LEITURA E ESCRITA: INSTRUMENTO DE REPRODUÇÃO DAS CONDIÇÕES DESIGUAIS OU PODER EMANCIPADOR DA EJA EM UMA ESCOLA EM LINHARES/ES

READING AND WRITING: INSTRUMENT FOR REPRODUCTION OF UNEQUAL CONDITIONS OR EMANCIPATING POWER OF EJA AT A SCHOOL IN LINHARES/ES

LECTURA Y ESCRITURA: INSTRUMENTO DE REPRODUCCIÓN DE CONDICIONES DE DESIGUALDAD O PODER EMANCIPADOR DE EJA EN UNA ESCUELA DE LINHARES/ES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7427428


Cícera Isaany Chaves Batista1
Dr. Sebastião Pimentel Franco2


RESUMO

Esse artigo teve por objetivo analisar as relações existentes entre o nível de leitura e escrita dos alunos da Educação de Jovens e Adultos – EJA – e suas relações com a reprodução das condições de desigualdade social ou de emancipação dos indivíduos. A EJA é uma modalidade de ensino que tem, na sua implementação, a função reparadora, que prevê a inserção do aluno jovem e do adulto no meio escolar, oferecendo ensino de qualidade; e a função equalizadora, que prevê oportunidades iguais para todos, inclusive tendo acesso a novas formas de trabalho e cultura. A pesquisa foi desenvolvida a partir do método indutivo, com características de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida em três fases: primeiramente, fez-se uso de uma revisão bibliográfica; a seguir, buscou-se os dados coletados na escola pela professora regente, em atividades de leitura e escrita; por fim, seguiu-se a análise e discussão dos dados. A pesquisa demonstrou que a EJA é um dos campos fundamentais de atuação social como medida de diminuição das desigualdades sociais. Contudo, muitas vezes, não dá conta do papel que lhe cabe nesse contexto, mesmo sendo um compromisso com aqueles que não tiveram acesso à educação na idade própria. Portanto torna-se um desafio quando se pensa em uma prática educativa que garanta os conhecimentos mínimos às necessidades e aos direitos dos alunos sujeitos do processo, isso porque a prática educativa, como toda ação humana, é uma prática política e, como tal, está repleta de intencionalidade.

Palavras-chave: Leitura. Escrita. Desigualdade. Emancipação.

ABSTRACT

This article aimed to analyze the existing relationships between the reading and writing level of students of Youth and Adult Education – EJA – and their relationships with the reproduction of conditions of social inequality or emancipation of individuals. EJA is a teaching modality that has, in its implementation, the restorative function, which provides for the insertion of young and adult students in the school environment, offering quality education; and the equalizing function, which provides equal opportunities for all, including access to new forms of work and culture. The research was developed from the inductive method, with characteristics of a qualitative research, developed in three phases: first, a bibliographic review was used; next, we looked for data collected at school by the teacher in charge, in reading and writing activities; finally, the analysis and discussion of the data followed. Research has shown that EJA is one of the fundamental fields of social action as a measure to reduce social inequalities. However, it often does not realize its role in this context, even though it is a commitment to those who did not have access to education at the appropriate age. Therefore, it becomes a challenge when one thinks of an educational practice that guarantees the minimum knowledge of the needs and rights of the students who are subject to the process, because the educational practice, like every human action, is a political practice and, as such, is full of intentionality.

Keywords: Reading. Writing. Inequality. Emancipation.

RESUMEN

Este artículo tuvo como objetivo analizar las relaciones existentes entre el nivel de lectura y escritura de los estudiantes de Educación de Jóvenes y Adultos – EJA – y sus relaciones con la reproducción de condiciones de desigualdad social o emancipación de los individuos. EJA es una modalidad de enseñanza que tiene, en su implementación, la función reparadora, que prevé la inserción de jóvenes y adultos en el medio escolar, ofreciendo una educación de calidad; y la función igualadora, que brinda igualdad de oportunidades para todos, incluido el acceso a nuevas formas de trabajo y cultura. La investigación se desarrolló a partir del método inductivo, con características de una investigación cualitativa, desarrollada en tres fases: primero, se utilizó una revisión bibliográfica; luego, buscamos datos recogidos en la escuela por el docente a cargo, en actividades de lectura y escritura; finalmente, siguió el análisis y discusión de los datos. La investigación ha demostrado que EJA es uno de los campos fundamentales de la acción social como medida para reducir las desigualdades sociales. Sin embargo, muchas veces no se da cuenta de su papel en este contexto, aunque se trata de un compromiso con quienes no tuvieron acceso a la educación en la edad adecuada. Por tanto, se convierte en un desafío cuando se piensa en una práctica educativa que garantice el conocimiento mínimo de las necesidades y derechos de los estudiantes sujetos al proceso, porque la práctica educativa, como toda acción humana, es una práctica política y, como tal, está llena de intencionalidad.

Palabras clave: Lectura. Escritura. Desigualdad. Emancipación.

INTRODUÇÃO

A leitura e a escrita são competências essenciais e se configuram como um direito universal dos seres humanos e todos deveriam dominar essas competências. Todavia a alfabetização não é um processo que todos concluem com sucesso. E, mesmo assim, as práticas de leitura e escrita são um pré-requisito para viver em sociedade, pois são ferramentas essenciais para ingressar no mercado de trabalho, por exemplo. 

Fato é que a aquisição dos conhecimentos básicos de leitura e escrita contribuem para a isonomia entre indivíduos, colocada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Artigo 5°, diz também que deve ser respeitada no campo educacional, preferencialmente, pois é através da educação que os indivíduos podem adquirir condições iguais de ascensão social. Porém, na prática, atuando na função de pedagoga na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), identifiquei diversos casos e relatos de alunos que avançaram para as etapas dos anos finais do Ensino Fundamental, sem possuir domínio dos conhecimentos prévios básicos de leitura e escrita exigidos para cursarem tais etapas da Educação Básica. 

No contexto ora apresentado, as especificidades das políticas da EJA despertam muitas inquietações diante da realidade que se apresenta no cotidiano das escolas, onde se percebe que há uma luta cotidiana pela apropriação da capacidade de ler e escrever por parte da população, doravante, já excluída e marginalizada socialmente. Pois ler e escrever servem como instrumento vital para permitir que uma pessoa empregue conhecimento e informação para sua vida prosperar, oferecendo, portanto, uma oportunidade generosa para o exercício consciente dos direitos humanos e das liberdades fundamentais proclamadas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A situação relatada anteriormente expõe que a escola do século XXI apresenta desafios inquestionáveis no que tange à formação dos sujeitos da EJA. Nos dizeres de Sandra Mara de Lima Silva Abrantes (2018, p. 15): “[…] são preocupantes os resultados de aprendizagem desses alunos [EJA] nas escolas brasileiras”. Nesse contexto, esta pesquisa se propõe identificar se o nível de leitura e escrita dos alunos da EJA, matriculados nos anos finais do Ensino Fundamental, no 2º semestre/2021, de uma escola do município de Linhares, no estado do Espírito Santo, contribui para a emancipação dos sujeitos ou com o aumento das desigualdades sociais.

Visto que a “[…]  a ineficiência em leitura e escrita de uma porcentagem significativa de alunos egressos das escolas públicas acende um sinal vermelho para os processos de ensino aprendizagem” (ABRANTES, 2018, p. 15). Assim, cabe questionar se dados meramente quantitativos aferirão, efetivamente, o que se passa nas escolas na prática. 

Para a UNESCO (2003, p. 07): “[…] o analfabetismo está comprometendo o futuro do Brasil” e “[…] a falta de estudos teóricos, qualitativos, sobre o processo de aprendizagem dos adultos é outro grande fator de limitação do sucesso dos programas” (ABRANTES, 2018, p. 15). De tal modo, faz-se necessária a reflexão sobre a importância da escola na reprodução das desigualdades sociais por meio do ensino, sendo mister entender de que modo, em uma mesma sociedade, prega-se a valorização e o respeito às diferenças, mas limita-se o conhecimento a padrões de unidade. 

Percebe-se, a princípio, que as práticas educacionais instituídas pelo Estado – que constituem a educação no país – preconizam o exercício de uma proposta idealizadora, teórica e pouco associada à prática. Há interesses políticos e econômicos que se projetam sobre a educação? Existe uma ideia de que não existe coisa alguma de social na educação, da qual não compactuo. Acredito em possibilidades de educação que devem ser ofertadas a todos e em igual situação que propicie a aprendizagem. Tal reflexão torna-se fundamental no campo da alfabetização na modalidade EJA, visto a realidade de milhares de jovens e adultos brasileiros que buscam uma melhoria de vida através de uma formação educacional e profissional, que deve ser oferecida com qualidade em todo o território nacional, e que, no entanto, se apresenta deficitária. 

Ao longo desse desenvolvimento metodológico, a classificação da pesquisa que ora se propôs utiliza o método indutivo e se caracteriza como qualitativa. A pesquisa iniciou-se com uma revisão bibliográfica, embasada em Amartya Sen, István Mészáros, Luís Carlos de Oliveira Paulo, Miguel Gonzáles Arroyo e outros pesquisadores da área. Outra etapa foi desenvolvida com alunos da EJA, matriculados em quatro turmas do ensino fundamental anos finais. E a atividade de aferição da leitura e produção textual foram aplicadas pela professora regente das turmas, durante uma aula de Língua Portuguesa que durou 60 minutos, no início do segundo semestre letivo de 2021. E, a análise das produções dos alunos foram embasadas na teoria de Laurence Bardin cuja abordagem epistemológica se dá por meio da análise de conteúdo, que é uma forma de tratamento em pesquisas qualitativas.

Espera-se que este estudo possa auxiliar pesquisadores no âmbito acadêmico e social, como fonte para futuras pesquisas, além de contribuir com os gestores trazendo informações que possam ser utilizadas para implementar políticas mais efetivas no âmbito da qualidade da educação pública da modalidade EJA.

Nessa perspectiva, propõe-se, analisar as relações existentes entre o nível de leitura e escrita dos alunos da EJA de uma escola da rede estadual localizada no município de Linhares – ES, matriculados nos anos finais do Ensino Fundamental, no segundo semestre do ano letivo de 2021, e suas relações com a reprodução das condições de desigualdade social ou poder emancipador.

DESENVOLVIMENTO

A EJA, no Brasil, é uma modalidade de ensino ofertada às pessoas que se encontram fora da idade regular de ensino. Isso ocorre seja por serem analfabetas seja por estarem formalmente em descompasso com seu ciclo de ensino do ponto de vista temporal. Nesse viés, por algum problema, tiveram que deixar de frequentar os bancos escolares ou ainda, abandoná-los, não raras vezes, como afirma Luís Carlos de Oliveira Paulo (2014), para servirem como gestoras financeiras de seus familiares no sustento e na manutenção de seus lares. 

Nas palavras de Miguel Gonzáles Arroyo (2007, p. 19), “[…] o campo da Educação de Jovens e Adultos tem uma longa história”. Assim, passemos a descrever o histórico da EJA, a fim de compreender sua trajetória no Brasil, desde o período colonial, quando o ensino básico foi “instituído a partir da educação jesuíta” (ABRANTES, 2018, p. 11), até os primórdios das políticas públicas instituídas para essa modalidade de ensino. Não sem antes, porém, apresentar os sinais de despreocupação com a educação brasileira no início da colonização e a perpetuação das desigualdades sociais nessa trajetória de carências educacionais.

EDUCAÇÃO BRASILEIRA E A PERPETUAÇÃO DAS DESIGUALDADES

A qualidade da educação brasileira não pode ser entendida sem uma análise histórica das condições sob as quais a mesma se desenvolveu ao longo dos anos.  E, na visão Everton Aparecido Moreira de Souza (2018, p. 155), a “[…] educação de qualidade no Brasil sempre foi reservada a uma elite dominante, excluindo, assim, todo o resto do contingente populacional”.  Em outras palavras, o autor traz que, historicamente, a educação no Brasil é fortemente marcada pelo binômio elitismo e exclusão.

Segundo Ana Maria Araújo Freire (1989), a história da educação, no Brasil colônia, estabeleceu-se em uma estrutura agrícola, sobre o tripé: escravidão negra, latifúndio e regime colonial. E, “[…] nesse primeiro período houve, não com a intensidade do período posterior, uma incipiente atividade catequética por parte dos franciscanos” (SOUZA, 2018, p. 16). E com raríssimas exceções à intervenção dos jesuítas, no país, não havia um sistema educacional.

A educação brasileira, de certa forma, sofreu um revés no final do século XVIII. Isso porque, em 1759, o rei D. José I e o seu ministro Marques de Pombal entraram em conflito com os jesuítas, expulsando-os de Portugal e também de suas colônias. É verdade que a Coroa portuguesa, ao expulsar os jesuítas, chamou para si a responsabilidade com a educação, criando, para tanto, um imposto sobre determinados produtos, chamado de Subsídio Literário, que deveria cobrir os gastos com a educação. Criou ainda, as chamadas aulas régias

Essa reforma de Pombal desestruturou a organização jesuítica e, na visão de Freire (1989), trouxe alguns benefícios no campo educacional para Portugal, mas, para o Brasil, redundou em retrocesso, pois ficamos quase treze anos à frente sem escolas, substituídas pelas aulas avulsas, dadas, na maioria das vezes, por professores improvisados. 

Dessa forma, “[…] no período Joanino, continuaram as aulas avulsas no nível secundário e as aulas de ler e escrever”, afirma Freire (1989, p. 44). Aulas estas que cresceram em quantidade devido à ampliação dos serviços públicos. No entanto, na visão de Souza (2018), mudou pouca coisa, e a educação brasileira continuou voltada para a pequena elite agrária visando manter a hegemonia política da família.

Com a independência da nação, “[…] Pedro I, em 1823, lançou um concurso que tinha como objetivo fomentar a criação de um plano educacional” (SOUZA, 2018, p. 18), que não foi bem aceito. “Com efeito, algum tempo depois, a Constituição de 1824, no Artigo 179, limitou-se a dizer que a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos” (SOUZA, 2018, p. 18). Mas, é importante esclarecer que, os preceitos constitucionais instituídos não foram cumpridos (FREIRE, 1989), pois a Lei vigente não garantia a todos os brasileiros o acesso à educação primária, visto que, na estrutura daquela sociedade, negros e escravos alforriados não eram considerados cidadãos, também não incluía as mulheres nem todos os filhos dos senhores.

A Lei 15 de outubro, primeira lei educacional do país, foi outorgada no ano de 1827 e determinou a criação de Escolas de Primeiras Letras que tinha como foco a rápida alfabetização e escolarização básica no país (SOUZA, 2018).  Aqui também cabe a reflexão de que quem tinha acesso verdadeiramente à escola eram os meninos, filhos dos senhores, já as mulheres e os escravos continuavam alijados. 

E, na visão do Souza, “[…] para um país que há pouco tempo não passava de uma colônia de exploração, uma lei como essa sinalizava que as mudanças rumo ao progresso estavam a caminho” (2018, p. 18). Mas é preciso considerar que o que estava na lei não garantia educação para todos, o acesso à escola continuou excludente.  Nas palavras de Sebastião Pimentel Franco (2001, p. 213), “se, por um lado, aumenta a oferta da escola, por outro lado, a maior parte da população continua marginalizada dos benefícios dessa escolarização”.

Em uma outra fase histórica, com a Proclamação da República, a educação básica, a instrução popular foi mantida sob responsabilidade das antigas províncias, agora transformadas em estados (SOUZA, 2018). Contudo as massas populares, no que concerne à educação, afirma Ferreira Jr. (2010), continuou a ser um ensino elitista, na medida em que os filhos dos ex-escravizados e os brancos pobres ficaram excluídos da escolaridade.

Na Era Vargas, no que tange aos processos educacionais, segundo Souza (2018), continuaram favorecendo os filhos da elite. E, com o fim desse período e início da nova República, uma reforma educacional foi realizada pelos burgueses dominantes, afirma Souza (2018, p. 25), “[…] justamente para que a grande camada popular pudesse sonhar com acesso à educação, não uma educação transformadora social, mas sim uma educação para o trabalho proletário, para o encaixe social já predeterminado pelas elites”.

No período militar, em termos gerais, entende-se que a tendência educacional atualmente dominante no Brasil, é aquela que nós poderíamos chamar de concepção produtivista de educação. Ficando evidente a subordinação da educação ao desenvolvimento econômico, em que os processos educacionais estão sempre sendo colocados a serviço dos interesses da classe dominante (ARROYO, 2007). E cabe destacar que o campo da educação de jovens e adultos, nas palavras de Arroyo (2007, p. 40), “sempre trouxe uma instigação política”.

Dando um salto para a década de 1980, o que se propôs para a educação foi tentar superar os limites da crítica acima apontada, uma crítica ferrenha à tese que liga educação com o desenvolvimento do capitalismo de produção. Todavia, tendemos a concordar com Dermeval Saviani (2011), quando trazem que, desde o período da colonização, até os dias atuais, a educação oferecida para as elites é uma e para as camadas mais populares, outra. 

E, nesse contexto de desigualdade na oferta do ensino à população, passamos a entender o contexto histórico da educação de jovens e adultos no Brasil para compreender sua complexidade, porém, sem abarcar todos os detalhes dessa totalidade que a explica.

PRETENSÕES DO ENSINO DE LEITURA E ESCRITA

O mínimo que se espera do alunado dos anos finais do Ensino Fundamental é estarem alfabetizados, e, melhor seria, se tais sujeitos estivessem, também, letrados, para conseguirem acompanhar e evoluir em novos conhecimentos. Nos dizeres de Alâne Batista dos Santos (2015, p. 127):

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o ensino Fundamental (doravante PCNs) postulam sobre a necessidade de níveis de leitura e escrita diferentes das que eram utilizadas em tempos atrás, pois as demandas sociais também são diferentes hoje.

Nos dias atuais, as atividades de leitura e de escrita, segundo Santos (2015), estão no cerne do ato de ensinar, ocupam o lugar principal das nossas práticas educacionais.

Dessa forma, ler estende-se desde a habilidade de simplesmente traduzir em sons sílabas isoladas, até habilidades de pensamento cognitivo e metacognitivo; inclui, entre outras habilidades: a habilidade de decodificar símbolos escritos; a habilidade de captar o sentido de um texto escrito; a capacidade de interpretar sequências de ideias ou acontecimentos, analogias, comparações, linguagem figurada, relações complexas, anáfora; e ainda habilidades de fazer predições iniciais sobre o significado do texto, de construir o significado combinando conhecimentos prévios com as informações do texto, de controlar a compreensão e modificar as predições iniciais, quando necessário, de refletir sobre a importância do que foi lido, tirando conclusões e fazendo avaliações (SOARES, 1995, p. 06).

A natureza da leitura está ligada à compreensão das imagens que encontramos extra muros da escola, no mundo em que somos avassalador pelas letras e símbolos, para muitos, complexos de decifrar. Pois que, para Freire (2001, p. 261):

Ler é procurar buscar criar a compreensão do lido; daí, entre outros pontos fundamentais, a importância do ensino correto da leitura e da escrita. É que ensinar a ler é engajar-se numa experiência criativa em torno da compreensão. Da compreensão e da comunicação.

 A leitura auxilia no desenvolvimento e na personalidade do indivíduo, sendo preponderante para o aluno no processo de aquisição de conhecimentos, para uso dos meios de comunicação e socialização.

Emília Ferreiro (2002), no que corresponde à democratização da leitura e da escrita, afirma que os problemas da alfabetização tiveram início quando se decidiu que escrever não é uma profissão, mas uma obrigação, e que ler não era marca de sabedoria mas de cidadania. Isso porque, “[…] enquanto o ato de ler e escrever não passou a ser instrumento de cidadania, a ideia de fracasso não existia” (LEITE, 2007, p. 218). Mas, nos tempos modernos, “[…] o domínio da escrita manifesta-se como um instrumento de poder, de inserção social, de afirmação de estar no mundo das práticas letradas” (SANTOS, 2015, p. 131). Um mundo cada vez mais complexo e globalizado corresponde a exigências maiores de educação, elevando o limiar das exclusões sociais.

E, apesar da necessidade das competências de leitura e de escrita para se inserir num posto de trabalho, fato é que estamos longe de ter políticas de alfabetização na idade certa, leitura e escrita para a maioria da população, entendidas como políticas de cultura, capazes de garantir a efetivação do direito de acesso à leitura e à escrita, disseminando a produção existente e assegurando que todos se tornem produtores de escrita (KRAMER, 2010). Assim, “[…] transfere-se do social para o individual a responsabilidade pela inserção profissional dos indivíduos. Acrescenta Pino (2011, p. 81) que “[…] desta forma, a educação sai da esfera do direito social e passa a ser uma aquisição individual, uma mercadoria que se obtém no mercado segundo os interesses de cada um/a e a capacidade de cada um/a obter o que quiser”. Contudo, como bem destaca Kramer (2010), garantir o acesso à leitura e à escrita é direito de cidadania. E é certo que a escola tem um papel importante a desempenhar na concretização desse direito, contribuindo na construção do conhecimento de crianças e adultos.

PROBLEMATIZAÇÃO DA REALIDADE

As práticas de leitura e escrita são uma parte importante da atividade de comunicação dos indivíduos, que permite aos usuários, na interação, não apenas a decodificação de conteúdos semânticos, mas também estabelecer uma socialização de acordo com as práticas culturais.

O que vamos considerar nesta pesquisa é o resultado de uma avaliação diagnóstica de leitura e escrita realizada pela professora regente. Esse resultado trouxe a clarificação da situação diferente em relação ao nível de leitura e escrita, de alunos da mesma etapa. Porém, o mais emergente, cabe ressaltar, a existência de alunos analfabetos chegando às etapas de anos finais do ensino fundamental da EJA, ou seja, quando já estiverem matriculados no ensino regular. Isso impulsionou fortemente a reflexão sobre esse tema.

Através da prática de leitura, o sujeito consegue entender e dar sentido ao que lê, no contexto de interpretação, no sentido de extrair informações. A prática de leitura, segundo Letícia Priscila Pacheco e Lilian Cristine Hübner (2021, p. 60), “[…] é uma porta de entrada para a informação, instigando questionamentos e, dessa forma, ampliando os  horizontes do conhecimento”. Assim sendo, destacamos que a importância da leitura no nível social é imensa e complexa. 

Ao decifrar as informações sobre a interação do leitor com o texto, no quadro 2, apresenta-se a análise da leitura de estudantes da 5º à 8º etapas da EJA, ensino fundamental, anos finais, em relação ao processo de leitura no que tange à questão fluência e compreensão da mensagem lida.

Quadro 1 – Avaliação da leitura.

Fonte: elaboração própria.

Por meio dos dados, verifica-se o quanto o ensino tem sido deficitário, confirmando o que afirmam Pacheco e Hübner (2021, p. 59): “O analfabetismo e a baixa escolaridade seguem repercutindo atualmente, nos baixos índices de acerto em tarefas de leitura”. E que muitos alunos, embora saibam ler, não utilizam essa competência com maestria.

Os dados do quadro 2 retratam uma condição de analfabetismo em pelo menos 4 alunos (jovens e adultos) que cursam as séries dos anos finais do ensino fundamental, sendo que dois deles já estão no último ano dessa modalidade, ou seja, se preparando para o ensino médio. É importante destacar que nenhum deles apresentou laudo médico para condições especiais de ensino. 

Há que se pensar que todo o conhecimento adquirido dentro do espaço escolar durante anos em nada significou para modificar o nível de aprendizagem da leitura de três alunos, posto que o conhecimento verificado em 23 alunos, sujeitos da pesquisa, eles não conseguiram ler. Outros quatro alunos estão no nível de leitura e compreensão de palavras; dois deles estão lendo frases sem fluência e com compreensão. Quatorze é o número de estudantes que conseguiram ler frases inteiras com fluência e compreensão da mensagem lida. Sendo estes últimos os que podemos considerar que estão com uma boa proficiência em leitura, isso quer dizer que estes estudantes “são capazes de identificar as ideias principais em textos de comprimento moderado, identificar informações com base em critérios explícitos, também em alguns critérios complexos e refletir sobre o propósito e formato destes textos” (PACHECO; HÜBNER, 2021, p. 59). 

Para ler é preciso dominar a relação entre imagens e sons, isso é, entre grafemas e fonemas, para se produzir significação ao ato. E, mesmo se contarmos o tempo de afastamento de alguns alunos com mais idade, um fator importante a considerar, quando se adentra na análise de indivíduos da EJA, deve ser considerado que não haveria um encolhimento do processo de aquisição da leitura após construída as etapas de conhecimento de alfabetização e letramento, pois, depois que esse conhecimento é acessado, não ocorre um esquecimento. O que pode ocorrer, com o desuso, é o esquecimento da pronúncia de algumas palavras, mas, o resultado aponta para alunos que chegaram à 5ª e até 8ª etapas do ensino fundamental anos finais, sem domínio da leitura e da compreensão de palavras, alguns sem conhecimento do alfabeto. 

Esse reconhecimento básico da situação exposta tem um alcance notável e implicações poderosas, pois que, ao considerarmos o processo avaliativo e de avanço do sistema de ensino brasileiro, esse fato de alunos avançarem sem o domínio das competências básicas, era pra ser impossível. Isso porque, se os alunos tivessem sido, dentro dos limites da escola, avaliados pelos docentes do ensino fundamental anos iniciais e demais membros da comunidade escolar, quanto aos domínios das habilidades e das competências, como os teriam avançado até esta etapa? 

Deveras que, nesse período de pandemia do Covid-19, a escola esteve submetida a restrições e regras excepcionalmente criadas para o período pandêmico no que tange à questão do avanço escolar. Nesse molde, pode ser que a natureza desses avanços definem-se por fatos e questões complexas suscitadas pela pandemia, mesmo que esse avanço de série/etapa não signifique um avanço no nível de aprendizado do alunado.

Contudo não se trata somente do avanço, posto que:

[…] será o conhecimento o elemento necessário para transformar em realidade e ideal da emancipação humana em conjunto com uma firme determinação e dedicação dos indivíduos para alcançar, de maneira bem-sucedida, a emancipação da humanidade (MESZÁROS, 2008, p 47).

O avanço sem a devida aquisição do conhecimento e da habilidade que constitui a qualificação do aluno para seguir nas próximas etapas não o emancipa, ao contrário, aliena o indivíduo e pode ser um dos fatores que vai conduzi-lo à evasão subsequente. 

Sobre a alienação do indivíduo e objetivo dos que lutam contra, Meszáros (2008) afirma que a educação poderia ser uma alavanca essencial para a mudança. Todavia, se alunos que passaram por um sistema regular de ensino, e, após se afastarem, retomam os bancos da EJA e seguem avançando as etapas sem aquisição do mínimo de conhecimento para lutar contra sua própria alienação, a quem está servindo esse sistema educacional?

E o próprio Meszáros (2008, p. 73) responde que: “Vivemos numa ordem social na qual mesmo os requisitos mínimos para a satisfação humana são insensivelmente negados à esmagadora maioria da humanidade”. Se esse indivíduo está buscando uma nova condição para o trabalho, esse avanço escolar sem domínio da leitura em nada irá contribuir para uma melhor colocação ou reinserção num posto de trabalho.

A leitura está ligada a um processo de visualização, como em um espelho. Ler vai muito além de palavras escritas, é também um recurso de enxergar a leitura oferecida através da vivência cultural de cada um. As dificuldades de hoje, no nível de leitura, de uma parte dos alunos da EJA que chegaram aos anos finais do ensino fundamental foram escancaradas, o que reduz o estigma de fracasso do indivíduo e passa a nos fazer considerar um coletivo de indivíduos que precisam ser revistos e reinseridos dentro do próprio sistema educacional.

“Abrindo o leque dos efeitos do desenvolvimento da leitura, destacamos o impacto do desenvolvimento desta habilidade na cognição humana” (PACHECO; HÜBNER, 2021 p. 60). Se munidos do poder de ler, as pessoas conseguem alcançar outros horizontes, maior mobilidade social, é correto dizer que a falta dessa competência pode estar relacionada ao aprofundamento da exclusão social.

 E um outro ponto a ser valorizado numa boa base de leitura é que isso pode ser âncora para iniciar e conduzir um bom processo de avanço na escrita, pois a leitura possibilita a construção de novos conhecimentos para serem utilizados na produção da escrita. E, já adentrando nesse mérito, após a análise do resultado de leitura, foram encadeadas as análises da produção do texto escrito, cuja orientação demandava a produção de um texto argumentativo e descritivo de próprio punho, que abordasse a prevenção do Coronavírus em decorrência de, naquele período, e ainda hoje, estarmos vivenciando essa questão das ações preventivas do vírus. Posto que a produção textual é sempre o resultado de algum tema previamente discutido em que o aluno sistematiza sua percepção sobre o tema.

Ao propor a atividade de escrita da produção textual, a professora estava interessada em avaliar se este aluno(a) sabia escrever de acordo com as regras da língua padrão. Os dados do quadro 3 apresentam os resultados dos alunos em relação ao planejamento dessas produções.

Quadro 2 – Planejando a produção do texto escrito. 

Fonte: elaboração própria.

Constatou-se que dos 23 alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental, 18 não planejam previamente sua escrita e consideram a situação comunicativa para apresentar sua habilidade de escrita. Se fossem estudantes do primeiro ciclo do ensino fundamental, esse perfil seria de um escritor iniciante, posto que está em uma habilidade prioritária aos alunos dos 1º e 2º anos do ensino fundamental nos anos iniciais.

Como se observa no quadro 4 sobre a escrita do texto, não há texto ou mensagem de um certo quantitativo de alunos, porque o nível de escrita está inferior ao que se exige nessas etapas, estão ainda na fase de alfabetização, numa condição de início da apropriação das letras e formação silábica das palavras.

Quadro 3 – Escrita do texto.

Fonte: elaboração própria.

A leitura e a escrita constituem como práticas sociais que comunicam para solucionar ou dar respostas a determinados problemas no que se refere ao acesso às práticas do mundo letrado. Que a escrita é importante e faz diferença na vida dos indivíduos, não resta dúvida. Mas, segue abaixo vasta e complexa rede de problemas de escrita apresentados por alunos que estão cursando os anos finais do ensino fundamental e que não possuem habilidades e competências satisfatórias. O que se percebe, nas palavras de Bourdieu (2008), é que existe um grupo de indivíduos que frequentaram o sistema escolar até idade o bastante para adquirirem uma relação cultural, mas sem obterem as habilidades e as competências no âmbito da leitura e da escrita.

CONCLUSÃO

A pesquisa abordou a EJA, desde os primórdios da Colonização, mostrando que a educação voltada para as massas sempre foi vista como um propósito para o desenvolvimento nacional e a capacitação para a mão de obra no sistema capitalista. E que, em 1945, ainda prevalecia um sistema educacional que excluía uma parcela da população, fazendo da escola um privilégio de poucos.

O início das grandes campanhas governamentais e movimentos populares que tinham como meta erradicar o analfabetismo no país, voltadas para uma educação para as massas, sem considerar o indivíduo e suas particularidades, trouxe às escolas o cenário que encontramos. Com uma grande seletividade social entre os alunos que são capazes de acompanhar ou não o ensino no tempo estimado, ou em outras palavras, alunos que estão cursando etapas as quais não possuem as habilidades e competências cognitivas para entender parcial ou plenamente o proposto. 

A pesquisa desvelou a questão de que a exclusão social não é um produto natural. E que a escola tem recebido um número de alunos cada vez menos preparados, sem muito a ver com o curso e as práticas da escola. Alunos cansados por trabalharem durante o dia, grande número de evasão; professores desmotivados, sem recursos didáticos pedagógicos adaptados para a realidade da EJA. Para vencer os desafios de leitura e escrita, é preciso vencer outras dificuldades.

Os dados da pesquisa trouxeram à tona um alto índice de alunos que estão deficitários com relação a habilidade de ler e de produzir um texto.

Há de se pensar na providência de uma nova metodologia de ensino que conduza os alunos ao aprendizado da leitura e da escrita como um despertar de significado para a vida. Que descortina a venda dos olhos para as mensagens que estão escritas mundo afora, sendo capaz de conduzi-los, também, à liberdade do pensamento e de processos de interações dinâmicas entre a mensagem que lhe chegam pela escrita e suas vivências culturais. Para isso, desde a explicação das matérias até os processos de avaliação dos alunos, é importante que sejam planejadas na condição em que se encontra o aluno, demonstrando reconhecimento e valorização pelo esforço que faz para permanecer na escola.

Além disso, percebe-se que os alunos que estão inseridos na EJA são portadores de semelhantes características em termos psicológicos, sociais e financeiros. Assim, assemelham-se quanto ao seu perfil socioeconômico e cultural assim como a proximidade no que tange à falta de recursos e condições para optarem pelo trabalho ao invés da educação no tempo proposto. Essas características contribuem para os fatores que ocasionam no fracasso escolar da EJA. 

Acreditamos que é possível e necessário, concomitante às lutas por melhores políticas educacionais na EJA, fazer algo efetivo, visando à melhoria da qualidade do ensino oferecido nas escolas. É esse o sentido do presente trabalho, para que parem de incluir estudantes no sistema escolar sem que se ofereça a qualidade necessária.

3A EJA é uma modalidade de ensino que, a princípio, possui três funções básicas: reparadora, que prevê a inserção do aluno jovem e adulto no meio escolar, inclusive oferecendo ensino de qualidade; a função equalizadora, que prevê oportunidades iguais para todos, inclusive tendo acesso a novas formas de trabalho e cultura; e a função qualificadora que está ligada à educação permanente, com base no caráter incompleto do ser humano e sendo esta “mais que uma função, é o próprio sentido da educação de jovens e adultos” (BRASIL, 2002). 

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1Mestranda do programa em Educação, Ciência e Tecnologia do Centro Universitário Vale do Cricaré. E-mail: may18bob@gmail.com 
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0410-2560
2Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo, Brasil; Professor voluntário da Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. E-mail: sp.franco61@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9537169486446367