JUDICIALIZAÇÃO DO HUMOR E A VISÃO LIBERAL DE JOHN STUART MILL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11269009


 Luiz Carlos Gorayeb Sucupira Fernandes1
Orientador: Marcelo Augusto Andrade de Oliveira2


RESUMO 

O direito à liberdade de expressão não é um direito absoluto e, justamente  por esse motivo, há inúmeros debates acerca desse tema, analisando quais seriam  os seus limites. Entretanto, ao trazer essa liberdade para o meio artístico a  tendência é o julgamento possuir uma subjetividade maior e por essa razão algumas  obras humorísticas, por desagradar uma pessoa específica ou parte da sociedade,  são levadas para análise do Poder Judiciário. O objetivo geral deste trabalho é  analisar a limitação da atuação do Estado na delimitação de direitos fundamentais,  em específico o direito à liberdade de expressão e artística em obras humorísticas.  Trazendo para o objetivo principal deste trabalho a discussão e análise sobre se há  limites no direito à liberdade artística, o poder moderador desta discussão acaba  sendo o Poder Judiciário, que por vezes é acionado para decidir se no caso concreto  há ou não uma transgressão ao limite do direito fundamental à liberdade de  expressão e artística, se este direito ao ser utilizado feriu outro direito também  detentor de garantias. Na referida pesquisa utilizou-se uma metodologia  bibliográfica, sendo catalogada uma grande quantidade de informações disponíveis  em obras científicas, literárias e processos judiciais. A primazia do debate é análise  do contexto ao qual o caso está inserido, portanto podemos concluir que o show de  humor possui seu público, público este que tem autonomia de vontade para querer  frequentar e consumir esse tipo de conteúdo e impor limites criando padrões  aceitáveis do que pode ou não ser dito seria estabelecer censura, cerceando o  direito à liberdade de expressão e artística. 

Palavras-chave: Liberdade de expressão; Liberdade Artística; Humor; Censura.

ABSTRACT 

The right to freedom of speech is not an absolute right and, precisely for this  reason, there are countless debates on the subject, analyzing its limits. However,  when this freedom is brought into the artistic sphere, the tendency is for judgments to  be more subjective and for this reason some humorous works, because they  displease a specific person or part of society, are taken to the Judiciary for analysis.  The general objective of this work is to analyze the limitation of state action in the  delimitation of fundamental rights, specifically the right to freedom of expression and  artistic freedom in humorous works. Bringing to the main objective of this work the  discussion and analysis of whether there are limits on the right to artistic freedom, the  moderating power of this discussion ends up being the Judiciary, which is sometimes  called upon to decide whether or not in the specific case there is a transgression of  the limit of the fundamental right to freedom of expression and artistic freedom, if this  right when used hurts another right that also has guarantees. This research used a  bibliographic methodology, cataloging a large amount of information available in  scientific and literary works and court cases. The primacy of the debate is to analyze  the context in which the case is inserted, so we can conclude that the comedy show  has its audience, an audience that has the autonomy of will to want to attend and  consume this type of content and to impose limits by creating acceptable standards  of what can or cannot be said would be to establish censorship, curtailing the right to  freedom of expression and artistic freedom. 

Keywords: Freedom of expression; Artistic freedom; Humor; Censorship.

INTRODUÇÃO 

O processo de judicialização do humor é um tema muito controverso por  discutir a ponderação de valores entre o direito à liberdade de expressão e artística  em detrimento a direitos fundamentais consagrados constitucionalmente. Por  conseguinte, é necessário analisar alguns casos em que humoristas foram levados à  justiça por fazerem piadas que de certa forma desagradou uma pessoa específica  ou parte da sociedade, e este estudo trará alguns casos contemporâneos em que o  poder moderador do Judiciário teve que decidir se obras humorísticas estavam ou  não abarcadas pela garantia constitucional à liberdade de expressão e artística.  

O primeiro capítulo aborda sobre a consolidação dos direitos fundamentais,  explicando sobre as dimensões dos direitos fundamentais (os direitos de primeira,  segunda e terceira dimensão) e como estes direitos foram vilipendiados durante o Regime Militar no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, até que voltassem a serem  garantidos na Constituição Cidadã como ficou conhecida a Constituição Federativa  da República Brasileira de 1988. 

O segundo capítulo abordará três casos contemporâneos de obras  humorísticas que foram discutidas perante o Poder Judiciário para decidir se há  limite no humor quando este colide com outros direitos fundamentais. O primeiro  caso é sobre a obra produzida pela produtora Portas dos Fundos intitulada “Especial  de Natal: A Primeira tentação de Cristo” que abrange a liberdade de crença x  liberdade artística; O segundo caso é sobre o processo movido pela cantora  Wanessa Camargo contra o humorista Rafinha Bastos, quando este durante um  programa jornalístico e humorístico transmitido em rede aberta de televisão fez uma  piada sobre a cantora e o filho que estava aguardando na gravidez; E o terceiro caso  que este trabalho irá abordar é sobre o humorista Léo Lins que sofreu uma ação  movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por conta da sua obra  intitulada “Perturbador”. 

Por derradeiro, o último capítulo deste trabalho é uma análise do pensamento  liberal do autor John Stuart Mill acerca da liberdade de expressão em sua obra  “Sobre a Liberdade”. 

É imprescindível o debate sobre o limite do humor e como o Poder Judiciário  está tratando sobre este tema, visto que a liberdade de expressão e artística é um  direito constitucionalmente garantido e basilar para o sistema democrático de direito, entretanto este direito não pode ser utilizado a despeito do cometimento excessos  por não ser um direito absoluto, por isso, a análise jurisprudencial sobre casos  semelhantes é de suma relevância para entender como surgiu o debate e como este  direito ainda pode evoluir dentro do ordenamento brasileiro. 

Diante desses pressupostos, estruturou-se a seguinte problemática: O  processo de judicialização de obras humorísticas pode trazer problemas como a  censura estatal e o cerceamento à liberdade de expressão e artística? 

A hipótese do trabalho considera que há uma preponderância no direito à  liberdade de expressão e artística quando se trata de obras humorísticas, devido a  tamanha subjetividade do tema o Poder Judiciário sendo moderador pode causar  censura criando padrões do que é lícito ou ilícito no campo artístico. 

O objetivo geral deste trabalho é analisar a limitação da atuação do Estado na  delimitação de direitos fundamentais, em específico o direito à liberdade de  expressão e artística em obras humorísticas. Trazendo para o objetivo principal  deste trabalho a discussão e análise sobre se há limites no direito à liberdade  artística, o poder moderador desta discussão acaba sendo o Poder Judiciário, que  por vezes é acionado para decidir se no caso concreto há ou não uma transgressão  ao limite do direito fundamental à liberdade de expressão e artística, se este direito  ao ser utilizado feriu outro direito também detentor de garantias. 

Os objetivos específicos são: analisar no decorrer da história como a  sociedade conseguiu adquirir o direito à liberdade de expressão e artística,  enfrentando desde a superação do absolutismo até os movimento ditatoriais e  descrever como hoje este direito está positivado no Brasil; Examinar se o Estado  está utilizando de suas prerrogativas para institucionalizar padrões de definição do  que é liberdade de expressão e artística ou ataque aos princípios fundamentais do  Estado Democrático de Direito; Analisar o pensamento do liberal John Stuart Mill  sobre a liberdade de expressão. 

Na referida pesquisa utilizou-se uma metodologia bibliográfica, sendo  catalogada uma grande quantidade de informações disponíveis em obras científicas,  literárias e processos judiciais, com objetivo de reunir informações e dados que  servirão de base para análise a partir do tema.

1) Consolidação dos Direitos Fundamentais: 

Desde o início dos tempos, a liberdade de expressão sempre foi o tormento dos donos do poder: do poder político, do poder econômico e do poder  religioso. Uma conquista obtida lenta e paulatinamente no curso da história, que só começa a se afirmar, efetivamente, com as revoluções liberais. Desde a Independência, todas as Constituições brasileiras, a começar pela de 1824, asseguraram a liberdade de expressão. Desafortunadamente,  sempre houve larga distância entre intenção e gesto, num dramático  desencontro entre o discurso oficial e o comportamento dos governos. (BARROSO, Luís Roberto. p.1. 2020) 

Um movimento contra ao autoritarismo Estatal na era do Absolutismo trouxe  nos séculos XVII e XVIII, graças às teorias contratualistas um novo entendimento,  baseado no poder do indivíduo perante o Estado. É nesse entendimento que Gilmar  Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2017, p. 134) apontam  historicamente o início dos direitos fundamentais: 

Nos séculos XVII e XVIII as teorias contratualistas vêm enfatizar a submissão da autoridade política à primazia que se atribui ao indivíduo  sobre o Estado. A defesa de que certo número de direitos preexistem ao  próprio Estado, por resultarem da natureza humana, desvenda característica crucial do Estado, que lhe empresta legitimidade – o Estado  serve aos cidadãos, é instituição concatenada para lhes garantir os direitos  básicos. 
Essas ideias tiveram influência sobre a Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, e sobre a Declaração francesa, de 1789. Talvez, por isso,  com maior frequência, situa-se o ponto fulcral do desenvolvimento dos  direitos fundamentais na segunda metade do século XVIII, sobretudo com o  Bill of Rights de Virgínia (1776), quando se dá a positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem, até ali mais afeiçoados a reivindicações  políticas e filosóficas do que a normas jurídicas obrigatórias, exigíveis judicialmente.  

A expressão ‘Direitos Fundamentais’ representa os direitos dirigidos às  pessoas, positivados na ordem jurídica de seus respectivos Estados. De acordo com  Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 95):  

São direitos que vigoram numa determinada ordem jurídica, sendo, por isso,  garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na  medida em que cada Estado os estabelece.  

Complementando o entendimento, Figueiredo Dantas (2014, p. 270) explica  os direitos fundamentais da seguinte forma: 

Fundamentados no princípio da dignidade humana e diretamente relacionados com o Estado Democrático de Direito, dizem respeito às esferas de interesse essenciais ao gênero humano, destinando-se não só à  tutela dos direitos individuais, como também dos direitos políticos, dos  direitos sociais, culturais e econômicos, além dos direitos de fraternidade e  de solidariedade. 

Nas palavras de Paulo Bonavides sobre os critérios formais da caracterização  dos direitos fundamentais, sintetizando o estudo de Carl Schmitt, primeiramente todos os direitos ou garantias nomeados e especificados na ordem constitucional  podem ser intitulados de direitos fundamentais. E, os direitos fundamentais recebem  da Constituição um grau elevado de garantia ou de segurança, podendo até ser  imutáveis (unabänderliche) ou possuir um processo de mudança dificultada  (erschwert), sendo os direitos que só podem ser alterados através de emenda à  Constituição (Bonavides, 2017, p. 575). 

As características dos direitos fundamentais que são adotadas pela doutrina  são: universalidade, historicidade, indivisibilidade, imprescritibilidade, inalienabilidade, relatividade, inviolabilidade, complementaridade, efetividade e interdependência. 

Os direitos fundamentais são imprescritíveis por não desaparecerem com o  decurso do tempo. São inalienáveis na medida em que não possuem valores  econômicos e não podem ser negociados e transferidos a outrem. São  irrenunciáveis, em regra, ninguém pode renunciar ou negar direitos dados como  fundamentais. São universais ao abranger todos os indivíduos independentemente  de sua origem, raça, sexo, credo ou convicção político-filosófica. São relativos, pois  nenhum direito é absoluto, embora universais, os direitos fundamentais podem ser  relativizados perante cada caso concreto. Devem possuir efetividade e esta será  garantida com o Poder Público tendo como objetivo principal garantir a efetivação  desses direitos. E os direitos fundamentais possuem a complementaridade, tendo  em vista que não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta.  (Paulo e Alexandrino, 2017, p. 96-97) 

Para entendermos o atual cenário que diz respeito aos direitos fundamentais,  em especial o direito à liberdade de expressão e artística, é necessário trazer para o  presente estudo o movimento histórico de consolidação destes direitos, embasado  em aspectos inicialmente históricos, necessários para fundamentar o entendimento  do tema para então nos debruçarmos nas questões contemporâneas que dizem  respeito do cerceamento ou não dos direitos à liberdade de expressão e artística no  Brasil. 

Estudiosos dividem os direitos fundamentais em gerações ou dimensões,  motivo pelo qual esses direitos não foram consolidados ao mesmo tempo na história,  foram sendo positivados e garantidos ao longo da história de acordo com a  demanda da sociedade de cada época. 

Se hoje esses direitos parecem já pacíficos na codificação política, em  verdade se moveram em cada país constitucional num processo dinâmico e  ascendente, entrecortado não raro de eventuais recuos, conforme a  natureza do respectivo modelo de sociedade, mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória que parte com frequência do mero  reconhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros consensuais de efetivação  democrática do poder. (Bonavides, Paulo. 2017, p. 577) 

Inicialmente vale ressaltar que há uma discussão doutrinária a respeito dos  termos “geração” e “dimensão” dos direitos fundamentais, visto que geração dá uma  sensação que ao passar para uma próxima geração há uma evolução dos direitos  anteriormente adquiridos, levando ao entendimento de que houve uma supressão  dos direitos anteriores. Entretanto, quando se fala em direitos fundamentais, não há  essa sobreposição de direitos e, portanto, utiliza-se o termo geração apenas para  demonstrar os momentos históricos aos quais esses direitos foram garantidos,  ademais os direitos fundamentais ficam preliminarmente divididos em três  dimensões de acordo com o lema da revolução francesa, um dos marcos essenciais  para a consolidação desses direitos: liberdade (1ª dimensão), igualdade (2ª  dimensão) e fraternidade (3ª dimensão). 

1.1) Direitos de Primeira Dimensão: 

Os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos,  consolidando as liberdades individuais, realçando assim a primeira dimensão com o  princípio da Liberdade.  

Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis  e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. (BONAVIDES,  Paulo. 2017, p. 577) 

A liberdade do indivíduo em face à opressão estatal era um dos principais  alicerces dos direitos da Primeira Dimensão, positivando um direito que é natural do  homem, assim como destaca Bonavides (2017, p. 576): 

Os direitos do homem ou da liberdade, se assim podemos exprimi-los, eram  ali “direitos naturais, inalienáveis e sagrados”, direitos tidos também por  imprescritíveis, abraçando a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. 

Caracterizados por impor ao Estado um dever de abstenção, uma obrigação  de não fazer, dando foco à liberdade do homem, sem se preocupar, neste  momento, com as desigualdades sociais. Esses direitos surgiram no final do século  XVIII, como uma resposta do novo pensamento liberal contra ao Estado Absolutista. 

Foram frutos das revoluções liberais francesas e norte-americanas, nas quais a burguesia reivindicava o respeito às liberdades individuais, com a  consequente limitação dos poderes absolutos do Estado. Oponíveis, sobretudo, ao Estado, são direitos de resistência que destacam a nítida  separação entre o Estado e a sociedade. Exigem do ente estatal,  precipuamente, uma abstenção e não uma prestação, possuindo assim um caráter negativo, tendo como titular o indivíduo. (JÚNIOR, Diógenes e NOGUEIRA, José Eliaci. 2012) 

Por possuírem uma exigência de intromissão abusiva dos Poderes Públicos  na esfera privada dos cidadãos, esses direitos serviram e ainda servem para impor  restrições à atuação do Estado e, por essa razão, são reconhecidos como os direitos  negativos ou direitos de defesa (PAULO e ALEXANDRINO, 2017, p. 98).  

Ratificando esse entendimento acerca do direito à liberdade ser um  contraponto ao abuso e intromissão estatal, Paulo Bonavides (2017, p. 578) reforça  que os direitos da primeira dimensão são direitos de resistência perante o Estado:  

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o  indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais  característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.  

Os direitos à liberdade, à propriedade, à vida, à liberdade de expressão, à  liberdade de reunião, entre outros são direitos adquiridos nessa primeira dimensão.  

1.2) Direitos de Segunda Dimensão:  

Com o passar do tempo outro problema assolou a sociedade, a desigualdade  social, com a Revolução Industrial trazendo uma industrialização acelerada,  crescimento demográfico e a falta de normas positivadas que amparassem a  população, geraram novas reivindicações. Entretanto, nessa dimensão dos direitos  fundamentais que dominaram o século XX, a prestação do Estado é positiva,  exigindo-se uma atuação direta do Estado na vida da sociedade a fim de diminuir as  discrepâncias sociais. Nesse ponto Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet  Branco (2017, p. 135) sintetizam a segunda dimensão dos direitos sociais: 

O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o État  Gendarme, associado às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações,  impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social. O ideal absenteísta do Estado Liberal não respondia, satisfatoriamente, às  exigências do momento. Uma nova compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes Públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais. Daí o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguros sociais variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social. Como consequência, uma diferente pletora de direitos ganhou espaço no catálogo dos direitos  fundamentais – direitos que não mais correspondem a uma pretensão de  abstenção do Estado, mas que o obrigam a prestações positivas. São os  direitos de segunda geração, por meio dos quais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer etc. 

Os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais,  culturais, econômicos e também os direitos coletivos. Surgiram a partir da reflexão  antiliberal do século XX através das Constituições Marxistas assim como no  constitucionalismo social-democrata, como por exemplo a de Weimar, sendo que  esses direitos dominaram as Constituições após a Segunda Guerra Mundial.  (BONAVIDES, 2017, p. 578) 

1.3) Direitos de Terceira Dimensão: 

Os direitos de terceira dimensão não foram concebidos para a proteção do  homem em si, mas sim de coletividades e grupos, possuem característica da sua  titularidade difusa ou coletiva. Dessa forma, situam-se na terceira dimensão os  direitos à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação  do patrimônio histórico e cultural. Paulo Bonavides (2017, p. 583 e 584) pontua  historicamente esses direitos: 

Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a  cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam  especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano  mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de  coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização  dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.  

Após a abordagem das três dimensões dos direitos fundamentais, o destaque  do excelentíssimo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello aborda  resumidamente o que este trabalho trouxe neste capítulo para o estudo breve dos  direitos e garantias fundamentais: 

“enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que  compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o  princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades  positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade  coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no  processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” STF – Pleno – MS nº 22.164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Secção I, 17 nov. 1995, p. 39.206. 

Abordado cronologicamente o estudo dos direitos fundamentais, como já  explicado anteriormente, divididos em dimensões destes direitos, para melhor  entendimento de como estes direitos foram de fato positivados e implementados, o  estudo irá passar por um momento crucial na história brasileira acerca de direitos e  garantias individuais, o Regime Militar.  

Dessarte, como o objetivo do presente trabalho é trazer à tona se há limites  para os direitos a liberdade de expressão e a liberdade artística, passando por este  momento histórico que ficou conhecido por suas decisões autoritárias, ainda mais no  campo artístico, havendo censuras e controle estatal em diversas obras musicais e  teatrais. 

1.4) Direitos à Liberdade de Expressão e Artística durante o Regime Militar  no Brasil. 

A censura consiste no exame e controle das informações e pensamentos a  que são submetidos trabalhos artísticos ou informativos, com base em critérios morais ou políticos, para decidir sobre a conveniência de serem ou  não liberados para apresentação ao público em geral. A prática da censura leva diretamente à perseguição política daqueles que desejam exercer sua liberdade de expressão. A arte é o reflexo da sociedade. Desse modo, busca-se identificar a arte como forma encontrada pela classe artística para expressar sua liberdade, mesmo que subliminarmente. Em um Estado  Autoritário, a primeira liberdade a ser retirada da população é a liberdade de  expressão. (PINHEIRO, Amanda Lima Gomes. p. 27. 2014). 

O Regime Militar no Brasil teve seu início marcado quando tanques do  exército brasileiro foram enviados para o Rio de Janeiro, na época o atual  Presidente era João Goulart, no dia 31 de março de 1964. Após a saída do então  atual Presidente, uma junta militar assumiu o poder do Brasil e no dia 15 de abril do  mesmo ano o general Castelo Branco toma posse, sendo o primeiro presidente  desse regime que começou em 1964 e perdurou até 1985. 

“Anos de chumbo” é como ficou conhecida a fase de maior interferência nos  direitos e garantias individuais durante o Regime Militar, quando foi instaurado o AI-5  em 1968. Ademais, na fase pré-AI-5 ainda existia alguma liberdade de expressão,  direito à impetração de habeas corpus e entre os anos de 1964 e 1968 o cenário  artístico com viés de esquerda chegou no seu ápice (NAPOLITANO, 2014). 

Portanto, sem entrar na discussão dos porquês o Regime Militar foi  instaurado, este trabalho ao analisar o direito individual e fundamental da liberdade  de expressão do cidadão, a análise se dará após a implementação do Ato  Institucional n° 5, marcado especialmente pelo cerceamento à liberdade de  expressão, afinal segundo Napolitano (2014, p. 4) “É inegável que a fase pré-AI-5  ainda não era marcada pela censura prévia rigorosa e pelo terror de Estado  sistemático contra opositores, armados ou não”. 

Como já explicitado, os 04 (quatro) anos de Regime Militar mais brando foram  cruciais para a construção de um momento que ficaria marcado pelos atentados aos  direitos e garantias individuais, os “anos de chumbo” ficaram registrados pela  perseguição política, desaparecimentos, tortura e cerceamento da liberdade de  expressão, conforme afirma Marcos Napolitano (2014, p. 6): 

Obviamente, não faltaram momentos de conflito entre o regime e os setores  de oposição antes do AI-5, que muitas vezes redundaram em prisões,  inquéritos policial-militares e atos censórios a obras artísticas. Mas nada próximo da violência sistemática e do fechamento da esfera pública que ocorreria a partir da edição do AI-5, em dezembro de 1968, inaugurando os “anos de chumbo” que duraram, na melhor das hipóteses, até o começo de  1976. Neste período, a tortura, os desaparecimentos de presos políticos, a censura previa e o cerceamento do debate político-cultural atingiram seu ponto máximo nos vinte anos que durou a ditadura brasileira. 

Os Atos institucionais foram uma maneira de legitimar o poder do exército  sem que os militares dissessem isso diretamente, Atos sendo decretados pelo  Presidente seriam o amparo político perfeito, segundo Napolitano (2014, p. 14) “os  Atos serviriam para consolidar um processo de ‘normatização autoritária’”.  

Os Atos eram fundamentais para a afirmação do caráter tutelar do Estado, estruturado a partir de um regime autoritário que não queria personalizar o exercício do poder político, sob o risco de perder o seu caráter propriamente militar. Para que o Exército pudesse exercer diretamente o comando político e manter alguma unidade, fundamental no processo que se acreditava em curso, era preciso rotinizar a autocracia e despersonalizar o poder. A autoridade do presidente, figura fundamental neste projeto, deveria emanar da sua condição hierárquica dentro das Forças Armadas (mais  particularmente do Exército) e de uma norma institucional que sustentasse a tutela sobre o sistema partidário institucional e o corpo político nacional como um todo. 

O ano de 1968 foi marcado por muita pressão dos operários, movimento  estudantil e da crescente Frente Ampla. O Ato Institucional n° 5 não surgiu devido a crescente nas manifestações, ele foi construído com o passar dos anos do  Regime Militar. De acordo com Marcos Napolitano (2014, p. 29 e 30)  

A partir de então, estudantes, artistas e intelectuais que ainda ocupavam  uma esfera pública para protestar contra o regime passaram a conhecer a perseguição, antes reservada aos líderes populares, sindicais e quadros políticos da esquerda. O fim de um mundo e o começo de outro, num processo histórico de alguns meses que pareciam concentrar todas as utopias e os dilemas do século XX. 

Após o AI-5 a grande mídia da época foi calada, sendo assim, não podiam  publicar matérias que trouxessem críticas ao Regime, sofrendo enorme censura.  Para manter a ordem e os ideais do Regime Militar, na visão dos militares o  estabelecimento do AI-5 censurando, principalmente para a grande imprensa, foi um  ato necessário (VENTURINI, 2019). 

Luís Roberto Barroso (2020, p.3-4) aponta todas as áreas que a censura  atuou na cultura e na vida intelectual na história do Regime Militar, sendo o período  mais recente de censura generalizada se deu sob a ditadura militar, entre 1964 e  1985, especialmente durante a vigência do Ato Institucional nº 5 (1968-1978). O  cerceamento à liberdade de expressão recaiu sobre múltiplos domínios da vida  intelectual e cultural brasileira:  

a) na imprensa escrita, (i) os jornais eram submetidos a censura prévia e, diante do corte dos censores, que se instalavam dentro das redações,  viam-se na contingência de deixar espaços em branco ou de publicar  poesias e receitas de bolo; (ii) apreendem-se jornais e revistas por motivos políticos (como Opinião e Pasquim) ou de moralidade (Ele & Ela); e (iii) boicotavam-se a publicidade dos jornais que não se curvaram ao governo, para asfixiá-los economicamente (Correio da Manhã);
b) na música, as letras das canções tinham que ser previamente submetidas à Divisão de Censura e Diversões Públicas. Havia artistas  malditos, que não podiam gravar ou aparecer na TV, e outros que só conseguiram aprovar suas músicas mediante pseudônimo. Vivia-se um  país nas entrelinhas e nas sutilezas. A música Apesar de você, de Chico Buarque, chegou a ser liberada, até que alguém se deu conta de que podia haver um protesto embutido em seus versos;
c) no cinema, filmes eram proibidos, exibidos com cortes ou projetados com tarjas que perseguiam seios e órgãos genitais, como ocorreu com o drama  Laranja Mecânica; 
d) nas artes, a peça Roda Viva, também de Chico Buarque, teve o teatro  invadido e os atores agredidos por um grupo paramilitar, sendo logo em seguida proibida sua encenação em todo o território nacional. O Ballet  Bolshoi foi impedido de se apresentar no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, sob a abstrusa invocação de que constituiria propaganda  comunista;
e) na televisão, festivais da canção foram vítimas de intervenção governamental, todos os programas, salvo os ao vivo, eram previamente submetidos a exame por censores e a telenovela Roque Santeiro foi  integralmente vetada para exibição. (BARROSO, Luís Roberto. 2020) 

Portanto, após percorrer por todo esse histórico de cerceamento dos direitos  fundamentais, em especial a liberdade de expressão e artística, houve a criação de  uma nova constituinte, originando a atual Constituição Federal de 1988, que  assegurou veementemente a garantia desses direitos que foram vilipendiados no  passado. 

Como bem preceitua Luís Roberto Barroso (2020, p. 4) “uma nova  Constituição é uma reação ao passado e um compromisso para o futuro.”, ou seja, é  por essa razão que a Constituição protege a manifestação do pensamento e a  liberdade artística, vedando apenas o anonimato.  

Ademais, esses direitos, assim como todos os outros, não são absolutos e  estão limitados à proteção dos direitos da personalidade, podendo gerar uma  indenização moral e material, direito de resposta proporcional e quando o ataque for  contra a Honra o Código Penal prevê tipificações específicas, entretanto, mesmo  com essas limitações, não há hipótese cabível para proibição prévia da  manifestação, seja artística ou de pensamento.  

Ao passar pelo estudo deste momento histórico brasileiro de cerceamento dos  direitos fundamentais à liberdade de expressão e artística, o próximo capítulo deste trabalho abordará alguns casos contemporâneos que mesmo após a promulgação  da Constituição Federal de 1988, como já abordado por este trabalho, protetora dos  direitos fundamentais, houve ameaças a esses direitos. Como preceitua o autor  John Stuart Mill em sua obra Sobre a Liberdade sobre a importância da liberdade de  expressão. 

Precisamos da liberdade de expressão e de pensamento não só para descobrir novas verdades sobre a realidade externa, mas também para  descobrir novas verdades sobre o que deveríamos fazer com nossas vidas.  (MILL, John Stuart. p. 41. 2017).

2) Casos Contemporâneos de um Possível Cerceamento ao Direito à  Liberdade de Expressão e a Liberdade Artística.  

Existe uma grande diferença entre pensar que temos razão e pensar que temos tanta razão que podemos suprimir ideias contrárias à nossa. (MILL,  John Stuart. p. 42. 2017) 

Trazendo para o objetivo principal deste trabalho a discussão e análise sobre  se há limites no direito à liberdade artística, o poder moderador desta discussão  acaba sendo o Poder Judiciário, que por vezes é acionado para decidir se no caso  concreto há ou não uma transgressão ao limite do direito fundamental à liberdade de  expressão e artística, se este direito ao ser utilizado feriu outro direito também detentor de garantias.  

Ainda que o humor se refira a um fenômeno tão interdisciplinar, acaba por  ser incumbida ao Poder Judiciário a tarefa de resolvê-los, uma vez que esse  é chamado para decidir se um determinado episódio que diga respeito a expressões humorísticas estão ou não abrangidos pela proteção estatal.  (TITO, Bianca. 2021)  

Ao analisarmos a Constituição Federal de 1988 é possível perceber que  nenhum direito é absoluto. O direito à vida abarcado no caput do Art. 5° da  Constituição Federal, por exemplo, perde sua proteção máxima quando em estado  de guerra declarada é autorizada a pena de morte, conforme o Art. 5°, XLVII, a (BRASIL, 1988). 

Art. 5°, XLVII – não haverá penas: 
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX.  

O direito à liberdade de expressão, assim como qualquer outro direito  fundamental, perde sua proteção quando atinge diretamente outro direito também  garantido, como quando a Constituição assegura o direito de resposta proporcional  ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Contudo, é  imprescindível a atuação do Poder Judiciário para modular esse contencioso entre  os direitos em conflito. 

Logo, é indiscutível a existência de limitações ao exercício dos direitos garantidos constitucionalmente, como é, portanto, o caso da liberdade de expressão artística, incluindo-se nesse contexto, por óbvio, o ofício do comediante. (SANTOS, Bruno Cavalcante Leitão; JÚNIOR, Francisco de Assis de França. p.10. 2023) 

Garantias constitucionais asseguram a liberdade artística e a liberdade de  expressão, como no art. 5°, IX assegura a atividade artística, independentemente de  censura ou licença e no art. 220, §2° que defende a manifestação do pensamento, a criação e a expressão sob qualquer forma, sendo vedado, inclusive, toda e qualquer  censura de natureza política, ideológica e artística. 

Diante do exposto, este estudo trará alguns casos contemporâneos em que o  poder moderador do Judiciário teve que decidir se obras humorísticas estavam ou  não abarcadas pela garantia constitucional, assim como expõe Bianca Tito: 

Eles envolvem situações nas quais o humor tenha sido utilizado como mecanismo de manifestação de ideias e opiniões, permitindo a expressão dela através desse aspecto. São, então, episódios em que o discurso  (alegadamente) humorístico adentrou no ambiente de discussão judicial, exigindo do Poder Judiciário uma abordagem deste fenômeno. (TITO, Bianca. 2021) 

2.1) Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo:

O Especial de Natal Porta dos Fundos produzido em 2019 com o subtítulo “A  Primeira Tentação de Cristo” é uma obra humorística produzida pelo grupo Porta  dos Fundos e distribuída na plataforma de streaming Netflix. A obra em tela foi  contestada judicialmente por grupos religiosos alegando que o filme estaria ferindo a  honra dos cristãos. 

A sinopse do filme traz a ideia resumida da obra “Jesus está fazendo 30 anos  e traz um convidado surpresa para conhecer a família. (Sátira que envolve valores  caros e sagrados da fé cristã)”1. No filme Jesus está voltando do deserto, onde se  descobre homossexual, e ao voltar para casa prestes a completar 30 anos de idade,  é recebido por uma festa surpresa, entretanto ele está acompanhado de seu  namorado chamado Orlando. Este episódio envolve a discussão se há limite no  humor e na liberdade de expressão contra à garantia da liberdade religiosa. 

A Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura2 moveu uma ação para  retirar do ar a obra humorística alegando que esta produção “Jesus é retratado como  um homossexual pueril, Maria como uma adúltera desbocada e José como um idiota traído”, segundo a associação a liberdade religiosa e a dignidade da pessoa humana  são direitos atingidos diretamente pela obra. 

No dia 19 de novembro de 2019 a Promotora Barbara Salomão Spier enviou  um despacho para a 16º Vara Cível do Rio de Janeiro defendendo a retirada da obra  em epígrafe. No despacho a Promotora assevera que o respeito deve imperar, pois  o significado de sagrado é diferente para cada um, ademais segundo ela “fazer troça  aos fundamentos da fé cristã, tão cara a grande parte da população brasileira, às  vésperas de uma das principais datas do cristianismo, não se sustenta ao  argumento da liberdade de expressão”3. Segundo seu entendimento, este  posicionamento não pode ser considerado como censura, mas sim como uma  ponderação entre direitos fundamentais quando estes estão em colisão, em suas  palavras é “evitar o abuso do direito de liberdade de expressão através do deboche,  do escárnio”. 

A 16º Vara Cível do Rio de Janeiro negou o pedido de liminar para tirar do ar  o Especial feito pela produtora Porta dos Fundos, pois não visualizava uma afronta  ao direito de liberdade de crença e incitação ao ódio. Adriana Sucena Monteiro Jara  Moura foi a juíza que proferiu a decisão, declarando que “o Judiciário só pode proibir  a publicação, circulação e exibição de manifestações artísticas quando houver a  prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos  nos chamados discursos de ódio”4 e acrescentou que a obra “A Primeira Tentação  de Cristo” não tem nada que incite a violência, discriminação e violação dos direitos  humanos, e a obra não fere a liberdade religiosa.  

“Ao assistir ao filme podemos achar que o mesmo não tem graça, que se vale de humor de mau gosto, utilizando-se de expressões grosseiras  relacionadas a símbolos religiosos. O propósito de muitas cenas e termos chulos podem ser questionados e considerados desnecessários, mesmo dentro do contexto artístico criado com a paródia satírica religiosa. Contudo,  há que se ressaltar que o juiz não é crítico de arte e, conforme já restou assente em nossa jurisprudência, não cabe ao Judiciário julgar a qualidade do humor, da sátira, posto que matéria estranha às suas atribuições”5 

Em sua decisão um dos pontos abordados, que para a magistrada é um  elemento essencial, é que a obra foi disponibilizada na plataforma de streaming  Netflix e, portanto, seria disponibilizado apenas para os seus assinantes, não sendo  veiculado em local público e não alcançaria aqueles que não desejariam assisti-lo.  Ademais, restou claro que sua fundamentação é baseada na livre vontade individual,  segundo a juíza “Não há exposição a seu conteúdo a não ser por opção daqueles  que desejam vê-lo.”5 

A Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura interpôs recurso após essa  decisão, este sendo examinado pelo relator Desembargador Benedicto Abicair, da 6º  Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo o pedido aceito em  inteiro teor. Segundo o Relator, seria benéfico para a sociedade brasileira,  majoritariamente cristã, agir com a devida cautela até que fosse julgado o mérito do  caso, assim, decidindo pela retirada da obra na plataforma Netflix.  

Vislumbro, no caso concreto, que o mais importante nessa fase prematura, quando não se adentra o mérito, neste se exigindo o pleno contraditório,  apurar se o dano será maior com a mantença no ar do filme ou com sua  suspensão.

Em contrapartida à decisão proferida pela juíza da 16ª Vara Cível a respeito  do conteúdo ser não ser disponibilizado em locais públicos, tendo acesso somente  para assinantes da plataforma e tão somente assistiria a obra quem porventura  quisesse assistir, o Desembargador Benedicto Abicair argumenta que as Redes  Sociais são incontroláveis e podem ser acessadas por qualquer pessoa, inclusive  menores. 

Ressalto, por oportuno, que as Redes Sociais são incontroláveis e a Netflix, até onde sei, é passível de ser acessada por qualquer ́ um que queira nela  ingressar, inclusive menores, bem como o título da “produção artística” não reflete a realidade do que foi reproduzido.
Daí a minha avaliação, nesse momento, é de que as consequências da divulgação e exibição da “produção artística” da primeira Agravada são mais  passiveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspenção, até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos.6 

Devido a essa decisão iniciou-se uma controvérsia a respeito do tema, frente a  dois direitos fundamentais em colisão, Liberdade de Expressão e Liberdade  Religiosa. Suprimir um em detrimento ao outro para salvaguardar certos direitos traria descontentamento tanto de quem defende um ou outro direito, desse modo, o site jurídico ConJur entrevistou alguns especialistas do direito e a opinião de um  deles é essencial para o debate acerca do tema. De acordo com o site, Alexandre  Fidalgo um advogado especialista em casos que envolvem liberdade de expressão  pontuou que a liberdade de expressão deve ser garantida, como consta na  Constituição Federal, quer a pessoa goste ou não do conteúdo: 

“Recentemente, essa tem sido uma prática comum no Brasil. Em novembro houve aquela decisão que censurou o livro sobre a Suzane von Richthofen, e agora uma nova determinação que barra um conteúdo que é de humor. Quer gostem ou não de um conteúdo, a liberdade de expressão deve ser assegurada, segundo a Constituição”.6 

Por conta da decisão suspendendo a exibição da obra, a plataforma Netflix  decidiu protocolar uma ação no Supremo Tribunal Federal de reclamação com  pedido urgente de concessão de liminar, solicitando que fosse determinada  liminarmente, de forma monocrática, a imediata suspensão das r. decisões  reclamadas proferidas nos autos do Agravo de Instrumento no 0083896- 72.2019.8.19.0000.  

“…esta E. Corte estabeleceu três premissas basilares quanto ao regime constitucional da liberdade de expressão que devem guiar a atividade decisória de todo o Poder Judiciário: (i) a posição preferencial da liberdade  de expressão em eventuais conflitos com direitos fundamentais com ela colidentes; e (ii) a vedação de qualquer forma de censura – inclusive judicial – de natureza política, ideológica e artística, nos termos do art. 220, §2o, da  CRFB; e (iii) a impossibilidade de o Estado fixar quaisquer condicionamentos e restrições relacionados ao exercício da liberdade de  expressão que não aqueles previstos expressamente na própria  Constituição Federal, nos termos do art. 5o, incisos IX e do art. 220, caput, CRFB.”7 

A reclamação foi distribuída para o ministro Gilmar Mendes, entretanto a corte  estava em recesso e o caso foi decidido pelo ministro Dias Toffoli no plantão judicial,  entendendo que o caso em tela era hipótese de deferimento da tutela de urgência  requerida pela plataforma Netflix. 

No entendimento firmado pelo Ministro no deferimento da tutela de urgência,  este exara que o direito à liberdade de expressão é inerente do ser humano em sua  racionalidade, podendo considerar um direito natural, sendo necessário para a  existência do regime democrático de direito. Regime democrático é um ambiente  com pluralidade de ideias e que todos tenham direito a voz.  

De fato, a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo. 8

Para o Ministro, além desse caráter fundamental para a manutenção da  democracia, a liberdade de expressão é um direito humano universal previsto,  inclusive, no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,  sendo condição basilar para o exercício da cidadania em sua plenitude e atuação da  autonomia individual. 

Nesse diapasão, o entendimento do magistrado é que uma obra humorística  não tem o poder de abalar os valores da fé cristã, sustentada por crença há mais de  2 (dois) mil anos.8 

A Segunda Turma do STF, de modo unânime, confirmou o entendimento  firmado de maneira monocrática na decisão do Ministro Dias Toffoli, autorizando que  a obra humorística continuasse a ser exibida. O relator Ministro Gilmar Mendes  relata sobre a dificuldade de definir o limite da arte, visto que não há uma definição  de arte universalmente aceita, dessa forma, a liberdade artística por ser um direito  previsto na Constituição Federal a subjetividade desta embaraça a análise de seus  limites. 

Apesar de expressamente prevista no texto constitucional, o âmbito de  proteção da liberdade artística pode gerar controvérsias. Isso porque épraticamente impossivel chegar ́-se a uma definição de arte universalmente aceita, o que dificulta a análise dos limites da liberdade artística e a consequente verificação de eventuais agressões a outros direitos igualmente assegurados pela Constituição Federal. 
As formas de expressão artística são inúmeras e de impossível previsão,  inclusive pelo fato de que a arte possui, em sua essência, muitas vezes um caráter inovador. Pode também ser polêmica, subversiva, agressiva a padrões usualmente aceitos pela sociedade, características que não raramente fazem com que obras artísticas sejam submetidas ao escrutínio do Poder Judiciário para verificação de possíveis abusos.8 

Ao se desprender do caso em tela, “Especial de Natal: A Primeira Tentação  de Cristo”, é importante trazer à baila um caso utilizado pelo relator para embasar o  posicionamento quanto à liberdade artística, o julgamento da Segunda Turma do  STF do HC 83.996, de relatoria originária do Ministro Carlos Velloso. 

Este caso buscava o trancamento da ação penal em favor de um diretor  teatral, que fora indicado no artigo 233 do Código Penal – praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público. – pois, em reação às vaias do público  local após o término da peça teatral, este diretor subiu ao palco e gesticulou ato de  masturbação e mostrou as nádegas.  

Este caso estava inserido, no entendimento do magistrado, no contexto da  liberdade de expressão, mesmo inadequada. De acordo com o Ministro, a sociedade  dispõe de mecanismos muito mais eficazes contra um ato inadequado socialmente  do que o Código Penal, nesse caso a própria crítica.9 

A reação do público, em si, ao vaiar o diretor teatral em protesto à qualidade  da obra apresentada, deveria ser interpretada dentro do contexto em que  inserida, ou seja, tratava-se de manifestação realizada dentro de teatro, por público adulto e consciente do que poderia ser esperado da proposta artística.
Cuida-se de conclusão que enfatiza a capacidade crítica que os indivíduos possuem em uma sociedade plural e democrática, bem como valoriza sua autodeterminação para decidir quanto a que querem, ou não, ter acesso – o  que inclui obras que possam ser consideradas provocativas ou chocantes –,  para, daí, formar sua própria convicção.10 

Voltando para o caso em análise por esse estudo, apesar da defesa e  proteção que a Constituição Federal de 1988 concede à liberdade de crença, há de  ser levado em consideração a laicidade do Estado, através do princípio da  neutralidade do Estado, garantindo que não haverá a adoção de uma religião oficial,  respeitando todas as crenças. 

Vê-se, assim, que a neutralidade do Estado não significa que este precise  deixar de garantir as condições adequadas à facilitação do exercício de  liberdade religiosa. O que não se admite é que o Estado assuma determinada concepção religiosa como a oficial ou a correta, beneficiando um grupo religioso em detrimento dos demais ou concedendo privilégios.11 

Contudo, após discorrer sobre o direito garantido na Constituição à liberdade  de crença, enfatizando ser um direito fundamental, pontuar sobre o grande papel  social que as igrejas fazem e serviram de base para consolidação da cultura  brasileira, afinal, a sociedade é majoritariamente cristã, o Ministro manifestou em  contraposição a importância da liberdade de expressão.  

Segundo o relator, a liberdade de expressão é um direito basilar para a  construção do Estado Democrático de Direito, pois ele permite o debate público e a  exposição livre de ideias, independentemente de espectro político ou religioso.  Portanto, a regra é a liberdade de expressão e, somente em casos  excepcionalíssimos, poderá haver determinação para proibir alguns conteúdos, caso  estes configurem ocorrência de prática ilícita, de incitação à violência ou à  discriminação, bem como a de propagação de discurso de ódio.12 

Vê-se, dessarte, que esta Corte possui consolidada jurisprudência sobre a  importância da livre circulação de ideias em um Estado democrático; não deixando, porém, de atuar nas hipóteses em que se revela necessária a  intervenção do Poder Judiciário, ante situações de evidente abuso da liberdade de expressão.13 

Diante de todas as considerações feitas, o Ministro Relator Gilmar Mendes  preceitua que na ocasião de colisão entre qualquer outro direito constitucionalmente  garantido e a liberdade de expressão artística, esta deve ser levada em  consideração por possuir um conceito que dificilmente poderá ser definido com  exatidão, arte por si só é um conceito amplo, e nela está incluída obras  consideradas provocativas que podem atingir quaisquer assuntos, inclusive políticos  ou religiosos e, também, por meio de sátiras, como é o caso da obra “Especial de  Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo” do caso em análise.14 

Ao analisar os presentes autos, concluo que a obra “Especial de Natal Porta  dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo”, não incita violência contra  grupos religiosos, mas constitui mera crítica, realizada por meio de sátira, a  elementos caros ao Cristianismo. Por mais questionável que possa vir a ser  a qualidade desta produção artística, não identifico em seu conteúdo fundamento que justifique qualquer tipo de ingerência estatal.15 

Doravante, corroborando com o entendimento juíza Adriana Sucena Monteiro  Jara Moura proferido no Processo 03332259-06.2019.8.2019.0001 da 16º Vara Cível  do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Ministro entendeu também que o conteúdo foi disponibilizado em uma plataforma de streaming, ou seja, de  transmissão particular, à qual o assinante detém o poder de assistir e acessar o  conteúdo que mais lhe agrada, não sendo obrigado a consumir quaisquer conteúdos  que não sejam de seu interesse, podendo, inclusive, cancelar a assinatura com a  plataforma. Esta ação seria muito mais eficaz em demonstrar seu descontentamento  do que qualquer censura perpetrada pelo Estado, afinal a sociedade possui a  prerrogativa para manter algo em evidência ou não através do controle social e essa  plena capacidade do chamado mercado livre de ideias, como apontado pelo  Ministro.16 

Portanto, diante da colisão de direitos fundamentais à liberdade de expressão  artística e a liberdade de crença que o “Especial de Natal Porta dos Fundos: A  Primeira Tentação de Cristo”, é possível notar que o Poder Judiciário adotou o  posicionamento da sobreposição do direito à liberdade de expressão artística. Um  caso complexo que trouxe à baila sobre o limite do humor, sendo arte um conceito  amplo que possui alta subjetividade, e deu tarefa à Suprema Corte de decidir algo  delicado e, nas palavras de Tito (2021. p. 38) “Afinal, como estabelecer que existe  um tipo de arte que, em razão do tamanho de sua ofensa aos sentimentos religiosos  de uma determinada comunidade, seja dada ao Estado a legitimidade de intervir  repressivamente a seu respeito?”.  

Retirar de circulação material apenas porque seu conteúdo desagrada parcela da população, ainda que majoritária, não encontra fundamento em uma sociedade democrática e pluralista como a brasileira.17 

2.2) Caso Rafinha Bastos e Wanessa Camargo: 

Rafael Bastos Hocsman, popularmente conhecido como Rafinha Bastos, é  humorista e à época do caso que este estudo irá abordar trabalhava em um  programa de televisão humorístico chamado “CQC” (“Custe o que Custar”),  transmitido na Rede Bandeirantes de Televisão, passava semanalmente entre os  anos de 2008 e 2015.  

O programa tinha a proposta de ser um telejornal humorístico, trazia as  principais informações que aconteceram durante a semana para comentar utilizando  sempre o humor. “Seu resumo semanal de notícias” era o slogan utilizado pelo  programa. 

O espírito do programa era tratar dos assuntos da semana de maneira diferente do jornalismo convencional. Por isso, seus repórteres, todos de terno preto e óculos escuros, assumiram não apenas a posição de repórter,  mas também de humoristas, fazendo perguntas inusitadas para seus entrevistados. Normalmente, cada repórter atendia por uma editoria, e era comum Rafael Cortez entrevistar celebridades em festas, enquanto Felipe Andreoli cobria os assuntos esportivos. Enquanto isso, Oscar Filho fazia matérias gerais e Danilo Gentili se dividia entre a cobertura política e seu primeiro quadro no programa, o divertido Repórter Inexperiente. Já Rafinha Bastos saía da bancada para trazer denúncias no Proteste Já.18 

O caso que envolveu o humorista Rafinha Bastos e a cantora Wanessa  Camargo aconteceu durante o programa que foi ao ar no dia 19 de setembro de  201119. Um dos apresentadores do programa Marcelo Tristão Athayde de Souza,  conhecido também como Marcelo Tas, comentou que a cantora estava “bonitinha”  após ser apresentada em uma matéria, na época ela estava grávida de seis meses  do seu primeiro filho, após o comentário, Rafinha Bastos, acrescentou que “comeria  ela e o bebê”.  

De um lado o comentário proferido pelo Humorista foi taxado pela falta de  respeito, principalmente pelo fato da Cantora estar grávida, sendo ofensivo,  inclusive, com o feto.  

Em contrapartida, houve quem defendesse a liberdade de expressão do  Humorista, apesar de ter sido indelicado na forma como se referiu à cantora, não  justificaria qualquer sanção, até mesmo uma censura.  

Diante desse cenário, não houve nenhuma retratação por parte do humorista,  este se manteve em silêncio sobre o comentário feito sobre o programa. Entretanto,  na oportunidade que teve, fez um vídeo satirizando toda essa situação20. No vídeo o  humorista encontra-se em uma churrascaria e o garçom lhe oferece um corte de  carne chamado “baby beef” e o humorista responde “Baby? Hãn, baby não, vou  comer não”, em seguida o garçom lhe oferece uma carne chamada “fraldinha”, e ele responde “fraldinha? Fraldinha não, amigo. Muito obrigado”, contudo antes do  garçom se retirar de cena ele pergunta para o humorista “você vai querer alguma  coisa pra bebê?” e o vídeo é finalizado com o Rafinha Bastos se indagando com  uma expressão negativa “bebê?”21

Devido a toda a repercussão que o caso trouxe, a cantora e seu marido, Marcus  Buaiz, ingressaram com uma Ação de Indenização por Danos Morais, como autores  e representantes legais do seu filho, que estava em gestação, contra Rafinha Bastos.  A ação pretendia que ele pagasse pelos danos morais causados ao casal, e  eventualmente o nascituro, por conta do comentário feito no programa em rede  nacional. 

Ademais, foi alegado na inicial sobre o comportamento do réu na sua fala  infeliz, incompatível, contudo, com o que se possa rotular como humorismo  saudável, acrescentaram também que o apresentador tampouco respeitou  dispositivo expresso na constituição que versa sobre programas televisivos  respeitarem “os valores éticos e sociais da pessoa e da família.  

Por óbvio, a glosa televisiva do Réu não expressou, apenas, mau gosto da pior espécie, incompatível com o que se possa razoavelmente rotular de ́ verdadeiro e saudável humorismo. Tampouco se restringiu, o Réu, ao  terreno da cafajestice chinfrim, mais adequada às conversas livres de  “machões” embriagados que se refestelem em botequins ou casas de tolerância. Nem sequer limitou-se, a afirmativa de “Rafinha”, a desrespeitar  o comando, posto na Constituição Federal (art. 221, inc. IV), que manda os  programas de televisão respeitarem ” os valores éticos e sociais da pessoa e da família”.22 

A ação alega que o humorista atingiu diretamente a dignidade e injuriou não  só o casal, mas também o nascituro. Visto que, ao realizar o comentário, Rafinha  Bastos desconsidera o estado civil da Wanessa Camargo e que o seu ato sexual  abrangeria o “bebê”. 

A par de tudo isso —— ou seja, do péssimo gosto, da biltraria rasteira e do  desdém à Constituição ——, malferindo a dignidade dos atingidos o Réu  injuriou a todos os autores da presente ação na medida em que, menosprezando o estado civil da autora WANESSA (casada com o autor MARCUS, pai do nascituro, Doc.2), parl apatetou a sua vontade de com ela fornicar, chegando ao inimaginável cúmulo de nessa cópula abranger ao “bebê”, isto é, ao nascituro demandante, desejos relativamente aos quais, para empiorar, “Não tô nem aí, tô nem aí!”.23 

Os autores inserem na inicial episódios em que o humorista aproveitou para  satirizar o caso em tela, incluindo ainda o vídeo feito por ele na churrascaria, como  já descrito neste trabalho. 

Doutra parte, não contente com o escancarado deboche, o Réu fez circular pela “Internet” vídeo, por ele mesmo encenado, que o colocava e ́ m uma churrascaria onde, teimando em rememorar o comentário injurioso aos Autores, recusava as ofertas de ” baby beef ” e de “fraldinha”, a par de enjeitar qualquer coisa para ” bebê” (beber).24 

A demonstração de vários outros casos em que o humorista utilizou de falas  agressivas tinha a intenção de mostrar que essa era uma prática corriqueira do réu,  utilizando de um humor lesivo, diante do histórico desfavorável do humorista, este  comportamento rotineiro deveria ser sopesado na quantificação valorativa do dano  moral merecido pelos autores. Ademais, além do caráter punitivo do ressarcimento  monetário devido aos danos morais causados, há também o caráter pedagógico da  indenização, objetificando que o réu não mais rescindisse em ações desse tipo. 

Na fixação do valor indenizatório, V. Exa. saber a ́levar em conta, além da  função punitiva dos danos morais, o inafastável conteúdo pedagógico e  desestimulador realçado pelos doutores e pretorianamente sublinhado 12,  desestimulo este que adquire ́ ainda maior significado a ̀face do  impressionante currículo do Réu e da natureza da pretensa “comicidade”  que desenvolve.25 

Juiz da 18° Vara Cível da Comarca Central da Capital de São Paulo acolheu,  em primeiro grau, os pedidos da inicial no dia 17 de janeiro de 2012, fixando a  condenação por danos morais no valor de 30 (trinta) salários-mínimos – 10 salários mínimos para cada autor da ação.  

Após a condenação em primeiro grau proferida, o humorista veio a público por  meio de sua rede social Twitter falar sobre a decisão postando “Status: Ocupado.  Juntando moedas.”.26 

De acordo com o entendimento do magistrado, o comentário dito por Rafinha  Bastos durante o programa não se enquadra em humor, mas tão somente uma  grosseria de conotação sexual. Ademais, acrescentou que as liberdades artísticas e  de expressão são garantidas pela ordem constitucional, entretanto a comédia não  pode ser resguardada em detrimento à honra do outro e, por isso, essas liberdades  constitucionais não se aplicariam ao réu que utiliza para fazer um humor distorcido.27 

Após essa decisão o humorista recorreu requerendo a extinção do processo  alegando a ilegitimidade ativa do nascituro e pediu também na demanda a  diminuição da indenização. Em ato seguinte os autores da ação também recorreram  solicitando a majoração do valor indenizatório. Por maioria dos votos no Tribunal de  Justiça do Estado de São Paulo, mantiveram o dever de indenizar os autores pelos  danos morais causados pelo humorista e a 10ª Câmara de Direito Privado majorou a  indenização para R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) – R$ 50.000,00  (cinquenta mil reais) para cada autor da ação.28 

O relator, desembargador Roberto Maia, relator da ação, foi o único voto  contrário, pois para ele a exigência de danos morais contra o humorista seria uma  espécie de censura. Uma sanção civil separaria o humor em categorias, como  permitido/proibido é lícito/ilícito, por exemplo, o que traria uma espécie de padrão  delimitando o humor. Entretanto, na visão do relator, essa separação em padrões já  seria feita pela própria sociedade ao tomar suas próprias decisões do que assistir ou  não, do que gostam ou não, sem precisar da tutela estatal para isso. 

Corroborando com esta última análise, o desembargador acrescenta que essa  análise social já foi feita por milhares de pessoas que se pronunciaram sobre o  caso através da internet, seja condenando ou não a fala do humorista. Contudo, o  seu papel ao analisar juridicamente o caso em tela é somente sobre a controvérsia  se há um dano indenizável ou não em razão do que foi dito, dessa forma, não é seu  papel julgar se a expressão foi certa ou errada já que a decisão deve ser levada todo o contexto a qual está inserida, em sua visão não se pode analisar o caso de  maneira superficial.29 

Ao se interpretar literalmente tudo que é dito independentemente do local e  contexto em que é dito não será possível julgar nenhum caso e, por isso, em seu  voto o desembargador ao analisar todo o cenário em que Rafinha Bastos estava não  é possível interpretar que o humorista realmente desejava realizar sexo com a  cantora e seu filho, apesar de ser uma fala grosseira e de mau gosto extremo, a fala  não passa de uma piada. Acrescentou também que o humor de Rafinha Bastos é  caracterizado por ser aquele típico de adolescentes, não tendo limite de qualquer  assunto para fazer piada, mesmo que esta seja considerada rude ou ácida.30 

O caso seguiu para apreciação do Superior Tribunal de Justiça no dia 23 de  junho de 2015, confirmando a condenação do humorista Rafinha Bastos. O Ministro  Marco Buzzi, relator do caso, desprende que no decorrer da ação foi analisado todo  o contexto no qual o comentário foi feito, inclusive se havia efetivo animus  diffamandi/injuriandi, ou negligência/imprudência na verbalização, mesmo com o uso  eventual do humor/piada. 

Verifica-se que na origem houve uma análise categórica de todo o contexto no qual inserido o comentário, tudo objetivando constatar se havia, embora mediante o uso de eventual humor/piada, efetivo animus diffamandi/injuriandi, ou negligência/imprudência na verbalização, e ainda, se essa foi capaz de causar real dano moral, atingindo a esfera do direito de personalidade (honra, vida privada, intimidade, imagem, etc) dos autores.31 

O Ministro Relator acrescenta o entendimento proferido pela 10° Câmara de Direito Privado que, apesar do voto vencido do relator originário, as instâncias  ordinárias decidiram que o uso da piada pelo humorista foi extremamente agressivo,  trazendo em suas palavras um estigma negativo que difama, principalmente, a  imagem da mulher. Ademais, foi utilizado pelo tribunal local o recurso  constitucionalmente assegurado de ponderação de valores, no caso em tela direito de personalidade x liberdade de expressão, dando prevalência ao direito de  personalidade e foi tomado como base o discurso de diversas pessoas de variadas  mídias que caracterizaram a fala não sendo humorística pois não teria graça.  

Ressalte-se que, salvo o entendimento precursionado pelo Desembargador relator originário do feito perante o Tribunal a quo (voto vencido), as instâncias ordinárias entenderam que o demandado, ainda que tenha feito  uso da piada, foi “extremamente agressivo” pois, embora se utilizando de um brevíssimo discurso, esse estaria “carregado de informações extremamente negativas, que aviltam a imagem tanto da mulher, como da  criança, e reflexamente, do esposo e pai destas, todos atingidos de forma a  se ter por comprometida a sua dignidade enquanto pessoas humanas” (fls.  324, e- STJ)
O Tribunal local, também, no juízo de ponderação de valores  constitucionalmente assegurados (direito de personalidade x liberdade de  expressão) afirmou a prevalência do primeiro no caso concreto e, ainda,  tomando como base o discurso de diversas pessoas de variadas mídias  asseverou que a piada sem graça não seria humor, motivo pelo qual não poderia o réu, “estando a participar de um dos maiores meios de comunicação de massa da atualidade, a televisão, (…) usar de sua  liberdade de expressão de modo a por em risco valores ainda maiores, como a dignidade da pessoa humana”.32 

Doravante, antes de concluir a análise do caso em tela, é necessário também  informar que a fala do humorista repercutiu não somente na esfera cível, pois a  cantora Wanessa Camargo e seu marido Marcus Buaiz, também representantes  legais do nascituro, representaram Rafinha Bastos pela prática do crime de injúria.  Contudo, a 14ª Vara Criminal de São Paulo, diferentemente do que foi entendido na  esfera cível, não considerou o nascituro titular de direitos à honra e à imagem, pois  lhe falta legitimidade ad causam. Essa decisão foi mantida de forma unânime pelos  desembargadores da 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São  Paulo, excluindo o nascituro do polo ativo da ação. 

Alegam, em síntese, que o nascituro ́ é parte legitima para figurar na ação  como querelante, uma vez que a lei põe a salvo, desde a concepção, os  direitos do nascituro e que a configuração do delito de injúria não exige que  a ofensa seja diretamente percebida pelo ofendido; ademais, as angústias e  os impactos físicos e psíquicos que a mãe possa padecer em razão da  prática da injúria, interferem no natural desenvolvimento do feto, atingindo-o. 
(…)  
Ainda que, segundo alegado, a angústia da mãe possa refletir no  desenvolvimento natural do feto, tal circunstância, porém, não é suficiente  para a caracterização do elemento subjetivo do delito de injúria, que exige  tenha a vítima consciência da dignidade ou decoro, sem a qual não haveria  tipicidade. 
(…)  
Daí o acerto da r. decisão recorrida ao proclamar “inevitável se reconhecer que o nascituro não pode ser sujeito passivo de injúria, analisando-se que,  no caso, não tem a mínima capacidade psicológica de entender os termos e o grau da ofensa à sua dignidade e decoro” (fl.69). Portanto, afastada a  participação do nascituro do polo ativo da ação, e tendo em vista a natureza do delito, cessa a competência da justiça criminal comum, que é deslocada  para o juizado especial criminal, competente para processar e julgar o delito de injúria, nos termos da Lei n° 9.009/95. Por essas razões, nega-se provimento ao recurso.33 

Portanto, concluindo a análise do caso Rafinha Bastos x Wanessa Camargo  considerando os entendimentos desde o seu julgamento em primeira instância até o  Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a ponderação de valores, houve uma  prevalência do direito à dignidade da pessoa humana em detrimento à liberdade de  expressão. Nota-se também que para o desfecho desse caso a piada em si foi  levada em consideração para a condenação do humorista, de acordo com o próprio  Ministro do STJ “tomando como base o discurso de diversas pessoas de variadas  midias asseverou que a piada sem gra ́ ça não seria humor”, dessarte é possível  extrair dos autos processuais que a opinião pública e midiática interferiu diretamente  na análise jurídica do caso.  

Sob essa mesma perspectiva, a piada também não deve ser interpretada de forma literal, vez que seria absurda a interpretação de que o humorista  efetivamente pretendia manter relações sexuais com a artista e o seu nascituro. (TITO, Bianca. p. 48. 2021) 

2.3) Caso Léo Lins: 

Leonardo de Lima Borges Lins, popularmente conhecido como Léo Lins, é  humorista, ator, escritor e faz shows de stand-up. Ele foi um dos integrantes do  primeiro grupo de stand-up comedy do Brasil, intitulado “Comédia em Pé”, em 2008,  ao lado de outros comediantes nacionalmente reconhecidos como Fábio Porchat e  Fernando Caruso.  

Léo Lins lançou em 2009 o primeiro livro do gênero stand-up comedy no  Brasil, intitulado “Notas de um comediante stand-up, e em 2014 lançou seu segundo  livro chamado “Segredos da comédia stand-up”.  

O humorista é reconhecido por fazer piadas sobre qualquer tema, seja ele  socialmente aceito ou não, gênero este conhecido como “humor negro”. E termo foi  utilizado pela primeira vez em 1939 pelo autor Andre Breton em sua obra “Anthology of Black Humor”, o nome humor negro derivou do estilo francês “humor noir”. Em  tese, esse gênero humorístico utiliza das piadas para fazer uma crítica à ordem  social, principalmente contra o politicamente correto, dando a possibilidade de  enxergar o problema através de uma outra ótica e refletir sobre o tema após o riso.  

Demonstrando esse traço por esse tipo de humor o humorista iniciou uma  campanha privada para arrecadar fundos no intuito de lançar mais uma obra, o “livro  dos insultos”, através do site Fábrica do humor a meta era conseguir quarenta e  cinco mil reais, entretanto com apoio maciço de seu público angariou mais trezentos  e dez mil reais. No site o autor descreve a obra como “A maior e mais completa obra  dedicada ao humor de insulto, escrita pelo comediante mais censurado do Brasil,  Léo Lins”.34 No livro, apesar de ser uma coletânea de insultos, o autor deixa claro  que o intuito da piada é fazer rir, se causar qualquer outro sentimento que não o  sorriso deixará de ser piada “Nunca utilize o conteúdo deste livro para causar danos  psicológicos. O intuito de uma piada é sempre rir e nunca constranger ou denegrir”  (LINS, Léo. p.8. 2019).  

Mas lembre-se que o intuito de uma piada é sempre provocar o riso e nunca constranger. Um mestre do insulto deve ser capaz de atingir seu alvo sem machucá-lo e conscientizá-lo, sem reduzir a sua autoestima. (LINS, Léo. p.1. 2019) 

Após breve introdução ao histórico do humorista, o caso que será abordado  neste trabalho diz respeito ao especial de comédia chamado “Perturbador”. O show  foi realizado em junho de 2022 no Teatro Positivo em Curitiba, inicialmente com  apresentação única às 21h30, entretanto os ingressos esgotaram antes do  previsto e uma sessão extra foi aberta para as 19h. O especial de comédia foi  gravado para ser disponibilizado em plataformas digitais. 

Contudo, em 2023 o Ministério Público do Estado de São Paulo instaurou um  processo contra Léo Lins e em maio o Tribunal de São Paulo deferiu a medida  cautelar determinando a retirada do especial de comédia “Perturbador” da  plataforma Youtube, que na época passava dos três milhões de acessos, e  estabelece outras medidas, como: proibição de deixar a cidade em que reside por  mais de dez dias; Proibição de manter, transmitir, publicar, divulgar, distribuir,  encaminhar ou realizar download de quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto,  com conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero,  condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou  qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável; Proibição de realizar,  em suas apresentações, quaisquer comentários” em relação às minorias citadas  acima; Obrigação de retirar do ar em plataformas virtuais, sites, redes sociais ou  qualquer aplicação de internet arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo  depreciativo ou humilhante em desfavor” das minorias citadas; comparecer  mensalmente em juízo; e em caso de descumprimento de qualquer das medidas  citadas uma multa diária de dez mil reais.35 

No dia 04 de setembro de 2023 após decisão do Tribunal de Justiça de São  Paulo, o humorista Léo Lins se tornou réu em processo criminal, podendo ser punido  com a pena de até dez anos caso seja condenado por conta de suas piadas no  especial de comédia. Ademais, o processo tramita em segredo de justiça, o que  dificulta o estudo do caso, apesar disso, este trabalho abordará a “Lei Antipiada”,  que serviu de base para instauração do processo criminal, e a decisão proferida pelo  Supremo Tribunal Federal sobre o caso do humorista Léo Lins.  

A “Lei Antipiada” ficou conhecida após o presidente Luís Inácio Lula da Silva  sancionar lei que equipara a injúria racial ao crime de racismo, sendo assim, a injúria  racial passou a ser imprescritível e inafiançável. Ademais, a pena máxima para este  crime passou de três para cinco anos.  

O trabalho de um humorista, especialmente aqueles que se dedicam à  comédia stand-up, é fazer sátiras, críticas e piadas que normalmente são contra os  padrões socialmente aceitos. Após a adição da equiparação da injúria racial com o  crime de racismo, a Lei 7.716/89 trouxe alguns dispositivos que atinge diretamente o  trabalho humorístico, como é o caso dos artigos 20, §2°-A e 20-A, in verbis:  

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,  cor, etnia, religião ou procedência nacional. 
§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público:Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso. 
(…)
Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3  (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação. 

Portanto, ao tratarmos da profissão de humoristas há neste dispositivo quase  que um impedimento legislativo para executar o seu labor, visto que qualquer piada  feita pode ser considerada injuriosa sendo enquadrada no tipo penal do crime de  racismo. Ademais, no Art. 20-C a lei dispõe que o juiz deve considerar como  discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou à grupos  minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição  indevida, contudo a abrangência do termo “grupos minoritários” deixa o tema ainda  mais subjetivo dificultando ainda mais a interpretação legal e o ofício do humorista.  

Certamente a intenção destes artigos foi para inibir a prática do racismo  recreacional feito cotidianamente, muitas vezes na prática de bullying, trazendo danos sociais, ainda mais para as camadas sociais que já sofreram muito com o  racismo e com a xenofobia, por exemplo. No entanto, a diferença entre o racismo  recreacional, estampados nos artigos mencionados acima e o trabalho do humorista  em cima de um palco de stand-up é o dolo específico da conduta, enquanto na  prática do racismo recreacional ao fazer o bullying o agente tem a intenção de  ofender e age sabendo que está ferindo a honra da vítima, já no caso do comediante  não há sequer a intenção de atingir a honra de qualquer vítima ou grupo social, são  piadas feitas em locais específicos para isso e com público que pagou para assistir o  show sabendo do seu conteúdo e do perfil do humorista que apresentará. 

Essa necessária contextualização, embora, como já mencionado, não  signifique imunidade penal, é altamente indicativa da configuração do  animus jocandi, inerente e presumido em qualquer apresentação artística dessa natureza, cuja audiência, aliás, demanda postura ativa por parte de quem, livre e conscientemente, escolhe consumir esse tipo de diversão. Daí por que não há que se confundir o presumido animus jocandi de um profissional do humor com o dolo de se praticar crimes, necessário, em regra, para configurar a maior parte dos tipos penais existentes na legislação (art. 18, parágrafo único, do Código Penal). É certo que, como tudo no direito (e na vida), há limites para o exercício de qualquer atividade, e não se descarta a possibilidade de, por meio de piadas, cometer-se crimes. Todavia, é o ânimo interno do agente, a ser extraído das circunstâncias de cada caso – inclusive e especialmente do ambiente – que  vai delinear os indicativos da prática, ou não, de ilícitos criminais.36 

Sendo assim, como há a majorante do tipo penal que aumenta a pena um  terço até a metade quando o crime é cometido no contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação, mesmo o humorista não tendo o dolo  específico para o cometimento do crime, seria menos danoso para ele afirmar, no  curso do processo, que suas falas são de fato os seus pensamentos e não piadas,  pois assim não seria enquadrado nessa majoração da pena.  

Em análise à decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do caso em tela,  no dia 28 de setembro de 2023 o Ministro André Mendonça, em face da Reclamação  n° 60.382 São Paulo, decidiu cassar as medidas cautelares impostas ao humorista  Léo Lins.  

O Ministro Relator em seu voto salienta em seu voto que os direitos  fundamentais não se revestem de caráter absoluto, sendo assim, a liberdade de  expressão por ser um direito fundamental também não encontra prerrogativa  constitucional para seu exercício irrestrito. Ademais, em caso de excessos no uso  desta liberdade, o agente será responsabilizado civilmente e responderá  criminalmente, conforme tipificação do Código Penal, como calúnia, injúria e  difamação. 

É sabido, porém, que os direitos fundamentais, por importantes que sejam, não se revestem de caráter absoluto, razão pela qual também não encontra abrigo no ordenamento jurídico uma suposta licença total e irrestrita do exercício da liberdade de expressão. O uso estará sempre sujeito ao risco do abuso, o qual, uma vez ocorrido, deve ser sancionado. Entretanto, os limites do exercício e o tratamento jurídico preferencial de eventuais excessos, consoante o entendimento desta Corte, estão albergados no ordenamento jurídico, que prevê, por exemplo, a vedação do anonimato, o  direito de resposta e a indenização por dano material ou moral. Além disso,  ninguém esta imune a ̀responsabilização criminal, hipótese, contudo, que, por se tratar da ultima ratio, exige firme demonstração do ânimo de se praticar delitos tipificados na legislação penal, como calúnia, difamação, incitação pública à prática de crime, dentre outros.37 

Na reclamação relator descreve premissas firmadas pelo STF baseadas em  consolidadas jurisprudências sobre o tema liberdade de expressão, premissas estas  de suma importância para compreender o posicionamento do Poder Judiciário  acerca do tema deste trabalho, quais sejam: 

“[i] O exercício das liberdades de pensamento, expressão e comunicação, notadamente no âmbito das atividades de imprensa, salvo situações excepcionalíssimas, não pode ser objeto de cerceamento ou censura prévia, nem mesmo judicial;
[ii] A atividade humorística, enquanto manifestação da liberdade de criação artística, amolda ́-se à perfeição a liberdade de imprensa que protege a atividade jornalística, sendo ambas igualmente abrangidas pela firme jurisprudência protetiva da Suprema Corte;
[iii] As liberdades de manifestação do pensamento e de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, inclusive a criação e apresentação de conteúdos humorísticos, possuem posição apriorística preferencial (preferred position) ́ – o que não se confunde com  superioridade (inexistente) – em relação aos demais direitos fundamentais constitucionalmente protegidos;
[iv] Tendo em vista o caráter relativo dos direitos fundamentais, eventuais abusos no exercício dessas liberdades devem, preferencialmente, ser  objeto de exame posterior, nos termos da legislação civil ou até mesmo  penal, dispondo o ordenamento jurídico brasileiro de mecanismos normativos e processuais aptos a equacionar os bens jurídicos conflitantes; e
[v] Somente em situações absolutamente excepcionais, vale dizer, em que restar concreta e objetivamente demonstrada a evidente lesividade para a sociedade, a luz inclusive dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, pode ser cogitado o afastamento cautelar, initio litis, do amplo exercício das liberdades em comento, surgindo pesadíssimo ônus argumentativo para justificar decisão judicial que implique censura prévia.”38 

Segundo o Ministro, as justificativas para a imposição das medidas cautelares  contra o humorista, apesar de mencionar que houve indícios de incitação à violência  e franco desrespeito à dignidade de grupos histórico e socialmente minoritários, a  decisão não apontou fala específica para que fosse removida, mediante indicação  real do ilícito praticado. Além disso, as medidas cautelares foram deferimento de  comandos genéricos de larga escala de proibição, o que é expressamente proibido  perante o entendimento da Suprema Corte. Para o relator, a proibição ampla e  genérica imposta à um profissional que depende da sua criatividade artística,  impedindo que este manifeste qualquer conteúdo que possa ser interpretado como  ofensivo, sob pena de multa pecuniária, constitui censura prévia.39 

Diante dos direitos fundamentais, como já demonstrado neste trabalho, não  há superioridade dentre eles, contudo o Ministro André Mendonça levanta o julgado  na ADI n° 4.451/DF, de acordo com o voto do Ministro Roberto Barroso, o direito à  liberdade de expressão possui certa preferência diante os outros direitos. 

Enfatizo que, no julgamento da ADI no 4.451/DF, em que se reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivo legal que hierarquizava direitos fundamentais, em prejuízo do princípio hermenêutico que defende a  unidade da Constituição, decidiu-se não ser possível estabelecer prevalências ex ante, especialmente contra a liberdade de manifestação do  pensamento, tida e havida como sendo preferencial (preferred position). O  eminente Ministro Roberto Barroso, naquela assentada, consignou que, no  campo dos juízos apriorísticos, a inexistência de superioridade não se  confunde com a existência de preferência.40 

Como fundamento de seu posicionamento, o Ministro utilizou o julgado trazido  neste trabalho, o Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de  Cristo, que apesar de também atingir um grupo relevante da sociedade, a primazia  da liberdade de expressão e artística foi mantida. 

Mais recentemente, também na Segunda Turma da Corte, outro caso polêmico foi examinado envolvendo a produção de conteúdo audiovisual –  “Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo – que,  por meio da sátira, atacava símbolos e crenças religiosas de milhões de brasileiros. Nada obstante o escárnio, foi ressaltado pelo Colegiado que a censura a liberdade artística deve ser reservada para os “casos  excepcionalíssimos ́”, assegurando-se, uma vez mais, a prevalência da  liberdade de expressão, ainda que ofensiva a determinados segmentos da sociedade.41 

Portanto, é entendimento pacificado da Suprema Corte sobre a proteção  preferencial à liberdade de expressão, garantindo a livre produção de obras  humorísticas mesmo que estas não estejam em sintonia com critérios religiosos,  morais ou ideológicos majoritários, inclusive de grupos minoritários da sociedade.42 

Segundo o Ministro André Mendonça, um aspecto que deve ser avaliado no  contexto do caso em tela é o cenário ao qual está inserido as falas, se estas fossem  ditas em qualquer outro ambiente certamente haveria um repúdio, entretanto ao ser  feita num show humorístico não há como ser interpretado de forma literal.  

… diz respeito ao ambiente em que as falas, supostamente “indicativas” da prática de ilićito penal, foram proferidas. Trata-se, a toda evidência, de um  show de humor, conhecido como stand up comedy, modalidade atualmente  bastante difundida no Brasil, no qual imperam – e é exatamente isso que  esperam os consumidores desses eventos – o riso, a galhofa, a deformação  hiperbólica da realidade, a crítica abusada, debochada, mordaz, polêmica,  por vezes ofensiva e, frequentemente, sem qualquer compromisso com o  ideário politicamente correto. 32. No julgamento do Referendo na Medida Cautelar na ADI no 4.451/DF, o  eminente Ministro Cesar Peluzo, referindo-se aos programas humorísticos,  salientou que “é próprio da caricatura, da sátira e da farsa, aquilo que se  chama de deformação hiperbólica da realidade. Ninguém faz farsa,  caricatura ou sátira, sem deformar a realidade” (ADI no 4.451-MC-Ref/DF,  Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. 02/09/2010, p. 24/08/2012). Essa constatação reforça a necessidade de interpretar as falas do reclamante no  contexto do ambiente em que são proferidas.   33. O professor Rony Petterson Gomes do Vale, pesquisador dessa temática, delimita bem o campo discursivo do humor praticado sob a forma  de stand up, auxiliando a compreensão do ambiente próprio que o envolve, o qual propicia falas que, em qualquer outro contexto ou ambiente, provavelmente causariam perplexidade, indignação e repúdio, jamais, risos.43 

Corroborando com essa linha de pensamento, o humorista Léo Lins em seu  livro Segredos da Comédia Stand-up, deixa claro que a intenção da piada principal  da piada é fazer rir, mesmo que nas entrelinhas haja uma crítica social, de nada ela  valeria se não conseguisse uma risada da platéia.  

Mas de nada adianta subir ao palco e fazer várias críticas construtivas ao sistema sem arrancar uma risada. Minha intenção com uma piada é fazer rir. Se, além disso, conseguir fazer uma crítica, denunciar problemas na sociedade ou transmitir informações e cultura, melhor ainda. (LÉO, Lins.pag. 125. 2014) 

Após toda fundamentação jurisprudencial, o Ministro relator da reclamação  em tela deixa claro que sua decisão não implica no mérito da responsabilidade  criminal do reclamante, inclusive porque esta não é objeto da reclamação e a  competência para o julgamento criminal é de competência ordinária. Por fim, foi  julgado procedente o pedido, cassando a decisão reclamada e todos os seus efeitos  cautelares, sem prejuízo da continuidade da ação penal em curso.44 

Dessarte, ao analisar o caso Léo Lins e o seu show intitulado Perturbador é  notório como o Poder Judiciário em sua mais alta corte deixou clara a prevalência do  direito à liberdade de expressão e artística, fundamentando sua decisão em  jurisprudências e entendimentos já consolidados, é possível concluir que o poder  moderador na judicialização do humor tem decidido contra possíveis censuras que  possam eventualmente ocorrer. 

3) Liberdade de Expressão na Visão de John Stuart Mill.  

Portanto, a proteção contra a tirania do magistrado não é suficiente; também é preciso proteção contra a tirania da opinião e do sentimento  prevalente; contra a tendência da sociedade de impor, por outros meios que não as penalidades civis, suas próprias ideias e práticas, na forma de regras de comportamento, sobre aqueles que delas discordam; de condicionar seu  desenvolvimento e, se possível, evitar a formação de qualquer individualidade que não esteja em harmonia com o seu modo de ser e coagir os caracteres a se moldarem segundo seu próprio modelo. (MILL,  John Stuart. p. 75 e 76. 2017.) 

John Stuart Mill responsável pela obra Sobre a Liberdade (On Liberty, 1859)  retrata um estudo sobre a importância do direito à Liberdade de Expressão, em  defesa da individualidade do indivíduo não somente contra o Poder Estatal, mas  também contra a sociedade. 

No capítulo introdutório deste ensaio, Mill se debruça na explicação de que na  antiguidade a luta pela liberdade se dava contra as autoridades, autoridades estas  que detinham poder necessário para limitar direitos essenciais do povo, perpetuação  no poder e podendo ser uma arma não somente contra inimigos externos como  também contra súditos descontentes com as regras impostas (Mill, p. 74. 2017). 

O objetivo dos patriotas, portanto, era pôr limites suportáveis ao poder que o  governante exerce sobre sua comunidade; essa limitação era o que eles entendiam como liberdade. (MILL, John Stuart. p. 74. 2017). 

Entretanto, novas formas de opressão emergiram com o surgimento da  democracia e Mill vislumbra um crescimento de um novo fenômeno, a opinião  pública. O receio era o nascimento de um governo subjugado pela opinião pública,  pois esse fenômeno poderia acarretar a criação de leis através do preconceito  público. 

A “tirania da maioria” como Mill denomina esse fenômeno é algo temível e  requer atenção da sociedade, visto que esta se consolida através dos atos de  autoridades públicas em consonância com a vontade da maioria ou então de parte  daqueles que detém o mesmo pensamento que os seus. O autor ratifica sua  preocupação contra essa tirania feita pelo povo que pode, inclusive, oprimir parte do  próprio povo se estes não estiverem de acordo com suas ideias.  

A vontade do povo, além disso, quer dizer na prática a vontade da mais  numerosa ou mais ativa parte do povo; a maioria, ou aqueles que conseguem se fazer aceitos como a maioria; o povo, consequentemente, pode desejar oprimir uma parte de si mesmo; e contra isso são necessárias muitas preocupações, assim como qualquer outro abuso de poder. (MILL,  John Stuart. p. 74-75. 2017).

Devido à opinião pública exercer grande poder sobre o Estado, os  governantes possuem a tendência de atender em maior parte os ensejos de alguma  classe que esteja em ascensão, construindo parte da moralidade do país através  dos interesses dessa classe. Por isso, Mill deixa claro em sua obra o quanto o  governo é subjugado aos interesses do povo, desde que este entenda que o poder  do governante é o seu próprio poder, assim como as opiniões dos governantes são  as opiniões do povo (MILL, p. 80. 2017).  

Por essa razão o Mill defendia o direito à liberdade de expressão, para que  houvesse respeito à ideia mesmo que não pertencesse aos seus ideais, criando  assim um cenário com ideias contraditórias sobre qualquer tema, mas sem o  domínio de uma verdade absoluta. 

Com base nos ideais do Utilitarismo, doutrina caracterizada pela ideia de que  as condutas devem promover a felicidade de cada pessoa envolvida, Mill elaborou  “um princípio muito simples” tendo como finalidade que cada indivíduo poderá agir  como bem quiser, sem a intervenção de terceiros para impor condutas morais de  como deveria agir, desde sua ação não acarreta danos a outros. Segundo o  autor, a coação, punindo o indivíduo por desobediência ou através de penas, não é  pretexto aceitável para impor seu próprio bem, essa coação só seria justificável  quando utilizada para manter terceiros em segurança (MILL. p. 83. 2017). Ou seja,  “um princípio muito simples” autoriza a sociedade a interferir na liberdade de ação  de qualquer cidadão somente para autoproteção. 

… há também no mundo uma grande e crescente inclinação a ampliar indevidamente os poderes da sociedade sobre o indivíduo, pela força da opinião e até mesmo a da legislação; e, como a tendência de todas as  mudanças que ocorrem no mundo é de fortalecer a sociedade e diminuir o  poder do indivíduo, essa intrusão não leva a que os males desaparecem espontaneamente, mas, ao contrário, a que cresçam e se façam mais  temíveis. (MILL, John Stuart. p. 87-88. 2017). 

A segunda parte do ensaio intitulado “Sobre a liberdade do pensamento e de  debate” é a alma do seu pensamento, o autor defende a liberdade de expressão  como um direito individual e que nem o Estado, a sociedade e nem a sociedade  através do Estado pode reprimir esse direito. Em sua visão liberal o fato de alguém  não concordar com algo que o outro diz, não lhe dá o direito de reprimi-lo.  

É somente através da liberdade de expressão e do pensamento que é possível  descobrir novas verdades ou descobrirmos que as verdades até o momento  consolidadas são de fato, até aquele momento, confiáveis, visto que não há uma verdade absoluta e imutável. Desse modo, um indivíduo pode, inclusive, ter razão  em suas ideias, mas isso não lhe dá o direito de abolir ideias contrárias. Em concordância com sua premissa acerca da tirania da maioria, Mill assevera que mesmo um governo utilizando de seu poder coercivo em consonância  com a vontade da maioria, este seria um poder ilegítimo.  

Suponhamos, portanto, que o governo está sempre acompanhando o povo e nunca pensa em exercer qualquer poder de coerção a menos que tenha  concordância do que conceba ser a voz do povo. Mas eu nego que o povo tenha o direito de exercer tal coerção, seja por ele mesmo, seja por meio de  seu governo. Esse poder em si mesmo é ilegítimo. (MILL, John Stuart. p.  90. 2017).  

Este poder de coerção ao direito individual à liberdade de expressão é mais  nocivo quando exercido de acordo com a opinião pública do que quando é realizado  em oposição a ela (MILL. p. 91. 2017), afinal quando o cerceamento imposto pelo  Estado é feito contrariamente à vontade da maioria é evidente a ação ditatorial do  governo, uma ação tirânica realizada contra os princípios democráticos. Contudo, ao  ser realizada com aval da opinião pública é difícil visualizar a perda do direito  quando a maioria da população se encontra dentro do grupo favorável.  

Para o autor silenciar a opinião é lesar toda a raça humana e a possibilidade  de evolução dos indivíduos. Se a opinião está certa e foi cerceada, todos aqueles  que possuem ideias contrárias ficam privados da oportunidade de entender o  contraditório e, possivelmente, trocar de opinião. Entretanto, se a opinião está  errada, tira-se a oportunidade do indivíduo perceber uma nova verdade a partir do  embate entre o certo e o errado. 

Para corroborar com este pensamento é que não há verdades absolutas, e  reprimir uma opinião agora seria prejudicial para descobrir novas verdades no futuro,  visto que antigamente havia verdades e que, após a evolução da sociedade, hoje se  entende que estavam erradas, assim como hoje há verdades aceitas que no futuro  poderão ser consideradas absurdas. Por isso que o autor defende a liberdade de  poder expressar suas opiniões e viver em uma pluralidade de ideias, “Nunca  podemos ter certeza de que a opinião que tentamos reprimir é falsa; mesmo que  tivéssemos certeza, reprimi-la seria um mal mesmo assim.” (MILL, John Stuart. p.  91. 2017). 

O embate no campo das ideias requer ampla defesa ao contraditório, afinal  uma ideia pode ser considerada verdadeira porque há tentativas de refutá-la, entretanto não é possível considerar uma ideia verdadeira se não é permitido a sua  refutação.  

O ideal do autor é que haja uma ampla liberdade de expressão, essa  liberdade sendo limitada somente quando colocar outras pessoas em perigo. Para  compreender essa hipótese Mill demonstra em seu ensaio que uma mesma opinião  expressada, a depender do local onde é proferida, pode trazer consequências  diversas, inclusive expor terceiros em perigo: 

Ninguém pretende que as ações sejam tão livres quanto as opiniões. Ao contrário, mesmo as opiniões perdem sua imunidade quando as  circunstâncias nas quais se expressam são tais que constituam uma  possível instigação para alguma ação nociva. Uma opinião de que os comerciantes de milho são os responsáveis pela fome do povo, ou de que a  propriedade privada é um roubo, não deve ser molestada quando simplesmente circular pela imprensa, mas pode incorrer com justiça em  punição quando transmitida oralmente para uma multidão agitada reunida  em frente à casa de um comerciante de milho, ou quando brandida no meio  da mesma multidão na forma de um cartaz. Ações de qualquer tipo que,  sem razão justificável, causem danos a outros podem ser, e nos casos mais  importantes precisam ser controladas por sentimentos que não lhes sejam  favoráveis e, quando necessário, pela intervenção ativa da humanidade.  (MILL, John Stuart. p. 141-142. 2017). 

Portanto, segundo essa análise do autor não importa qual seja a frase dita,  mas sim o contexto ao qual ela será inserida, sendo assim, no contexto do objeto  deste trabalho é possível traçar um paralelo em que um texto dito por uma pessoa  em uma calçada pode ser considerado grosseiro, racista, xenofóbico ou qualquer  outra designação a depender do contexto, entretanto esse mesmo texto interpretado  em um palco para uma plateia que pagou ingresso sabendo que assistiria uma obra  humorística daquela natureza, não é cabível asseverar que será levado ao pé da  letra por conta do contexto ao qual está inserido e a liberdade artística que o  humorista possui.  

Trazendo a análise do ensaio de John Stuart Mill para o objeto central deste  estudo, é possível concluir que qualquer tentativa de cercear os direitos de produzir  obras humorísticas ou expressar opiniões em programas de humor é um atentado  ao direito à liberdade de expressão. 

Assim como a “tirania da maioria” defendida por Mill, hoje segundo o autor há  uma imposição de padronização do comportamento social através do politicamente  correto que inúmeras vezes é satirizado na comédia, criticando tal posicionamento  impositivo de parte da sociedade. Da mesma forma que Mill defende em sua obra, a  evolução da sociedade acontece quando há possibilidade do embate de ideias, e as obras humorísticas trazem à discussão essa crítica social. Afinal, como bem analisa  Frederico Soares, uma sociedade presa em um comportamento imposto  socialmente, politicamente correto, se torna apenas cópia de padrões sem qualquer  individualidade e os humoristas servem justamente para quebrar esse paradigma  utilizando muitas vezes esses comportamentos coletivos aceitáveis para realizar  suas críticas sociais através do humor. 

Como podemos ter certezas sobre determinada cultura se o que se observa  quase sempre é o simulacro, é o imageticamente apresentável? Onde todos  estão presos aos comportamentos coletivos aceitáveis, ou politicamente  corretos? O politicamente incorreto tem muito a revelar sobre a essência, as  angústias e as inquietações de uma sociedade, e o humorista stand up  pode ser a janela para essas descobertas, onde nas teorias da psicologia  social reside em um enfoque sobre a relação indivíduo-cultura. (SOARES,  Frederico Fonseca. p. 490. 2013). 

Portanto, é possível visualizar que obras humorísticas são produzidas para  um determinado tipo específico de público e, segundo a visão liberal de Mill, suprimir  o direito de produzir conteúdos humorísticos porque não condizem com seus ideais  seria uma violação à liberdade individual, contra o direito daqueles que simpatizam  com o tipo de humor apresentado. 

“Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse.” (Friedrich Nietzsche)

CONCLUSÃO 

A liberdade de expressão é um direito basilar para o sustento do regime  democrático de direito e o progresso social. Este direito é caracterizado pela  capacidade do indivíduo poder ter a liberdade de emitir opiniões e pensamentos sem  sofrer qualquer tipo de censura ou interferência, é somente através da liberdade de  expressão que é possível a manutenção do debate público, a troca de informações e  experiências, gerando um ambiente plural. 

Didaticamente a liberdade de expressão é colocada no rol dos direitos de  segunda dimensão, direitos políticos e sociais, estes foram paulatinamente  conquistados para dar ao homem direitos individuais que antes eram cerceados pelo  Estado. Com o surgimento do iluminismo que a liberdade de expressão começou a  ser pleiteada como um direito fundamental inalienável e a Declaração dos Direitos  do Homem e do Cidadão, em 1789, e a Primeira Emenda da Constituição dos  Estados Unidos, em 1791, foram marcos históricos de suma importância para o  começo da consolidação desse direito. 

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tratou de positivar  larga proteção a esse direito, incluindo-o, inclusive, no rol de direitos fundamentais,  isso se deu por conta do regime militar instalado no Brasil entre os anos de 1964 a  1985 que suprimiram inúmeros direitos dos cidadãos, e como forma de reparação  histórica e na tentativa de proteger esses direitos a Constituição Federal, que ficou  conhecida como Constituição Cidadã, outorgar garantias constitucionais de  proteção, especialmente à liberdade de expressão. 

Apesar desse processo histórico este direito fundamental ainda é um tema  que gera muitos debates na tentativa de encontrar um equilíbrio entre a liberdade de  expressão e outros direitos. Devido essa complexidade o Judiciário tem sido  acionado, como espécie de poder moderador, para decidir diante de casos  concretos acerca do limite da liberdade de expressão, e este trabalho trouxe análise  de alguns casos em que no ramo humorístico essa liberdade foi questionada. 

O primeiro caso abordado foi a obra humorística produzida pela produtora  Porta dos Fundos intitulada “Especial de Natal: A Primeira Tentação de Cristo” que  foi questionada por uma Associação Católica alegando que o conteúdo feria  diretamente o direito à liberdade de crença, ademais a maior parte da população brasileira é cristã. Nesse contexto, é possível visualizar o fenômeno da “tirania da  maioria”, explicada por John Stuart Mill em 1789, que ocorre quando uma parcela  grande da sociedade tenta impor um padrão de moralidade, este fenômeno se torna  mais nocivo ainda quando é realizado por intermédio do Estado, que ao fazer valer a  voz da maioria, reprime uma parcela do próprio povo. Entretanto, nesse caso  concreto os tribunais superiores ratificaram o entendimento que haveria a  prevalência do direito à liberdade de expressão, visto que uma mera obra  humorística não teria condão suficiente para abalar a fé cristã. 

O segundo caso foi do comediante Rafinha Bastos que durante um programa  transmitido em rede aberta de televisão proferiu uma piada ou comentário, a  depender do ponto de vista de quem analisa, de cunho sexual contra a cantora  Wanessa Camargo. Esse comentário gerou bastante repercussão social, parte  defendia o direito à liberdade de expressão ainda mais por se tratar de um programa  de humor, enquanto outra parcela da população repudiou a fala do humorista  alegando que sua fala teria extrapolado o direito à liberdade de expressão, ferindo  inclusive a dignidade da cantora. Após análise pelo Poder Judiciário, o comediante  foi condenado a pagar indenização civil para reparação moral, diante do caso  concreto os magistrados deixaram claro seu posicionamento contra o comentário  proferido, trazendo à tona a subjetividade da opinião pública. A visão liberal de John  Stuart Mill defende que não se pode reprimir uma opinião, por mais desagradável  que esta possa ser, porque reprimir é dar um poder ao Estado ou à sociedade de  instalar padrões aceitos e isso seria um crime contra a humanidade, visto que a  pluralidade de ideias é essencial para a evolução de um povo.  

Por fim, o caso recente do humorista Léo Lins que teve seu show retirado do  ar por ordem judicial e sofreu inúmeras sanções na alegação de que sua obra  humorística era um atentado contra minorias. O caso foi até o Supremo Tribunal  Federal que decidiu a prevalência do direito à liberdade de expressão, ademais as  restrições impostas eram genéricas e caracterizavam espécie de censura.  

O pensamento do liberal John Stuart Mill com suas teses baseadas no  utilitarismo pode servir de base para casos que ainda podem vir a ser contestados  no Poder Judiciário acerca do limite do humor. Afinal, o humor possui uma  característica de satirizar problemas sociais para que assim gere reflexão sobre o  tema, essa dicotomia entre o riso e a crítica é interpretada de inúmeras maneiras  diferentes e grupos específicos podem se sentir atingidos.

Ademais, a primazia do debate é análise do contexto ao qual o caso está  inserido, assim como afirma o humorista Léo Lins “o humor não tem limite, o  ambiente, sim.” e a tese elaborada por John S. Mill a respeito da mesma frase dita  em ambientes distintos podem ter peso diferentes e causar dano a terceiros por  conta do contexto ao qual está inserida, podemos concluir que o show de humor  possui seu público, público este que tem autonomia de vontade para querer  frequentar e consumir esse tipo de conteúdo, além do que as piadas, show e obras  humorísticas são feitas em ambientes próprios para isso, seja em casa de shows,  programas especificamente humorísticos ou em plataformas de streaming em que o  usuário escolhe livremente o que consumir, ou seja, impor limites criando padrões  aceitáveis do que pode ou não ser dito seria estabelecer censura, cerceando o  direito à liberdade de expressão e artística. 


1https://www.netflix.com/br/title/81078397 – Netflix – Especial de Natal Porta dos Fundos.
2No site a Associação se descreve na aba “Quem somos”: “Desde a fundação em 17 de setembro de 2016, o  Centro Dom Bosco é uma associação de fiéis católicos que se reúnem para rezar, estudar e defender a fé.  Nossa missão é ajudar a resgatar a bimilenar Tradição da Igreja por meio de livros, aulas e iniciativas  apologéticas. Homens e mulheres na condição de leigos católicos que, unidos, buscam levar uma vida a  serviço da Santa Igreja. Acreditamos que o Brasil é uma nação católica que foi adormecida pelo veneno liberal das casas  maçônicas e, para contrapor o erro, seguimos os passos de nosso patrono, São João Bosco. Estudamos a  doutrina bimilenar a fim de resgatar o que foi perdido por causa do modernismo e das diversas  infiltrações na estrutura eclesiástica. Temos no trabalho editorial nossa principal frente  contrarrevolucionária. Desejamos formar uma nova geração de católicos capazes de renovar a Igreja e a  Terra de Santa Cruz.” – Site: https://centrodombosco.org/quem-somos/ acesso em 07 de abril de 2024.
3BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Decisão em Ação Civil Pública. Processo 03332259- 06.2019.8.2019.0001. 16º Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 19 dez. 2019.  Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-19/promotora-suspensao-especial-natal humoristico/ Acesso em: 07 abril 2024. 
4BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Decisão em Ação Civil Pública. Processo 03332259- 06.2019.8.2019.0001. 16º Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 19 dez. 2019.  Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/juiza-rio-nega-censura especial-natal.pdf Acesso em: 07 abril 2024.
5BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (6ª Câmara Cível). Agravo de instrumento – Cível. Autos n°  0083896-72.2019.8.19.0000. Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2020. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/desembargador-tj-rj-censura-especial.pdf Acesso em: 07 abril 2024.
6Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-08/censura-porta-fundos-absurda-fundamento/ Acesso em: 07 de abril 2024. 
7BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782  MC/RJ. Brasília, 09 de janeiro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/toffoli-concede-liminar-suspende.pdf Acesso em: 07 abril 2024. 
8BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 8 e 9. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em:  09 abr. 2024.
9BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 12. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
10BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 12 e 13. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em:  09 abr. 2024. 
11BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 17. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
12BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 22. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
13BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 28 e 29. Disponível em:  https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em:  09 abr. 2024. 
14BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 29. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
15BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 29. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
16BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 31. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
17BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 38.782 Rio de Janeiro. RCL 38782. Relator: Ministro  Gilmar Mendes, Brasília, 03 de novembro de 2020. p. 31. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/gilmar-especial-porta-fundos.pdf Acesso em: 09 abr. 2024.
18Santana, André. “Há 10 Anos, CQC Estreava No Brasil.” Observatoriodatv.uol.com.br, 23 Mar. 2018,  https://www.observatoriodatv.uol.com.br/noticias/ha-10-anos-cqc-estreava-no-brasil. Acesso em: 14  abr. 2024. 
19O programa completo foi postado no site Youtube e se encontra disponível através do link:  https://www.youtube.com/watch?v=O1nVpidA-wg Acesso em: 14 abr. 2024. 
20O vídeo foi postado no site Youtube e se encontra disponível através do link:  https://www.youtube.com/watch?v=IG3YzsOJVzs Acesso em 14 de abr. 2024.
21Neste caso foi utilizado um recurso de linguagem, perguntando se ele queria algo para beber,  entretanto para passar a ideia sobre o caso sobre a sua fala durante o programa referente à cantora  Wanessa Camargo, foi falado dessa forma remetendo a palavra beber com bebê. 
22BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18° Vara Cível  Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/marcus-buaiz-rafael-bastos-hocsman-acao-1.pdf Acesso em: 14 abr. 2024.
23BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18° Vara Cível  Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/marcus-buaiz-rafael-bastos-hocsman-acao-1.pdf Acesso em: 14 abr. 2024.
24BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18° Vara Cível  Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/marcus-buaiz-rafael-bastos-hocsman-acao-1.pdf Acesso em: 14 abr. 2024.
25BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18° Vara Cível  Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/marcus-buaiz-rafael-bastos-hocsman-acao-1.pdf Acesso em: 14 abr. 2024.
26O comentário foi postado no site Twitter (atual X) e se encontra disponível através do link:  https://twitter.com/rafinhabastos/status/159674752355667968 Acesso em 4 de mai. 2024.
27BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 583.00.2011.201838-5. 18ª Vara Cível  Central da Comarca da Capital de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/marcus-buaiz rafael-bastos-hocsman-acao.pdf Acesso em: 04 mai. 2024. 
28BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo 0201838-05.2011.8.26.0100. (10ª Câmara  de Direito Privado), acórdão j. em 06.11.2012. Disponível  https://www.jusbrasil.com.br/processos/126215498/processo-n-0201838-0520118260100-do-tjsp Acesso em: 04 mai. 2024.
29BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo 0201838-05.2011.8.26.0100. (10ª Câmara  de Direito Privado), acórdão j. em 06.11.2012. Disponível  https://www.jusbrasil.com.br/processos/126215498/processo-n-0201838-0520118260100-do-tjsp Acesso em: 04 mai. 2024. 
30BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo 0201838-05.2011.8.26.0100. (10ª Câmara  de Direito Privado), acórdão j. em 06.11.2012. Disponível  https://www.jusbrasil.com.br/processos/126215498/processo-n-0201838-0520118260100-do-tjsp Acesso em: 04 mai. 2024. 
31BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1.487.089-SP, julgamento em 23 de junho de  2015. Disponível em:  https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/REsp%201487089.pdf Acesso em: 05  mai. 2024.
32BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1.487.089-SP, julgamento em 23 de junho de  2015. Disponível em: https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/REsp%201487089.pdf Acesso em: 05 mai. 2024.
33BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. 13ª Câmara de Direito Criminal. Recurso em sentido estrito n°  0089908-35.2011.8.26.0050. Disponível em: https://www.conjur.com.br/wp content/uploads/2023/09/acordao-rafinha-bastos-acordao-13.pdf Acesso em: 05 mai. 2024.
34Informações sobre a campanha feita pelo humorista. Disponível em: O Livro Do Insulto  (fabricadohumor.com.br) Acessado em: 10 mai. 2024.
35As informações foram retiradas do site g1. Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao paulo/noticia/2023/05/17/justica-proibe-leo-lins-de-sair-de-sp-por-mais-de-10-dias-sem-autorizacao judicial-por-comentarios-odiosos-contra-minorias.ghtml Acessado em: 10 mai. 2024.
36BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 22. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
37BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 11. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
38BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 12 e 13. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
39BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 15. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
40BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 16. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024. 
41BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 19. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
42BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 20. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024. https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
43BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 20 e 21. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60382.pdf Acesso em: 10 de mai. 2024.
44BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 60.382 São Paulo. RCL 60382. Relator: Ministro André  Mendonça, Brasília, 28 de setembro de 2023. p. 24 e 25. Disponível em: 

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