REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11269009
Luiz Carlos Gorayeb Sucupira Fernandes1
Orientador: Marcelo Augusto Andrade de Oliveira2
RESUMO
O direito à liberdade de expressão não é um direito absoluto e, justamente por esse motivo, há inúmeros debates acerca desse tema, analisando quais seriam os seus limites. Entretanto, ao trazer essa liberdade para o meio artístico a tendência é o julgamento possuir uma subjetividade maior e por essa razão algumas obras humorísticas, por desagradar uma pessoa específica ou parte da sociedade, são levadas para análise do Poder Judiciário. O objetivo geral deste trabalho é analisar a limitação da atuação do Estado na delimitação de direitos fundamentais, em específico o direito à liberdade de expressão e artística em obras humorísticas. Trazendo para o objetivo principal deste trabalho a discussão e análise sobre se há limites no direito à liberdade artística, o poder moderador desta discussão acaba sendo o Poder Judiciário, que por vezes é acionado para decidir se no caso concreto há ou não uma transgressão ao limite do direito fundamental à liberdade de expressão e artística, se este direito ao ser utilizado feriu outro direito também detentor de garantias. Na referida pesquisa utilizou-se uma metodologia bibliográfica, sendo catalogada uma grande quantidade de informações disponíveis em obras científicas, literárias e processos judiciais. A primazia do debate é análise do contexto ao qual o caso está inserido, portanto podemos concluir que o show de humor possui seu público, público este que tem autonomia de vontade para querer frequentar e consumir esse tipo de conteúdo e impor limites criando padrões aceitáveis do que pode ou não ser dito seria estabelecer censura, cerceando o direito à liberdade de expressão e artística.
Palavras-chave: Liberdade de expressão; Liberdade Artística; Humor; Censura.
ABSTRACT
The right to freedom of speech is not an absolute right and, precisely for this reason, there are countless debates on the subject, analyzing its limits. However, when this freedom is brought into the artistic sphere, the tendency is for judgments to be more subjective and for this reason some humorous works, because they displease a specific person or part of society, are taken to the Judiciary for analysis. The general objective of this work is to analyze the limitation of state action in the delimitation of fundamental rights, specifically the right to freedom of expression and artistic freedom in humorous works. Bringing to the main objective of this work the discussion and analysis of whether there are limits on the right to artistic freedom, the moderating power of this discussion ends up being the Judiciary, which is sometimes called upon to decide whether or not in the specific case there is a transgression of the limit of the fundamental right to freedom of expression and artistic freedom, if this right when used hurts another right that also has guarantees. This research used a bibliographic methodology, cataloging a large amount of information available in scientific and literary works and court cases. The primacy of the debate is to analyze the context in which the case is inserted, so we can conclude that the comedy show has its audience, an audience that has the autonomy of will to want to attend and consume this type of content and to impose limits by creating acceptable standards of what can or cannot be said would be to establish censorship, curtailing the right to freedom of expression and artistic freedom.
Keywords: Freedom of expression; Artistic freedom; Humor; Censorship.
INTRODUÇÃO
O processo de judicialização do humor é um tema muito controverso por discutir a ponderação de valores entre o direito à liberdade de expressão e artística em detrimento a direitos fundamentais consagrados constitucionalmente. Por conseguinte, é necessário analisar alguns casos em que humoristas foram levados à justiça por fazerem piadas que de certa forma desagradou uma pessoa específica ou parte da sociedade, e este estudo trará alguns casos contemporâneos em que o poder moderador do Judiciário teve que decidir se obras humorísticas estavam ou não abarcadas pela garantia constitucional à liberdade de expressão e artística.
O primeiro capítulo aborda sobre a consolidação dos direitos fundamentais, explicando sobre as dimensões dos direitos fundamentais (os direitos de primeira, segunda e terceira dimensão) e como estes direitos foram vilipendiados durante o Regime Militar no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, até que voltassem a serem garantidos na Constituição Cidadã como ficou conhecida a Constituição Federativa da República Brasileira de 1988.
O segundo capítulo abordará três casos contemporâneos de obras humorísticas que foram discutidas perante o Poder Judiciário para decidir se há limite no humor quando este colide com outros direitos fundamentais. O primeiro caso é sobre a obra produzida pela produtora Portas dos Fundos intitulada “Especial de Natal: A Primeira tentação de Cristo” que abrange a liberdade de crença x liberdade artística; O segundo caso é sobre o processo movido pela cantora Wanessa Camargo contra o humorista Rafinha Bastos, quando este durante um programa jornalístico e humorístico transmitido em rede aberta de televisão fez uma piada sobre a cantora e o filho que estava aguardando na gravidez; E o terceiro caso que este trabalho irá abordar é sobre o humorista Léo Lins que sofreu uma ação movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por conta da sua obra intitulada “Perturbador”.
Por derradeiro, o último capítulo deste trabalho é uma análise do pensamento liberal do autor John Stuart Mill acerca da liberdade de expressão em sua obra “Sobre a Liberdade”.
É imprescindível o debate sobre o limite do humor e como o Poder Judiciário está tratando sobre este tema, visto que a liberdade de expressão e artística é um direito constitucionalmente garantido e basilar para o sistema democrático de direito, entretanto este direito não pode ser utilizado a despeito do cometimento excessos por não ser um direito absoluto, por isso, a análise jurisprudencial sobre casos semelhantes é de suma relevância para entender como surgiu o debate e como este direito ainda pode evoluir dentro do ordenamento brasileiro.
Diante desses pressupostos, estruturou-se a seguinte problemática: O processo de judicialização de obras humorísticas pode trazer problemas como a censura estatal e o cerceamento à liberdade de expressão e artística?
A hipótese do trabalho considera que há uma preponderância no direito à liberdade de expressão e artística quando se trata de obras humorísticas, devido a tamanha subjetividade do tema o Poder Judiciário sendo moderador pode causar censura criando padrões do que é lícito ou ilícito no campo artístico.
O objetivo geral deste trabalho é analisar a limitação da atuação do Estado na delimitação de direitos fundamentais, em específico o direito à liberdade de expressão e artística em obras humorísticas. Trazendo para o objetivo principal deste trabalho a discussão e análise sobre se há limites no direito à liberdade artística, o poder moderador desta discussão acaba sendo o Poder Judiciário, que por vezes é acionado para decidir se no caso concreto há ou não uma transgressão ao limite do direito fundamental à liberdade de expressão e artística, se este direito ao ser utilizado feriu outro direito também detentor de garantias.
Os objetivos específicos são: analisar no decorrer da história como a sociedade conseguiu adquirir o direito à liberdade de expressão e artística, enfrentando desde a superação do absolutismo até os movimento ditatoriais e descrever como hoje este direito está positivado no Brasil; Examinar se o Estado está utilizando de suas prerrogativas para institucionalizar padrões de definição do que é liberdade de expressão e artística ou ataque aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito; Analisar o pensamento do liberal John Stuart Mill sobre a liberdade de expressão.
Na referida pesquisa utilizou-se uma metodologia bibliográfica, sendo catalogada uma grande quantidade de informações disponíveis em obras científicas, literárias e processos judiciais, com objetivo de reunir informações e dados que servirão de base para análise a partir do tema.
1) Consolidação dos Direitos Fundamentais:
Desde o início dos tempos, a liberdade de expressão sempre foi o tormento dos donos do poder: do poder político, do poder econômico e do poder religioso. Uma conquista obtida lenta e paulatinamente no curso da história, que só começa a se afirmar, efetivamente, com as revoluções liberais. Desde a Independência, todas as Constituições brasileiras, a começar pela de 1824, asseguraram a liberdade de expressão. Desafortunadamente, sempre houve larga distância entre intenção e gesto, num dramático desencontro entre o discurso oficial e o comportamento dos governos. (BARROSO, Luís Roberto. p.1. 2020)
Um movimento contra ao autoritarismo Estatal na era do Absolutismo trouxe nos séculos XVII e XVIII, graças às teorias contratualistas um novo entendimento, baseado no poder do indivíduo perante o Estado. É nesse entendimento que Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2017, p. 134) apontam historicamente o início dos direitos fundamentais:
Nos séculos XVII e XVIII as teorias contratualistas vêm enfatizar a submissão da autoridade política à primazia que se atribui ao indivíduo sobre o Estado. A defesa de que certo número de direitos preexistem ao próprio Estado, por resultarem da natureza humana, desvenda característica crucial do Estado, que lhe empresta legitimidade – o Estado serve aos cidadãos, é instituição concatenada para lhes garantir os direitos básicos.
Essas ideias tiveram influência sobre a Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, e sobre a Declaração francesa, de 1789. Talvez, por isso, com maior frequência, situa-se o ponto fulcral do desenvolvimento dos direitos fundamentais na segunda metade do século XVIII, sobretudo com o Bill of Rights de Virgínia (1776), quando se dá a positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem, até ali mais afeiçoados a reivindicações políticas e filosóficas do que a normas jurídicas obrigatórias, exigíveis judicialmente.
A expressão ‘Direitos Fundamentais’ representa os direitos dirigidos às pessoas, positivados na ordem jurídica de seus respectivos Estados. De acordo com Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 95):
São direitos que vigoram numa determinada ordem jurídica, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os estabelece.
Complementando o entendimento, Figueiredo Dantas (2014, p. 270) explica os direitos fundamentais da seguinte forma:
Fundamentados no princípio da dignidade humana e diretamente relacionados com o Estado Democrático de Direito, dizem respeito às esferas de interesse essenciais ao gênero humano, destinando-se não só à tutela dos direitos individuais, como também dos direitos políticos, dos direitos sociais, culturais e econômicos, além dos direitos de fraternidade e de solidariedade.
Nas palavras de Paulo Bonavides sobre os critérios formais da caracterização dos direitos fundamentais, sintetizando o estudo de Carl Schmitt, primeiramente todos os direitos ou garantias nomeados e especificados na ordem constitucional podem ser intitulados de direitos fundamentais. E, os direitos fundamentais recebem da Constituição um grau elevado de garantia ou de segurança, podendo até ser imutáveis (unabänderliche) ou possuir um processo de mudança dificultada (erschwert), sendo os direitos que só podem ser alterados através de emenda à Constituição (Bonavides, 2017, p. 575).
As características dos direitos fundamentais que são adotadas pela doutrina são: universalidade, historicidade, indivisibilidade, imprescritibilidade, inalienabilidade, relatividade, inviolabilidade, complementaridade, efetividade e interdependência.
Os direitos fundamentais são imprescritíveis por não desaparecerem com o decurso do tempo. São inalienáveis na medida em que não possuem valores econômicos e não podem ser negociados e transferidos a outrem. São irrenunciáveis, em regra, ninguém pode renunciar ou negar direitos dados como fundamentais. São universais ao abranger todos os indivíduos independentemente de sua origem, raça, sexo, credo ou convicção político-filosófica. São relativos, pois nenhum direito é absoluto, embora universais, os direitos fundamentais podem ser relativizados perante cada caso concreto. Devem possuir efetividade e esta será garantida com o Poder Público tendo como objetivo principal garantir a efetivação desses direitos. E os direitos fundamentais possuem a complementaridade, tendo em vista que não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta. (Paulo e Alexandrino, 2017, p. 96-97)
Para entendermos o atual cenário que diz respeito aos direitos fundamentais, em especial o direito à liberdade de expressão e artística, é necessário trazer para o presente estudo o movimento histórico de consolidação destes direitos, embasado em aspectos inicialmente históricos, necessários para fundamentar o entendimento do tema para então nos debruçarmos nas questões contemporâneas que dizem respeito do cerceamento ou não dos direitos à liberdade de expressão e artística no Brasil.
Estudiosos dividem os direitos fundamentais em gerações ou dimensões, motivo pelo qual esses direitos não foram consolidados ao mesmo tempo na história, foram sendo positivados e garantidos ao longo da história de acordo com a demanda da sociedade de cada época.
Se hoje esses direitos parecem já pacíficos na codificação política, em verdade se moveram em cada país constitucional num processo dinâmico e ascendente, entrecortado não raro de eventuais recuos, conforme a natureza do respectivo modelo de sociedade, mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória que parte com frequência do mero reconhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros consensuais de efetivação democrática do poder. (Bonavides, Paulo. 2017, p. 577)
Inicialmente vale ressaltar que há uma discussão doutrinária a respeito dos termos “geração” e “dimensão” dos direitos fundamentais, visto que geração dá uma sensação que ao passar para uma próxima geração há uma evolução dos direitos anteriormente adquiridos, levando ao entendimento de que houve uma supressão dos direitos anteriores. Entretanto, quando se fala em direitos fundamentais, não há essa sobreposição de direitos e, portanto, utiliza-se o termo geração apenas para demonstrar os momentos históricos aos quais esses direitos foram garantidos, ademais os direitos fundamentais ficam preliminarmente divididos em três dimensões de acordo com o lema da revolução francesa, um dos marcos essenciais para a consolidação desses direitos: liberdade (1ª dimensão), igualdade (2ª dimensão) e fraternidade (3ª dimensão).
1.1) Direitos de Primeira Dimensão:
Os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos, consolidando as liberdades individuais, realçando assim a primeira dimensão com o princípio da Liberdade.
Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. (BONAVIDES, Paulo. 2017, p. 577)
A liberdade do indivíduo em face à opressão estatal era um dos principais alicerces dos direitos da Primeira Dimensão, positivando um direito que é natural do homem, assim como destaca Bonavides (2017, p. 576):
Os direitos do homem ou da liberdade, se assim podemos exprimi-los, eram ali “direitos naturais, inalienáveis e sagrados”, direitos tidos também por imprescritíveis, abraçando a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.
Caracterizados por impor ao Estado um dever de abstenção, uma obrigação de não fazer, dando foco à liberdade do homem, sem se preocupar, neste momento, com as desigualdades sociais. Esses direitos surgiram no final do século XVIII, como uma resposta do novo pensamento liberal contra ao Estado Absolutista.
Foram frutos das revoluções liberais francesas e norte-americanas, nas quais a burguesia reivindicava o respeito às liberdades individuais, com a consequente limitação dos poderes absolutos do Estado. Oponíveis, sobretudo, ao Estado, são direitos de resistência que destacam a nítida separação entre o Estado e a sociedade. Exigem do ente estatal, precipuamente, uma abstenção e não uma prestação, possuindo assim um caráter negativo, tendo como titular o indivíduo. (JÚNIOR, Diógenes e NOGUEIRA, José Eliaci. 2012)
Por possuírem uma exigência de intromissão abusiva dos Poderes Públicos na esfera privada dos cidadãos, esses direitos serviram e ainda servem para impor restrições à atuação do Estado e, por essa razão, são reconhecidos como os direitos negativos ou direitos de defesa (PAULO e ALEXANDRINO, 2017, p. 98).
Ratificando esse entendimento acerca do direito à liberdade ser um contraponto ao abuso e intromissão estatal, Paulo Bonavides (2017, p. 578) reforça que os direitos da primeira dimensão são direitos de resistência perante o Estado:
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.
Os direitos à liberdade, à propriedade, à vida, à liberdade de expressão, à liberdade de reunião, entre outros são direitos adquiridos nessa primeira dimensão.
1.2) Direitos de Segunda Dimensão:
Com o passar do tempo outro problema assolou a sociedade, a desigualdade social, com a Revolução Industrial trazendo uma industrialização acelerada, crescimento demográfico e a falta de normas positivadas que amparassem a população, geraram novas reivindicações. Entretanto, nessa dimensão dos direitos fundamentais que dominaram o século XX, a prestação do Estado é positiva, exigindo-se uma atuação direta do Estado na vida da sociedade a fim de diminuir as discrepâncias sociais. Nesse ponto Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2017, p. 135) sintetizam a segunda dimensão dos direitos sociais:
O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o État Gendarme, associado às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social. O ideal absenteísta do Estado Liberal não respondia, satisfatoriamente, às exigências do momento. Uma nova compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes Públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais. Daí o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguros sociais variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social. Como consequência, uma diferente pletora de direitos ganhou espaço no catálogo dos direitos fundamentais – direitos que não mais correspondem a uma pretensão de abstenção do Estado, mas que o obrigam a prestações positivas. São os direitos de segunda geração, por meio dos quais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer etc.
Os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais, econômicos e também os direitos coletivos. Surgiram a partir da reflexão antiliberal do século XX através das Constituições Marxistas assim como no constitucionalismo social-democrata, como por exemplo a de Weimar, sendo que esses direitos dominaram as Constituições após a Segunda Guerra Mundial. (BONAVIDES, 2017, p. 578)
1.3) Direitos de Terceira Dimensão:
Os direitos de terceira dimensão não foram concebidos para a proteção do homem em si, mas sim de coletividades e grupos, possuem característica da sua titularidade difusa ou coletiva. Dessa forma, situam-se na terceira dimensão os direitos à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural. Paulo Bonavides (2017, p. 583 e 584) pontua historicamente esses direitos:
Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
Após a abordagem das três dimensões dos direitos fundamentais, o destaque do excelentíssimo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello aborda resumidamente o que este trabalho trouxe neste capítulo para o estudo breve dos direitos e garantias fundamentais:
“enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” STF – Pleno – MS nº 22.164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Secção I, 17 nov. 1995, p. 39.206.
Abordado cronologicamente o estudo dos direitos fundamentais, como já explicado anteriormente, divididos em dimensões destes direitos, para melhor entendimento de como estes direitos foram de fato positivados e implementados, o estudo irá passar por um momento crucial na história brasileira acerca de direitos e garantias individuais, o Regime Militar.
Dessarte, como o objetivo do presente trabalho é trazer à tona se há limites para os direitos a liberdade de expressão e a liberdade artística, passando por este momento histórico que ficou conhecido por suas decisões autoritárias, ainda mais no campo artístico, havendo censuras e controle estatal em diversas obras musicais e teatrais.
1.4) Direitos à Liberdade de Expressão e Artística durante o Regime Militar no Brasil.
A censura consiste no exame e controle das informações e pensamentos a que são submetidos trabalhos artísticos ou informativos, com base em critérios morais ou políticos, para decidir sobre a conveniência de serem ou não liberados para apresentação ao público em geral. A prática da censura leva diretamente à perseguição política daqueles que desejam exercer sua liberdade de expressão. A arte é o reflexo da sociedade. Desse modo, busca-se identificar a arte como forma encontrada pela classe artística para expressar sua liberdade, mesmo que subliminarmente. Em um Estado Autoritário, a primeira liberdade a ser retirada da população é a liberdade de expressão. (PINHEIRO, Amanda Lima Gomes. p. 27. 2014).
O Regime Militar no Brasil teve seu início marcado quando tanques do exército brasileiro foram enviados para o Rio de Janeiro, na época o atual Presidente era João Goulart, no dia 31 de março de 1964. Após a saída do então atual Presidente, uma junta militar assumiu o poder do Brasil e no dia 15 de abril do mesmo ano o general Castelo Branco toma posse, sendo o primeiro presidente desse regime que começou em 1964 e perdurou até 1985.
“Anos de chumbo” é como ficou conhecida a fase de maior interferência nos direitos e garantias individuais durante o Regime Militar, quando foi instaurado o AI-5 em 1968. Ademais, na fase pré-AI-5 ainda existia alguma liberdade de expressão, direito à impetração de habeas corpus e entre os anos de 1964 e 1968 o cenário artístico com viés de esquerda chegou no seu ápice (NAPOLITANO, 2014).
Portanto, sem entrar na discussão dos porquês o Regime Militar foi instaurado, este trabalho ao analisar o direito individual e fundamental da liberdade de expressão do cidadão, a análise se dará após a implementação do Ato Institucional n° 5, marcado especialmente pelo cerceamento à liberdade de expressão, afinal segundo Napolitano (2014, p. 4) “É inegável que a fase pré-AI-5 ainda não era marcada pela censura prévia rigorosa e pelo terror de Estado sistemático contra opositores, armados ou não”.
Como já explicitado, os 04 (quatro) anos de Regime Militar mais brando foram cruciais para a construção de um momento que ficaria marcado pelos atentados aos direitos e garantias individuais, os “anos de chumbo” ficaram registrados pela perseguição política, desaparecimentos, tortura e cerceamento da liberdade de expressão, conforme afirma Marcos Napolitano (2014, p. 6):
Obviamente, não faltaram momentos de conflito entre o regime e os setores de oposição antes do AI-5, que muitas vezes redundaram em prisões, inquéritos policial-militares e atos censórios a obras artísticas. Mas nada próximo da violência sistemática e do fechamento da esfera pública que ocorreria a partir da edição do AI-5, em dezembro de 1968, inaugurando os “anos de chumbo” que duraram, na melhor das hipóteses, até o começo de 1976. Neste período, a tortura, os desaparecimentos de presos políticos, a censura previa e o cerceamento do debate político-cultural atingiram seu ponto máximo nos vinte anos que durou a ditadura brasileira.
Os Atos institucionais foram uma maneira de legitimar o poder do exército sem que os militares dissessem isso diretamente, Atos sendo decretados pelo Presidente seriam o amparo político perfeito, segundo Napolitano (2014, p. 14) “os Atos serviriam para consolidar um processo de ‘normatização autoritária’”.
Os Atos eram fundamentais para a afirmação do caráter tutelar do Estado, estruturado a partir de um regime autoritário que não queria personalizar o exercício do poder político, sob o risco de perder o seu caráter propriamente militar. Para que o Exército pudesse exercer diretamente o comando político e manter alguma unidade, fundamental no processo que se acreditava em curso, era preciso rotinizar a autocracia e despersonalizar o poder. A autoridade do presidente, figura fundamental neste projeto, deveria emanar da sua condição hierárquica dentro das Forças Armadas (mais particularmente do Exército) e de uma norma institucional que sustentasse a tutela sobre o sistema partidário institucional e o corpo político nacional como um todo.
O ano de 1968 foi marcado por muita pressão dos operários, movimento estudantil e da crescente Frente Ampla. O Ato Institucional n° 5 não surgiu devido a crescente nas manifestações, ele foi construído com o passar dos anos do Regime Militar. De acordo com Marcos Napolitano (2014, p. 29 e 30)
A partir de então, estudantes, artistas e intelectuais que ainda ocupavam uma esfera pública para protestar contra o regime passaram a conhecer a perseguição, antes reservada aos líderes populares, sindicais e quadros políticos da esquerda. O fim de um mundo e o começo de outro, num processo histórico de alguns meses que pareciam concentrar todas as utopias e os dilemas do século XX.
Após o AI-5 a grande mídia da época foi calada, sendo assim, não podiam publicar matérias que trouxessem críticas ao Regime, sofrendo enorme censura. Para manter a ordem e os ideais do Regime Militar, na visão dos militares o estabelecimento do AI-5 censurando, principalmente para a grande imprensa, foi um ato necessário (VENTURINI, 2019).
Luís Roberto Barroso (2020, p.3-4) aponta todas as áreas que a censura atuou na cultura e na vida intelectual na história do Regime Militar, sendo o período mais recente de censura generalizada se deu sob a ditadura militar, entre 1964 e 1985, especialmente durante a vigência do Ato Institucional nº 5 (1968-1978). O cerceamento à liberdade de expressão recaiu sobre múltiplos domínios da vida intelectual e cultural brasileira:
a) na imprensa escrita, (i) os jornais eram submetidos a censura prévia e, diante do corte dos censores, que se instalavam dentro das redações, viam-se na contingência de deixar espaços em branco ou de publicar poesias e receitas de bolo; (ii) apreendem-se jornais e revistas por motivos políticos (como Opinião e Pasquim) ou de moralidade (Ele & Ela); e (iii) boicotavam-se a publicidade dos jornais que não se curvaram ao governo, para asfixiá-los economicamente (Correio da Manhã);
b) na música, as letras das canções tinham que ser previamente submetidas à Divisão de Censura e Diversões Públicas. Havia artistas malditos, que não podiam gravar ou aparecer na TV, e outros que só conseguiram aprovar suas músicas mediante pseudônimo. Vivia-se um país nas entrelinhas e nas sutilezas. A música Apesar de você, de Chico Buarque, chegou a ser liberada, até que alguém se deu conta de que podia haver um protesto embutido em seus versos;
c) no cinema, filmes eram proibidos, exibidos com cortes ou projetados com tarjas que perseguiam seios e órgãos genitais, como ocorreu com o drama Laranja Mecânica;
d) nas artes, a peça Roda Viva, também de Chico Buarque, teve o teatro invadido e os atores agredidos por um grupo paramilitar, sendo logo em seguida proibida sua encenação em todo o território nacional. O Ballet Bolshoi foi impedido de se apresentar no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, sob a abstrusa invocação de que constituiria propaganda comunista;
e) na televisão, festivais da canção foram vítimas de intervenção governamental, todos os programas, salvo os ao vivo, eram previamente submetidos a exame por censores e a telenovela Roque Santeiro foi integralmente vetada para exibição. (BARROSO, Luís Roberto. 2020)
Portanto, após percorrer por todo esse histórico de cerceamento dos direitos fundamentais, em especial a liberdade de expressão e artística, houve a criação de uma nova constituinte, originando a atual Constituição Federal de 1988, que assegurou veementemente a garantia desses direitos que foram vilipendiados no passado.
Como bem preceitua Luís Roberto Barroso (2020, p. 4) “uma nova Constituição é uma reação ao passado e um compromisso para o futuro.”, ou seja, é por essa razão que a Constituição protege a manifestação do pensamento e a liberdade artística, vedando apenas o anonimato.
Ademais, esses direitos, assim como todos os outros, não são absolutos e estão limitados à proteção dos direitos da personalidade, podendo gerar uma indenização moral e material, direito de resposta proporcional e quando o ataque for contra a Honra o Código Penal prevê tipificações específicas, entretanto, mesmo com essas limitações, não há hipótese cabível para proibição prévia da manifestação, seja artística ou de pensamento.
Ao passar pelo estudo deste momento histórico brasileiro de cerceamento dos direitos fundamentais à liberdade de expressão e artística, o próximo capítulo deste trabalho abordará alguns casos contemporâneos que mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, como já abordado por este trabalho, protetora dos direitos fundamentais, houve ameaças a esses direitos. Como preceitua o autor John Stuart Mill em sua obra Sobre a Liberdade sobre a importância da liberdade de expressão.
Precisamos da liberdade de expressão e de pensamento não só para descobrir novas verdades sobre a realidade externa, mas também para descobrir novas verdades sobre o que deveríamos fazer com nossas vidas. (MILL, John Stuart. p. 41. 2017).
2) Casos Contemporâneos de um Possível Cerceamento ao Direito à Liberdade de Expressão e a Liberdade Artística.
Existe uma grande diferença entre pensar que temos razão e pensar que temos tanta razão que podemos suprimir ideias contrárias à nossa. (MILL, John Stuart. p. 42. 2017)
Trazendo para o objetivo principal deste trabalho a discussão e análise sobre se há limites no direito à liberdade artística, o poder moderador desta discussão acaba sendo o Poder Judiciário, que por vezes é acionado para decidir se no caso concreto há ou não uma transgressão ao limite do direito fundamental à liberdade de expressão e artística, se este direito ao ser utilizado feriu outro direito também detentor de garantias.
Ainda que o humor se refira a um fenômeno tão interdisciplinar, acaba por ser incumbida ao Poder Judiciário a tarefa de resolvê-los, uma vez que esse é chamado para decidir se um determinado episódio que diga respeito a expressões humorísticas estão ou não abrangidos pela proteção estatal. (TITO, Bianca. 2021)
Ao analisarmos a Constituição Federal de 1988 é possível perceber que nenhum direito é absoluto. O direito à vida abarcado no caput do Art. 5° da Constituição Federal, por exemplo, perde sua proteção máxima quando em estado de guerra declarada é autorizada a pena de morte, conforme o Art. 5°, XLVII, a (BRASIL, 1988).
Art. 5°, XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX.
O direito à liberdade de expressão, assim como qualquer outro direito fundamental, perde sua proteção quando atinge diretamente outro direito também garantido, como quando a Constituição assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Contudo, é imprescindível a atuação do Poder Judiciário para modular esse contencioso entre os direitos em conflito.
Logo, é indiscutível a existência de limitações ao exercício dos direitos garantidos constitucionalmente, como é, portanto, o caso da liberdade de expressão artística, incluindo-se nesse contexto, por óbvio, o ofício do comediante. (SANTOS, Bruno Cavalcante Leitão; JÚNIOR, Francisco de Assis de França. p.10. 2023)
Garantias constitucionais asseguram a liberdade artística e a liberdade de expressão, como no art. 5°, IX assegura a atividade artística, independentemente de censura ou licença e no art. 220, §2° que defende a manifestação do pensamento, a criação e a expressão sob qualquer forma, sendo vedado, inclusive, toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Diante do exposto, este estudo trará alguns casos contemporâneos em que o poder moderador do Judiciário teve que decidir se obras humorísticas estavam ou não abarcadas pela garantia constitucional, assim como expõe Bianca Tito:
Eles envolvem situações nas quais o humor tenha sido utilizado como mecanismo de manifestação de ideias e opiniões, permitindo a expressão dela através desse aspecto. São, então, episódios em que o discurso (alegadamente) humorístico adentrou no ambiente de discussão judicial, exigindo do Poder Judiciário uma abordagem deste fenômeno. (TITO, Bianca. 2021)
2.1) Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo:
O Especial de Natal Porta dos Fundos produzido em 2019 com o subtítulo “A Primeira Tentação de Cristo” é uma obra humorística produzida pelo grupo Porta dos Fundos e distribuída na plataforma de streaming Netflix. A obra em tela foi contestada judicialmente por grupos religiosos alegando que o filme estaria ferindo a honra dos cristãos.
A sinopse do filme traz a ideia resumida da obra “Jesus está fazendo 30 anos e traz um convidado surpresa para conhecer a família. (Sátira que envolve valores caros e sagrados da fé cristã)”1. No filme Jesus está voltando do deserto, onde se descobre homossexual, e ao voltar para casa prestes a completar 30 anos de idade, é recebido por uma festa surpresa, entretanto ele está acompanhado de seu namorado chamado Orlando. Este episódio envolve a discussão se há limite no humor e na liberdade de expressão contra à garantia da liberdade religiosa.
A Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura2 moveu uma ação para retirar do ar a obra humorística alegando que esta produção “Jesus é retratado como um homossexual pueril, Maria como uma adúltera desbocada e José como um idiota traído”, segundo a associação a liberdade religiosa e a dignidade da pessoa humana são direitos atingidos diretamente pela obra.
No dia 19 de novembro de 2019 a Promotora Barbara Salomão Spier enviou um despacho para a 16º Vara Cível do Rio de Janeiro defendendo a retirada da obra em epígrafe. No despacho a Promotora assevera que o respeito deve imperar, pois o significado de sagrado é diferente para cada um, ademais segundo ela “fazer troça aos fundamentos da fé cristã, tão cara a grande parte da população brasileira, às vésperas de uma das principais datas do cristianismo, não se sustenta ao argumento da liberdade de expressão”3. Segundo seu entendimento, este posicionamento não pode ser considerado como censura, mas sim como uma ponderação entre direitos fundamentais quando estes estão em colisão, em suas palavras é “evitar o abuso do direito de liberdade de expressão através do deboche, do escárnio”.
A 16º Vara Cível do Rio de Janeiro negou o pedido de liminar para tirar do ar o Especial feito pela produtora Porta dos Fundos, pois não visualizava uma afronta ao direito de liberdade de crença e incitação ao ódio. Adriana Sucena Monteiro Jara Moura foi a juíza que proferiu a decisão, declarando que “o Judiciário só pode proibir a publicação, circulação e exibição de manifestações artísticas quando houver a prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio”4 e acrescentou que a obra “A Primeira Tentação de Cristo” não tem nada que incite a violência, discriminação e violação dos direitos humanos, e a obra não fere a liberdade religiosa.
“Ao assistir ao filme podemos achar que o mesmo não tem graça, que se vale de humor de mau gosto, utilizando-se de expressões grosseiras relacionadas a símbolos religiosos. O propósito de muitas cenas e termos chulos podem ser questionados e considerados desnecessários, mesmo dentro do contexto artístico criado com a paródia satírica religiosa. Contudo, há que se ressaltar que o juiz não é crítico de arte e, conforme já restou assente em nossa jurisprudência, não cabe ao Judiciário julgar a qualidade do humor, da sátira, posto que matéria estranha às suas atribuições”5
Em sua decisão um dos pontos abordados, que para a magistrada é um elemento essencial, é que a obra foi disponibilizada na plataforma de streaming Netflix e, portanto, seria disponibilizado apenas para os seus assinantes, não sendo veiculado em local público e não alcançaria aqueles que não desejariam assisti-lo. Ademais, restou claro que sua fundamentação é baseada na livre vontade individual, segundo a juíza “Não há exposição a seu conteúdo a não ser por opção daqueles que desejam vê-lo.”5
A Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura interpôs recurso após essa decisão, este sendo examinado pelo relator Desembargador Benedicto Abicair, da 6º Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo o pedido aceito em inteiro teor. Segundo o Relator, seria benéfico para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, agir com a devida cautela até que fosse julgado o mérito do caso, assim, decidindo pela retirada da obra na plataforma Netflix.
Vislumbro, no caso concreto, que o mais importante nessa fase prematura, quando não se adentra o mérito, neste se exigindo o pleno contraditório, apurar se o dano será maior com a mantença no ar do filme ou com sua suspensão.5
Em contrapartida à decisão proferida pela juíza da 16ª Vara Cível a respeito do conteúdo ser não ser disponibilizado em locais públicos, tendo acesso somente para assinantes da plataforma e tão somente assistiria a obra quem porventura quisesse assistir, o Desembargador Benedicto Abicair argumenta que as Redes Sociais são incontroláveis e podem ser acessadas por qualquer pessoa, inclusive menores.
Ressalto, por oportuno, que as Redes Sociais são incontroláveis e a Netflix, até onde sei, é passível de ser acessada por qualquer ́ um que queira nela ingressar, inclusive menores, bem como o título da “produção artística” não reflete a realidade do que foi reproduzido.
Daí a minha avaliação, nesse momento, é de que as consequências da divulgação e exibição da “produção artística” da primeira Agravada são mais passiveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspenção, até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos.6
Devido a essa decisão iniciou-se uma controvérsia a respeito do tema, frente a dois direitos fundamentais em colisão, Liberdade de Expressão e Liberdade Religiosa. Suprimir um em detrimento ao outro para salvaguardar certos direitos traria descontentamento tanto de quem defende um ou outro direito, desse modo, o site jurídico ConJur entrevistou alguns especialistas do direito e a opinião de um deles é essencial para o debate acerca do tema. De acordo com o site, Alexandre Fidalgo um advogado especialista em casos que envolvem liberdade de expressão pontuou que a liberdade de expressão deve ser garantida, como consta na Constituição Federal, quer a pessoa goste ou não do conteúdo:
“Recentemente, essa tem sido uma prática comum no Brasil. Em novembro houve aquela decisão que censurou o livro sobre a Suzane von Richthofen, e agora uma nova determinação que barra um conteúdo que é de humor. Quer gostem ou não de um conteúdo, a liberdade de expressão deve ser assegurada, segundo a Constituição”.6
Por conta da decisão suspendendo a exibição da obra, a plataforma Netflix decidiu protocolar uma ação no Supremo Tribunal Federal de reclamação com pedido urgente de concessão de liminar, solicitando que fosse determinada liminarmente, de forma monocrática, a imediata suspensão das r. decisões reclamadas proferidas nos autos do Agravo de Instrumento no 0083896- 72.2019.8.19.0000.
“…esta E. Corte estabeleceu três premissas basilares quanto ao regime constitucional da liberdade de expressão que devem guiar a atividade decisória de todo o Poder Judiciário: (i) a posição preferencial da liberdade de expressão em eventuais conflitos com direitos fundamentais com ela colidentes; e (ii) a vedação de qualquer forma de censura – inclusive judicial – de natureza política, ideológica e artística, nos termos do art. 220, §2o, da CRFB; e (iii) a impossibilidade de o Estado fixar quaisquer condicionamentos e restrições relacionados ao exercício da liberdade de expressão que não aqueles previstos expressamente na própria Constituição Federal, nos termos do art. 5o, incisos IX e do art. 220, caput, CRFB.”7
A reclamação foi distribuída para o ministro Gilmar Mendes, entretanto a corte estava em recesso e o caso foi decidido pelo ministro Dias Toffoli no plantão judicial, entendendo que o caso em tela era hipótese de deferimento da tutela de urgência requerida pela plataforma Netflix.
No entendimento firmado pelo Ministro no deferimento da tutela de urgência, este exara que o direito à liberdade de expressão é inerente do ser humano em sua racionalidade, podendo considerar um direito natural, sendo necessário para a existência do regime democrático de direito. Regime democrático é um ambiente com pluralidade de ideias e que todos tenham direito a voz.
De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo. 8
Para o Ministro, além desse caráter fundamental para a manutenção da democracia, a liberdade de expressão é um direito humano universal previsto, inclusive, no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, sendo condição basilar para o exercício da cidadania em sua plenitude e atuação da autonomia individual.
Nesse diapasão, o entendimento do magistrado é que uma obra humorística não tem o poder de abalar os valores da fé cristã, sustentada por crença há mais de 2 (dois) mil anos.8
A Segunda Turma do STF, de modo unânime, confirmou o entendimento firmado de maneira monocrática na decisão do Ministro Dias Toffoli, autorizando que a obra humorística continuasse a ser exibida. O relator Ministro Gilmar Mendes relata sobre a dificuldade de definir o limite da arte, visto que não há uma definição de arte universalmente aceita, dessa forma, a liberdade artística por ser um direito previsto na Constituição Federal a subjetividade desta embaraça a análise de seus limites.
Apesar de expressamente prevista no texto constitucional, o âmbito de proteção da liberdade artística pode gerar controvérsias. Isso porque épraticamente impossivel chegar ́-se a uma definição de arte universalmente aceita, o que dificulta a análise dos limites da liberdade artística e a consequente verificação de eventuais agressões a outros direitos igualmente assegurados pela Constituição Federal.
As formas de expressão artística são inúmeras e de impossível previsão, inclusive pelo fato de que a arte possui, em sua essência, muitas vezes um caráter inovador. Pode também ser polêmica, subversiva, agressiva a padrões usualmente aceitos pela sociedade, características que não raramente fazem com que obras artísticas sejam submetidas ao escrutínio do Poder Judiciário para verificação de possíveis abusos.8
Ao se desprender do caso em tela, “Especial de Natal: A Primeira Tentação de Cristo”, é importante trazer à baila um caso utilizado pelo relator para embasar o posicionamento quanto à liberdade artística, o julgamento da Segunda Turma do STF do HC 83.996, de relatoria originária do Ministro Carlos Velloso.
Este caso buscava o trancamento da ação penal em favor de um diretor teatral, que fora indicado no artigo 233 do Código Penal – praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público. – pois, em reação às vaias do público local após o término da peça teatral, este diretor subiu ao palco e gesticulou ato de masturbação e mostrou as nádegas.
Este caso estava inserido, no entendimento do magistrado, no contexto da liberdade de expressão, mesmo inadequada. De acordo com o Ministro, a sociedade dispõe de mecanismos muito mais eficazes contra um ato inadequado socialmente do que o Código Penal, nesse caso a própria crítica.9
A reação do público, em si, ao vaiar o diretor teatral em protesto à qualidade da obra apresentada, deveria ser interpretada dentro do contexto em que inserida, ou seja, tratava-se de manifestação realizada dentro de teatro, por público adulto e consciente do que poderia ser esperado da proposta artística.
Cuida-se de conclusão que enfatiza a capacidade crítica que os indivíduos possuem em uma sociedade plural e democrática, bem como valoriza sua autodeterminação para decidir quanto a que querem, ou não, ter acesso – o que inclui obras que possam ser consideradas provocativas ou chocantes –, para, daí, formar sua própria convicção.10
Voltando para o caso em análise por esse estudo, apesar da defesa e proteção que a Constituição Federal de 1988 concede à liberdade de crença, há de ser levado em consideração a laicidade do Estado, através do princípio da neutralidade do Estado, garantindo que não haverá a adoção de uma religião oficial, respeitando todas as crenças.
Vê-se, assim, que a neutralidade do Estado não significa que este precise deixar de garantir as condições adequadas à facilitação do exercício de liberdade religiosa. O que não se admite é que o Estado assuma determinada concepção religiosa como a oficial ou a correta, beneficiando um grupo religioso em detrimento dos demais ou concedendo privilégios.11
Contudo, após discorrer sobre o direito garantido na Constituição à liberdade de crença, enfatizando ser um direito fundamental, pontuar sobre o grande papel social que as igrejas fazem e serviram de base para consolidação da cultura brasileira, afinal, a sociedade é majoritariamente cristã, o Ministro manifestou em contraposição a importância da liberdade de expressão.
Segundo o relator, a liberdade de expressão é um direito basilar para a construção do Estado Democrático de Direito, pois ele permite o debate público e a exposição livre de ideias, independentemente de espectro político ou religioso. Portanto, a regra é a liberdade de expressão e, somente em casos excepcionalíssimos, poderá haver determinação para proibir alguns conteúdos, caso estes configurem ocorrência de prática ilícita, de incitação à violência ou à discriminação, bem como a de propagação de discurso de ódio.12
Vê-se, dessarte, que esta Corte possui consolidada jurisprudência sobre a importância da livre circulação de ideias em um Estado democrático; não deixando, porém, de atuar nas hipóteses em que se revela necessária a intervenção do Poder Judiciário, ante situações de evidente abuso da liberdade de expressão.13
Diante de todas as considerações feitas, o Ministro Relator Gilmar Mendes preceitua que na ocasião de colisão entre qualquer outro direito constitucionalmente garantido e a liberdade de expressão artística, esta deve ser levada em consideração por possuir um conceito que dificilmente poderá ser definido com exatidão, arte por si só é um conceito amplo, e nela está incluída obras consideradas provocativas que podem atingir quaisquer assuntos, inclusive políticos ou religiosos e, também, por meio de sátiras, como é o caso da obra “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo” do caso em análise.14
Ao analisar os presentes autos, concluo que a obra “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, não incita violência contra grupos religiosos, mas constitui mera crítica, realizada por meio de sátira, a elementos caros ao Cristianismo. Por mais questionável que possa vir a ser a qualidade desta produção artística, não identifico em seu conteúdo fundamento que justifique qualquer tipo de ingerência estatal.15
Doravante, corroborando com o entendimento juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura proferido no Processo 03332259-06.2019.8.2019.0001 da 16º Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Ministro entendeu também que o conteúdo foi disponibilizado em uma plataforma de streaming, ou seja, de transmissão particular, à qual o assinante detém o poder de assistir e acessar o conteúdo que mais lhe agrada, não sendo obrigado a consumir quaisquer conteúdos que não sejam de seu interesse, podendo, inclusive, cancelar a assinatura com a plataforma. Esta ação seria muito mais eficaz em demonstrar seu descontentamento do que qualquer censura perpetrada pelo Estado, afinal a sociedade possui a prerrogativa para manter algo em evidência ou não através do controle social e essa plena capacidade do chamado mercado livre de ideias, como apontado pelo Ministro.16
Portanto, diante da colisão de direitos fundamentais à liberdade de expressão artística e a liberdade de crença que o “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, é possível notar que o Poder Judiciário adotou o posicionamento da sobreposição do direito à liberdade de expressão artística. Um caso complexo que trouxe à baila sobre o limite do humor, sendo arte um conceito amplo que possui alta subjetividade, e deu tarefa à Suprema Corte de decidir algo delicado e, nas palavras de Tito (2021. p. 38) “Afinal, como estabelecer que existe um tipo de arte que, em razão do tamanho de sua ofensa aos sentimentos religiosos de uma determinada comunidade, seja dada ao Estado a legitimidade de intervir repressivamente a seu respeito?”.
Retirar de circulação material apenas porque seu conteúdo desagrada parcela da população, ainda que majoritária, não encontra fundamento em uma sociedade democrática e pluralista como a brasileira.17
2.2) Caso Rafinha Bastos e Wanessa Camargo:
Rafael Bastos Hocsman, popularmente conhecido como Rafinha Bastos, é humorista e à época do caso que este estudo irá abordar trabalhava em um programa de televisão humorístico chamado “CQC” (“Custe o que Custar”), transmitido na Rede Bandeirantes de Televisão, passava semanalmente entre os anos de 2008 e 2015.
O programa tinha a proposta de ser um telejornal humorístico, trazia as principais informações que aconteceram durante a semana para comentar utilizando sempre o humor. “Seu resumo semanal de notícias” era o slogan utilizado pelo programa.
O espírito do programa era tratar dos assuntos da semana de maneira diferente do jornalismo convencional. Por isso, seus repórteres, todos de terno preto e óculos escuros, assumiram não apenas a posição de repórter, mas também de humoristas, fazendo perguntas inusitadas para seus entrevistados. Normalmente, cada repórter atendia por uma editoria, e era comum Rafael Cortez entrevistar celebridades em festas, enquanto Felipe Andreoli cobria os assuntos esportivos. Enquanto isso, Oscar Filho fazia matérias gerais e Danilo Gentili se dividia entre a cobertura política e seu primeiro quadro no programa, o divertido Repórter Inexperiente. Já Rafinha Bastos saía da bancada para trazer denúncias no Proteste Já.18
O caso que envolveu o humorista Rafinha Bastos e a cantora Wanessa Camargo aconteceu durante o programa que foi ao ar no dia 19 de setembro de 201119. Um dos apresentadores do programa Marcelo Tristão Athayde de Souza, conhecido também como Marcelo Tas, comentou que a cantora estava “bonitinha” após ser apresentada em uma matéria, na época ela estava grávida de seis meses do seu primeiro filho, após o comentário, Rafinha Bastos, acrescentou que “comeria ela e o bebê”.
De um lado o comentário proferido pelo Humorista foi taxado pela falta de respeito, principalmente pelo fato da Cantora estar grávida, sendo ofensivo, inclusive, com o feto.
Em contrapartida, houve quem defendesse a liberdade de expressão do Humorista, apesar de ter sido indelicado na forma como se referiu à cantora, não justificaria qualquer sanção, até mesmo uma censura.
Diante desse cenário, não houve nenhuma retratação por parte do humorista, este se manteve em silêncio sobre o comentário feito sobre o programa. Entretanto, na oportunidade que teve, fez um vídeo satirizando toda essa situação20. No vídeo o humorista encontra-se em uma churrascaria e o garçom lhe oferece um corte de carne chamado “baby beef” e o humorista responde “Baby? Hãn, baby não, vou comer não”, em seguida o garçom lhe oferece uma carne chamada “fraldinha”, e ele responde “fraldinha? Fraldinha não, amigo. Muito obrigado”, contudo antes do garçom se retirar de cena ele pergunta para o humorista “você vai querer alguma coisa pra bebê?” e o vídeo é finalizado com o Rafinha Bastos se indagando com uma expressão negativa “bebê?”21.
Devido a toda a repercussão que o caso trouxe, a cantora e seu marido, Marcus Buaiz, ingressaram com uma Ação de Indenização por Danos Morais, como autores e representantes legais do seu filho, que estava em gestação, contra Rafinha Bastos. A ação pretendia que ele pagasse pelos danos morais causados ao casal, e eventualmente o nascituro, por conta do comentário feito no programa em rede nacional.
Ademais, foi alegado na inicial sobre o comportamento do réu na sua fala infeliz, incompatível, contudo, com o que se possa rotular como humorismo saudável, acrescentaram também que o apresentador tampouco respeitou dispositivo expresso na constituição que versa sobre programas televisivos respeitarem “os valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Por óbvio, a glosa televisiva do Réu não expressou, apenas, mau gosto da pior espécie, incompatível com o que se possa razoavelmente rotular de ́ verdadeiro e saudável humorismo. Tampouco se restringiu, o Réu, ao terreno da cafajestice chinfrim, mais adequada às conversas livres de “machões” embriagados que se refestelem em botequins ou casas de tolerância. Nem sequer limitou-se, a afirmativa de “Rafinha”, a desrespeitar o comando, posto na Constituição Federal (art. 221, inc. IV), que manda os programas de televisão respeitarem ” os valores éticos e sociais da pessoa e da família”.22
A ação alega que o humorista atingiu diretamente a dignidade e injuriou não só o casal, mas também o nascituro. Visto que, ao realizar o comentário, Rafinha Bastos desconsidera o estado civil da Wanessa Camargo e que o seu ato sexual abrangeria o “bebê”.
A par de tudo isso —— ou seja, do péssimo gosto, da biltraria rasteira e do desdém à Constituição ——, malferindo a dignidade dos atingidos o Réu injuriou a todos os autores da presente ação na medida em que, menosprezando o estado civil da autora WANESSA (casada com o autor MARCUS, pai do nascituro, Doc.2), parl apatetou a sua vontade de com ela fornicar, chegando ao inimaginável cúmulo de nessa cópula abranger ao “bebê”, isto é, ao nascituro demandante, desejos relativamente aos quais, para empiorar, “Não tô nem aí, tô nem aí!”.23
Os autores inserem na inicial episódios em que o humorista aproveitou para satirizar o caso em tela, incluindo ainda o vídeo feito por ele na churrascaria, como já descrito neste trabalho.
Doutra parte, não contente com o escancarado deboche, o Réu fez circular pela “Internet” vídeo, por ele mesmo encenado, que o colocava e ́ m uma churrascaria onde, teimando em rememorar o comentário injurioso aos Autores, recusava as ofertas de ” baby beef ” e de “fraldinha”, a par de enjeitar qualquer coisa para ” bebê” (beber).24
A demonstração de vários outros casos em que o humorista utilizou de falas agressivas tinha a intenção de mostrar que essa era uma prática corriqueira do réu, utilizando de um humor lesivo, diante do histórico desfavorável do humorista, este comportamento rotineiro deveria ser sopesado na quantificação valorativa do dano moral merecido pelos autores. Ademais, além do caráter punitivo do ressarcimento monetário devido aos danos morais causados, há também o caráter pedagógico da indenização, objetificando que o réu não mais rescindisse em ações desse tipo.
Na fixação do valor indenizatório, V. Exa. saber a ́levar em conta, além da função punitiva dos danos morais, o inafastável conteúdo pedagógico e desestimulador realçado pelos doutores e pretorianamente sublinhado 12, desestimulo este que adquire ́ ainda maior significado a ̀face do impressionante currículo do Réu e da natureza da pretensa “comicidade” que desenvolve.25
Juiz da 18° Vara Cível da Comarca Central da Capital de São Paulo acolheu, em primeiro grau, os pedidos da inicial no dia 17 de janeiro de 2012, fixando a condenação por danos morais no valor de 30 (trinta) salários-mínimos – 10 salários mínimos para cada autor da ação.
Após a condenação em primeiro grau proferida, o humorista veio a público por meio de sua rede social Twitter falar sobre a decisão postando “Status: Ocupado. Juntando moedas.”.26
De acordo com o entendimento do magistrado, o comentário dito por Rafinha Bastos durante o programa não se enquadra em humor, mas tão somente uma grosseria de conotação sexual. Ademais, acrescentou que as liberdades artísticas e de expressão são garantidas pela ordem constitucional, entretanto a comédia não pode ser resguardada em detrimento à honra do outro e, por isso, essas liberdades constitucionais não se aplicariam ao réu que utiliza para fazer um humor distorcido.27
Após essa decisão o humorista recorreu requerendo a extinção do processo alegando a ilegitimidade ativa do nascituro e pediu também na demanda a diminuição da indenização. Em ato seguinte os autores da ação também recorreram solicitando a majoração do valor indenizatório. Por maioria dos votos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mantiveram o dever de indenizar os autores pelos danos morais causados pelo humorista e a 10ª Câmara de Direito Privado majorou a indenização para R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) – R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada autor da ação.28
O relator, desembargador Roberto Maia, relator da ação, foi o único voto contrário, pois para ele a exigência de danos morais contra o humorista seria uma espécie de censura. Uma sanção civil separaria o humor em categorias, como permitido/proibido é lícito/ilícito, por exemplo, o que traria uma espécie de padrão delimitando o humor. Entretanto, na visão do relator, essa separação em padrões já seria feita pela própria sociedade ao tomar suas próprias decisões do que assistir ou não, do que gostam ou não, sem precisar da tutela estatal para isso.
Corroborando com esta última análise, o desembargador acrescenta que essa análise social já foi feita por milhares de pessoas que se pronunciaram sobre o caso através da internet, seja condenando ou não a fala do humorista. Contudo, o seu papel ao analisar juridicamente o caso em tela é somente sobre a controvérsia se há um dano indenizável ou não em razão do que foi dito, dessa forma, não é seu papel julgar se a expressão foi certa ou errada já que a decisão deve ser levada todo o contexto a qual está inserida, em sua visão não se pode analisar o caso de maneira superficial.29
Ao se interpretar literalmente tudo que é dito independentemente do local e contexto em que é dito não será possível julgar nenhum caso e, por isso, em seu voto o desembargador ao analisar todo o cenário em que Rafinha Bastos estava não é possível interpretar que o humorista realmente desejava realizar sexo com a cantora e seu filho, apesar de ser uma fala grosseira e de mau gosto extremo, a fala não passa de uma piada. Acrescentou também que o humor de Rafinha Bastos é caracterizado por ser aquele típico de adolescentes, não tendo limite de qualquer assunto para fazer piada, mesmo que esta seja considerada rude ou ácida.30
O caso seguiu para apreciação do Superior Tribunal de Justiça no dia 23 de junho de 2015, confirmando a condenação do humorista Rafinha Bastos. O Ministro Marco Buzzi, relator do caso, desprende que no decorrer da ação foi analisado todo o contexto no qual o comentário foi feito, inclusive se havia efetivo animus diffamandi/injuriandi, ou negligência/imprudência na verbalização, mesmo com o uso eventual do humor/piada.
Verifica-se que na origem houve uma análise categórica de todo o contexto no qual inserido o comentário, tudo objetivando constatar se havia, embora mediante o uso de eventual humor/piada, efetivo animus diffamandi/injuriandi, ou negligência/imprudência na verbalização, e ainda, se essa foi capaz de causar real dano moral, atingindo a esfera do direito de personalidade (honra, vida privada, intimidade, imagem, etc) dos autores.31
O Ministro Relator acrescenta o entendimento proferido pela 10° Câmara de Direito Privado que, apesar do voto vencido do relator originário, as instâncias ordinárias decidiram que o uso da piada pelo humorista foi extremamente agressivo, trazendo em suas palavras um estigma negativo que difama, principalmente, a imagem da mulher. Ademais, foi utilizado pelo tribunal local o recurso constitucionalmente assegurado de ponderação de valores, no caso em tela direito de personalidade x liberdade de expressão, dando prevalência ao direito de personalidade e foi tomado como base o discurso de diversas pessoas de variadas mídias que caracterizaram a fala não sendo humorística pois não teria graça.
Ressalte-se que, salvo o entendimento precursionado pelo Desembargador relator originário do feito perante o Tribunal a quo (voto vencido), as instâncias ordinárias entenderam que o demandado, ainda que tenha feito uso da piada, foi “extremamente agressivo” pois, embora se utilizando de um brevíssimo discurso, esse estaria “carregado de informações extremamente negativas, que aviltam a imagem tanto da mulher, como da criança, e reflexamente, do esposo e pai destas, todos atingidos de forma a se ter por comprometida a sua dignidade enquanto pessoas humanas” (fls. 324, e- STJ)
O Tribunal local, também, no juízo de ponderação de valores constitucionalmente assegurados (direito de personalidade x liberdade de expressão) afirmou a prevalência do primeiro no caso concreto e, ainda, tomando como base o discurso de diversas pessoas de variadas mídias asseverou que a piada sem graça não seria humor, motivo pelo qual não poderia o réu, “estando a participar de um dos maiores meios de comunicação de massa da atualidade, a televisão, (…) usar de sua liberdade de expressão de modo a por em risco valores ainda maiores, como a dignidade da pessoa humana”.32
Doravante, antes de concluir a análise do caso em tela, é necessário também informar que a fala do humorista repercutiu não somente na esfera cível, pois a cantora Wanessa Camargo e seu marido Marcus Buaiz, também representantes legais do nascituro, representaram Rafinha Bastos pela prática do crime de injúria. Contudo, a 14ª Vara Criminal de São Paulo, diferentemente do que foi entendido na esfera cível, não considerou o nascituro titular de direitos à honra e à imagem, pois lhe falta legitimidade ad causam. Essa decisão foi mantida de forma unânime pelos desembargadores da 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, excluindo o nascituro do polo ativo da ação.
Alegam, em síntese, que o nascituro ́ é parte legitima para figurar na ação como querelante, uma vez que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro e que a configuração do delito de injúria não exige que a ofensa seja diretamente percebida pelo ofendido; ademais, as angústias e os impactos físicos e psíquicos que a mãe possa padecer em razão da prática da injúria, interferem no natural desenvolvimento do feto, atingindo-o.
(…)
Ainda que, segundo alegado, a angústia da mãe possa refletir no desenvolvimento natural do feto, tal circunstância, porém, não é suficiente para a caracterização do elemento subjetivo do delito de injúria, que exige tenha a vítima consciência da dignidade ou decoro, sem a qual não haveria tipicidade.
(…)
Daí o acerto da r. decisão recorrida ao proclamar “inevitável se reconhecer que o nascituro não pode ser sujeito passivo de injúria, analisando-se que, no caso, não tem a mínima capacidade psicológica de entender os termos e o grau da ofensa à sua dignidade e decoro” (fl.69). Portanto, afastada a participação do nascituro do polo ativo da ação, e tendo em vista a natureza do delito, cessa a competência da justiça criminal comum, que é deslocada para o juizado especial criminal, competente para processar e julgar o delito de injúria, nos termos da Lei n° 9.009/95. Por essas razões, nega-se provimento ao recurso.33
Portanto, concluindo a análise do caso Rafinha Bastos x Wanessa Camargo considerando os entendimentos desde o seu julgamento em primeira instância até o Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a ponderação de valores, houve uma prevalência do direito à dignidade da pessoa humana em detrimento à liberdade de expressão. Nota-se também que para o desfecho desse caso a piada em si foi levada em consideração para a condenação do humorista, de acordo com o próprio Ministro do STJ “tomando como base o discurso de diversas pessoas de variadas midias asseverou que a piada sem gra ́ ça não seria humor”, dessarte é possível extrair dos autos processuais que a opinião pública e midiática interferiu diretamente na análise jurídica do caso.
Sob essa mesma perspectiva, a piada também não deve ser interpretada de forma literal, vez que seria absurda a interpretação de que o humorista efetivamente pretendia manter relações sexuais com a artista e o seu nascituro. (TITO, Bianca. p. 48. 2021)
2.3) Caso Léo Lins:
Leonardo de Lima Borges Lins, popularmente conhecido como Léo Lins, é humorista, ator, escritor e faz shows de stand-up. Ele foi um dos integrantes do primeiro grupo de stand-up comedy do Brasil, intitulado “Comédia em Pé”, em 2008, ao lado de outros comediantes nacionalmente reconhecidos como Fábio Porchat e Fernando Caruso.
Léo Lins lançou em 2009 o primeiro livro do gênero stand-up comedy no Brasil, intitulado “Notas de um comediante stand-up, e em 2014 lançou seu segundo livro chamado “Segredos da comédia stand-up”.
O humorista é reconhecido por fazer piadas sobre qualquer tema, seja ele socialmente aceito ou não, gênero este conhecido como “humor negro”. E termo foi utilizado pela primeira vez em 1939 pelo autor Andre Breton em sua obra “Anthology of Black Humor”, o nome humor negro derivou do estilo francês “humor noir”. Em tese, esse gênero humorístico utiliza das piadas para fazer uma crítica à ordem social, principalmente contra o politicamente correto, dando a possibilidade de enxergar o problema através de uma outra ótica e refletir sobre o tema após o riso.
Demonstrando esse traço por esse tipo de humor o humorista iniciou uma campanha privada para arrecadar fundos no intuito de lançar mais uma obra, o “livro dos insultos”, através do site Fábrica do humor a meta era conseguir quarenta e cinco mil reais, entretanto com apoio maciço de seu público angariou mais trezentos e dez mil reais. No site o autor descreve a obra como “A maior e mais completa obra dedicada ao humor de insulto, escrita pelo comediante mais censurado do Brasil, Léo Lins”.34 No livro, apesar de ser uma coletânea de insultos, o autor deixa claro que o intuito da piada é fazer rir, se causar qualquer outro sentimento que não o sorriso deixará de ser piada “Nunca utilize o conteúdo deste livro para causar danos psicológicos. O intuito de uma piada é sempre rir e nunca constranger ou denegrir” (LINS, Léo. p.8. 2019).
Mas lembre-se que o intuito de uma piada é sempre provocar o riso e nunca constranger. Um mestre do insulto deve ser capaz de atingir seu alvo sem machucá-lo e conscientizá-lo, sem reduzir a sua autoestima. (LINS, Léo. p.1. 2019)
Após breve introdução ao histórico do humorista, o caso que será abordado neste trabalho diz respeito ao especial de comédia chamado “Perturbador”. O show foi realizado em junho de 2022 no Teatro Positivo em Curitiba, inicialmente com apresentação única às 21h30, entretanto os ingressos esgotaram antes do previsto e uma sessão extra foi aberta para as 19h. O especial de comédia foi gravado para ser disponibilizado em plataformas digitais.
Contudo, em 2023 o Ministério Público do Estado de São Paulo instaurou um processo contra Léo Lins e em maio o Tribunal de São Paulo deferiu a medida cautelar determinando a retirada do especial de comédia “Perturbador” da plataforma Youtube, que na época passava dos três milhões de acessos, e estabelece outras medidas, como: proibição de deixar a cidade em que reside por mais de dez dias; Proibição de manter, transmitir, publicar, divulgar, distribuir, encaminhar ou realizar download de quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável; Proibição de realizar, em suas apresentações, quaisquer comentários” em relação às minorias citadas acima; Obrigação de retirar do ar em plataformas virtuais, sites, redes sociais ou qualquer aplicação de internet arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante em desfavor” das minorias citadas; comparecer mensalmente em juízo; e em caso de descumprimento de qualquer das medidas citadas uma multa diária de dez mil reais.35
No dia 04 de setembro de 2023 após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o humorista Léo Lins se tornou réu em processo criminal, podendo ser punido com a pena de até dez anos caso seja condenado por conta de suas piadas no especial de comédia. Ademais, o processo tramita em segredo de justiça, o que dificulta o estudo do caso, apesar disso, este trabalho abordará a “Lei Antipiada”, que serviu de base para instauração do processo criminal, e a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o caso do humorista Léo Lins.
A “Lei Antipiada” ficou conhecida após o presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionar lei que equipara a injúria racial ao crime de racismo, sendo assim, a injúria racial passou a ser imprescritível e inafiançável. Ademais, a pena máxima para este crime passou de três para cinco anos.
O trabalho de um humorista, especialmente aqueles que se dedicam à comédia stand-up, é fazer sátiras, críticas e piadas que normalmente são contra os padrões socialmente aceitos. Após a adição da equiparação da injúria racial com o crime de racismo, a Lei 7.716/89 trouxe alguns dispositivos que atinge diretamente o trabalho humorístico, como é o caso dos artigos 20, §2°-A e 20-A, in verbis:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público:Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.
(…)
Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.
Portanto, ao tratarmos da profissão de humoristas há neste dispositivo quase que um impedimento legislativo para executar o seu labor, visto que qualquer piada feita pode ser considerada injuriosa sendo enquadrada no tipo penal do crime de racismo. Ademais, no Art. 20-C a lei dispõe que o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou à grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, contudo a abrangência do termo “grupos minoritários” deixa o tema ainda mais subjetivo dificultando ainda mais a interpretação legal e o ofício do humorista.
Certamente a intenção destes artigos foi para inibir a prática do racismo recreacional feito cotidianamente, muitas vezes na prática de bullying, trazendo danos sociais, ainda mais para as camadas sociais que já sofreram muito com o racismo e com a xenofobia, por exemplo. No entanto, a diferença entre o racismo recreacional, estampados nos artigos mencionados acima e o trabalho do humorista em cima de um palco de stand-up é o dolo específico da conduta, enquanto na prática do racismo recreacional ao fazer o bullying o agente tem a intenção de ofender e age sabendo que está ferindo a honra da vítima, já no caso do comediante não há sequer a intenção de atingir a honra de qualquer vítima ou grupo social, são piadas feitas em locais específicos para isso e com público que pagou para assistir o show sabendo do seu conteúdo e do perfil do humorista que apresentará.
Essa necessária contextualização, embora, como já mencionado, não signifique imunidade penal, é altamente indicativa da configuração do animus jocandi, inerente e presumido em qualquer apresentação artística dessa natureza, cuja audiência, aliás, demanda postura ativa por parte de quem, livre e conscientemente, escolhe consumir esse tipo de diversão. Daí por que não há que se confundir o presumido animus jocandi de um profissional do humor com o dolo de se praticar crimes, necessário, em regra, para configurar a maior parte dos tipos penais existentes na legislação (art. 18, parágrafo único, do Código Penal). É certo que, como tudo no direito (e na vida), há limites para o exercício de qualquer atividade, e não se descarta a possibilidade de, por meio de piadas, cometer-se crimes. Todavia, é o ânimo interno do agente, a ser extraído das circunstâncias de cada caso – inclusive e especialmente do ambiente – que vai delinear os indicativos da prática, ou não, de ilícitos criminais.36
Sendo assim, como há a majorante do tipo penal que aumenta a pena um terço até a metade quando o crime é cometido no contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação, mesmo o humorista não tendo o dolo específico para o cometimento do crime, seria menos danoso para ele afirmar, no curso do processo, que suas falas são de fato os seus pensamentos e não piadas, pois assim não seria enquadrado nessa majoração da pena.
Em análise à decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do caso em tela, no dia 28 de setembro de 2023 o Ministro André Mendonça, em face da Reclamação n° 60.382 São Paulo, decidiu cassar as medidas cautelares impostas ao humorista Léo Lins.
O Ministro Relator em seu voto salienta em seu voto que os direitos fundamentais não se revestem de caráter absoluto, sendo assim, a liberdade de expressão por ser um direito fundamental também não encontra prerrogativa constitucional para seu exercício irrestrito. Ademais, em caso de excessos no uso desta liberdade, o agente será responsabilizado civilmente e responderá criminalmente, conforme tipificação do Código Penal, como calúnia, injúria e difamação.
É sabido, porém, que os direitos fundamentais, por importantes que sejam, não se revestem de caráter absoluto, razão pela qual também não encontra abrigo no ordenamento jurídico uma suposta licença total e irrestrita do exercício da liberdade de expressão. O uso estará sempre sujeito ao risco do abuso, o qual, uma vez ocorrido, deve ser sancionado. Entretanto, os limites do exercício e o tratamento jurídico preferencial de eventuais excessos, consoante o entendimento desta Corte, estão albergados no ordenamento jurídico, que prevê, por exemplo, a vedação do anonimato, o direito de resposta e a indenização por dano material ou moral. Além disso, ninguém esta imune a ̀responsabilização criminal, hipótese, contudo, que, por se tratar da ultima ratio, exige firme demonstração do ânimo de se praticar delitos tipificados na legislação penal, como calúnia, difamação, incitação pública à prática de crime, dentre outros.37
Na reclamação relator descreve premissas firmadas pelo STF baseadas em consolidadas jurisprudências sobre o tema liberdade de expressão, premissas estas de suma importância para compreender o posicionamento do Poder Judiciário acerca do tema deste trabalho, quais sejam:
“[i] O exercício das liberdades de pensamento, expressão e comunicação, notadamente no âmbito das atividades de imprensa, salvo situações excepcionalíssimas, não pode ser objeto de cerceamento ou censura prévia, nem mesmo judicial;
[ii] A atividade humorística, enquanto manifestação da liberdade de criação artística, amolda ́-se à perfeição a liberdade de imprensa que protege a atividade jornalística, sendo ambas igualmente abrangidas pela firme jurisprudência protetiva da Suprema Corte;
[iii] As liberdades de manifestação do pensamento e de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, inclusive a criação e apresentação de conteúdos humorísticos, possuem posição apriorística preferencial (preferred position) ́ – o que não se confunde com superioridade (inexistente) – em relação aos demais direitos fundamentais constitucionalmente protegidos;
[iv] Tendo em vista o caráter relativo dos direitos fundamentais, eventuais abusos no exercício dessas liberdades devem, preferencialmente, ser objeto de exame posterior, nos termos da legislação civil ou até mesmo penal, dispondo o ordenamento jurídico brasileiro de mecanismos normativos e processuais aptos a equacionar os bens jurídicos conflitantes; e
[v] Somente em situações absolutamente excepcionais, vale dizer, em que restar concreta e objetivamente demonstrada a evidente lesividade para a sociedade, a luz inclusive dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, pode ser cogitado o afastamento cautelar, initio litis, do amplo exercício das liberdades em comento, surgindo pesadíssimo ônus argumentativo para justificar decisão judicial que implique censura prévia.”38
Segundo o Ministro, as justificativas para a imposição das medidas cautelares contra o humorista, apesar de mencionar que houve indícios de incitação à violência e franco desrespeito à dignidade de grupos histórico e socialmente minoritários, a decisão não apontou fala específica para que fosse removida, mediante indicação real do ilícito praticado. Além disso, as medidas cautelares foram deferimento de comandos genéricos de larga escala de proibição, o que é expressamente proibido perante o entendimento da Suprema Corte. Para o relator, a proibição ampla e genérica imposta à um profissional que depende da sua criatividade artística, impedindo que este manifeste qualquer conteúdo que possa ser interpretado como ofensivo, sob pena de multa pecuniária, constitui censura prévia.39
Diante dos direitos fundamentais, como já demonstrado neste trabalho, não há superioridade dentre eles, contudo o Ministro André Mendonça levanta o julgado na ADI n° 4.451/DF, de acordo com o voto do Ministro Roberto Barroso, o direito à liberdade de expressão possui certa preferência diante os outros direitos.
Enfatizo que, no julgamento da ADI no 4.451/DF, em que se reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivo legal que hierarquizava direitos fundamentais, em prejuízo do princípio hermenêutico que defende a unidade da Constituição, decidiu-se não ser possível estabelecer prevalências ex ante, especialmente contra a liberdade de manifestação do pensamento, tida e havida como sendo preferencial (preferred position). O eminente Ministro Roberto Barroso, naquela assentada, consignou que, no
campo dos juízos apriorísticos, a inexistência de superioridade não se confunde com a existência de preferência.40
Como fundamento de seu posicionamento, o Ministro utilizou o julgado trazido neste trabalho, o Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo, que apesar de também atingir um grupo relevante da sociedade, a primazia da liberdade de expressão e artística foi mantida.
Mais recentemente, também na Segunda Turma da Corte, outro caso polêmico foi examinado envolvendo a produção de conteúdo audiovisual – “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo – que, por meio da sátira, atacava símbolos e crenças religiosas de milhões de brasileiros. Nada obstante o escárnio, foi ressaltado pelo Colegiado que a censura a liberdade artística deve ser reservada para os “casos excepcionalíssimos ́”, assegurando-se, uma vez mais, a prevalência da liberdade de expressão, ainda que ofensiva a determinados segmentos da sociedade.41
Portanto, é entendimento pacificado da Suprema Corte sobre a proteção preferencial à liberdade de expressão, garantindo a livre produção de obras humorísticas mesmo que estas não estejam em sintonia com critérios religiosos, morais ou ideológicos majoritários, inclusive de grupos minoritários da sociedade.42
Segundo o Ministro André Mendonça, um aspecto que deve ser avaliado no contexto do caso em tela é o cenário ao qual está inserido as falas, se estas fossem ditas em qualquer outro ambiente certamente haveria um repúdio, entretanto ao ser feita num show humorístico não há como ser interpretado de forma literal.
… diz respeito ao ambiente em que as falas, supostamente “indicativas” da prática de ilićito penal, foram proferidas. Trata-se, a toda evidência, de um show de humor, conhecido como stand up comedy, modalidade atualmente bastante difundida no Brasil, no qual imperam – e é exatamente isso que esperam os consumidores desses eventos – o riso, a galhofa, a deformação hiperbólica da realidade, a crítica abusada, debochada, mordaz, polêmica, por vezes ofensiva e, frequentemente, sem qualquer compromisso com o ideário politicamente correto. 32. No julgamento do Referendo na Medida Cautelar na ADI no 4.451/DF, o eminente Ministro Cesar Peluzo, referindo-se aos programas humorísticos, salientou que “é próprio da caricatura, da sátira e da farsa, aquilo que se chama de deformação hiperbólica da realidade. Ninguém faz farsa, caricatura ou sátira, sem deformar a realidade” (ADI no 4.451-MC-Ref/DF, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. 02/09/2010, p. 24/08/2012). Essa constatação reforça a necessidade de interpretar as falas do reclamante no contexto do ambiente em que são proferidas.
33. O professor Rony Petterson Gomes do Vale, pesquisador dessa temática, delimita bem o campo discursivo do humor praticado sob a forma de stand up, auxiliando a compreensão do ambiente próprio que o envolve, o qual propicia falas que, em qualquer outro contexto ou ambiente, provavelmente causariam perplexidade, indignação e repúdio, jamais, risos.43
Corroborando com essa linha de pensamento, o humorista Léo Lins em seu livro Segredos da Comédia Stand-up, deixa claro que a intenção da piada principal da piada é fazer rir, mesmo que nas entrelinhas haja uma crítica social, de nada ela valeria se não conseguisse uma risada da platéia.
Mas de nada adianta subir ao palco e fazer várias críticas construtivas ao sistema sem arrancar uma risada. Minha intenção com uma piada é fazer rir. Se, além disso, conseguir fazer uma crítica, denunciar problemas na sociedade ou transmitir informações e cultura, melhor ainda. (LÉO, Lins.pag. 125. 2014)
Após toda fundamentação jurisprudencial, o Ministro relator da reclamação em tela deixa claro que sua decisão não implica no mérito da responsabilidade criminal do reclamante, inclusive porque esta não é objeto da reclamação e a competência para o julgamento criminal é de competência ordinária. Por fim, foi julgado procedente o pedido, cassando a decisão reclamada e todos os seus efeitos cautelares, sem prejuízo da continuidade da ação penal em curso.44
Dessarte, ao analisar o caso Léo Lins e o seu show intitulado Perturbador é notório como o Poder Judiciário em sua mais alta corte deixou clara a prevalência do direito à liberdade de expressão e artística, fundamentando sua decisão em jurisprudências e entendimentos já consolidados, é possível concluir que o poder moderador na judicialização do humor tem decidido contra possíveis censuras que possam eventualmente ocorrer.
3) Liberdade de Expressão na Visão de John Stuart Mill.
Portanto, a proteção contra a tirania do magistrado não é suficiente; também é preciso proteção contra a tirania da opinião e do sentimento prevalente; contra a tendência da sociedade de impor, por outros meios que não as penalidades civis, suas próprias ideias e práticas, na forma de regras de comportamento, sobre aqueles que delas discordam; de condicionar seu desenvolvimento e, se possível, evitar a formação de qualquer individualidade que não esteja em harmonia com o seu modo de ser e coagir os caracteres a se moldarem segundo seu próprio modelo. (MILL, John Stuart. p. 75 e 76. 2017.)
John Stuart Mill responsável pela obra Sobre a Liberdade (On Liberty, 1859) retrata um estudo sobre a importância do direito à Liberdade de Expressão, em defesa da individualidade do indivíduo não somente contra o Poder Estatal, mas também contra a sociedade.
No capítulo introdutório deste ensaio, Mill se debruça na explicação de que na antiguidade a luta pela liberdade se dava contra as autoridades, autoridades estas que detinham poder necessário para limitar direitos essenciais do povo, perpetuação no poder e podendo ser uma arma não somente contra inimigos externos como também contra súditos descontentes com as regras impostas (Mill, p. 74. 2017).
O objetivo dos patriotas, portanto, era pôr limites suportáveis ao poder que o governante exerce sobre sua comunidade; essa limitação era o que eles entendiam como liberdade. (MILL, John Stuart. p. 74. 2017).
Entretanto, novas formas de opressão emergiram com o surgimento da democracia e Mill vislumbra um crescimento de um novo fenômeno, a opinião pública. O receio era o nascimento de um governo subjugado pela opinião pública, pois esse fenômeno poderia acarretar a criação de leis através do preconceito público.
A “tirania da maioria” como Mill denomina esse fenômeno é algo temível e requer atenção da sociedade, visto que esta se consolida através dos atos de autoridades públicas em consonância com a vontade da maioria ou então de parte daqueles que detém o mesmo pensamento que os seus. O autor ratifica sua preocupação contra essa tirania feita pelo povo que pode, inclusive, oprimir parte do próprio povo se estes não estiverem de acordo com suas ideias.
A vontade do povo, além disso, quer dizer na prática a vontade da mais numerosa ou mais ativa parte do povo; a maioria, ou aqueles que conseguem se fazer aceitos como a maioria; o povo, consequentemente, pode desejar oprimir uma parte de si mesmo; e contra isso são necessárias muitas preocupações, assim como qualquer outro abuso de poder. (MILL, John Stuart. p. 74-75. 2017).
Devido à opinião pública exercer grande poder sobre o Estado, os governantes possuem a tendência de atender em maior parte os ensejos de alguma classe que esteja em ascensão, construindo parte da moralidade do país através dos interesses dessa classe. Por isso, Mill deixa claro em sua obra o quanto o governo é subjugado aos interesses do povo, desde que este entenda que o poder do governante é o seu próprio poder, assim como as opiniões dos governantes são as opiniões do povo (MILL, p. 80. 2017).
Por essa razão o Mill defendia o direito à liberdade de expressão, para que houvesse respeito à ideia mesmo que não pertencesse aos seus ideais, criando assim um cenário com ideias contraditórias sobre qualquer tema, mas sem o domínio de uma verdade absoluta.
Com base nos ideais do Utilitarismo, doutrina caracterizada pela ideia de que as condutas devem promover a felicidade de cada pessoa envolvida, Mill elaborou “um princípio muito simples” tendo como finalidade que cada indivíduo poderá agir como bem quiser, sem a intervenção de terceiros para impor condutas morais de como deveria agir, desde sua ação não acarreta danos a outros. Segundo o autor, a coação, punindo o indivíduo por desobediência ou através de penas, não é pretexto aceitável para impor seu próprio bem, essa coação só seria justificável quando utilizada para manter terceiros em segurança (MILL. p. 83. 2017). Ou seja, “um princípio muito simples” autoriza a sociedade a interferir na liberdade de ação de qualquer cidadão somente para autoproteção.
… há também no mundo uma grande e crescente inclinação a ampliar indevidamente os poderes da sociedade sobre o indivíduo, pela força da opinião e até mesmo a da legislação; e, como a tendência de todas as mudanças que ocorrem no mundo é de fortalecer a sociedade e diminuir o poder do indivíduo, essa intrusão não leva a que os males desaparecem espontaneamente, mas, ao contrário, a que cresçam e se façam mais temíveis. (MILL, John Stuart. p. 87-88. 2017).
A segunda parte do ensaio intitulado “Sobre a liberdade do pensamento e de debate” é a alma do seu pensamento, o autor defende a liberdade de expressão como um direito individual e que nem o Estado, a sociedade e nem a sociedade através do Estado pode reprimir esse direito. Em sua visão liberal o fato de alguém não concordar com algo que o outro diz, não lhe dá o direito de reprimi-lo.
É somente através da liberdade de expressão e do pensamento que é possível descobrir novas verdades ou descobrirmos que as verdades até o momento consolidadas são de fato, até aquele momento, confiáveis, visto que não há uma verdade absoluta e imutável. Desse modo, um indivíduo pode, inclusive, ter razão em suas ideias, mas isso não lhe dá o direito de abolir ideias contrárias. Em concordância com sua premissa acerca da tirania da maioria, Mill assevera que mesmo um governo utilizando de seu poder coercivo em consonância com a vontade da maioria, este seria um poder ilegítimo.
Suponhamos, portanto, que o governo está sempre acompanhando o povo e nunca pensa em exercer qualquer poder de coerção a menos que tenha concordância do que conceba ser a voz do povo. Mas eu nego que o povo tenha o direito de exercer tal coerção, seja por ele mesmo, seja por meio de seu governo. Esse poder em si mesmo é ilegítimo. (MILL, John Stuart. p. 90. 2017).
Este poder de coerção ao direito individual à liberdade de expressão é mais nocivo quando exercido de acordo com a opinião pública do que quando é realizado em oposição a ela (MILL. p. 91. 2017), afinal quando o cerceamento imposto pelo Estado é feito contrariamente à vontade da maioria é evidente a ação ditatorial do governo, uma ação tirânica realizada contra os princípios democráticos. Contudo, ao ser realizada com aval da opinião pública é difícil visualizar a perda do direito quando a maioria da população se encontra dentro do grupo favorável.
Para o autor silenciar a opinião é lesar toda a raça humana e a possibilidade de evolução dos indivíduos. Se a opinião está certa e foi cerceada, todos aqueles que possuem ideias contrárias ficam privados da oportunidade de entender o contraditório e, possivelmente, trocar de opinião. Entretanto, se a opinião está errada, tira-se a oportunidade do indivíduo perceber uma nova verdade a partir do embate entre o certo e o errado.
Para corroborar com este pensamento é que não há verdades absolutas, e reprimir uma opinião agora seria prejudicial para descobrir novas verdades no futuro, visto que antigamente havia verdades e que, após a evolução da sociedade, hoje se entende que estavam erradas, assim como hoje há verdades aceitas que no futuro poderão ser consideradas absurdas. Por isso que o autor defende a liberdade de poder expressar suas opiniões e viver em uma pluralidade de ideias, “Nunca podemos ter certeza de que a opinião que tentamos reprimir é falsa; mesmo que tivéssemos certeza, reprimi-la seria um mal mesmo assim.” (MILL, John Stuart. p. 91. 2017).
O embate no campo das ideias requer ampla defesa ao contraditório, afinal uma ideia pode ser considerada verdadeira porque há tentativas de refutá-la, entretanto não é possível considerar uma ideia verdadeira se não é permitido a sua refutação.
O ideal do autor é que haja uma ampla liberdade de expressão, essa liberdade sendo limitada somente quando colocar outras pessoas em perigo. Para compreender essa hipótese Mill demonstra em seu ensaio que uma mesma opinião expressada, a depender do local onde é proferida, pode trazer consequências diversas, inclusive expor terceiros em perigo:
Ninguém pretende que as ações sejam tão livres quanto as opiniões. Ao contrário, mesmo as opiniões perdem sua imunidade quando as circunstâncias nas quais se expressam são tais que constituam uma possível instigação para alguma ação nociva. Uma opinião de que os comerciantes de milho são os responsáveis pela fome do povo, ou de que a propriedade privada é um roubo, não deve ser molestada quando simplesmente circular pela imprensa, mas pode incorrer com justiça em punição quando transmitida oralmente para uma multidão agitada reunida em frente à casa de um comerciante de milho, ou quando brandida no meio da mesma multidão na forma de um cartaz. Ações de qualquer tipo que, sem razão justificável, causem danos a outros podem ser, e nos casos mais importantes precisam ser controladas por sentimentos que não lhes sejam favoráveis e, quando necessário, pela intervenção ativa da humanidade. (MILL, John Stuart. p. 141-142. 2017).
Portanto, segundo essa análise do autor não importa qual seja a frase dita, mas sim o contexto ao qual ela será inserida, sendo assim, no contexto do objeto deste trabalho é possível traçar um paralelo em que um texto dito por uma pessoa em uma calçada pode ser considerado grosseiro, racista, xenofóbico ou qualquer outra designação a depender do contexto, entretanto esse mesmo texto interpretado em um palco para uma plateia que pagou ingresso sabendo que assistiria uma obra humorística daquela natureza, não é cabível asseverar que será levado ao pé da letra por conta do contexto ao qual está inserido e a liberdade artística que o humorista possui.
Trazendo a análise do ensaio de John Stuart Mill para o objeto central deste estudo, é possível concluir que qualquer tentativa de cercear os direitos de produzir obras humorísticas ou expressar opiniões em programas de humor é um atentado ao direito à liberdade de expressão.
Assim como a “tirania da maioria” defendida por Mill, hoje segundo o autor há uma imposição de padronização do comportamento social através do politicamente correto que inúmeras vezes é satirizado na comédia, criticando tal posicionamento impositivo de parte da sociedade. Da mesma forma que Mill defende em sua obra, a evolução da sociedade acontece quando há possibilidade do embate de ideias, e as obras humorísticas trazem à discussão essa crítica social. Afinal, como bem analisa Frederico Soares, uma sociedade presa em um comportamento imposto socialmente, politicamente correto, se torna apenas cópia de padrões sem qualquer individualidade e os humoristas servem justamente para quebrar esse paradigma utilizando muitas vezes esses comportamentos coletivos aceitáveis para realizar suas críticas sociais através do humor.
Como podemos ter certezas sobre determinada cultura se o que se observa quase sempre é o simulacro, é o imageticamente apresentável? Onde todos estão presos aos comportamentos coletivos aceitáveis, ou politicamente corretos? O politicamente incorreto tem muito a revelar sobre a essência, as angústias e as inquietações de uma sociedade, e o humorista stand up pode ser a janela para essas descobertas, onde nas teorias da psicologia social reside em um enfoque sobre a relação indivíduo-cultura. (SOARES, Frederico Fonseca. p. 490. 2013).
Portanto, é possível visualizar que obras humorísticas são produzidas para um determinado tipo específico de público e, segundo a visão liberal de Mill, suprimir o direito de produzir conteúdos humorísticos porque não condizem com seus ideais seria uma violação à liberdade individual, contra o direito daqueles que simpatizam com o tipo de humor apresentado.
“Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse.” (Friedrich Nietzsche)
CONCLUSÃO
A liberdade de expressão é um direito basilar para o sustento do regime democrático de direito e o progresso social. Este direito é caracterizado pela capacidade do indivíduo poder ter a liberdade de emitir opiniões e pensamentos sem sofrer qualquer tipo de censura ou interferência, é somente através da liberdade de expressão que é possível a manutenção do debate público, a troca de informações e experiências, gerando um ambiente plural.
Didaticamente a liberdade de expressão é colocada no rol dos direitos de segunda dimensão, direitos políticos e sociais, estes foram paulatinamente conquistados para dar ao homem direitos individuais que antes eram cerceados pelo Estado. Com o surgimento do iluminismo que a liberdade de expressão começou a ser pleiteada como um direito fundamental inalienável e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, e a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, em 1791, foram marcos históricos de suma importância para o começo da consolidação desse direito.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tratou de positivar larga proteção a esse direito, incluindo-o, inclusive, no rol de direitos fundamentais, isso se deu por conta do regime militar instalado no Brasil entre os anos de 1964 a 1985 que suprimiram inúmeros direitos dos cidadãos, e como forma de reparação histórica e na tentativa de proteger esses direitos a Constituição Federal, que ficou conhecida como Constituição Cidadã, outorgar garantias constitucionais de proteção, especialmente à liberdade de expressão.
Apesar desse processo histórico este direito fundamental ainda é um tema que gera muitos debates na tentativa de encontrar um equilíbrio entre a liberdade de expressão e outros direitos. Devido essa complexidade o Judiciário tem sido acionado, como espécie de poder moderador, para decidir diante de casos concretos acerca do limite da liberdade de expressão, e este trabalho trouxe análise de alguns casos em que no ramo humorístico essa liberdade foi questionada.
O primeiro caso abordado foi a obra humorística produzida pela produtora Porta dos Fundos intitulada “Especial de Natal: A Primeira Tentação de Cristo” que foi questionada por uma Associação Católica alegando que o conteúdo feria diretamente o direito à liberdade de crença, ademais a maior parte da população brasileira é cristã. Nesse contexto, é possível visualizar o fenômeno da “tirania da maioria”, explicada por John Stuart Mill em 1789, que ocorre quando uma parcela grande da sociedade tenta impor um padrão de moralidade, este fenômeno se torna mais nocivo ainda quando é realizado por intermédio do Estado, que ao fazer valer a voz da maioria, reprime uma parcela do próprio povo. Entretanto, nesse caso concreto os tribunais superiores ratificaram o entendimento que haveria a prevalência do direito à liberdade de expressão, visto que uma mera obra humorística não teria condão suficiente para abalar a fé cristã.
O segundo caso foi do comediante Rafinha Bastos que durante um programa transmitido em rede aberta de televisão proferiu uma piada ou comentário, a depender do ponto de vista de quem analisa, de cunho sexual contra a cantora Wanessa Camargo. Esse comentário gerou bastante repercussão social, parte defendia o direito à liberdade de expressão ainda mais por se tratar de um programa de humor, enquanto outra parcela da população repudiou a fala do humorista alegando que sua fala teria extrapolado o direito à liberdade de expressão, ferindo inclusive a dignidade da cantora. Após análise pelo Poder Judiciário, o comediante foi condenado a pagar indenização civil para reparação moral, diante do caso concreto os magistrados deixaram claro seu posicionamento contra o comentário proferido, trazendo à tona a subjetividade da opinião pública. A visão liberal de John Stuart Mill defende que não se pode reprimir uma opinião, por mais desagradável que esta possa ser, porque reprimir é dar um poder ao Estado ou à sociedade de instalar padrões aceitos e isso seria um crime contra a humanidade, visto que a pluralidade de ideias é essencial para a evolução de um povo.
Por fim, o caso recente do humorista Léo Lins que teve seu show retirado do ar por ordem judicial e sofreu inúmeras sanções na alegação de que sua obra humorística era um atentado contra minorias. O caso foi até o Supremo Tribunal Federal que decidiu a prevalência do direito à liberdade de expressão, ademais as restrições impostas eram genéricas e caracterizavam espécie de censura.
O pensamento do liberal John Stuart Mill com suas teses baseadas no utilitarismo pode servir de base para casos que ainda podem vir a ser contestados no Poder Judiciário acerca do limite do humor. Afinal, o humor possui uma característica de satirizar problemas sociais para que assim gere reflexão sobre o tema, essa dicotomia entre o riso e a crítica é interpretada de inúmeras maneiras diferentes e grupos específicos podem se sentir atingidos.
Ademais, a primazia do debate é análise do contexto ao qual o caso está inserido, assim como afirma o humorista Léo Lins “o humor não tem limite, o ambiente, sim.” e a tese elaborada por John S. Mill a respeito da mesma frase dita em ambientes distintos podem ter peso diferentes e causar dano a terceiros por conta do contexto ao qual está inserida, podemos concluir que o show de humor possui seu público, público este que tem autonomia de vontade para querer frequentar e consumir esse tipo de conteúdo, além do que as piadas, show e obras humorísticas são feitas em ambientes próprios para isso, seja em casa de shows, programas especificamente humorísticos ou em plataformas de streaming em que o usuário escolhe livremente o que consumir, ou seja, impor limites criando padrões aceitáveis do que pode ou não ser dito seria estabelecer censura, cerceando o direito à liberdade de expressão e artística.
1https://www.netflix.com/br/title/81078397 – Netflix – Especial de Natal Porta dos Fundos.
2No site a Associação se descreve na aba “Quem somos”: “Desde a fundação em 17 de setembro de 2016, o Centro Dom Bosco é uma associação de fiéis católicos que se reúnem para rezar, estudar e defender a fé. Nossa missão é ajudar a resgatar a bimilenar Tradição da Igreja por meio de livros, aulas e iniciativas apologéticas. Homens e mulheres na condição de leigos católicos que, unidos, buscam levar uma vida a serviço da Santa Igreja. Acreditamos que o Brasil é uma nação católica que foi adormecida pelo veneno liberal das casas maçônicas e, para contrapor o erro, seguimos os passos de nosso patrono, São João Bosco. Estudamos a doutrina bimilenar a fim de resgatar o que foi perdido por causa do modernismo e das diversas infiltrações na estrutura eclesiástica. Temos no trabalho editorial nossa principal frente contrarrevolucionária. Desejamos formar uma nova geração de católicos capazes de renovar a Igreja e a Terra de Santa Cruz.” – Site: https://centrodombosco.org/quem-somos/ acesso em 07 de abril de 2024.
3BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Decisão em Ação Civil Pública. Processo 03332259- 06.2019.8.2019.0001. 16º Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 19 dez. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-19/promotora-suspensao-especial-natal humoristico/ Acesso em: 07 abril 2024.
4BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Decisão em Ação Civil Pública. Processo 03332259- 06.2019.8.2019.0001. 16º Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 19 dez. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/juiza-rio-nega-censura especial-natal.pdf Acesso em: 07 abril 2024.
5BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (6ª Câmara Cível). Agravo de instrumento – Cível. Autos n° 0083896-72.2019.8.19.0000. Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/desembargador-tj-rj-censura-especial.pdf Acesso em: 07 abril 2024.
6Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-08/censura-porta-fundos-absurda-fundamento/ Acesso em: 07 de abril 2024.
7BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782 MC/RJ. Brasília, 09 de janeiro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/toffoli-concede-liminar-suspende.pdf Acesso em: 07 abril 2024.
8BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 8 e 9. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
9BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 12. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
10BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 12 e 13. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
11BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 17. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
12BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 22. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
13BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 28 e 29. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
14BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 29. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
15BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 29. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
16BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 31. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
17BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 31. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
18Santana, André. “Há 10 Anos, CQC Estreava No Brasil.” Observatoriodatv.uol.com.br, 23 Mar. 2018, https://www.observatoriodatv.uol.com.br/noticias/ha-10-anos-cqc-estreava-no-brasil. Acesso em: 14 abr. 2024.
19O programa completo foi postado no site Youtube e se encontra disponível através do link: https://www.youtube.com/watch?v=O1nVpidA-wg Acesso em: 14 abr. 2024.
20O vídeo foi postado no site Youtube e se encontra disponível através do link: https://www.youtube.com/watch?v=IG3YzsOJVzs Acesso em 14 de abr. 2024.
21Neste caso foi utilizado um recurso de linguagem, perguntando se ele queria algo para beber, entretanto para passar a ideia sobre o caso sobre a sua fala durante o programa referente à cantora Wanessa Camargo, foi falado dessa forma remetendo a palavra beber com bebê.
22BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18° Vara Cível Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/marcus-buaiz-rafael-bastos-hocsman-acao-1.pdf Acesso em: 14 abr. 2024.
23BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18° Vara Cível Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/marcus-buaiz-rafael-bastos-hocsman-acao-1.pdf Acesso em: 14 abr. 2024.
24BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18° Vara Cível Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/marcus-buaiz-rafael-bastos-hocsman-acao-1.pdf Acesso em: 14 abr. 2024.
25BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18° Vara Cível Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/marcus-buaiz-rafael-bastos-hocsman-acao-1.pdf Acesso em: 14 abr. 2024.
26O comentário foi postado no site Twitter (atual X) e se encontra disponível através do link: https://twitter.com/rafinhabastos/status/159674752355667968 Acesso em 4 de mai. 2024.
27BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18ª Vara Cível Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/marcus-buaiz rafael-bastos-hocsman-acao.pdf Acesso em: 04 mai. 2024.
28BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo 0201838-05.2011.8.26.0100. (10ª Câmara de Direito Privado), acórdão j. em 06.11.2012. Disponível https://www.jusbrasil.com.br/processos/126215498/processo-n-0201838-0520118260100-do-tjsp Acesso em: 04 mai. 2024.
29BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo 0201838-05.2011.8.26.0100. (10ª Câmara de Direito Privado), acórdão j. em 06.11.2012. Disponível https://www.jusbrasil.com.br/processos/126215498/processo-n-0201838-0520118260100-do-tjsp Acesso em: 04 mai. 2024.
30BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo 0201838-05.2011.8.26.0100. (10ª Câmara de Direito Privado), acórdão j. em 06.11.2012. Disponível https://www.jusbrasil.com.br/processos/126215498/processo-n-0201838-0520118260100-do-tjsp Acesso em: 04 mai. 2024.
31BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1.487.089-SP, julgamento em 23 de junho de 2015. Disponível em: https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/REsp%201487089.pdf Acesso em: 05 mai. 2024.
32BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1.487.089-SP, julgamento em 23 de junho de 2015. Disponível em: https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/REsp%201487089.pdf Acesso em: 05 mai. 2024.
33BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. 13ª Câmara de Direito Criminal. Recurso em sentido estrito n° 0089908-35.2011.8.26.0050. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/acordao-rafinha-bastos-acordao-13.pdf Acesso em: 05 mai. 2024.
34Informações sobre a campanha feita pelo humorista. Disponível em: O Livro Do Insulto (fabricadohumor.com.br) Acessado em: 10 mai. 2024.
35As informações foram retiradas do site g1. Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao paulo/noticia/2023/05/17/justica-proibe-leo-lins-de-sair-de-sp-por-mais-de-10-dias-sem-autorizacao judicial-por-comentarios-odiosos-contra-minorias.ghtml Acessado em: 10 mai. 2024.
36BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 22. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
37BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 11. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
38BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 12 e 13. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
39BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 15. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
40BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 16. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
41BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 19. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
42BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 20. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024. https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
43BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 20 e 21. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
44BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 24 e 25. Disponível em:
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