legislador estabeleceu, através do artigo 833, Parágrafo 2 do CPC, um limite acima do qual é possível penhorar parte da remuneração do executado: 50 salários mínimos. Esse resultado foi alcançado após um longo processo legislativo e variadas tentativas de introduzir uma regra menos rígida do que a presente no artigo 649 do CPC/73.

Entretanto, a exagerada proteção conferida pelo legislador ao patrimônio do executado apenas prejudica ainda mais a fluidez dos processos de execução no Brasil, resultando em aumento da lentidão judiciária e redução do direito do credor à satisfação.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em relação à adequação temporal e eficácia nas execuções (em sentido amplo), torna-se claro que Uma situação devastadora para os procedimentos de execução foi evidenciada pelo Relatório “Justiça em Números” de 2018, que destacou um tema específico sobre os “Gargalos da execução” com números lastimáveis.

O mencionado tema revela que a fase de execução tem uma média de duração de sete anos e onze meses na Justiça Federal e seis anos e nove meses na Justiça Estadual. No sistema judiciário brasileiro, dos 80,1 milhões de processos pendentes de finalização, 53% são processos de execução, um acervo que continua crescendo a cada ano.63

A taxa de congestionamento, que reflete a eficácia do Tribunal em resolver processos, também é alarmante: no primeiro grau estadual, o índice é de 66% para processos de conhecimento e 87% para execução. Na Justiça Federal, os números são de 62% para processos de conhecimento e 88% para processos executivos. 64

Os dados são preocupantes e revelam a falta de eficácia dos processos de execução no Brasil. Muitos credores que têm seu direito reconhecido, seja por meio de título executivo extrajudicial ou sentenças em processos judiciais, não conseguem efetivar esse direito, confirmando o ditado popular “ganhou, mas não levou”.

Os dados mencionados são inaceitáveis e prejudicam o Estado Democrático de Direito, afetando a aplicação prática do processo civil. Quando as leis e obrigações não são cumpridas de forma reiterada, o direito reconhecido não é respeitado, culminando na desmoralização e enfraquecimento do sistema de justiça, comprometendo a essência do Estado Democrático de Direito. 65

Considerando o campo dos títulos executivos judiciais de forma específica, o demandante, após percorrer um longo trajeto para obter o reconhecimento de seu direito na etapa cognitiva, se depara com um processo de cumprimento de sentença extremamente demorado, constatando, assim, que seu direito tem menos valor do que deveria ser razoável esperar. Talvez até pareça que não tem valor algum.66

Com a introdução do artigo 833, parágrafo 2 do Código de Processo Civil, o legislador prejudicou ainda mais os direitos fundamentais dos credores na busca pela efetivação da justiça, demonstrando um viés excessivamente favorável aos devedores. O limite de 50 salários mínimos se revela excessivo, claramente dissociado da realidade brasileira e com escassa aplicabilidade prática.

Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017-2018 indicou que a média do rendimento do trabalho no Brasil, tanto em áreas urbanas quanto rurais, foi de R$ 3.118,66. Esse valor engloba recebimentos oriundos de trabalhadores empregados. 

O valor médio recebido pelos brasileiros através de aposentadorias, pensões públicas ou privadas, previdência pública ou privada, incluindo também os valores provenientes de programas sociais federais, é de R$ 1.056,85.204. Adicionalmente, a pesquisa indicou que apenas 2,7% das famílias no Brasil receberam mais de 25 salários mínimos entre 2017 e 2018.68

Consequentemente, a quantia de 50 salários mínimos revela-se ainda mais irrelevante, indicando que a chance de ter seu excedente penhorado em processos civis não alimentares é ainda mais remota.

Na tentativa de contornar a rigidez do CPC/1973, que considerava o salário como algo absolutamente impenhorável, o STJ estabeleceu a jurisprudência – anteriormente demonstrada em outras decisões – de que é permitido penhorar uma porcentagem do salário do devedor, desde que não comprometa a dignidade e a sobrevivência dele e de sua família. Contudo, ao definir um valor penhorável pelo legislador, esta possibilidade não existe, mas existe mais espaço para interpretações diversas, como tem acontecido com a maioria dos Tribunais já mencionados.

No entanto, assim como o TJSC, há Tribunais que adotam diferentes interpretações sobre o assunto. Algumas vezes é aplicada a interpretação do STJ anterior ao CPC/2015, outras vezes é seguida a literalidade do artigo 833, parágrafo 2 do CPC. Esta situação é observada no julgamento do Agravo de Instrumento número 40031165-80.2019.8.24.0000, no qual foi decidido que é possível penhorar parte do salário de um executado que recebia renda mensal de R$ 2.869,00. Já no Agravo de Instrumento número 4009145-13.2016.8.24.0000, o executado recebia uma renda mensal próxima, no valor de R$ 2.544,87, no entanto, decidiu-se pela impenhorabilidade do valor por não ultrapassar o limite estabelecido no artigo 833, parágrafo 2 do CPC, o que causa uma grande insegurança jurídica.

Adicionalmente, José Augusto Garcia de Sousa também destaca outro possível problema do mencionado dispositivo legal:

As hipóteses legais de impenhorabilidade são estanques e não se comunicam; não há cruzamento de dados. Isso tem um grande potencial de provocar situações iníquas. Imagine-se um devedor contumaz que tenha salário equivalente a 49 salários-mínimos (o mesmo salário recebido pela sua esposa) e seja proprietário de um imóvel luxuosíssimo no ponto mais nobre da cidade. Graças à falta de visão de conjunto, esse devedor contumaz poderá, em prejuízo de uma pessoa idosa de parcos rendimentos, escapar da responsabilidade patrimonial programada abstratamente pela ordem jurídica. Vitória da dignidade da pessoa humana? Certamente que não.69

Isso significa que, ao determinar um valor fixo (e bastante alto) como limite para a penhorabilidade do salário do executado, o legislador está criando uma brecha para que um devedor, que recebe uma renda mensal muito próxima desse limite estabelecido pela lei e que poderia suportar a penhora parcial sem afetar sua sobrevivência e a de sua família, seja protegido de maneira injusta pela impenhorabilidade, prejudicando um credor que vê cada vez mais distante a obtenção de uma tutela satisfatória.

Em sua crítica ao dispositivo legal em questão, Fernando da Fonseca Gajardoni observa:

O valor de 50 salários-mínimos mensais é, sem dúvidas, elevado para a realidade brasileira, pois são poucos os devedores que percebem mensalmente tal quantia. É certo que mais adequado para o país seria a penhora a partir de um valor menor. Porém, é relevante a quebra do dogma de absoluta impenhorabilidade de salário no Brasil. E isso abre o caminho para que, nas próximas reformas processuais, o valor seja minorado.

No entanto, há dúvidas se a reforma do dispositivo realmente representou um avanço. Isso ocorre porque, como já mencionado, o STJ vinha adotando a interpretação de relativização da penhora salarial antes mesmo da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil.

Por outro lado, a autora está correta em defender uma maior liberdade para o juiz decidir, conforme cada situação específica, sobre a porção dos rendimentos do executado a ser penhorada, com o intuito de equilibrar a eficácia da execução e o princípio da menor onerosidade para o devedor.

Portanto, o artigo 833, parágrafo 2 do Código de Processo Civil mostra-se inadequado às realidades econômicas do Brasil e necessita de reforma para garantir uma melhor efetividade no acesso à justiça, conferindo ao magistrado o poder e o dever de decidir de acordo com as circunstâncias específicas de cada caso. Diante das particularidades de cada processo, cabe ao juiz determinar a quantia do patrimônio do executado passível de penhora, visando garantir a satisfação do crédito sem prejudicar a subsistência digna do devedor e de sua família. 70

Com o objetivo de alcançar tal resultado, a revisão da redação desse dispositivo legal deve incluir uma regra que possibilite ao juiz relativizar a hipótese de impenhorabilidade do salário (em sentido amplo) do devedor diante da situação específica, o que contribuirá para aumentar a eficácia na busca pela execução da tutela pelo credor, tarefa cada vez mais difícil nos tribunais brasileiros.

CONCLUSÃO

O Código de Processo Civil de 2015 introduziu várias inovações, incluindo a redação do parágrafo 2 do artigo 833, que permite a penhora do salário do devedor acima de 50 salários mínimos.

Antes de abordar o tema principal, é importante explorar conceitualmente o processo de execução, bem como sua história. A execução civil existe desde o Império Romano, através da actio iudicati, ação de execução que só começava após o reconhecimento do crédito por uma sentença proferida pelo juiz, mais tarde substituído pelo Pretor.

Ao longo da evolução dessa ação, ocorreram várias mudanças procedimentais, como a necessidade de ações separadas para iniciar a execução, o que impactou o direito brasileiro. 

Neste caso, o Estado não apenas tem a responsabilidade de proteger os direitos, mas também de realizar ações que visam concretizar efetivamente o direito do credor descrito no título executivo.

As formas pelas quais o credor pode buscar a efetivação de seu direito, conforme estabelecido pelo Código de Processo Civil, são o cumprimento de sentença e o processo de execução. O cumprimento de sentença é baseado em títulos executivos judiciais, enquanto o processo de execução se baseia em títulos executivos extrajudiciais, como notas promissórias e cheques.

A penhora é o principal ato pelo qual o Estado obtém a quantia necessária para o pagamento forçado de uma dívida vencida e não paga, sendo um meio pelo qual o Poder Judiciário identifica um bem ou uma quantia específica do devedor para futura expropriação (A transferência de bens ou valor do patrimônio do devedor para o patrimônio do credor).

Essa restrição se fundamenta nos princípios da menor onerosidade da execução, dignidade e do mínimo existencial, servindo como um mecanismo de proteção dos bens do devedor. Alguns bens são expressamente excluídos da possibilidade de penhora por determinação legal ou constitucional.

Uma das formas de proteção ao patrimônio do devedor é a impenhorabilidade do salário, estabelecida no art. 833, IV do CPC/15, que antes era considerada absoluta conforme o CPC/73.

Durante o período de vigência do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu a interpretação de que a remuneração, salários, proventos e subsídios do devedor não são completamente impenhoráveis em casos de execução civil de dívidas não alimentares.

Essa interpretação permite a penhora parcial desses valores, desde que não afete a dignidade e o sustento básico do devedor e sua família. Isso resulta em uma maior eficácia nos processos de execução de dívidas não alimentares, garantindo que o credor receba o valor devido, mesmo que seja necessário penhorar parte do salário do devedor quando este não possui outros bens penhoráveis disponíveis. 

Este aparelho, no entanto, mostra-se completamente ineficaz para o cenário financeiro do povo brasileiro. De acordo com pesquisas realizadas pelo IBGE, como demonstrado neste documento, a renda média mensal do brasileiro é de R$ 3.118,66; para aqueles que recebem benefícios da previdência pública ou privada, é de R$ 1.056,85. Além disso, somente 2,7% das famílias receberam mais de 25 salários mínimos entre os anos de 2017 e 2018.

Portanto, conclui-se que a parcela de brasileiros (sem levar em conta a renda familiar) que recebem mais de 50 salários mínimos e que estão envolvidos em processos judiciais de execução civil contra si é ainda mais pequena.

Nos tribunais, as taxas de congestionamento nos processos de execução aumentam a cada ano. Em 2017, essa taxa foi de 85% para Execução Extrajudicial não fiscal e 70,7% para Execução Judicial Não-Criminal. Ou seja, um número significativo de casos de execução fica pendente sem solução. 

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 1THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 51ª ed. rev. atual. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 44.